sábado, julho 28, 2012

Pensamentos ao léu na beira do caminho




A saca do farelo de soja chegou a oitenta reais. Inacreditável.
O milho sobe, não dá para saber o quanto mais subirá.
Milho e soja respondem por quase um terço dos custos de produção, em média. Não há fuga, têm que ser usados. Eventuais ou possíveis substitutos têm custos parelhos, ligeiramente menores, mas com qualidade inferior. Melhor pagar um pouco mais e ficar com o que é bom.

Voltando para o sítio depois de ter levado o Dito para sua casa, no pequeno distrito de Santa Cruz da Estrela, antiga Jacirendi, tive o Sol bem à minha frente. Mas não ofuscou e nem estava com óculos escuros. A linha do horizonte escondia a maior parte de seu disco e deixava somente um semicírculo alaranjado, puxando para o vermelho. 
No alto do morro antes de chegar no sítio do Sandro, parei o carro por alguns minutos, enquanto o Sol “descia” e escondia-se no horizonte. Nenhum carro passou, as vacas num pasto próximo não se dignaram a perder mais tempo que o suficiente para um rápido olhar de avaliação. 

Um final de dia gostoso, a temperatura em confortáveis vinte e quatro graus e a vista tomada por sítios e fazendas, lavouras de cana e um pouco de laranja, pastos e eucaliptos, aqui e ali manchas do que já foi mata nativa. Com jequitibás e pau-d’alhos imponentes, muitas vezes centenários, hoje reduzidos a um aqui, outro muito longe. 

Na outra encosta, em meio ao canavial recém-brotado, uma velha e retorcida copaíba, que ficou solitária quando a mata foi derrubada. Foi cercada pelo café e depois pelo pasto. Que cedeu lugar a grande pomar de laranja, até que as doenças chegaram e o pomar se foi, doente, degradado, ocupado por dezenas de vacas em busca do que comer. 
Não faz muito tempo os esqueletos que um dia perfumaram o ar nas floradas e carregaram-se de amarelo na safra, foram reunidos e empilhados em montes pelas lâminas dos tratores e a fumaça das fogueiras tomou conta de parte do céu. 
As vacas foram embora, prefiro não saber para onde, e a cana, mais cana, cerca agora a solitária copaíba, que a tudo isso sobreviveu.

O Sol sumiu no horizonte, ficou somente sua claridade morna e suave de um fim de tarde invernal.

Voltei para o carro e o preço da soja reocupou seu lugar perdido enquanto dirigia os três quilômetros finais até chegar em casa. 
E apesar de parar, descer, fechar a porteira, voltar para o carro e dirigir mais trezentos metros ou pouco mais que isso, como todo dia útil, tive a consciência de que vivera um momento único. 
Como todo momento que vivemos. 
Banal, simplesmente único.

domingo, julho 08, 2012

Chuvas, inverno e pastos


Chuvas, inverno e pastos

À guisa de introdução e escrito para um amigo que anda pensando em saltar de São Paulo para a roça: essa história de deixar Sampa e vir pro sítio, bom, só digo uma coisa: ainda bem que arrependimento não mata, pois já estaria mortinho, tão grande é meu arrependimento ao pensar nos muitos anos que fiquei em SP adiando a vinda para cá. Enquanto escrevo, termina a ordenha, dá pra ouvir a Prata FM com sua programação sertaneja, as angolas aporrinhando de tanto dizer que “tão” fracas, passarinhada cantando pelas árvores e outros clichês, todos eles bons demais. O dinheiro é curto e o trabalho é muito, mas é “bão” demais.

Acordei no meio da madrugada com o barulho da chuva. Mais pra chuvinha do que pra chuva, uma garoa metida a besta, digamos. Depois de um junho com várias chuvas dignas desse nome, devidamente acompanhadas pelo barro, esse garoão de início de julho é outra bênção dos céus para nós. Não para todos nós, como sempre, pois, mesmo fraco, irá atrapalhar um pouco o final da colheita do café de muitos produtores, bem como dos talhões de milho que ainda restam. Mas os nossos pastos continuarão verdinhos, bonitos de ver e... quase sem utilidade real, pois não terão massa, não terão volume suficiente de capim para as vacas se alimentarem.
Tudo seria diferente se eu tivesse feito uma sobressemeadura de aveia e azevém, porém, como era de se esperar e de acordo com as Leis de Murphy, não fiz. E choveu. Se tivesse feito... não teria chovido e teria perdido o dindim das sementes, caras pra burro. É assim que é e o jeito é navegarmos de acordo com essas verdades imutáveis.
Aqui cabe uma explicação: nossos pastos, como a maior parte dos pastos brasileiros, são formados por capins tropicais: mombaça e tanzânia, que são varietais do famoso colonião, e braquiária. Ora, capins tropicais precisam de muita luz, muita água e muito calor para crescerem. Os coloniões diversos precisam, também, de muita fertilidade no solo. Na verdade isso é falso, é lenda urbana, pois todo e qualquer capim precisa de solo fértil para render alguma coisa, seja colonião, elefante, gordura ou braquiária. Baixa fertilidade, pouco capim. Alta fertilidade, muito capim. Falando ou escrevendo é simples, mas na vida real é diferente. Muita gente ainda hoje acha que pasto é pasto, basta pôr a vacada em cima e tchau. Triste, cara e empobrecedora ilusão.
Voltando ao tema: como disse, tivemos chuvas em junho e agora esse garoão julino e o capim tá verdinho que dá gosto, mas sem massa. Porque faz frio. Não importam os vinte e tantos graus do meio do dia, o que importa é a mínima, que nessas Terras Altas Paulistas anda na faixa dos doze aos catorze, às vezes quinze graus. Ora, com uma mínima de dezoito graus os capins tropicais diminuem o ritmo de crescimento. Com uma mínima de quinze eles, muito simplesmente, param de crescer.
Aveia e azevém são gramíneas de climas temperados, pouco suscetíveis a esse friozinho tupiniquim. Se tiverem fertilidade, luz e água crescerão, mesmo com o frio. Daí a tal sobressemeadura, que nada mais é que botar um balde com calcário e sementes das duas gramíneas, tudo bem misturado, e todo dia, antes de abrir um piquete para a entrada de suas senhorias, as vacas, botar o balde aninhado junto ao sovaco esquerdo e caminhar pelo piquete, jogando a mistura calcário/sementes com as mãos.
Esqueçam as luvas, elas não funcionam, o serviço tem que ser feito com as mãos nuas, mesmo. O diabo é a brisa que sopra bem na hora em que estamos arremessando as sementes em  gracioso arco (muito bonito em slow motion, nos documentários agrícolas, apesar do pó), o que acaba trazendo um mundo de calcário direto para o nariz e a boca, aberta a troco de nada. Mania mais besta essa, sô!
O calcário é para facilitar a mistura, a pegada e o arremesso, além de marcar onde já jogamos. E fazer o serviço todo dia, antes de abrir o piquete, é para que as vacas pisoteiem as sementes e completem o serviço.
Teria que ter feito a sobrressemeadura em abril, comecinho de maio. Não fiz, pois pensei que as chuvas parariam como pareciam que iam parar. Coisas da roça e da vida.
Seja como for, é muito bom ser acordado no meio da madrugada pelo barulhinho gostoso da chuva. Nem se compara ao acordar com câimbras ou a maldita coceira da psoríase. Ouvi um pouco, o suficiente para perceber que era mansinha, sem ventos e, principalmente, sem raios e trovões, o que teria me obrigado a levantar para ir desligar o tanque de refrigeração do leite. Embalado por essa cantiga tão antiga como o mundo voltei a dormir, pensando, com uma pontinha de amargura, no azevém e na aveia que não sobressemeei. Ano que vem será diferente.
Ou não... Afinal, quem já ouviu falar em dois anos seguidos com invernos chuvosos nesses tempos de aquecimento global e previsões acuradissimas?
Eu é que não.