sexta-feira, outubro 27, 2006

Prazeres ardidos

.

(Aviso aos desavisados:

Apesar do título, essa é só uma inocente crônica.)


A pimenta cumari é nativa no sítio. Encontramos seus pés pelas beiradas da matinha da mina e da matinha do pasto. A passarinhada se diverte com a cumari e o fruto dessa diversão é a presença de cumarizeiros onde eles param, descansam e... semeiam com esterco, para não dizer defecam, palavra que fica meio feiosa num texto com pretensão a ser elegante. E apetitoso, pois comida é o que motiva essas mal digitadas.

Diz a sabedoria popular que a cumari faz bem pra saúde, que é boa pra muita coisa, inclusive pra próstata.

Como? Boa pra próstata?

É, fulano, beltrano, sicrano, todos dizem isso, porque tem gente conhecida que...

Ok, dispenso os exemplos das gentes conhecidas, até porque para mim são desconhecidas.

Mas, quer dizer, então, que a cumari é boa pra próstata, é?

Hummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm...

Claro que a profunda reflexão que tal informação ensejou foi mais rápida que esse “hummm” aí atrás. Como bom humano e bom brasileiro, na hora mesma incorporei a cumari ao meu cardápio habitual. E, pensando bem, essa pimentinha deve ser muito boa mesmo, afinal, o tanto que a passarinhada come e não tem problema... Eu, pelo menos, metido que sou a saber um monte de coisa, nunca soube de passarinho com problemas nessas partes. O fato deles não as terem tal como nós, é irrelevante.

Não damos conta das cumaris que o sítio produz e os passarinhos deixam. Pegamos um pouco, que vai pra conserva com óleo de canola ou girassol misturado com azeite. Algumas semanas de repouso ao abrigo da luz, vidros bem fechados e pronto: é pingar algumas gotículas e cortar pedacinhos da bolinha verde ardida. E saborear.

Outras pimentas, essas plantadas, são misturadas, batidas no liquidificador com óleo e azeite e depois vão para a mesa. Tem umas redondas, que ganhei no Mato Grosso e disseram-me ser pimenta-de-cheiro, uma, e pimenta-de-bode outra, e tem mais dois ou três tipos, todas misturadas, numa combinação deliciosa. Pimentas são muitas, difícil é saber o nome delas, fora as mais comuns, como a malagueta, a dedo-de-moça e a terrível pimenta-do-reino, que o que tem de saborosa tem de maldosa com o trato intestinal. E da qual, com desgosto e a contragosto, mantenho prudente distância.

Em tempo de feijão novo, de preferência o carioquinha, pois, pra paulista, feijão preto só tem lugar na feijoada, a vontade é comer pratos e pratos dessa delícia sem mais nada além da pimenta e farinha de mandioca para dar liga e mais um gosto. O arroz branco pode entrar, afinal, discreto e modesto, ele se presta bem às combinações, contribuindo sem se apoderar.

E a pimenta... Como “abre o apetite” essa danada! (Como se eu precisasse que meu apetite fosse aberto...)

São muitas as histórias sobre a importância e utilidade da pimenta em tempos passados. Ficam para uma outra vez.

É comida que pede o complemento de uma boa leitura, nada trágico, mas que seja agradável. Por exemplo, o caderno de esportes ou o Caderno 2. Ora, por que a leitura? – perguntará o leitor desavisado. Porque é uma delícia e um hábito de toda uma vida comer e ler. Uma coisa não interfere com a outra.

Mas, cuidado para não levar á mesa certas crônicas de certos cronistas...

Bom fim de semana.

.

Boa votação

Parece incrível, mas domingo, depois de amanhã, a apenas 48 horas do momento em que escrevo (gosto de votar cedo), teremos mais uma eleição.

Não iremos para o sítio, pois ficar em São Paulo e votar é uma obrigação. Não legal, pois para essa não ligamos, basta dar um pulo em qualquer local de votação e “justificar” – tolice que dá uma boa idéia do que ainda somos. Não, nada disso, nossa obrigação é moral, sobretudo.

Alckmin vai perder? É o que dizem, é o que parece provável. Então, eis aí um motivo a mais para fazermos valer nosso voto. Não é por protesto, pois a votar por protesto prefiro não votar ou anular. Tal como o voto “útil”, triste invenção tupiniquim que sempre abominei e à qual, para meu desgosto profundo, cedi uma vez há alguns anos. votaremos em Alckmin por acreditarmos ser ele e seu programa a melhor opção para o futuro desse país, onde nós, nossos filhos, parentes e amigos vivemos. E onde construímos nossa vida.

Se o outro candidato efetivamente ganhar, temo desde já por nosso futuro. Nem tanto em termos econômicos, até porque estamos raspando o fundo do poço. Temo, sobretudo, pelos vícios terríveis a que nossa pobre e mambembe democracia estará sendo submetida, medida por medida, decreto por decreto, ação por ação. É triste dizer isso, mas a vitória do outro candidato é a assinatura pelo povo de um salvo-conduto para atos criminosos, um passe livre para a bandidagem fazer e acontecer.

Nesse momento, os vagabundos e criminosos que se aglutinam no mst já esfregam as mãos, prometendo, felizes, nova safra de invasões e crimes contra pessoas e propriedades a partir da divulgação dos resultados eleitorais.

É chato escrever o que escrevi agora, é chato, para mim, chamar essas pessoas de vagabundos e criminosos, até porque há entre eles muitos que não são uma coisa e nem outra. Mas, nesse caso, não passam de massa de manobra amorfa e ignorante, portanto, é melhor nomear esse balaio do jeito que nomeei. É a nomenclatura mais próxima da verdade, quando não a própria verdade.

Se a vitória do outro candidato for confirmada, teremos a coroação em grande estilo do reinado das maracutaias, desde as pequenas e desprezíveis até as gigantescas e assustadoras, criminosas todas elas.

Nesse momento não tenho ilusões: a confirmação dessa vitória será a confirmação de mais oito a dez anos de retrocesso, de atraso em relação à civilização à qual pertencemos, por laços, história, geografia e opção.

Lamento, mas é só isso que consigo tirar desse teclado.

Boa votação.

.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Visitantes no Macaúbas


Quem vive com cachorros conhece claramente seus diferentes latidos. Isso nos permite dormir placidamente em plena madrugada enquanto eles ficam batendo boca, talvez falando mal um do outro, talvez falando mal da gente, provedores de alimentos e carinhos, geralmente chatos os primeiros e insuficientes tanto uns como outros. Mas há um latido que é tiro e queda, e nos desperta do mais profundo sono tão logo começa: é o latido de alerta para invasão de território. Como o território deles é o mesmo que o nosso, esse alerta nos é da maior serventia. Ou não, mas aí já são outros quinhentos.

Sábado, no sitio, a Panda e o Stanley desataram a latir: latidos para acuar e pegar, típicos. Fomos ver o que causava o alvoroço e lá estavam os dois incomodando e atacando um pacífico ouriço-cacheiro. A Panda, mais afoita e boba, já tinha alguns espinhos no focinho. E o pobre cuim – um dos nomes indígenas do ouriço-cacheiro – estava com a perna traseira esquerda ferida. Não bastassem os dois cachorros, alguns gatos também apareceram, interessados na confusão e já em atitude de caça, típica, com o olhar inconfundível de “presa à vista”.

Estávamos no meio do dia. O cuim gosta mais da noite para seus passeios em busca de frutas e brotos diversos. É louco por goiaba e aprendeu, desde séculos atrás, a amar a banana. Depois de afastar felinos e canídeos fiquei olhando o bichinho, que no solo é lerdo demais. Ele, basicamente, vem ao solo para trocar de árvore, quando não pode passar de galhada para galhada. Dizem alguns conhecedores de seus hábitos que eles pouco bebem água em fontes e riachos, pois os brotos e frutas são ricos nesse elemento, fora o que devem encontrar em bromélias e outras plantas que armazenam a água das chuvas. Bom, se ele já é lento, em pleno dia claro, ensolarado, fica mais lento ainda. Pensei no que fazer... Pegar uma luva grossa... Não, fora de cogitação, não iria pegá-lo.

Então, uma vez mais, vali-me de uma caixa plástica para transporte de laranjas. Coloquei-a sobre ele, improvisando, assim, uma gaiola. Tampei as beiradas com pedras e ripas, colocando outras por cima da caixa (cujo “piso” estava para o alto), criando uma estrutura pesada e que não seria desfeita pela Panda, talvez nem pelo Stanley. Antes de me afastar, coloquei uma vasilha com água e meia banana – não sabia se ele iria ou não comer a fruta. Horas mais tarde, com a noite chegando, tirei as pedras e ripas e levantei a caixa. A banana sumira por completo e fiquei até chateado por não ter colocado mais.

Lentamente, o coandu – outro nome indígena, mais usado pelas tribos do norte – afastou-se em direção às arvores do bosque que fica ao lado de casa. Antes mesmo de chegar às árvores mais altas, embrenhou-se por um trecho de vegetação rasteira fechada, emaranhada, onde os cachorros não entram e mesmo os gatos têm dificuldade para se locomover.

A pata parecia um pouco melhor e não havia sinal de sangue, felizmente. Se morássemos no sítio iria mantê-lo preso por alguns dias até ter certeza de sua recuperação – coisa arriscada, pois se a Florestal aparece... É bom nem pensar no abacaxi.

Enquanto pensava em que fazer com ele, as pessoas – tínhamos visitas em casa – diziam, preocupadas, minha sogra, inclusive, para tomar cuidado, pois ele atirava os espinhos. Esse é um dos mitos mais arraigados entre as pessoas, a crença que o ouriço-cacheiro, ou porco-espinho, como é erroneamente chamado – possa disparar seus espinhos. Ele, quando ameaçado, levanta os pelos do corpo, pondo à mostra seus espinhos amarelados. Ao menor contato, eles se soltam da pele e penetram fundo e facilmente no corpo do agressor. Fora isso, uma resistência absolutamente passiva, nada mais faz esse bichinho tímido.

Os cachorros conhecem os sapos e mantém distância deles. Os cachorros urbanos não conhecem, mas, instintivamente, deixam os bicharocos em paz. Quando isso não acontece e calha de abocanharem um sapo, é pela primeira e única vez. O Truck, meu doberman já falecido, fez isso na primeira primavera aqui na casa da Granja Viana. E ficou mal, babando, envenenado. Felizmente, o Salvador, nosso veterinário antes da Andréa, matou a charada na primeira palavra que proferimos: - Ah, isso não é nada, ele mordeu um sapo. E aplicou-lhe uma injeção não lembro de que... Horas depois o Truck já estava ótimo. E nunca mais voltou a morder um sapo.

Já com os ouriços isso não acontece. Parece que o “código genético” dos cachorros não traz a informação de que o bicho não é bom. Em conseqüência, vira e mexe lá estão os cachorros com as bocas cheias de espinhos. Já tivemos, duas ou três vezes, de chamar um veterinário para cuidar dos idiotas, digo, cachorros. Curiosamente, as onças também aparecem com espinhos enfiados no focinho.

Em algum momento ao longo da evolução, faltou ao cuim um competente serviço de relações públicas ou de mensageiros, que distribuísse entre as espécies predadoras a mensagem que ele era um bicho que deveria ser mantido fora do menu.

Essa parte da lição os sapos fizeram direitinho.

P.s.: sim, a foto está horrível, culpa da câmera cujo flash não está funcionando; sorry.


Jibóia no barracão

Ela está alojada, com relativo conforto, parece, atrás de um dos tambores de ração para as vacas. Não está enrolada, está dobrada e dorme, ou finge que dorme, diante dos movimentos e da barulheira que fazemos. Está completando, que tenhamos visto, uma semana de residência. Acho que já posso cobrar aluguel dela.

Não demos por falta de pintinhos ou galinhas, então, pelo jeito e local, ela parece estar comendo os ratos silvestres que vira e mexe estão no barracão atrás de milho e ração.

O único risco, fora os pintinhos, é um dos gatos pequenos ficar zanzando por ali, mas o Ismael disse que eles não tem entrado no barracão.

O barracão da jibóia.

.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Será possível que ninguém se toca?

.
Transcrevo abaixo a coluna do Arnaldo Jabor, publicada dia 17 no Estadão.
Ela diz com perfeição muito do que sinto e, muito pior, pressinto.



Será possível que ninguém se toca?

Estamos vivendo um momento histórico delicadíssimo. As conquistas da redemocratização estão ameaçadas pelo projeto petista de poder. A agenda óbvia para melhorar o Brasil é um consenso entre grandes cientistas sociais. Vários prêmios Nobel concordam com nossos pontos essenciais de reforma política e administrativa, que fariam o País decolar. Mas, os despreparados sindicalistas e ex-comunas ignorantes têm um programa que nos levará a um retrocesso político trágico. Em pouco tempo, podemos ter volta da inflação, caos político, ruptura institucional - tudo na contramão das necessidades de modernização do País. Eles prometem medidas que nos jogarão de volta aos anos 50 ou para trás, pelo viés burro de um 'socialismo' degradado num populismo estatizante: o lulismo. Enquanto isso, os cidadãos que comeram e estudaram, intelectuais e artistas cultos, os que bebem nos bares e lêem jornal ficam quietos. O Brasil está sendo empurrado para o buraco e ninguém se toca?

O que vai acontecer com esse populismo-voluntarista-estatizante é obvio, previsível, é 'be-a-bá' em ciência política. 'Sempre foi assim...' - se consolam.

Mas, não. 'Nunca antes', um partido montou um esquema secreto de 'desapropriação' do Estado, para fundar um 'outro Estado'. O ladrão tradicional roubava em causa própria e se escondia pelos cantos. Os ladrões desse governo roubam de testa erguida, como em uma 'ação revolucionária'. Fingem de democratas para apodrecer a democracia por dentro.

Lula topa tudo para ser reeleito. Ele usa os bons resultados da economia do governo FHC para fingir que governou. Com cínico descaro, ousa dizer que 'estabilizou' a economia, quando o PT tudo fez para acabar com o Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra tudo que agora apregoa como atos seus.

Se eleito, as chamadas 'forças populares', que ocupam os 30 mil postos no Estado aparelhado, vão permanecer nas 'boquinhas', através de providências burocráticas de legitimação.

As Agências Reguladoras serão assassinadas. Os sinais estão claros, com várias delas abandonadas e com notícias de que o PMDB já quer diretorias.

O Banco Central perderá qualquer possibilidade de autonomia, como já rosnam os membros do 'Comitê Central' do lulismo. A era Meirelles-Palocci será queimada, velho desejo de Dirceu e camaradas.

Qualquer privatização essencial, como a do IRB por exemplo, será esquecida.

A reforma da Previdência 'não é necessária' - dizem eles -, pois os 'neoliberais exageram muito sobre sua crise', não havendo nenhum 'rombo' no orçamento.

A Lei de Responsabilidade Fiscal será aos poucos desmoralizada por medidas atenuantes.

Os gastos públicos aumentarão pois, como afirmam, 'as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o funcionamento da máquina pública'. Nossa maior doença - o Estado canceroso - será ignorada.

Voltará a obsessão do 'Controle' sobre a mídia e a cultura, como aconteceu no início do primeiro tempo. Haverá, claro, a obstinada tentativa de desmanchar os escândalos do chamado 'mensalão', desde os dólares na cueca até a morte de Celso Daniel e Toninho do PT, como já insinuam, dizendo que são 'meias-verdades e mentiras, sobre supostos crimes sem comprovação...'.

Leis 'chatas' serão ignoradas, como Lula já faz com a lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente, 'esquecendo-a' de propósito. Quanto ao MST, o governo quer mantê-los unidos e fiéis, como uma espécie de 'guarda pretoriana', a vanguarda revolucionária dos 'aiatolás petistas', caso a crise política se agrave. Não duvidem, eles serão os peões de Lula.

Outro dia, no debate, quando o Alckmin contestou Lula ao vivo, ouviu-se um 'ohhhh!....' escandalizado entre eleitores, como se o Alckmin tivesse cometido um sacrilégio. Alckmin apenas atacou a intocabilidade do operário 'puro' e tratou-o como um cidadão como nós, ignorando a aura de 'ungido de Deus' de Lula, que os fanáticos intelectuais lhe pespegaram. Reagiram como diante de uma heresia, como se Alckmin tivesse negado a virgindade de Nossa Senhora ao lhe perguntar: 'De onde veio o dinheiro?'

Agora, sem argumentos diante dos escândalos inegáveis, os lulistas só agem pela Fé. Lula sempre se disse 'igual' a nós ou ao 'povo', mas sempre do alto de uma 'superioridade' , como se ele estivesse 'fora da política', como se a origem pobre e a ignorância lhe concedessem uma sabedoria maior. Agressão é o silêncio cínico que ele mantém, desmoralizando as instituições pela defesa obstinada da mentira. Mas, os militantes imaginários que se acham 'amantes do povo' pensam que Lula não precisa dizer a verdade; basta parecer. Alguns até reconhecem os crimes, mas 'mesmo assim', votarão nele. Muitos têm medo de serem chamados de reacionários ou caretas. Há também os 'latifundiários intelectuais': acadêmicos e pensadores se agarram em seus feudos e não ousam mudá-lo. Uns são benjaminianos, outros marxistas, outros hegelianos, gurus que justificam seus salários e status acadêmico e, por isso, não podem 'esquecer um pouco o que escreveram' para agir. Mudar é trair, para ortodoxos. Ninguém tem peito de admitir a evidência inevitável de que só um 'choque de capitalismo' destruiria nossa paralisia estatal, burocrática e patrimonialista, pois o mito da 'revolução sagrada' é muito forte entre nós. Se há uma coisa que une esquerda e direita é o ódio à democracia (Bobbio).

Os intelectuais dissimulados votarão em Lula de novo e dizem que 'sempre foi assim' porque, no duro, eles acham que o lulo-dirceuzismo estava certo sim, e que o PT e sua quadrilha fizeram bem em assaltar o Estado para um 'fim revolucionário'.

Vou guardar este artigo como um registro em cartório. Não é uma profecia; é o óbvio, banal, previsível. Um dia, tirá-lo-ei do bolso e sofrerei a torta vingança de declarar: 'Agora não adianta chorar sobre o chopinho derramado... Eu não disse?...'


.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Fernando Gasparian


.
Curioso, nunca conheci o Gasparian, mesmo fotos acho que vi duas, três, talvez. Mas esse "burguês progressista" mudou minha vida. Ou melhor, foi parte de um processo de mudança , talvez o agente catalisador. E, por favor, "burguês progressista" é um elogio, e está entre aspas porque foi assim que um antigo companheiro descreveu o dono do Opinião, há mais de trinta anos.

A grana era curta, mal dava pros ônibus e um sanduíche frio, mas dava um jeito de economizar pra comprar o jornal. Por ele a gente respirava. Cada número do Opinião era uma aula multidisciplinar. Política, cinema, artes plásticas, sociologia, história, literatura...

Adolescente e empolgado, a cada número esperava encontrar uma receita pra revolução, um jeito certo e rápido de transformar tudo aquilo que nos rodeava e enchia de angústia, sem falar do medo. Nunca apareceu tal receita e, se apareceu, não li. Para ser sincero, aliás, muita coisa que ali estava eu não entendia. Algumas vim a entender com a passagem do tempo e o acúmulo de conhecimentos e vivências. Outras, desconheço até hoje. E não são poucas.

Foi um artigo do Opinião, combinado com "Os subterrâneos da liberdade" em leitura escondida dos companheiros que achavam Jorge Amado um atraso, além de stalinista, que mudou minha maneira de fazer política e minha visão de mundo. O artigo, acho que já o citei em outra oportunidade, fez-me entender que as instituições são mudadas por dentro e era um chamado a botar as mãos na merda que era a política, tal como a víamos. Não tenho total certeza, bom, acho até que tenho certeza, seu autor era um professor que fora da USP e fora cassado, Fernando Henrique Cardoso, que naquele momento era dirigente e fundador do CEBRAP, um centro de estudos e pesquisas que seria vítima de um atentado a bomba anos depois. Talvez por ser financiado, em parte, pela Fundação Ford. Mentes obscuras até hoje não entendem o papel e a importância que muitas dessas fundações tiveram em muitas partes do mundo, apoiando e ajudando a sobrevivência de pessoas com idéias em nada parecidas com as do velho Henry Ford e outros.

Refleti muito depois dessa leitura, pensei bastante, as idéias colocadas ali faziam todo o sentido do mundo na minha cabeça e decidi-me. Entrei no velho MDB, onde fui trabalhar para o deputado do Partidão, o Alberto Goldman. Nosso primeiro trabalho foi fazer campanha pro Quércia ao Senado, em 74. Grande vitória, grandes vitórias, elegendo os senadores de 16 dos então 22 estados. Não foi pouca coisa. E foi maravilhoso.

Vieram os anos de millitância, até que parei com tudo aquilo em 85.

Gasparian, através do Opinião, influiu decisivamente na minha vida por doze anos.

Descanse em paz.

.

Muito assustador

Assustador, tudo é, tudo está muito assustador.

Qual o sentido em continuar cumprindo leis?

Sim, essa pergunta cabe, porque é mais e mais evidente que as mais altas autoridades “republicanas” não cumprem com as leis que deveriam proteger e zelar para que todos cumpram.

Há algum sentido em continuar pagando impostos?

Sim, essa pergunta cabe, porque é mais e mais evidente que dinheiro público é desviado para finalidades diversas e não há punição para isso. É normal. Faz parte.

Então, deve ser normal e fazer parte do contexto não pagar imposto algum. Ou não?

Há outras perguntas nessa linha. Deixa pra lá, não vou perder nosso tempo com elas.

Mas...

Tudo indica que mais hora, menos hora, enfrentaremos uma situação de rompimento institucional.

Não é uma questão de “se”, é uma questão de “quando”.

Nesse momento, o companheiro já terá cooptado as forças armadas para o seu lado?

Já terá seguido o exemplo do companheiro Chávez?

Sim, eu estou delirando e exagerando, é verdade.

Me engana que eu gosto, mas que a coisa está assustadora, ah, isso está mesmo.

E muito.

.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Fora do mundo

.

Há muitos anos não vou a Nova York. Na verdade, desde antes do 9/11.

Sinto vontade, ocasionalmente. Mais que vontade, sinto necessidade de voltar a Nova York, principalmente para ir ao espaço vazio onde ficavam as torres do WTC. Uma só vez fui até lá, num dia de turista pleno. Fui ao Top of the World num dia bonito de inverno. Não fui jantar no Windows of the World, restaurante que funcionou por muito tempo no alto de uma das torres. Uma noite eu ia, mas, sei lá, bateu uma preguiça, uma certa vontade de não gastar muito, também fiquei em dúvida se jeans com blazer e gravata seria adequado... Fui à pizzaria da esquina, passando antes pela grocery de um casal coreano, abasteci-me de frutas, chocolates e pizzas e passei a noite no hotel, lendo e vendo tv. Já fiz escolhas melhores.

(Gosto e abuso de longas introduções; essa ainda não acabou, mas vai acabar já, já, prometo.)

Por que esse desejo?

Porque acho que ainda não senti em sua plenitude o impacto do ataque às torres. Já pensei e escrevi a respeito muitas vezes, mas acho que ainda falta sentir. Imagino que estando lá, no local, relembrando como era, eu venha a sentir a dimensão do crime. Será?

(Corta para o Japão, um dia qualquer da semana passada, para a situação vivida e descrita em sua coluna semanal pelo Ricardo Anderaos, editor e colunista do caderno Link, do Estadão, e autor do blog Wireless, ancorado no Estadão.)

“O tempo parou por quase um minuto naquela fila da estação de Nara. Tempo necessário para que o motorista de táxi e a guardinha da estação de trem assimilassem a notícia de que a Coréia do Norte acabara de explodir sua primeira bomba atômica. E olha que uns minutos de atraso, pelos padrões japoneses, não é pouca coisa não.

Pela reação dos dois imaginei o impacto que a notícia estava causando, naquele exato momento, por todo o Japão. Afinal de contas, a Coréia do Norte está a um tirinho de espingarda daqui. E as feridas de Hiroshima e Nagasaki estão longe de fechar.”


Isso aconteceu na saída da estação ferroviária de Nara. Na coluna, cuja versão integral está no jornal de hoje e também em sua edição digital (com acesso apenas para assinantes), o Anderaos descreve o burburinho, o monte de gente, a longa fila para pegar um taxi, a rapidez e eficiência com que um táxi atrás do outro chegava e partia, tudo isso quebrado, bruscamente, pela paralisia momentânea que acometeu seu motorista. A guardinha do texto citado era uma senhora já bem idosa, funcionando com eficiência nipônica na orientação de motoristas e passageiros.

Por aqui, as reações não existiram, a bem dizer, fora dos noticiários. As pessoas, em absoluta maioria, passaram batidas por esse episódio. Eu mesmo pouca atenção dei a ele, afinal, a realização desse teste já era esperada há muito tempo, não foi surpresa para ninguém. Ou melhor, até foi um pouco surpreendente a baixa capacidade da bomba, já que os analistas esperavam a explosão de um artefato de 4 a 5 vezes mais potente.

Para o povo japonês nada disso foi necessário. Uma bomba atômica, mesmo pequena, é uma bomba atômica. Ainda mais quando estacionada a poucas centenas de quilômetros de suas maiores cidades, num país fechado, com um regime ditatorial severo e um dirigente que não goza de confiança alguma da comunidade internacional.

Eles sentem fisicamente o que nós sequer conseguimos imaginar.

Nesses momentos, viver num país e num continente que não contam e não aparecem no cenário internacional, tem lá suas vantagens, verdade seja dita.

Na arena mundial não somos protagonistas em nada. Em alguns poucos atos somos meros figurantes. Pouco sentimos, de fato, sobre guerras, terrorismo, medos...

O Brasil muitas vezes parece um lugar à parte do mundo real. E nem sei se cabe aqui essa palavra “real”.

Sei lá... Sinto que estamos fora do mundo.

.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Sem pauta


.

Ao contrário do meu amigo Ballantyne, editor do Notas Avulsas, não tenho uma reunião de pauta com estagiárias simpáticas e bonitas (nessa ordem de importância, por favor; boniteza sem simpatia é desperdício de recursos da natureza). Geralmente, valho-me mesmo do velho, bom, vetusto e simpático Estadão. Companheiro de longa data, sempre presente, confiável. Vez ou outra atrasado, é bem verdade, mas sempre por nobres motivos dos entregadores (de acordo com meus levantamentos, em 99,7% dos casos o motivo foi a chuva, que costuma atrapalhar a vida nessa cidade erguida nos Campos de Piratininga, aliás, a primeira cidade fundada no interior, no sertão do Brasil).

Mesmo nesses tempos internéticos, é o peso do papel e sua manipulação à mesa durante o café-da-manhã que me transmitem o prazer de entrar em contato com o que aconteceu e acontece pelo mundo. Prazer? Vá lá, que seja, ainda que o teor costumeiro das notícias não seja nenhum prazer. Tudo isso substitui a charmosa reunião de pauta do Balla, na poderosa Washington, DC. Ali, por sinal, é fácil arrumar assunto: basta olhar por cima do muro e ver o que o vizinho está fazendo. O Balla pode mudar o “Notas...” para “Vizinho do George” e, tal como o nosso famoso “Vizinho do Jefferson”, contar as novas a partir das entradas e saídas na White House.

Bom, meus vizinhos aqui na Granja são meio invisíveis. Os que mais vejo são os sagüis que aparecem por aqui procurando bananas, mamões, mangas e outros acepipes. Não são boas pautas, não com freqüência. Portanto, vamos ao Estadão dessa 5ª-feira, 12 de outubro, mais um feriado nacional.

...

Hum hum...

Hum hum...

Hummmmmmmmmmmmm...

Nada. Nada que mereça uma pauta nesse Olhar Crônico.

Nada, nadica de nada?

Nada. Nada interessante ou diferente, tudo igual.

Quer ver só? Vamos lá...

- lulla x Alckmin: nada de novo no front, o blábláblá diário.

- Um avião pequeno se choca contra um prédio em Nova York.

- No futebol, três times brasileiros são eliminados por três times argentinos.

- Um terço do maior roubo do mundo já está em mãos – e bolsos – de policiais cariocas e paulistas, que correm atrás dos 100%.

- Luiz Fernando Verissimo comemora sua chegada aos 70 na crônica; interessante, mas nem tanto; depois da Velhinha e do Analista eu esfriei com LFV; ficou tudo com cara de replay em slow motion, leu um, leu tudo, a começar por seu apoio ao lulla.

- Em São Paulo a prefeitura diz que o imposto pode subir 10%; Alckmin agradece a honestidade.

- Em Buenos Aires, o governo Néstor mantém restrições aos calçados brasileiros (nem por isso lulla e cia. deixam de lamber os pés de Néstor).

- Em São Paulo as megalivrarias seguem fazendo sucesso. Parece que já se pode comprar carros zero km, além de congelados e vinhos para o jantar com livros; tô fora.

- Em Washington, George Walker, o vizinho do Balla, diz que não tem intenção de atacar a Coréia.


EPA!!!

Eis a pauta:

BUSH VAI ATACAR A CORÉIA DO NORTE

“Mas ele disse que não tem intenção” – argumenta arguta leitora imaginária. E eu respondo:

“Read my lips: No more taxes” – e, logo depois de eleito, George pai aumentou os impostos.

“Ah, mas foi o pai dele, não ele” – replica a imaginária e arguta leitora.

“Ora, estimada leitora, quem sai aos seus não degenera a raça” – treplico daqui. E, na seqüência, fecho com chave de ouro:

“Tal pai, tal filho.”

Balla, taí uma pauta legal pro Notas Avulsas. Manda bala.

E bom feriado.

.

quarta-feira, outubro 04, 2006

O Caçador e o Kilimanjaro

.

Garoto, e depois adolescente, passava muitas horas na Biblioteca Municipal do Ipiranga. Meu pai levou-me lá quando eu tinha 8 anos de idade, e fez uma ficha em seu nome, para o meu uso. Eram outros tempos. O ônibus para lá demorava meia hora. Para poder chupar um sorvete, eu voltava a pé, carregando dois livros e o dinheiro da passagem. Chegando em casa, comprava o sorvete e começava a ler um dos livros, enquanto chupava o picolé de limão ou chocolate. São Paulo, naqueles distantes 62, 63, permitia esse tipo de loucura, inimaginável hoje.

Minhas buscas eram simples: muita ficção, claro, e livros de aventura, livros “de” fazenda, livros sobre animais. Foram muitos os livros que descobri nesse período, entre eles “Expedição Moana”, “Aku-Aku”, “A expedição Kon-Tiki”, o fantástico, para um garoto/adolescente, “O mundo perdido” de Conan Doyle, e tantos outros.

E um dia achei um livro que me cativou, um dos livros inesquecíveis da minha vida: “O Caçador”, de John Hunter, um escocês que viveu no Kenya, onde foi caçador profissional e depois agente do Departamento de Caça.

John saiu da Escócia jovem e foi pro Kenya. Ali virou caçador profissional, matando leões para vender a pele, matando elefantes para pegar as presas e matando muitos outros animais, como rinocerontes, gazelas, leopardos, búfalos...

Era um outro tempo, um outro mundo. Muitas de suas vítimas tinham, por sua vez, vitimado pessoas e animais domésticos dos nativos. Leões “assassinos” – tais como Ghost e Darkness, retratados com maestria no filme com Val Kilmer e Michael Douglas, eram comuns. Elefantes que destruíam as colheitas e matavam nativos, também. Enfim, era um outro mundo, muito melhor que esse, muito pior que esse. Cada tempo com seu próprio jeito e seus problemas.

A leitura de “O Caçador” é fascinante. As histórias são ricas e nos transportam para uma África que o próprio Hunter, já no começo dos anos 50, dizia não mais existir. Imagine-se hoje.


Uma das fotos que ilustram o livro mostra o magnífico Kilimanjaro, no final dos anos 40, com um rinoceronte em primeiro plano num trecho de capim em meio à savana rala. O pico está todo coberto de neve. O aquecimento global ainda é uma expressão desconhecida.






O Kili em 1970...




... e a mesma visão no ano 2000



Hoje, vários estudos indicam que a camada de neve no cume do Kili não chega a 2015. Se bobear, não chega nem a 2010.

E não é apenas o aquecimento do planeta que provoca isso, mas também a alteração, para menos, no regime de chuvas no leste da África. Dramático e triste.


O Kilimanjaro em 2003






A leitura, nem vou chamar de releitura tão diferente é a leitura de hoje comparada
às leituras que fiz desse livro há mais de 30 anos, de “O Caçador” aprofunda minha tristeza.

P.s.: a título de curiosidade, “hunter” significa caçador; no caso do autor, nome, hobby e profissão juntaram-se numa só palavra.


Amanhecer de um dia em 2004 a caminho do pico...


.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Tempo para pensar... e repensar

Vamos ao segundo turno!

Essa é uma boa notícia, sem a menor sombra de dúvida. Principalmente para o Brasil. Diante da aparição de novas denúncias envolvendo pessoas próximas do presidente, faz-se necessário um aprofundamento nas investigações. Nada pior para a nação do que ter um presidente sob suspeita. De qualquer forma, independentemente da conclusão ou não das investigações a cargo da Polícia Federal (estranhamente lenta nos procedimentos relativos a esse caso), os eleitores de Lula terão tempo para pensar e reavaliar seu voto. Se ele for mantido e o presidente for reeleito, ótimo. Bem ou mal isso acontecerá por força da vontade do povo e essa vontade deve ser soberana. Se, por outro lado, parte de seus eleitores do primeiro turno mudar seu voto e Alckmin for eleito, ótimo também. Qualquer que seja o gosto pessoal, deve imperar o gosto majoritário do povo expresso nas urnas.

Essa coisa de “respeitar a vontade do povo” é curiosa. Muita gente que usa e abusa de seu uso – o uso dessa frase, é bom deixar claro – não demonstra muito respeito pela idéia quando a vontade popular não bate com a própria. Isso vem de longe. Há 30 anos como agora, é a mesma coisa. A vontade do povo é legal, bárbara, tem que ser respeitada e coisa e tal. Mas quando olha o número de votos de Maluf ou Clodovil ou similar, pronto... O povo não sabe votar. Ninguém diz isso, pois pega mal, não é politicamente correto, mas em compensação rolam cobras e lagartos contra esse voto ignorante, despreparado, que mostra o nível do povo brasileiro e por aí vai. Interessante, né? Vote em quem eu gosto e você votará bem. Vote em quem eu não gosto e você não saberá votar.

Dois pesos, duas medidas, como sempre, como de hábito.

E cansativo como sempre ler as mesmas críticas às expressivas votações de Maluf, Russomano, Clodovil, bandidos do PT, etc...

.