A panela de barro, lembrança de uma das muitas viagens para o Espírito Santo, saiu do fogão a lenha e foi sem escalas para a mesa, ao lado da saladeira com rúcula italiana – uma variedade de folhas pequenas, saborosas, mais decorativas e fáceis de comer que as folhas grandes da rúcula comum –, alface e tomate. Pão italiano vindo do Bixiga, um honesto corte de pinot noir com merlot e... abra-se a panela. A retirada da tampa pesada revela um pedaço de pernil temperado com limão, alho, sal, cozido no fogão a lenha lentamente, em meio a pedaços de batata, pimentão, tomate e cebola e, detalhe importante, dentes de alho inteiros desde o primeiro momento em que a panela foi ao fogo. Visão apetitosa, aroma e sabor deliciosos, comida simples de dar água na boca, fazer bem à alma.
E assim jantamos na noite de sábado, no sítio, enquanto garoava lá fora. Uma benção, que no correr da noite e da madrugada virou chuvinha miúda, mas prolongada. Bom demais.
As novas mocinhas do Macaúbas
Demorou, mas finalmente conheci as novas meninas do Macaúbas. Na semana retrasada a Malhada pariu. Dessa vez, para minha alegria, uma fêmea. Ao vê-la, seu nome veio naturalmente: Clarinha. Grandinha, já, puxou pra mãe e pros irmãos.
Na semana passada, atendo ligação do sítio. Como não havia nada programado, fiquei até meio receoso. Mas o motivo era mais do que bom, era ótimo: a Alba e Alfa tinham parido e as duas crias eram fêmeas. Uau! E lá estavam as bezerrinhas, ao lado da Clarinha. Curiosamente, a filha da Alba, uma vaca zebu puxada pra Gir, grandona, é bem miudinha, amarronzada, com duas estrelas na testa. Já a filha da Alfa, uma Gir chitadinha e pequena, é grandinha, maior que a meia-irmã filha da Alba.
Troquei-as de piquete, passando-as para o de cima, pois no piquete de baixo a Graciosa, Estrela, Segundo e Harry Potter já estão há tempos, e, com certeza, deve haver contaminação de uma coisa ou outra por ali. No piquete de cima não há esse risco. E bezerrinhas tão novas são sensíveis, mesmo sendo mestiças. A estreladinha é muito ativa, brinca bastante, correndo dum lado pro outro com o rabo levantado. Faltam os nomes, vamos ver se no próximo fim de semana batizamos as duas.
Carroça nova
A nova carroça está em construção na oficina do Alemão. Simples, aproveitando os varais, eixo, molas e rodas da antiga. A vida sem uma carroça é muito difícil. Tem que pegar a cana cortada e levar pro curral. Tem que levar esterco pros piquetes. Agora tem dez toneladas de calcário pra esparramar. Mas o Alemão prometeu-a para essa semana. Ontem, já se preparando para a volta ao trabalho, o Brioso ganhou “sapatos” novos. Foi casqueado e ferrageado, está pronto pra pegar no batente.
Ah, claro, esqueci de contar o que já é sabido: a carroça quebrou. O comunicado oficial chegou por meio de um telefonema. Ah, os telefonemas do sítio...
Cadê a comida?
Estamos cortando a cana que deveria ser cortada só em final de setembro, isso se tivesse chovido normalmente em abril e maio. Não choveu e estamos cortando o que mais parece um capim do que uma cana. Mas é o que há para alimentar os animais. O imprevisto dos dois meses sem chuvas matou os pastos dois meses antes do tempo normal. E segurou o desenvolvimento da cana. A maioria dos vizinhos já está com problemas para alimentar o gado. E agosto só começa amanhã, ainda.
A esperança – aquela coisa que normalmente é a última a morrer – é que as chuvas de primavera cheguem junto com a estação, ainda em setembro.
Ipês
Ao longo da viagem as visões dos ipês-amarelos se sucederam. A gente fica como criança, procurando e, quando descobre um, apontando. Várias vezes vi um braço na minha frente, entre meu nariz e o volante, digamos, e na ponta alongada pela visão do dedo que se seguia à mão e ao braço, estava sempre um ipê florido e magnífico. Alguns, pequenos e jovens, outros, bem grandes e antigos. Mais alguns dias teremos a florada dos ipês-brancos. Com essas árvores, a natureza é exagerada, é berrante mesmo.
Mesmo aqui, na saída de casa na Granja Viana, nossos ipês – que formam uma só árvore – floresceram bem. Com o vento da madrugada de sexta para sábado, o chão amanheceu coberto pelo amarelo das flores.
Os ipês do sítio estão começando a abrir os primeiros botões somente agora. As variações entre uns e outros é explicada pela diversidade de espécies. Uma consulta rápida ao Lorenzi mostra que há várias espécies de ipês-amarelos.
Outros e outras macaubenses
Breve as Jersey começarão a parir, várias delas já estão “chegadinhas”. Seria bom que isso acontecesse mais para a frente, mas nosso planejamento não previu a seca de abril e maio. Aliás, o planejamento de ninguém. Esse é um ano que não vai deixar muitas saudades.
Os gatos ficaram felizes com a nossa chegada. A princípio não deram bola, acredito que por causa do carro diferente. Mas tão logo viram a Rosa fora do estranho bicho de rodas, correram para ela, assim como os cachorros. E lá se vai a roupa limpa...
Como o leite da Alba ainda não está “limpo”, os gatos e os cachorros tomam tudo que a bezerra deixa. Mesmo assim, ontem comeram muita comida que estava no freezer na casa da minha sogra. Foi tanta comida que desprezaram a ração e devem estar dormindo até agora. Jiboiando...
Houve momentos em que senti-me na velha Europa, aquela onde os dias eram frios e cinzentos, e jatos passavam a todo momento sobre árvores, campos, vacas e outros bichos, em intermináveis manobras da OTAN. No fim-de-semana cinzento, frio, europeu e garoento, tivemos várias vezes a barulheira dos jatos tomando conta de tudo. Eram esquadrilhas de jatos AMX voando para a AFA e de volta para lá, algumas vezes acima da camada baixa e compacta de nuvens, outras vezes abaixo, em vôos quase rasantes. Um dos aparelhos, por sinal, fez mesmo um vôo rasante. Muito de vez em quando é uma delícia e uma novidade, mas se for rotina cansa e deixa os animais nervosos e quebra a produção de tudo: leite, ovos, carne...
O barulho da chuva na madrugada foi um bálsamo bem-vindo. Mesmo assim dormi pouco, pois ficava preocupado com as bezerrinhas no piquete de cima, ou preocupado com a comida pras vacas nos próximos 3 meses, preocupado com os pastos rapados, que vão demorar mais para ficarem em boas condições de pastejo, e mais isso e mais aquilo, enfim, um sem fim de preocupações. Apesar disso tudo, foram dois dias de bom humor.
O sitio me faz bem.
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