quinta-feira, agosto 04, 2005

Doce Cuba I



Fui para Cuba quando a finada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas era viva. Fui como turista, num dos primeiros vôos que abriram Cuba para nós. Nessa época já estava fora do Partido há 4 anos, o que não impediu de fotografar-me na porta de um CDR – Comité de Defensa de la Revolución. Lá estou eu, de barba, como os compañeros, óculos escuros, jeans, camiseta pólo, tênis. Mais turista impossível.

Fiquei fora de 90% dos programas oficiais da viagem. Andei a pé por boa parte de Havana. Por bairros mais pobres e por bairros mais ricos. Sim, existem. Impressionei-me com as filas. Certa manhã vi uma fila com umas cem pessoas. Entravam por uma pequena porta de madeira, numa casa velha, meio caindo aos pedaços. Era uma panadería e a fila era para comprar pão, racionado, como de resto quase tudo. A compra era feita a partir dos cupons que cada família recebia. Naturalmente a culpa era dos Estados Unidos, mas não era bem assim. Dois dos maiores produtores de trigo do mundo, Canadá e Argentina, negociavam regular e tranqüilamente com Cuba. Comprar mais trigo não dependia de bloqueio ianque ou coisa que o valha.

Gostava de passear pelo Malecón logo cedo ou no fim da tarde. É um calçadão entre a avenida e o mar, e a água na maré alta recobre a areia e as pedras dois ou três metros abaixo do passeio - em dias de tempestade ela se projeta sobre o calçadão e a pista. 


Por ali conversei com algumas pessoas. A que mais me marcou foi um homem bem velho, magrinho, mirrado de tão magro, já um pouco encurvado pelo peso dos anos. Extremamente vivo, porém. E veloz! Como caminhava rápido aquele velho. Sorte minha estar em forma melhor que a de hoje, ou teria feito feio com os meus 35 ou 36 anos. Espanhol, viera para Cuba fugindo da Guerra Civil. Já estava com mais de oitenta anos a figurinha. Conversávamos, talvez há uns dois minutos, parados na calçada, quando ele convidou-nos (Rosa, minha mulher, estava junto) para caminhar com uma justificativa inolvidable

“A la policía no les gusta que hablemos con extranjeros.” 

 Essa frase me marcou naquele instante, me marca hoje, me marcou sempre.

E assim caminhamos. Passamos pelo grande mural “Hasta la Victoria! Siempre!” y seguimos adelante por el Malecón, charlando sobre Cuba, sobre España y sobre Brasil. A princípio, ele como quase todos os outros cubanos, tomou-me por mexicano. A vida em Cuba não era má, mas tampouco era boa. Faltava muita coisa, tudo culpa dos ianques. Todos tinham escola e todos tinham saúde. É, isso não dava pra negar. E sí, com Batista era muito ruim, muito pior. Pouco depois nos despedimos. Ele seguiu sua vida, entrando numa pequena rua, e nós voltamos para o hotel, seguindo o mesmo percurso, agora de volta. A cerca de 360 km à nordeste estava Miami e o sonho americano (ou pouco mais de 150 km até a primeira das Key West). Que não senti presente no velho espanhol, mas senti presente, muito vivo, com outras pessoas com quem conversei informalmente.

Isso ficou claro ao encontrar um grupo de jovens, estudantes, quatro garotas e dois rapazes. Esses não pararam, seguiram em frente e deixaram as gurias conversando conosco. As perguntas eram sobre o Brasil e o mundo. Sempre entremeadas de elogios ao país e à vida em Cuba. Tenho pouca lembrança do que falamos, do que ouvimos, mas tenho uma boa lembrança do sentimento que nos dominou quando nos afastamos com a chegada de uma viatura da policía: o medo e a falta de perspectiva para o futuro, a ausência de esperança de sair e conhecer o mundo e suas coisas, suas pessoas. É bem verdade que nem todos nós fazemos isso, mas não há barreiras, exceto as econômicas, se o quisermos fazer. 


Nessas horas a gente sente o peso e o valor da liberdade. 

É uma liberdade relativa, dirão muitos, uma liberdade limitada pela inexistência de condições econômicas para poder fazer o que quisermos. Sim, concordo em parte. Mas as limitações financeiras a gente sobrepuja, mesmo que demore uma vida. 

Já a limitação da liberdade – e não há liberdade limitada: ou ela é liberdade ou não é – não é tão simples assim de ser vencida.

Passei dias interessantes em Cuba. Agora tenho vontade de escrever a respeito, de lembrar, relembrar o que vi, senti, vivi naquele país. 

Dos almoços com grape-fruit de monte no prato pra comida oleosa ser bem digerida, aos mergulhos maravilhosos em Havana, Cayo Largo e Varadero. 
O primeiro top less que vi na vida, ao vivo e em cores – quem diria, em plena Cuba. 
Voando pela Cubana de Aviación, a casa de Hemingway, um pouco do interior, pegando os áuas pra cima e pra baixo. 

Quer conhecer uma cidade? Caminhe, ande de ônibus e metrô, caminhe muito, em todas as horas. Não fuja da hora do rush, integre-se. A vida é sempre diferente daquela que a gente vê das janelas panorâmicas dos ônibus com ar condicionado.

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