quinta-feira, abril 23, 2009

Os muitos nomes da Lua num final de madrugada


“... o por-do-sol precisa da minha supervisão...”, diz meu amigo Ary, num e-mail em que comenta minha mudança para o sítio e sua intenção em fazer o mesmo brevemente. Pois bem, contrapor daqui com a máxima seriedade: não é só o por-do-sol, Ary, o amanhecer também precisa da nossa supervisão.

Ontem, naquela hora imprecisa em que a madrugada findou e a manhã não começou, olhei para o céu e fiquei boquiaberto: a Lua, despedindo-se em seu quarto minguante, fininha como um alfange muito gasto e com o brilho da prata com que sonhavam os conquistadores europeus dessas Américas; bem pertinho, Venus, brilhante e prata pura, ambas destacadas contra o céu cambiante do escuro para o azul; entre elas, um jato cruzava o céu no rumo da grande metrópole a sudeste, deixando atrás um curto rastro também prateado como ele mesmo.

Um momento mágico.

Artemis e Afrodite, Diana e Venus, Jaci e a estrela matutina, entidades celestes que encantam os homens desde tempos imemoriais, fazendo uma trilha para a passagem da criação dos descendentes dos mesmos homens que as veneravam. A nascente manhã fria estava tomada pelos cantos dos pássaros, muitos pássaros que habitam esse sítio e seus arredores, ao gosto de Artemis, protetora e amante dos animais.

O jato se foi, levando pessoas desconhecidas rumo a seus destinos na grande cidade, alheias à Lua em seus muitos nomes e símbolos. Talvez alguém lá no alto, dentro do aparelho voador, estivesse olhando para baixo e pensando, como eu tantas vezes fiz, se alguém lá embaixo parava o que estava fazendo e olhava para o avião.

Sim, olhava para a obra-prima tecnológica, mas era só isso.

O pensamento voara para longe, muito longe, outras eras, onde Apolo é somente mais um deus do Olimpo, jamais uma nave espacial.

É isso, Ary, tudo precisa da nossa supervisão atenta, pois há quem acredite que tudo só existe quando sob nosso olhar.


terça-feira, abril 21, 2009

Feriadão no sítio



Dia de Tiradentes, numa terça-feira, mas nem parece. Ontem, segundona de feriadão, o dia foi de uma normalidade absoluta, o que pode ser traduzido por “um dia de muito trabalho”, normalíssimo. Saí atrás de peças para a picadeira de cana, inclusive um eixo absurdamente gasto pelo uso intensivo e uma manutenção que pode ser descrita como pouco cuidadosa.


Mexer com essas coisas para mim é novidade, tal como ir a uma tornearia.

Conheço muito sobre tornos: já gravei muitos deles funcionando, controlados por cérebros eletrônicos (desculpem, ainda sou do tempo em que se chamava computador de cérebro eletrônico) e sei que são usados para um monte de coisas importantes, sem as quais nossa vida seria muito pouco confortável.

E, claro, bem informado que sou, sei de tudo o mais importante: ser torneiro-mecânico pode dar acesso à presidência dessa república.


Ou seja, nada sei sobre tornos.


O Toninho, de uma revenda de tudo para agricultura, disse-me que não tinha aquele eixo em estoque, mas que era só levar na oficina que o pessoal “enchia” e ele ficaria perfeito. Carreguei minha ignorância para a oficina e lá fiquei, olhando e admirando o trabalho do torno e do torneiro. Não há cérebro eletrônico na máquina, só o cérebro do operador, controlando suas mãos e seus olhos. Primeiro ele encheu o eixo com metal derretido pela solda elétrica. Depois colocou-o no torno e foi acertando, pouco a pouco, o enchimento feito pela solda. Em menos de meia hora lá estava meu eixo, novo em folha, pronto para trabalhar na picagem de umas 80 toneladas de cana, no mínimo, no decorrer dessa seca que se avizinha.


Na roça não tem jeito: você precisa mexer com mecânica, com torno, com eletricidade, com encamentos, com limpeza de minas e de caixas-d’água...

Tendo um pouco de sorte você consegue mexer até com vacas e plantas.


Minha Saveirinho 95 álcool anda esperta, pra cima e pra baixo. Toda vez que vou a Porto (Porto Ferreira, para os não-iniciados) volto com 300, 400 e até 500 kg de carga na caçamba, sempre farelos para ração. Com chuva, tudo “envelopado” por uma lona plástica, cordas por todo lado para o vento não levantar e a água não entrar.



Pela manhã, ao sair para dar uma forcinha pro Zé Divino, blusa, camisa e camiseta são obrigatórias. O frio já chegou, mas o sol esquenta tudo e o jeito é tirar a blusa e depois a camisa, deixando a camiseta já suada. Dias quentes, noites frias, gosto disso, as vacas também. O Zé já nasceu em lugar parecido, Andradas, em Minas Gerais. faltam algumas montanhas, mas temos nossos morros.


Apesar da trabalheira, dá para ver muita coisa.

As seriemas cresceram seus filhos e já fica difícil distinguir quem é quem. Andam os quatro juntos, o tempo todo. No mundo das seriemas como no mundo dos homens, os filhotes adotaram a moda “canguru” e só deixam o lar paterno já bem crescidos, muito crescidos. Garotada esperta, essa.


A proximidade do final da tarde traz os jogos de luz e sombras. Um pouco a gente tem que parar e observar. Tenho sorte, faço isto desde sempre.


Basta olhar para encontrarmos a beleza.


Ah, é verdade, hoje é feriado, mas eu já falei isso, né?

Nem parece, exceto pelo fato de ir filar a boia na minha sogra.

No mais, a vida segue seu ritmo.



sexta-feira, abril 10, 2009

Sob a beleza serena do luar

Passei pela porteira e parei a pickup. Desliguei o motor, apaguei as luzes e desci para fechar a porteira. Não voltei para o carro, fiquei parado olhando a Lua. Cheia, imensa, dourada. É a terceira noite da cheia plena e o espetáculo desse começo de noite foi de emocionar. Assim como a visão dela nos dois últimos começos de dia, prateada, fechando a madrugada e revelando a neblina fraca que cobre as grotas e algumas encostas. Os pastos adquirem a mesma tonalidade prateada, o frio já se faz sentir, exige blusa, mas ainda não é intenso. As vacas sentem-se confortáveis, principalmente as Jersey, com sua origem nas ilhas do Canal, frias e úmidas. Os bezerros dormem profundamente, alguns meio escondidos pela grama abundante do bezerreiro.

Nesses finais de madrugada, nesses começos de noite, fico em paz, sinto uma tranquilidade que há muito não sentia, talvez nunca tenha sentido. Aqui é meu lugar, aqui estou fazendo o que sonhei fazer por toda a vida. Demorou, demorou muito, mas essa paz comigo mesmo compensa tudo.

Não gosto de luzes fora de casa, sou um bicho do mato que gosta da claridade difusa das estrelas e do luar, e essas noites claras de outono são quase tão perfeitas quanto as de inverno. Pensando bem, são ainda melhores porque há umidade por toda parte, mesmo depois de alguns dias sem chuva. Poucos insetos ainda incomodam e sentar na varanda para simplesmente olhar a paisagem banhada pelo luar é bom demais. Temos feito isto, mas ainda pouco. Sem uísque, sem cerveja, sem charuto, sem música, apenas luar e paisagem. Trilha sonora não falta, desde um bezerro ranheta até os grilos e algumas aves noturnas. Para mim, assim é o mundo, assim deveria ser sempre.

Há milhares de anos, em noites como essa, saímos da proteção da caverna e olhamos para um céu igual a esse. Nada sabíamos sobre os astros, sobre essas luzes, mas sentimos o seu mistério e seu esplendor. Abstraio as explicações cientificas, elimino-as de meus pensamentos e percebo que estou muito próximo de ancestrais remotos. Evoluímos, associamos astros a deuses e agora explicamos tudo em detalhes tão minuciosos quanto inatingíveis. Nessa hora penso que ciência e religião são a mesma coisa, apenas o homem tentando explicar tudo que vê, tudo que sente.

Bobagem. Melhor sentir, apenas.