Um Olhar Crônico sobre os dias de hoje e alguns de ontem. Um Olhar Crônico sobre a vida nas cidades, a vida na megalópole, a vida na roça, quando é dura, e no campo, quando é lírica. Textos, Idéias & Coisas diversas, aquelas que passam pela cabeça e a gente acaba registrando, sabe-se lá pra que ou mesmo porquê.
quarta-feira, agosto 17, 2005
Noites e dias livres...
Livres de insetos. Que coisa boa! Vamos e venhamos, insetos aos montes é um saco. As portas da casa tem de permanecer rigorosamente fechadas, coisa que desagrada aos cachorros e à Sophia, que gostam de sair – o que todos sabem fazer empurrando as portas teladas – e entrar conforme lhes dá na telha. As moscas são quase uma lembrança, nada mais que isto, mesmo com o curral, as vacas, o esterco todo a algumas dezenas de metros de nossa casa.
Essa ausência de insetos em profusão e as noites sem luar são duas das grandes benesses do inverno. Há outras, mas me alongaria mais que o normal se fosse falar de todas elas.
Confesso, todavia, que a próxima chegada da primavera me anima. Com ela virão as revoadas de saúvas e cupins, enchendo o ar de siriris e içás. A passarinhada toda fica alvoroçada, as galinhas se agitam e as angolas se divertem, comendo toneladas de tanajuras e aleluias. Os sapos de todos os tamanhos voltarão a fazer ponto em nossas varandas, religiosamente, se empanturrando de tudo quanto aparecer atraído pelas luzes, principalmente besouros. O que me leva a freqüentes incursões noturnas catando besouros rola-bosta aos montes e jogando-os no bezerreiro e nos pastos próximos. Lá, eles fazem uma limpeza muito boa. Enterram-se no solo, cavando galerias, e levam lá pra baixo o esterco das vacas. No esterco vão os ovos da odienta mosca-do-chifre, uma praga terrível, tenebrosa, incômoda, para as vacas. Esses ovos nunca gerarão novas moscas, contribuindo para um razoável controle das maledetas. Aqui, em parte por isso e em parte pela homeopatia, a infestação é pequena, mas mesmo assim existe e incomoda.
E os vagalumes voltarão. As noites com eles são sempre mais bonitas, mais interessantes. O curioso é que a ciência já descobriu a luciferase, enzima que, na presença de ATP (adenosina tri-fosfato) e do substrato luciferina, produz luz fria sem calor. Ou seja, descobriu tudo mas não descobriu como fazer luz fria, com pouca ou nenhuma perda para a geração de calor. De 90 a 94% da energia envolvida é transformada em luz pelos vagalumes, e somente de 6 a 10% é transformada em calor. Isso é exatamente o oposto do que nós conseguimos com nossas lâmpadas.
Alguns vagalumes emitem uma luz bastante forte. Já me flagrei assustado no sítio com uma luz cambiante vindo em minha direção pelo carreador de entrada. Ô, diabo de sensação chata! É passageira, dura se tanto dois segundos, mas deixa seqüelas. Há um intervalo, um delay, como se diz em português moderno, entre a visão da luz, a descarga de estímulos meio vexatórios e instintivos e, finalmente, o glorioso processamento daquele sinal por nosso intelecto, que em questão de nanossegundos chega à conclusão, brilhante, que é só um vagalume. Pena que o estrago já esteja feito antes disso tudo. Essa luz, que com certeza está na origem de algumas lendas, de alguns mitos, é contínua e gerada pela “lanterna” abdominal do pirilampo.
Um dos grandes espetáculos dos cerrados, ou melhor, mais na região do sudoeste goiano e leste do Mato Grosso do Sul, é a visão dos cupinzeiros luminosos. A região é rica em cupins de montículo – dos quais há um monte de espécies – e os vagalumes deixam seus ovos nos respiradouros desses montículos. As larvas que eclodem dos ovos, postam-se à entrada dos respiradouros e brilham. É esse o belo espetáculo que a gente vê. O que a gente não vê é o porquê do espetáculo: atraídos pelas luzes, insetos incautos vão de encontro a elas. Vão de encontro às goelas das larvas. Dirá alguém: por trás da beleza, o horror. Bobagem. Isso nada mais é que uma engenhosa adaptação de uma espécie ao seu ambiente.
Pois bem, logo, logo, as noites começarão a esquentar, as chuvas chegarão, os insetos voltarão. Com eles, coisas boas e coisas ruins. E paro por aqui se não vou sair citando Engels e o meio bobo “Dialética da Natureza”. E nem eu tenho mais estômago para tanto.
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2 comentários:
Não sabia dessa proeza das larvas dos vagalumes, apesar de já ter visto e gostar muito dos vagalumes, nunca vi um cupinzeiro brilhando por causa delas.
abraço
Olá Fernando, gostei do seu texto sobre vagalumes, sou apaixonada por eles. Quando morava em Guarulhos(Grande São Paulo) na década de 80, nos bairros mais afastados, podíamos ver árvores cobertas com vagalumes.
Infelizmente isso não ocorre mais, e para minha tristeza, mesmo em
Santa Catarina na área serrana e na rigião de Joinville, onde resido atualmente, os pirilampos são raríssimos.
Se por acaso você possuir fotografias desse espetáculo noturno, por favor me envie. Pois, irei utilizá-las nas turmas de ensino de Ciências.
Agradeço antecipadamente.
Valdelucia
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