segunda-feira, dezembro 31, 2007

Brasilidades de fim de ano antes que o ano acabe


Pequenos tópicos, sem profundidade, captados aqui e ali pela imprensa nos últimos sessenta, oitenta dias. Aumentar essa colheita para todo o ano, bem como fazê-la com um olhar mais atento que um mero olhar crônico, seria impossível para um mero ser humano como eu. Fica, então, só essa colheitinha, uma pequena amostra...


- Para acabar com o caos aéreo...

O governo e a ANAC (que é, mas não deveria ser governo) vão aumentar as tarifas de Congonhas. A proposta é dobrar o valor da taxa de embarque para o passageiro e multiplicar por doze – repito: doze – os custos das empresas para operarem em Congonhas, custos que, naturalmente, serão incorporados às passagens aéreas dos... passageiros, os mesmos que terão a taxa de embarque multiplicada por dois. Essa tática é velha: acabe com a doença, mate o doente.


- Um choque de eficiência

A cada trimestre, todo trimestre...

A cada semestre, todo semestre...

A cada ano, todo santo ano...

A mesma história e as mesmas manchetes se repetem nos últimos anos: crescimentos assombrosos nos lucros do Bradesco, do Itaú & Cia. Bella. Números espantosos, tão portentosos que até fariam corar velhos barões capitalistas e reis da banca, como os Rothschild, Morgan e Rockfeller, entre outros.

Quebrando essa mesmice chata, repetitiva, sem graça, a Caixa (a Federal, claro), anunciou um baita prejuízo no penúltimo trimestre de 2007.

Coisa de gênios, sem a menor dúvida.

Se bem que a explicação foi boa: gastos com pessoal.

Ah, entendi...



- Minério vai por nada e vagões vêm por pouco, mas muito mais

A Vale vai comprar 10.000 vagões ferroviários.

Alvoroço no mercado.

Mas a Vale não joga dinheiro fora e quer preços competitivos da indústria nacional.

Competitivos com a indústria chinesa de vagões.

As empresas brasileiras chiam, em parte com razão.

As empresas chinesas pensam em comprar mais ferro do Brasil.

Sim, vendemos minério de ferro para a China. O frete Tubarão/Xangai é mais caro que o custo do minério.

Os chineses usam o minério brasileiro, fazem chapas de aço e outras coisas, e com elas fabricam vagões ferroviários.

Embarcam esses vagões em grandes navios até os portos de Tubarão e Itaqui, onde eles chegam muito mais barato que os vagões fabricados aqui mesmo.

A diferença maior, entre outras, é que os vagões chineses chegam vazios aos portos tupiniquins, ao passo que os vagões brasilianos chegam carregados...

De impostos.


- Criar boi para importar sapato

A Europa e o mundo curvam-se diante de nossa criação de bois.

Menos a China e os chineses.

Eles compram o couro de nossos bois, já curtidos.

O processo de curtição é muito ruim, fedido e poluente, e é feito todo aqui.

Eles cortam e recortam e moldam os pedaços de couro.

Fazem um, dois, dez, cem, trocentos mil pares de calçados diversos.

Colocam-nos em grandes containers, que vão para grandes navios, que trazem-nos para o Brasil, terra do couro.

Dos navios para as lojas a preço de banana.

Nos últimos anos, a indústria calçadista fechou, encerrou, eliminou, deletou, mais de trinta mil vagas nas indústrias de calçados no interior paulista e gaúcho.

Nada como ser malandro, é o que eu sempre digo.


- As chuvas chegaram!

Mas não o socorro para as vítimas da seca.

Uma parte do sertão do Piauí vem sofrendo barbaramente com a seca inclemente.

Há cinco meses foi aprovada, depois de muitas delongas e muito nhenhenhém, uma verba de 3,2 milhões de reais – é, esse miserê mesmo, coisa de dez por cento ou menos de um único mês de mensalão – para reativar cem poços artesianos e pagar o transporte de água em caminhões-pipa.

Tudo isso coisa para gente pobre, ou melhor, miserável, aquelas pessoas que deram seus votos... Bom, deixa pra lá.

Cinco meses...

A verba ainda dorme nos cofres federais.

As chuvas, felizmente, chegaram ao sertão.

Em novembro ainda era pouca a chuva e a verba fazia-se necessária.

Tem-se notícias de mais chuvas, mas não se tem notícias da liberação real e verdadeira dos míseros três milhões e duzentos mil.


- A vanguarda do atraso

Sob esse título milhões de coisas podem ser descritas e escritas, no Brasil e em toda a América Latina.

Todo governador tupiniquim quer porque quer indústrias em seu estado. Não importa qual seja o estado, não importa qual seja a indústria.

Há que ter indústrias.

Há que ter progresso.

Há que ter riquezas.

Há que ter, sobretudo, os muitos empregos que uma indústria gera.

A CAOA, grupo tupiniquim, é dona da fábrica Hyundai em Anápolis, cidade entre Brasília e Goiânia, que abriga a mais importante base aérea do país, de onde decolavam, antes de virarem sucata, os Mirage do Grupo de Caça da FAB.

A CAOA vai investir cem milhões de dólares na fábrica de Anápolis em 2008.

A CAOA vai comprar cem milhões de dólares em robôs, para uso na linha de montagem.

Depois todo mundo critica as usinas de açúcar que fazem colheita mecânica da cana, porque acabam com o “emprego” de milhares de brasileiros.

Nada como ter perspectiva.


- Meia volta, volver!

lulla da Silva mudou o discurso.

Depois de empurrar goela abaixo as usinas do Madeira e a transposição das águas do São Francisco, ele agora promete para 2008 nova e rigorosa lei de proteção ambiental, etc e tal.

Enquanto seus projetos faraônicos eram bombardeados por conta dos imensos – e não solucionados riscos ambientais – ele dizia que o progresso não podia ser detido por causa dos “bagres” de um rio. Dizia, também, que sete ou nove ou dez ou doze milhões de pessoas (os números sempre variaram de acordo com o humor) não poderiam morrer de sede enquanto as águas do Velho Chico corriam sem uso ali “por perto”.

Agora, com as pirâmides, digo, usinas e transposição já em construção ou prestes a começar, viva o ambiente, viva a preservação do que temos e do futuro que precisamos.


Chega! Daqui a pouco será hora de abrir champagne, prosecco ou um simples lambrusco, para não dizer uma ainda mais simples cidra, e bebemorar a passagem de 2007 para 2008.

Para que pensar em brasilidades?

Tenho que pensar na compra de um carrinho básico e nas 99 prestações do bichinho.


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Muito obrigado


Escrever é tarefa que dá muito prazer e traz, também, muito prazer.


Bom, nem sempre, é verdade. Vez ou outra algum espírito de porco – nada a ver com os torcedores palestrinos, é só a velha expressão popular – aparece e perturba, irrita, até. Não faz mal, entretanto. É baixo preço a pagar pelo muito que tantos outros outros espíritos alegres, inteligentes, agradáveis, proporcionam.




Nesse ano de 2007 o Um Olhar Crônico ficou um tanto abandonado. Espero corrigir isso em 2008. Acreditem, não foi por falta de vontade. Não chegou a ser por falta de tempo em parte desse ano tão veloz. Foi mais por falta de inspiração, mesmo. Outro tanto foi por achar melhor deletar textos que saíram raivosos, chatos, cheios de reclamações, com muita escuridão e pouca luz. É, teve disso, também. Em quase metade do ano a seca detonou, deletou meu humor. Tudo fica melhor quando chove, mesmo com esse calorão brabo.

Em 2007 escrevi muito mais no Olhar Crônico Esportivo, invertendo a ordem como vinham as coisas. Falar futebol em si não é minha praia, confesso. Como já escrevi inclusive no meu perfil, há muito mais gente capacitada, muito melhor capacitada para isso do que eu. Acabei dando maior importância ao que o Marcelo Damato denominou “extracampo”. É bem por aí. Sou mais atraído pelos bastidores, pelos números, pelos planos, do que propriamente pelas jogadas, pelos esquemas táticos, pelas eternas discussões em torno da bola de fulano ou beltrano. A bola, qualquer que seja, qualquer que seja o modo como é jogada, é mais e mais fruto dos bastidores. Tudo que acontece no campo é cada dia mais ditado pelo que acontece extracampo. Essa é a minha praia, não que eu nade bem nela, mas é a minha praia preferencial.

Os blogs fecham 2007 com a média de mais de 8.000 visitas por mês, um número que me enche de orgulho. Negar, seria tolice e presunção. No decorrer do ano, percebi que minha relação com os dois blogs mudou, na verdade, está mudando.

Não abro mão de escrever somente o que penso, mesmo que isso signifique remar na contramão de alguma maioria.

Não abro mão de parecer contraditório e – por que não? – de ser contraditório, mesmo. Tanto posso elogiar Lula, como criticar lulla da Silva. Infelizmente, para todos nós, acho que mais critiquei lulla da Silva do que elogiei Lula. Lamento, mas a culpa por esse desequilíbio não é minha.

Tenho medo das verdades únicas, fundamentalistas. George Bush é assim, Khomeini também era. Assim também o são muitos militantes de muitos partidos políticos, inclusive um tupiniquim.

Sou fundamentalista numa coisa e dela não abro mão: a defesa da democracia. Porém, como a democracia é o oposto do fundamentalismo, ao defendê-la encarniçadamente não sou fundamentalista. Sou apenas um democrata.

Alonguei-me, pra variar.


Muito obrigado pela amizade, pela presença, pelas palavras, pelo incentivo que vocês me deram.



Que 2008 seja um ano melhor do que foi 2007 para todos nós e para esse imenso bananal que todos amamos e gostamos de chamar de Brasil.


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quinta-feira, dezembro 27, 2007

Cunha, belezas e feiúra

(Esse post repete, um pouco, o de 5 de agosto de 2007. )




A igreja é antiga, as datas na torre contam um pouco de uma história que começou no século XVIII, ainda.

O café ainda não era uma realidade, sequer conhecido era. Algumas décadas passariam até sua chegada aos morros do Vale.





Com o café veio o dinheiro farto, abundante.
Todo mundo enricou.
Não, Cunha e o Vale do Paraíba estão no Brasil, portanto, alguns poucos enricaram.
Belas casas, belas sedes de fazendas, belas igrejas foram alguns dos resultados do dinheiro do café.



A nova face da igreja combina com os novos tempos de Cunha: beleza nas construções, combinando com a paisagem, trazendo os turistas das grandes cidades.




O céu do inverno seco, do qual o ipê é testemunha, fecha o pacote de uma das muitas belezas de Cunha.



Aqui já teve café.

Antes, porém, era tudo mata, Mata Atlântica.

Foi derrubada e queimada e o café foi plantado.


O café exauriu esses morros e em seu lugar vieram pastos, cada vez mais fracos, cada vez sustentando menos gado, cada vez mandando mais terra para os cursos d'água nas enxurradas.

Essa é a herança triste e empobrecedora do café.

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Caos – s.m.


... 3 – mistura de coisas em total desequilíbrio; desarrumação, confusão.

Assim define, entre outras, o Houaiss. Eu, particularmente, gosto de “total desequilíbrio”, pois é a definição que melhor se aplica, em todos os sentidos, à cidade de São Paulo e, particularmente, ao seu trânsito e ao número de veículos que ela abriga. Nesse ano que ora termina, a megalópole cresceu a bagatela de 330.000 novos veículos em sua frota. Deslocar-se de carro por suas ruas e avenidas não é aventura, é suplício, é tormento, é provação.

São Paulo hoje tem menos de dois habitantes para cada veículo registrado. Antes de ser prova de riqueza, é prova de burrice extremada, desleixo e desespero. A burrice extrema e o desleixo idem referem-se às autoridades de anteontem, ontem, hoje e, com certeza, amanhã. O desespero fica por conta dos paulistanos que só enxergam no carro próprio um meio relativamente decente, menos desconfortável e menos inseguro para se locomover.

Enquanto a cidade cresce 330.000 veículos, seu sistema viário não deve ter aumentado nem 10.000 metros. Aliás, o ideal seria até o oposto, que parte do sistema viário revertesse à condição de solo coberto por vegetação pura e simplesmente. Como isso é utópico, resta uma obviedade: se os locais por onde os carros trafegam não aumentam, e como o número de carros aumenta, e aumenta muito, teremos mais carros ao mesmo tempo nos mesmos lugares, resultando em congestionamentos mais e mais monstruosos e uma situação ainda mais caótica.

A prefeitura já pensa em ampliar a restrição de circulação de veículos, que hoje proíbe o trânsito de dois finais de placa a cada um dos dias úteis da semana. A hipótese que se considera, agora, é simplesmente mais que dobrar essa restrição, permitindo a circulação de placas com final ímpar num dia e final par no outro, alternadamente. Duvido que isso vá resultar em grandes benefícios. A única chance de realmente melhorar a situação, deixá-la mais próxima de algo com cara civilizada, é criar uma situação em que os próprios donos de veículos convençam-se que é melhor usar um meio de transporte coletivo para seus deslocamentos.

Utopia...

Vida longa ao caos. Não que eu deseje, mas é o que teremos.


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sábado, dezembro 22, 2007

Friozinho gostoso... Começou o verão


Tenho uma vaga lembrança de frio e desconforto, depois mexe e remexe até encontrar a coberta, o calor, o conforto e o sono de volta. Um pouco mais tarde, meio acordado, meio sonolento ainda, deixei a cama com alguma má vontade, recordando mal e mal o frio da madrugada. Enquanto pegava uma blusa, pensei que estava tudo maluco, afinal, como pensar em aquecimento global com esse frio, ou quase isso, em dezembro, na antevéspera da véspera de Natal? Claro, em Nova York e em Zurich está frio. Também em Madrid e Londres, Paris e Berlim, sem falar da gélida Moscou, mas por lá está tudo certo, o outono está passando o bastão para o inverno, o General Inverno que ajudou os russos a derrotarem as tropas de Napoleão e Hitler. Aqui, todavia, é a primavera que passa o bastão para o verão. Curiosamente, isso aconteceu justamente nessa madrugada, às 04:08, mais ou menos no horário em que acordei com frio e me cobri. Estamos, nós e o tempo, meio fora de prumo e rumo.

Justamente esse estar fora da condição normal, levou-me a beber, satisfeito, umas taças de vinho tinto durante a semana. Esse frio extemporâneo deixa as noites mais gostosas e as manhãs estimulantes. Esquenta, é claro, durante o dia, mas nada como um bom frio matinal, um bom friozinho, como agora, que serve para aumentar a disposição de fazer coisas, além da vontade de tomar mais café. O café-com-leite e o pão com manteiga ficam mais saborosos e criam um dos grandes momentos desses dias. A bebida quente, antes de alimentar, aquece e desperta, aumenta o prazer. No meio da manhã, a xícara de café quente, recém feito, melhora o dia ainda mais.

Não sou somente eu que aprecio o frio, longe disso. Os cachorros também gostam muito desse tempo e dormem preguiçosamente, aproveitando as manhãs. Só quando o sol já apareceu e esquentou o gramado é que eles deixam suas camas e vão se esticar sobre a grama, espreguiçando gostosamente.

O frio dá prazer.

Felizmente, porém, seus dias estão contados. O calor vem vindo e chegará com força total. Embora não seja do meu particular agrado, é do agrado e necessidade das plantas e dos animais. Os pastos crescerão mais depressa, estimulados pela combinação de chuvas, luz e calor, assim como as lavouras todas. A terra, uma vez mais, estará dando o melhor de si para mantermos nossas vidas e – por que não dizer? – nossos estilos de vida.

Mesmo não sendo um grande apreciador do calor, aproveitarei bastante algumas de suas comodidades, principalmente durante os vindouros dias praianos de janeiro em Santa Catarina, onde as águas ainda estarão meio frias, mas nem por isso menos gostosas.

Afinal, o calor também dá prazer. Mas ainda prefiro esse friozinho gostoso.


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quinta-feira, dezembro 20, 2007

Feliz Natal. Feliz 2008.



Beleza e graça associadas a esforço e persistência.

Elegância e trabalho.

Muito se pode falar desse encontro entre a flor e o colibri...

Essa simples imagem, porém, falará mais do que eu posso escrever.

Melhor ainda, cada um poderá fazer sua própria leitura.


Feliz Natal.

Feliz 2008.

Que a busca da felicidade e a realização no trabalho

tragam flores e néctar, beleza e graça, harmonia e elegância,

saúde e paz.

Emerson


Foto de um beija-flor-tesourão em flor de mini-grevílea.
Sitio das Macaúbas, julho de 2007.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Para ler ao Harry Potter final

Alguns anos de minha vida foram marcados por um livro chamado “Para leer al Pato Donald”, impresso no Chile de Allende. O autor, cujo nome ignoro e tenho preguiça de vasculhar entre os livros guardados ou escondidos ou, como diz a Rosa, amontoados e juntando poeira (além de ácaros), dizia que Donald, Mickey, Pateta, Tio Patinhas & cia. bela, nada mais eram que pontas-de-lança da dominação intelectual do sistema capitalista e do imperialismo americano sobre as pobres, despreparadas e ingênuas cabeças ao sul do Equador. Para quem, como eu, leu milhares de gibis, teve toda sua infância dividida entre muitos gibis, livros e brincadeiras de rua – essas em menor proporção, assim como a televisão – aquilo era um atentado à minha formação intelectual, era um atentado à minha infância e às doces lembranças de um tempo gostoso, sonhando com aventuras por esse mundo afora e outros, quando o gibi à mão era Flash Gordon. Ainda hoje acho tudo aquilo abobrinha, por mais verdadeiras que possam ser algumas das colocações.

Lembrei-me desse livro ao fazer o título desse post.

Sim, acabei de ler a saga de Harry Potter. Não só acabei como, do alto dos meus 53 anos, declaro que li, gostei, emocionei-me e sentirei falta de Hogwarths e do mundo mágico todo.

Para quem ainda não leu o sétimo e último livro, um conselho de amigo: releia o penúltimo – “O Príncipe Mestiço” – para poder aproveitar o final plenamente.

Harry Potter foi um verdadeiro fenômeno nesses tempos de mensagens cifradas em computadores e celulares, com economia máxima de vocábulos, principalmente por parte da rapaziada mais jovem. É realmente incrível que leiam os calhamaços que foram cada um dos livros, com sua riqueza de personagens e termos como oclumência e testrágoros, entre outros, inventados para dar vida a capacidades e seres de um mundo imaginário. Não foram livros fáceis de serem lidos, pelo contrário, ainda mais nos livros finais, quando conceitos importantes como tolerância, justiça e outros mais foram ganhando importância e vida própria.

Já sinto saudade de tudo isso, e também inveja de quem ainda não leu “Harry Potter e as Relíquias da Morte”.

Ao fim e ao cabo, o primeiro parágrafo ficou perdido nesse texto, exceto pela lembrança e adaptação do título. Mas foi bom falar daquele livro chato e metido, cuja leitura não recomendo, como, aliás, nunca recomendei. Ao contrário do Donald e do Mickey.


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domingo, dezembro 09, 2007

Hora do banho


Essas fotos foram feitas na chácara em que moram meus sogros, em Santa Rita do Passa Quatro.

Nos dias de muito calor a rapaziada penosa faz fila para tomar banho... e se esbaldam. Literalmente.














Pô, que sacanagem!
Gastaram toda a água daqui!

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Ecologicamente diversificado e bem localizado



Esse título parece pretensioso, principalmente porque refere-se ao Sítio das Macaúbas, mas é verdadeiro.
Santa Rita do Passa Quatro está localizada numa região muito interessante do estado de São Paulo, em seu centro-norte,
numa área conhecida como Terras Altas Paulistas.
Salvo engano, e tirando o trecho meridional do estado, essa é a região mais alta do planalto que ocupa a quase totalidade do estado,
excetuando as regiões serranas, naturalmente.

O sítio, em particular, está numa altitude superior a 700 metros acima do nível do mar, e essa característica nos traz dias quentes e noites frescas ou frias em boa parte do ano.
Para as plantas, isso é benéfico para a maioria, e assim podemos plantar e colher frutas d
e clima temperado como pêssegos, uvas e peras, bem como mangas, típicas dos climas tropicais. As minhas atuais meninas-dos-olhos são dois pés de castanha-portuguesa, e torço muito para que se desenvolvam e frutifiquem bem.

Santa Rita do Passa Quatro não tem araucárias, aparentemente. Tampouco as tem São Carlos do Pinhal, a menos de 75 km em linha reta, e altitude semelhante.
Mas elas lá existiram em tão grande quantidade que deram o nome à cidade.
O progresso, a abertura das matas para o plantio de café, a urbanização, tudo isso levou ao desmatamento de toda a região. As araucárias foram vítimas prioritárias, dada a qualidade de sua madeira, e foram, praticamente, extintas.
Acredito que restem algumas resistentes nativas po
r ali, e seria maravilhoso se houvesse um trabalho de recuperação dessas plantas fantásticas e bonitas.

Há um programa a respeito em desenvolvimento no estado, mas parece-me que para as áreas do sul e da Mantiqueira.
Seria bom que ele englobasse, também, as araucárias da Serra do Mar e as sobreviventes dessa região central, pois seus genes são
diferentes e geraram árvores adaptadas a condições ecológicas distintas das existentes na Mantiqueira e na parte sul do planalto.

Plantei algumas no sítio, cerca de doze.
Duas não se desenvolveram e outras foram “assassinadas” pelos bezerros novinhos, graças à nossa inexperiência.
Não sei, entretanto,
qual a procedência genética das mudas plantadas.

Plantei-as no sítio - como essa da foto, ainda faltando alguns anos para abrir a copa típica - porque acredito que, no passado, Santa Rita do Passa Quatro também foi lar de araucárias nativas, até porque temos muitas gralhas, e todos sabem que as gralhas têm importante papel na disseminação dessas plantas, “colhendo e enterrando pinhões para uso futuro”.
Na verd
ade, tal como as maritacas e outras parentes tagarelas, elas pegam pinhões e deixam-nos cair, parcialmente bicados, mas sem afetar seu poder germinativo, pelo contrário, estimulando a germinação.

Se as araucárias e seus pinhões são uma incógnita, o mesmo não ocorre com as plantas do cerrado e as plantas da Mata Atlântica e sua “irmã-de-sangue”, a floresta latifoliada da Bacia do Paraná.
Um passeio atento pela minúscula área do Sítio das Macaúbas é o bastante para revelar habitantes famosos desses dois ecossistemas. Vamos conhecer alguns, a maioria deles cerradenses.

O primeiro, faço questão, é o pequi. No sítio restou um só pé de pequi, bem na beira do asfalto para meu desgosto e irritação.

Ele não é muito desenvolvido, e está misturado com outras árvores, mas dá conta do recado e até produz bem.

Esse ano, novamente, ele está com uma boa carga e eu, uma vez mais, estou ansioso à espera que amadureçam para poder colhe-los, pegar as sementes e formar algumas mudas.

Muita gente desconhece o fato do pequi também ser nativo no cerrado paulista, que começa pertinho do sítio, na região de

Piraçununga ou Pirassununga. Por sinal, os primeiros trabalhos científicos sistematizados e de longo prazo sobre o cerrado, começaram no Cerrado de Emas, a região em torno da Cachoeira de Emas, no Rio Mogi-Guaçu, onde, por sinal, além de estações de pesquisa do Estado, tem, também, um dos campi da USP.


Outro cerradense típico e nativo nosso é o araticum também chamado de marolo.



Ele nasce no meio dos pastos, mas o gado, sempre se coçando, raramente deixa algum pé ir pra frente.


Esse pé (na verdade uns três ou quatro juntos) aqui ainda tem muito que crescer.

Foi com pesar que vi esse belo fruto caído no chão.

Ainda no dia anterior ele estava firmemente preso à árvore, mas os ventos de uma tempestade vespertina jogaram-no no chão.

Reparem que nessa foto do fruto

na árvore tem, ao fundo, à esquerda, uma flor.
O novo florescimento e

o amadurecimento dos frutos da safra anterior coincidem, e há um ano entre um e outro.


Agora o fruto cortado ao meio. Esse pesava cerca de trezentos gramas.

Seu gosto e perfume são muito doces, um pouco enjoativos, mas a passarinhada e bichos diversos de pelo apreciam-no muito.

Dizem que é muito bom

para fazer suco, mas não tentamos.

Quem sabe na próxima safra?


Jatobá-do-campo, outra planta típica do cerrado, outro habitante do Sítio das Macaúbas.


Sua sombra é espetacular, pois é fresca e agradável, ao contrário da sombra de muitas outras árvores, como as grandes mangueiras.
Isso acontece porque o interior de sua copa é bem vazio, permitindo ampla circulação do ar mais quente ao nível do solo, que está sempre subindo.

Essa é outra planta que merece ser protegida e propagada, ao contrário de seu primo, o jatobá, bem mais comum.


Um velho jatobaseiro é sempre uma árvore imponente pelo porte e pela beleza. Esse aqui não foge à regra, postado bem na divisa do Sítio das Macaúbas com o Sítio Mandarim. Reparem que à frente dele tem outras duas plantas importantes: uma palmeira macaúba ainda bem jovem e depois um exemplar de pau-brasil, já com alguns anos de vida, mas crescendo direitinho.

A macaúba foi plantada por alguma arara ou outro bicho, já o pau-brasil foi uma das primeiras árvores que plantei no sítio. Eram dois pés, na verdade, mas um morreu.

O fruto do jatobá é bem conhecido, acredito, com seu cheiro, gosto e consistência bastante típicos e facilmente reconhecíveis.

Os macacos gostam muito dele, assim como os bichos de penas de maior porte e bico forte.



Bons representantes das matas atlântica e latifoliada, são a copaíba e o jequitibá, mas esses deixo para mostrar mais pra frente, assim como outras árvores, inclusive do cerrado, que tem uma flora riquíssima e diversificada.


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domingo, novembro 25, 2007

Limpeza, silêncio e aquecimento global na Paulicéia

Pois é, ninguém dava muita bola para as promessas do prefeito, primeiro o Serra, depois o Kassab, mas os resultados são visíveis ou não audíveis, num caso e noutro.



Cidade Limpa

Eu mesmo estou espantado com a aparência nova da Paulicéia. Trafegar pela Avenida Rebouças continua chato e irritante, pois, tirando as madrugadas, ela vive congestionada, inclusive os túneis “da Marta”, que para nada servem e muito caro custaram. Bom, dizem que para alguma coisa serviram e essa “alguma coisa”, dizem, apenas reproduzo, estaria ligada ao tão alto custo. Tão alto que o Serra bloqueou os pagamentos e pediu uma averiguação no começo de sua gestão. Não sei no que deu, se em alguma coisa deu. Mas, falava de trafegar pela Rebouças, coisa chata como sempre, mas agora muito menos desagradável: a sujeira visual, as inúmeras placas, faixas, cartazes, outdoors, foram varridos para longe de nossos olhos. A avenida está limpa, as casas visíveis, a paisagem existe. Como é importante existir paisagem! Não faz mal que seja de casas e prédios, mas tem que existir.

A limpeza e a paisagem não são exclusividade da Rebouças, longe disso: por todas as partes da cidade por onde andei nos últimos meses, o resultado é o mesmo e o prazer também. Conseguimos até prestar mais atenção em monumentos e obras de arte.

É uma pena que os postes e os milhões de quilômetros de fios e cabos continuem à vista. Tudo seria ainda mais bonito se eles ficassem, como deveriam, embaixo da terra, mas aí já seria pedir demais.

Quem sabe no futuro?



Psiu!

Funcionou. Muita gente anda reclamando, principalmente donos de bares, restaurantes e casas noturnas, mas desde o começo de 2005 o nível de ruído nas noites paulistanas diminuiu. Também diminuiu a atividade noturna, ou melhor, está acabando mais cedo.

A atividade noturna não está proibida, mas apenas o barulho excessivo por ela gerado. Um estabelecimento desse tipo só pode gerar um máximo de 55 decibéis (o barulho de um caminhão – regulado – ou de uma máquina de lavar), ou melhor, só pode deixar “escapar” de seu interior esse nível máximo de decibéis. Para que isso aconteça é necessário que seu interior tenha isolamento acústico. O nome disso é civilização.

A grande reclamação dos empresários da noite é pela proibição das mesas nas calçadas. A lei exige, também, que esses estabelecimentos tenham estacionamento próprio e segurança. Novamente, isso é chamado de civilização em qualquer parte do mundo.

Os moradores de muitos bairros que viraram “da moda” agora podem dormir.

Repetindo, mesmo correndo o risco de ser chato, o nome disso é civilização.



Aumentando o aquecimento global

Prestes a entrar na já citada Rebouças, na hora do almoço de ontem, sabadão, fiquei parado por uma espera de sinal. Olhando para cá e para lá, vi uma cena triste, burra e criminosa: um gari tocando fogo num monte de folhas secas, verdes e mais ou menos, juntamente com papeis e outros resíduos varridos da calçada e do meio-fio.

Ora, tal ação, praticada por um funcionário da municipalidade ou por ela contratado através de empresa prestadora de serviços, é triste por todo o contexto em que vivemos e por tudo que sabemos hoje.

É burra porque o melhor uso para esses resíduos é a reciclagem. As folhas, a grama cortada, os galhos das árvores, as flores que o vento derruba das azáleas, tudo isso é matéria orgânica e seu melhor destino é virar um adubo orgânico por meio de compostagem.
É tarefa fácil e sem mistérios, já efetuada por algumas prefeituras de cidades não muito grandes, por universidades e por milhares de agricultores. Numa cidade como São Paulo, a produção desse composto geraria um rico material para ser usado nas praças e parques públicos, ajudando a recuperar, manter e ampliar as áreas verdes. Custaria caro, sem dúvida, mas há despesas que são caras na aparência e baratas nos resultados. Essa é uma delas, estou certo.

É criminoso porque nenhuma autoridade pública, ainda mais de uma metrópole como a Paulicéia, pode ser agente do aquecimento global. A acreditar nos relatos científicos, e a maioria de nós acreditamos, inclusive nossos representantes eleitos, é dever de todo e qualquer cidadão, e mais ainda daqueles que têm poder e influência, no mínimo não colaborar para o crescimento desse monstro. No mínimo. Ao queimar as folhas, galhos, flores, pedaços de papel e, pior ainda, de plásticos diversos, a prefeitura de uma das cinco maiores metrópoles do planeta está contribuindo para aumentar o aquecimento global.
Além de criminoso, um ato insano.

O mesmo prefeito que tão bem trabalhou pelo visual da cidade e pelo silêncio, precisa, agora, trabalhar também em prol da preservação do ambiente.

Começar por essa coisa tão pequena é um bom caminho.


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quarta-feira, novembro 21, 2007

Notícias roceiras, até alvissareiras (algumas)


O leite abaixou novamente. O Gilberto reclamou, dizendo que seu cheque do leite veio com cinco mil reais a menos em relação ao mês anterior. Ele está tirando mil litros por dia, e chegou a receber oitenta e cinco centavos por litro, e agora está com pouco mais de sessenta. É, faz sentido e a conta bate. Dizem alguns que essa queda é por conta das chuvas que chegam e da produção que aumenta. Balela! Essa queda tem que ser debitada aos imbecis e criminosos que – não confundir com criminosos imbecis – que tascaram água oxigenada e soda cáustica no leitinho “longa vida” que as donas-de-casa adoram comprar. Fosse eu o Gilberto e tentaria cobrar os cinco mil desses vagabundos. Com essa história de baixa, ele acabou pagando menos por umas vacas que precisei vender.

Que dor no coração! Quem cria não pode ter dó de vender, de se desfazer de seus animais. Já me questiono se posso ser criador. Vida que segue, mas fiquei triste com a venda e nem por isso mais rico ou menos pobre. Do dinheiro não vi e nem verei a cor e a cara. A parte maior já foi pra pagar a conta atrasada de farelos e adubos, e a parte menor, que vai entrar na conta em alguns dias... bom, o máximo que posso dizer a respeito é que já está comprometida. Vou ver se tiro uns “dez real” só pra ver a cara da cédula e comprar alguma coisa com ela, talvez uma revista, que a gente lê e vai pra reciclagem ou pro lixo. É, tem a ver mesmo, tudo a ver.

Mas falei em notícias alvissareiras e começo com esses parágrafos, triste um, desanimador o outro. Coisas da vida, em especial de quem cria e produz leite.

Mas, vamos às alvissareiras.

As chuvas chegaram, a princípio mansas, comportadas, molhadeiras, até surpreendentes pela mansidão. Anteontem à tarde, porém, enquanto um pé-d’água violentíssimo com ventos idem, deixava-me com cinco ou seis metros de visibilidade em plena Anhanguera e, claro, devidamente apavorado, apesar do ar blasé para não assustar a Rosa e minha mãe, outro igualmente forte e com ventos violentos, chegava ao sítio e, além de mais uma ou outra árvore derrubada, destelhou parte da casa em que mora o Almir. Como já é o terceiro ou quarto destelhamento entre a casa dele e a nossa, as telhas mantidas na reserva foram pra cucuia.

Hummmmmmmmmm...

Sim, eu sei, prometi alvissareiras novas e até agora...

As vacas vão bem, umas mais que as outras, que sentiram mais a seca e a falta de pasto, de comida volumosa de boa qualidade. O pasto de tanzânia está bonito, pena que seja pouco para todas as vacas que nele comem. Creio que, finalmente, encontrei alguém para cortar as laranjeiras do pomar velho, em boa parte já mortas ou perto disso. Se dessa vez tudo der certo, terei a área livre no dia 15 de dezembro, podendo entrar com uma grade e, em seguida, plantar o capim com um “cheirinho” de adubo.

Estou em déficit com minha consciência e com a natureza: já deveria ter começado o plantio de parte das 500 árvores que prometi a mim mesmo. Até agora foram plantadas somente 14, das quais duas morreram. Com um pouco de sorte, ainda conseguirei plantar, digamos, 88 árvores. O ideal é fazer isso até o reveillon, pois assim as plantas aproveitam bem a estação das águas e chegam fortes e bem enraizadas na entrada do inverno e da seca.

Dessas árvores, 200 serão, necessariamente, eucaliptos. As demais serão de espécies variadas, a maioria das quais nativas. Sobre elas pretendo escrever um post específico, pois é um tema fascinante.

O Decon (Conrad), filho de meu vizinho de cerca, Miro, e expert em informática, colocou o sítio deles na internet:

http://www.sitiomandarim.com.br/

O site está bonito e muito bem feito, valendo a visita.

Na página de abertura tem duas fotos. Na segunda, as árvores ao fundo já são do Sítio das Macaúbas.

É a roça na internet, sinal inequívoco das mudanças intensas e rápidas dos últimos vinte anos.

Outro vizinho, o César, voltou para os braços da Seara. Ele produz frangos pelo sistema “integrado”, que é bem descrito pelo Decon no site do Sítio Mandarim. A Seara é extremamente exigente com seus integrados em todos os aspectos, da sanidade aos cuidados ambientais, da higiene à proteção dos galpões, tudo integrado num grande guarda-chuva chamado biossegurança. Mesmo a ração que a empresa fornece é diferente, com maior qualidade e sem o menor traço de produtos animais em sua formulação. Parte da produção Seara é exportada, mas a totalidade é tratada como se fosse para exportação.

A Rose, sua esposa e grande amiga, virou uma queijeira de mão cheia. Os queijos estão ótimos, artesanais, saborosos, produzidos com todos os cuidados de higiene. Dá gosto comer. O coitado do César já está ordenhando duas vaquinhas, uma delas, a melhor, uma mestiça jersey. Já falei pra ele que não demora muito e os frangos dos dois galpões serão apenas um complemento de renda. Ele dá risada e descrê. Sei não...

Fomos à casa da Raquel e do Henrique, e também da Gabriela e do Pedrinho, para comprar mel. O Henrique produz mel e a Raquel cria sites, morando num sítio. Roça mais hightech que essa tô pra ver, até porque, na casa do César e da Rose, enquanto comia um pedaço do queijo “da casa” seguro numa mão, usava a outra para dedilhar o teclado e navegar pela internet.

Voltando ao mel: o Henrique abre a torneira do tonel cheio e o mel desce em ondas dentro dos vidros. Mel bonito, claro, perfumado, bem suave, mel de flores de laranjeiras. Olho os vidros contra a luz e as ondas criadas na queda do mel são visíveis.

Fico sabendo pelo Henrique que nem todas as abelhas norte-americanas sumiram do mapa. Ele participa de algumas listas de discussão com apicultores do Canadá e Estados Unidos. Na nossa roça até as abelhas são hightech e pós-modernas. Mas o que aconteceu com as abelhas do Grande Norte parece-me, ainda, ser um mistério, já que nenhuma das hipóteses formuladas até agora foi confirmada.

A grande voçoroca numa fazenda próxima foi corrigida pela usina que arrendou a terra, mas sobre isso fiz um post à parte. Ficou mais bonita a paisagem, sem a cicatriz feia e assustadora da grande voçoroca.

Os gatos parecem nem sentir nossa ausência prolongada. Tão logo chegamos já se aproximam e ocupam a cozinha. Sabem que vão ganhar peixe, e ganham. Sabem que vão ganhar mais leite, mais ração, mais comidinhas diversas, mais mimos. E ganham. De barriga cheia, uma fica no sol matinal dentro da cozinha. Outra, prefere a varanda da frente. Em comum, os olhos fechados e o sono leve, de ouvidos ligados na passarinhada.

O Stanley acuou um quati perto da matinha e levou bela patada no focinho.

O quati fugiu e ele ficou com o focinho e o peito machucados. Como pena, tem que agüentar o spray do mata-bicheiras e conviver com o cheiro do dito cujo.

E assim vai seguindo a vida nesse começo de estação de chuvas.

Pastos verdes, telhados destelhados, lavouras bonitas, erosões querendo aparecer, sol forte, tropicalíssimo, seguido por ventos de respeito.

Entre prós e contras, vida que segue.


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terça-feira, novembro 20, 2007

Voçoroca – um antes triste e um depois feliz


Decididamente não morro de amores pela lavoura de cana e pelas usinas de açúcar e álcool. São industriais demais para o meu gosto, mecanizadas demais para minha mentalidade pré-Revolução Industrial (às vezes, nem sempre). Apesar dessa postura, não critico a expansão da lavoura canavieira e das usinas, pelo contrário, defendo ardorosamente por motivos muitos e variados. A começar pelo emprego de bons contingentes de mão-de-obra em troca de salários e condições de trabalho mais gratificantes uns e saudáveis outras do que existe nesse imenso – ainda – bananal.

Trabalho escravo? Trabalho excessivo? Trabalho em más condições?

Sim, os dois últimos até podem existir, o primeiro já é coisa diferente e dá-se o nome de trabalho “escravo” com muita facilidade. Curiosamente, quando as denúncias, inúmeras, de trabalho dito “escravo” chegam aos tribunais e provas são julgadas, de fato, nenhuma condenação aparece, apenas multas por situações em desacordo com legislação trabalhista. Aliás, pela concepção de trabalho “escravo” que é aplicada no campo, o popular instituto de pesquisas “DataCrônico”, órgão estreitamente ligado a esse blog e ao blog Um Olhar Crônico Esportivo, constatou que nada menos que 98,63% das domésticas brasileiras podem ser enquadradas como trabalhadoras “escravas”.

Uma usina de cana é investimento de porte monstruoso no tamanho e na quantidade de dinheiro envolvida. Não dá para brincar com isso ou, pior ainda, fazer uma administração incompetente e perdulária. Se na vida política e na administração pública coisas desse tipo conduzem ao sucesso, ao estrelado, a inúmeras vitórias eleitorais, na vida real conduzem tão somente à bancarrota, à falência, ao desemprego e opróbrio de quem mal administrou.

Agricultor nenhum, pequeno ou gigante, pode dar-se ao luxo de ver seu adubo pago a preço de petróleo (ouro é bobagem, petróleo é mais valioso) escorrer enxurrada abaixo por conta de agricultura mal feita. Existe, claro, mas não nos grandes projetos. Até pelos valores envolvidos, ou somente por conta disso, os cuidados com o solo são grandes e bons, o que já é muito bom, fantástico, mesmo, pois cuidar bem do solo é proteger a natureza. Bem ao lado do sítio, a coisa de dois ou três mil metros de distância, apenas, pude acompanhar a recuperação de um pedaço de terra condenado à erosão. Como vocês poderão ver, as próprias fotos falarão por si próprias.

A voçoroca, no final de janeiro/2007 - reparem nas vacas em sua beirada, dão uma boa idéia de seu tamanho


Essa enorme voçoroca crescia a olhos vistos chuva após chuva. Toda a terra tirada do enorme buracão era carregada para o coitado do Rio Clarinho, já muito assoreado. Os muitos poços de outrora, cheios de lambaris graúdos, carás, bagres, piaus e traíras, deixaram de existir, pois a água foi trocada pela areia e os peixes foram expulsos, perderam seu habitat e desapareceram. Historinha típica do interior do Brasil, com casos infinitamente maiores e mais graves, de uma tristeza imensa, como o Rio Taquari, uma das principais calhas pantaneiras. Muito, muito triste, mesmo.


Há poucos dias, uma das usinas que operam na região, plantando cana em terras arrendadas, chegou nesse pasto com seu exército de máquinas: tratores de esteiras, motoniveladoras, tratores pesados de pneus, grades, adubadeiras, carretas com adubos, caminhão-oficina, etc. Um pequeno corpo de exército, mesmo, só faltando os fuzis e metralhadoras para deixar de ser metáfora e virar realidade.

A mesma área em meados de novembro/2007, já recomposta, sem o buracão criado pelas águas graças à incúria humana


Em poucos dias de serviço os estragos provocados pela péssima gestão de proprietários anteriores da área, foram corrigidos, a um custo impossível de ser pago por um produtor rural comum e inviável para uma prefeitura (algumas até têm, em teoria, serviços parecidos... mas, quem consegue usá-los?).

A voçoroca foi eliminada, a área está recuperada e em cerca de sessenta dias o tom claro do solo pobre e arenoso estará transformado no verde-esmeralda de um canavial bem plantado e cultivado, que vai produzir, por baixo, 90 toneladas de cana por hectare, com o número mais para cima de 100 toneladas do que para baixo. Em termos de massa verde, esse valor deverá ser ainda maior (na conta da produtividade não entram as partes verde e a que já está seca da planta, mas que são importantes em termos de seqüestro de carbono atmosférico), algo, talvez, como até 120 toneladas de massa total por hectare. Desse número, a maior parte da massa seca, ou seja, sem a água, será constituída por carbono. E o destino final dessa produção será, com certeza, a produção de etanol, aliviando duplamente o ambiente e colaborando duplamente na questão do aquecimento global.

Ao mesmo tempo, a chuva passará a se infiltrar no solo, deixando de escorrer pela superfície, arrastando terra para o curso dos rios.

Verdade seja dita: o ambiente agradece.

A paisagem volta ao normal, sem buraco, e em breve estará coberta pelo verde da cana


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