domingo, dezembro 31, 2006

Perdas & Danos... Ou: Adeus, 2006


É assim que recordo esse ano prestes a terminar. Meio triste, meio chateado.

Talvez pela permanência de lulla da Silva por mais 4 anos.

Talvez pelo lento sentimento de inviabilidade que começa a ficar mais e mais palpável sempre que penso no país.

Talvez pelo absurdo da impunidade sobre tudo e todos.

Talvez eu esteja assim pela morte da família de Bragança, queimada viva em seu carro. E, agora, a morte de mais sete pessoas, queimadas vivas dentro de um ônibus no Rio de Janeiro. E a certeza de que os autores desses crimes tão bárbaros nada sofrerão. E, se condenados, não ficarão mais que doze, talvez quinze anos, numa prisão.

E, para agravar esse sentimento, teve a seca. A cruel seca de 2006 que pôs abaixo parte de meus sonhos. Por outro lado, é claro, trouxe lições. Mas as perdas e o sentimento de derrota estão difíceis de serem superados. Foram muito fortes; são, ainda.


Não é um bom final de ano, lamento.

Tento pensar em alguma coisa para justificar um novo título, algo como Perdas & Ganhos.

... Tentei, mas não cheguei a parte alguma. Claro, no plano pessoal mais próximo estamos todos bem, e isso já é muita coisa. As vacas estão bem, apesar dos pesares, o pasto de tanzânia está bem implantado, o canavial também, e essas foram duas conquistas, sem dúvida, aliadas a um controle razoável das águas das chuvas. Todavia, fica um sentimento de insuficiência, de faltar alguma coisa.

... O ano termina com uma demonstração inequívoca de como estou deslocado no mundo publicitário. Nesses últimos dias entrou um trabalho novo e um pouco diferente: escrever o roteiro para um vídeo já criado e entrando em fase de produção acelerada. Desde o primeiro contato telefônico, entretanto, senti que não era um trabalho para mim. Senti que não conseguiria escrever o que as pessoas esperavam.

E o que elas esperavam e estavam dispostas a pagar para ter?

Palavras de estímulo ao consumo de um serviço na área de saúde.

Queriam um vídeo vendedor.

Foi quando comecei a entrar em choque comigo mesmo. De um lado, a necessidade de trabalhar, abrir um novo mercado, fazendo algo que gosto e para o qual estou capacitado. De outro, porém, minha velha, minha antiga postura de repúdio a vender alguma coisa para alguém. E, para isso, usando palavras, dourando pílulas que sei não serem tão douradas. Coisa difícil demais. Já era difícil antes, ficou muito mais difícil agora.( Tal como escrever um texto otimista e positivo, hoje, sobre esse ano que finda. Não dá.)

Tive sorte: o cliente reclamou de todos os custos e acabei cortado de maneira nada elegante, mas faz parte, né?

No íntimo, gostei.

Isso já é alguma coisa: saber o que não quero, o que não gosto, o que me desagrada.

É sempre bom começar um novo ano com algumas certezas.

Então, é isso: que venha 2007.

Que venha com chuvas bem distribuídas.

Que não seja tão violento e cruel como foi 2006.

Que não seja tão sujo e criminoso nas cúpulas de poder espalhadas pelo Brasil como foi em 2006. A começar pelo poder maior, ancorado no Planalto.

Que venham as chuvas, e que venham bem distribuídas.

E que todos tenham muita saúde & paz em suas vidas, com chuvas abundantes, regulares, criadeiras, tanto figurativa como realmente.

Chuva é vida. Feliz 2007.

“Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.

Ambos existem; cada um como é.”

Fernando Pessoa (“Ficções do Interlúdio” – Poemas Completos de A. Caeiro)


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quinta-feira, dezembro 28, 2006

Premonição, exagero ou o começo?


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Forças armadas islâmicas abandonam capital da Somália

Com esse título, a página do Estadão na internet noticiou há pouco os últimos fatos do conflito armado entre forças legais somalis, apoiadas por unidades etíopes, e rebeldes muçulmanos.

O que me assusta é o começo da frase: “Forças armadas islâmicas...”

Acredito, infelizmente, que a evolução dos conflitos e dos diferentes ódios nos últimos 25 ou 30 anos entre muçulmanos e cristãos, árabes e judeus, colonizados e colonizadores, brancos e pretos, acabará conduzindo a algum tipo de conflagração ampla e brutal e, com certeza, global.

“Forças armadas islâmicas...” é uma expressão assustadora.

Recorda as Cruzadas.

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terça-feira, dezembro 26, 2006

Imagens natalinas no Sítio das Macaúbas

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Fim de tarde no dia 23 de dezembro. A cena parece, apesar da casinha meio cabocla, de uma fazenda do interior canadense em meados do outono... Talvez em Quebec, talvez em Ontario...


Não choveu nesse Natal. Só um pouco no dia 24 e na madrugada de 23 para 24, mas a terra já estava bem molhada pelas chuvas da semana.

O entardecer da véspera foi magnífico, o céu limpo depois de uma chuvinha gostosa e de um dia quente e abafado. Alguns bezerros sequer se deram ao trabalho de levantar e buscar o abrigo de uma árvore, e simplesmente ficaram deitados embaixo da chuva.


Aqui, as bezerras mais novas e um machinho entram no bezerreiro onde passarão a noite. A presença do fotógrafo, como de hábito, interfere e elas ficam curiosas.



As Jersey adultas e duas novilhas mais espertas, a Graciosa e a Estrela, pastam o tanzânia na ponta do pasto próxima do grande pé de manga-espada e da cabeceira da matinha da mina.



Harry Potter, filho da Feiticeira com o Safari, irmão da Maga...

Leva jeito de vir a ser um touro bonito.


Estou ansioso para ver como sua irmã inteira vai se sair como produtora de leite, pois a mãe é muito boa. Nesse caso, aumentam as chances dele vir a ser um bom reprodutor, ou seja, gerar filhas que também sejam boas produtoras.




Maga, Milu e Luna no pasto da parte de baixo do sítio.


Na verdade, trata-se, ainda, dos pomares de limão-taiti, tangerian ponkan e laranja-lima. Elas comem o capim que cresce nas ruas entre as linhas de árvores.


Na esquerda da foto, outras duas grandes mangueiras, também de espada. Elas escondem o bosque de jaboticabeiras antigas e enormes. Quando frutificam, dão jaboticabas enormes, deliciosas. Esse bosque, com quase vinte pés, já faz parte da mata há muitos e muitos anos.




No primeiro plano, os bezerros um pouco mais velhos, todos machos, no bezerreiro do barbatimão. Ao fundo, suas mães voltam do piquete para beber água.


Essas longas tardes de verão são muito bonitas. Isso, é claro, depois de uma boa chuvarada. Os insetos, como em qualquer outro lugar desse planeta azul, branco e marrom, com forte viés para mais marrom, perturbam. Mas, é assim que é e sem eles nada seria assim.


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sexta-feira, dezembro 22, 2006

Feliz Natal!




Ontem, às 22:20, começou o verão.

Mero formalismo, já que nos termômetros ele começou faz tempo.

Com o começo oficial do verão o ano termina. Antes dessa passagem emblemática, porém, temos outra, que é a chegada do Natal.

Quando criança, era uma época mágica. Passávamos o ano inteiro à espera dessa data e tudo que se relaciona a ela: castanhas, nozes, panetones e presentes. A vida era simples na nossa ótica infantil, e mais simples ainda naqueles tempos distantes em que internet, por exemplo, não existia nem na ficção cientifica. Computador era chamado de cérebro eletrônico e também não existia, era coisa de livrinho de ficção científica. Sim, telefone já existia, por favor, né? Mas eram poucos e privilégios das boas casas comerciais e das famílias da elite econômica ou social (todo mundo sabe que essas elites nem sempre coabitam), sem falar que uma ligação para outra cidade era feita via telefonista. No decorrer de meados dos 70, impressionei-me com uma matéria em revista científica, dizendo que, caso o sistema telefônico americano ainda dependesse das telefonistas de outrora, sua operação precisaria de mais de 20 milhões de operators nos horários de pico. Santo computador!

O Natal tinha, também, aquele negócio bom de famílias reunidas e boas comidas, além de relativa abundância de refrigerantes. Lembro-me que sempre checava o estoque de vasilhames para guaraná e coca-cola, cuidando para que nenhum se quebrasse e reduzisse o abastecimento de tão preciosos líquidos.

Observação para as novas gerações: vasilhame era o nome dado às garrafas de qualquer coisa que precisavam voltar ao comércio e à indústria quando comprávamos novas unidades. hoje está voltando à moda e à prática do dia-a-dia em países pobres e atrasados, como a Alemanha. Nos países ricos e desenvolvidos, como é, felizmente, nosso caso, compramos tudo novo e jogamos tudo que é usado no lixo.

De volta ao Natal. Com o tempo, a gente cresce, vira adulto e aprende que Natal é mais que uma festa para ganhar presentes, comer e beber bem. Natal é confraternização, é boa vontade, é amor, é tudo isso que a gente vê nos anúncios e desejamos uns aos outros.

No que me diz respeito, desejo a todos vocês um


Feliz Natal, pleno de harmonia e amor.


E cheio de boas comidas, boas bebidas, boas risadas e também presentes,

dados de coração, quando todos são bons e belos.


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segunda-feira, dezembro 18, 2006

Cidade Limpa



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Essa história de que todo mundo gosta de viver num lugar bonito, atraente, gostoso de olhar, bem sinalizado, é balela. Pelo menos por aqui, nessa grande, pobre e feia megalópole. Já estamos acostumados a isso.

E, de tão acostumados, nem demos muita bola para uma medida proposta pela prefeitura e aprovada – inacreditavelmente, acreditem – pela Câmara Municipal dessa cidade. Medida simples, que surpreendeu-me ao ponto de não acreditar no que lia. Era a lei Cidade Limpa, que combate a poluição visual na cidade e obriga a retirada de todo tipo de anúncio externo na cidade a partir do próximo 1º de janeiro. E os anúncios de fachadas – fatídicos, horríveis, agressivos, chatos – terão de ser enquadrados aos ditames da lei até 31 de março.

Coisa de primeiro mundo. Que digo? – coisa de primeiríssimo mundo. Uma das raras medidas inteligentes, justas, visando ao bem comum dos cidadãos e não ao bem comum de meia dúzia.

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Tarde de sábado, estou numa loja pensativo, gastando neurônios com a questão comprar ou não comprar. O dono da loja, que também é dono da loma do outro lado da rua, conversa com alguém que me parece ser o gerente dessa unidade, que está contando da visita de um fiscal da prefeitura.

- Ah, é, o fiscal passou por aqui, é?

- Veio falar da placa da fachada. Com a nova lei a gente vai ter que mudar o tamanho dela.

- Pombas, esses caras não têm o que fazer e aí ficam inventando moda. Deviam era cuidar do que é importante, como combater as enchentes, e não ficar amolando quem está trabalhando. E aí, o que vamos ter que fazer.

- Jogar fora as placas atuais e trocar por outras, de acordo com o tamanho da fachada. Ele deixou as medidas aqui... Dá uma olhada.

Enquanto olhava as medidas marcadas no papel, o dono da loja resmungava e xingava, do prefeito ao presidente, que, por sinal, nada tem a ver com esse caso. E o gerente da loja em que eu estava contou do impacto que a lei provocou, tão grande que até o New York Times publicou uma matéria a respeito.

- Vamos ter que aprontar tudo até o dia 1º agora?

- Não, a gente tem até o dia 31 de março pra fazer a troca, sem multa.

- Essa multa é muito alta, um absurdo.

...

- Até 31 de março a gente não é multado, mesmo deixando a placa?

- É isso.

- Então vamos deixar até o dia 31. Antes disso a gente derruba essa palhaçada, você vai ver só. Essa lei vai ter vida curta, vamos ver quem é que vence essa parada, com ou sem o New York Times ficar falando abobrinha.

Bom, diante de tamanho desprendimento cívico desisti da minha compra. Recoloquei o livro na estante e fui embora.

Ah, é mesmo, eu estava numa livraria, num sebo, pra ser mais preciso. E o cidadão com tão alto espírito cívico tratava-se do dono de uma livraria, alguém, supostamente, ligado à cultura, à difusão do saber, um ser com alguma ligação, ainda que mínima, com a arte, com algum conhecimento de estética. Qual! Nada mais que outro troglodita tupiniquim.

O mais curioso é que suas lojas não precisam das placas enormes e feias que berram que ali se vende livros usados. Além das outras, anunciando que compram livros usados. Não precisa porque aquele trecho da avenida é conhecido por ser o trecho dos sebos. São 9 ou 10 lojas, uma quase colada à outra, facilitando o trabalho e reduzindo a queima de calorias de quem está à procura de livros de todo e qualquer tipo, dos raros aos baratinhos.

A reação desse livreiro é a mesma de outros milhares de comerciantes, sem falar nos donos de empresas de out-doors e agências de publicidade. Parece que uma empresa de out-door já conseguiu uma liminar garantindo a manutenção de seus monstrengos à beira da Marginal Pinheiros. E a Associação Comercial, zelosa e pressurosa em defender os direitos dos associados (pelo menos esses direitos, muito mais fáceis de serem defendidos do que os mais importantes), sem cobrar com a mesma força pelas contrapartidas aos direitos, vive em permanente atividade desde a aprovação da lei e anunciou que nos próximos dias entrará com medida judicial contra a implantação da lei. Diz a Associação que a cidade não pode ficar como está – oh, aleluia! -, mas que não pode aceitar o caráter proibitivo da lei.

Nessa altura do campeonato, temo por sua aprovação. Mas esse prefeito já se mostrou um bom brigador e com vontade de acertar. O problema será se a Justiça conceder a liminar e o processo arrastar-se por décadas, como sói acontecer. A cidade continuará emporcalhada e muito, muito feia.

Todavia, quem sabe?

Estou na torcida pelo prefeito e pela implantação da lei Cidade Limpa.

São Paulo merece.


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Sem assunto


A tela se ilumina e o espaço em branco aparece, apenas esperando pelas palavras que povoam minha mente e querem sair em busca do papel que já não existe, ou, então, apenas mudou de forma.

Os assuntos são muitos, tantos que chega a ser difícil escolher um. E tem para todos os gostos. Por exemplo, a vergonhosa atitude dos parlamentares concedendo-se um imoral – ou amoral? – aumento de quase 100% em seus vencimentos que já eram, digamos, generosos.

Tem, também, o aquecimento global, tema terrível que parecia ficção, depois parecia coisa para um futuro longínquo e que nunca chegaria, pois antes dele a ciência dar-nos-ia novas respostas e soluções. Depois ele passou a ser ameaça futura mais próxima, mas geograficamente muito longe dessa idílica Terra de Vera Cruz. Agora, o aquecimento está batendo às nossas portas e. ao olha-lo, percebemos que tem passaporte com passagens e paragens no mundo todo. Algo precisa ser feito e já.

A internet diz que a casa de um dos assassinos que incendiaram uma família, ainda viva, foi pichada com ameaças e ofensas. Amedrontada, a família mudou-se. Os assassinos também mudaram-se, foram transferidos para outro presídio. A crueldade dessas mortes é inaudita, é algo impossível de ser entendido. Por mais que pense e tente ser racional e civilizado, tudo que penso é que os dois assassinos devem morrer da mesma forma, e já, quanto antes melhor. Têm que ser justiçados. Precisamos da barbárie para salvar a civilização. O que resta dela, pelo menos.

No Japão, em Yokohama, mais um time brasileiro conquista o título mundial de clubes. Há um ano, exato, eu mesmo vivia essa emoção intensa, única, fantástica. O futebol faz bem às nossas almas feridas.

A China continua tomando mercados e diminuindo nosso comércio externo. Não demora e só teremos grãos e outros produtos agrícolas para exportar.

É tanto assunto que me vejo sem assunto e em dúvida: jogo freecell ou desligo o computador e vou dormir?

Vou dormir. Boa noite ou bom dia, ao gosto.


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sábado, dezembro 16, 2006

Paulistanidades


“É sempre lindo andar na cidade de São Paulo

De São Paulo...

A vida é grana,

O clima engana,

Em São Paulo...”

Gosto de andar na minha cidade. Até já foi minha, eu acho, em uma outra era. Hoje, é de ninguém, eu acho, também.

Eu acho muito. Mas já estou com idade bastante pra parar de achar.

Esses versos são de uma música do Premê, se a memória não me engana – que é só uma maneira mais comprida e besta de dizer eu acho.

No meio de tanto achismo, uma certeza: mesmo num sábado, só é civilizado andar por essa megalópole nas primeiríssimas horas da manhã. Foi o que fizemos hoje, saindo cedo de casa e indo pro centro da cidade, o Centro Velho. Na verdade, só passamos por ele, pois o destino era o Mercado Municipal, no Parque Dom Pedro. Chegamos cedo e... não entramos. A fila de carros era enorme, o estacionamento há muito já estava tomado, o sol começava a pôr suas manguinhas de fora e pouco passava das sete da manhã.

Desistimos. Como não podemos desistir do bacalhau pro Natal, o jeito será voltar amanhã, já que, por algum estranho sentimento, não gostamos de comprar bacalhau em outro lugar que não seja o Chiapetta do Mercadão.

Aproveitei o retorno prematuro e embarafustei o carro pelas quebradas do Bixiga, até a padaria antiga, antiqüíssima, pra comprar pão italiano da gema e lingüiça calabresa defumada com pimenta, muita pimenta. Com ela, um aviso: “O ministério da saúde adverte, etc e tal.” Nesses dias que correm ando escrevendo algumas coisas com minúsculas, mesmo, tipo ministérios, presidência, câmaras de deputados, vereadores e senadores (ora, o senado nada mais é que uma câmara, por sinal, a câmara alta; a dos deputados, portanto, é a câmara baixa; taí, fosse eu editor de algo mais que esse blog e só referir-me-ia doravante à instituição em questão como câmara baixa; tem tudo a ver... tudo).

Ao entrar na padaria um sorriso tomou conta de meu rosto, de imediato. Felicidade pura: sobre o balcão, uma travessa cheia de canollis fresquinhos, lindos e... saborosíssimos. Não esperei pelo atendimento – certas coisas não podem esperar – e já peguei, cuidadosamente, um dos tubinhos cheios de creme que sorriam para mim.

Como é bom comer um canolli assim!

Orra, meu, mas que creme me fazem aqueles caras, viu?

Como vocês podem ver, coisa de paulistano.

Assim como a 14 de Julho, a padaria.

Ela é de 1897, e como dizem, naquela época o Nono entregava o pão de carroça. Hoje, a carroça já não existe, mas o pão ainda é o mesmo. Se não mudaram nada nos últimos anos, quando a gente entra na área de panificação tem certeza que a data é aquela mesma, se não for ainda mais antiga. Compramos dois pães. Comi um pedaço de outro, acompanhando a degustação da lingüiça. Essa padaria é rica em visões e cheiros. E mais ainda em sabores, mas quem consegue provar tudo que está à mostra? Alcachofras, conservas em alho, cebolas, azeitonas, lingüiças, queijos, azeites...

Todo um universo de gostosuras.

Em plena manhã de sábado não é só o Mercado Municipal que regurgita de gentes e carros. A cidade inteira (cidade é como a gente se referia, e alguns ainda se referem, ao velho centro) está fervilhante e o trânsito, é claro, problemático. Normalidade paulistana.

Antes das nove da manhã estamos de volta à Granja Viana e a um verdadeiro café-da-manhã. A idéia era comer no Mercadão, mas não deu. Em casa, com o pão de 1897, está mais gostoso.

A próxima saída, sem ser a volta ao Mercado, é uma ida ao Morumbi Shopping pra conhecer as Starbucks tupiniquins. Amigos que já foram gostaram e recomendaram. Breve darei minha opinião.

Às vezes é bom viver em São Paulo ou em seus arredores.

Às vezes.


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É briga!


A vida no sítio é sempre cheia de surpresas e descobertas.

Cada dia é diferente do outro, e mesmo dentro de um dia são muitas as mudanças.

Final de tarde de sábado, tarefas concluídas, vacas e bezerros alimentados e separados, tudo pronto para a chegada da noite. Enquanto olhava as bezerras, ouvi uma barulheira estranha. Apesar de meio estranho, identifiquei-a como briga de gatos. Fui pro local de onde vinha o rebuliço, perto da varanda dos fundos, onde fica o tanque e, ao lado, guardamos um pouco de lenha para o fogão. Ao me aproximar, deparei com algo inédito em minha vida. Não eram gatos brigando, embora os gritos agudos lembrassem bastante, eram...

Dois ouriços brigando!

E como brigavam! Vieram correndo da matinha e entraram na varanda, indiferentes à minha presença, totalmente concentrados em suas próprias descargas de adrenalina.

E na varanda se engalfinharam, literalmente. Finalmente perceberam minha presença e se afastaram, mais uma prova da interferência do observador sobre eventos naturais, mesmo quando ele se julga apenas isso, um observador sem direito a voz e voto, mero assistente. O maior e mais forte voltou bamboleante pra matinha, satisfeito com sua vitória e a lição ao importuno (acho eu). O derrotado, um pouco menor e, talvez, fiquei pensando, o ouriço que prendi para os cachorros não atacarem mais há algumas semanas, contornou a casa. Podem não acreditar, mas ele tinha o andar de um derrotado e mantinha a cabeça mais baixa que o vencedor. Uma das gatinhas rodeou-o, mas nem se meteu a besta; olhou e foi embora, sem que eu precisasse dar uma bronca.



Cruzou o gramado e passou perto das vacas, no corredor que leva para os piquetes de tanzânia. Duas ou três mais curiosas aproximaram-se da cerca e ele mudou sua trajetória. Espantou as angolas que fizeram uma barulheira terrível – pra variar – com a agitação causada pela briga. Também curiosas, estavam ao seu redor, embora mantendo distância prudente. Pelo jeito, só os cachorros são imprudentes no que diz respeito a esses bichinhos.

Teimoso, persistente, ou simplesmente sem opções, enquanto o sítio entrava na penumbra que antecede a noite, o ouriço derrotado voltou pra matinha de onde tinha sido recém-expulso.

Na cauda, alguns troféus: espinhos do adversário cravados no couro.

Meio bíblico isso... Quem com espinho fere, com espinho será ferido.

E a paz da noite caiu sobre o Sítio das Macaúbas.


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sexta-feira, dezembro 15, 2006

Na Idade das Trevas



- Que vergonha isso! “Eles” dizem que vão aumentar o salário mínimo que a gente recebe pra trezentos e setenta e cinco, mas só em maio. E pra “eles” mesmos vão dobrar o salário logo de cara, no começo do ano.

Ás voltas com um trabalho meio chato, meio complicado e inteiro atrasado, respondi alguma coisa no piloto automático para minha mãe, sem me dar conta do que ela, de fato, falava. Pareceu-me, naquele momento, mais uma reclamação sobre o baixo valor da herança única de meu pai, a pensão de um salário mínimo. Mas, era mais, era muito mais que isso...

Era um misto de revolta, tristeza, vergonha, desencanto...

Só dei-me conta de tudo isso hoje cedo, quando a manchete do jornal, ainda no portão de casa, atingiu-me com a força e a dor de um murro no estômago:

“Parlamentares dobram salário”

E a coisa não parou por aí, revelou-se muito pior, já nas poucas linhas do texto de abertura do artigo:


Senadores e deputados, que já ganham 15 salários por ano, receberão R$ 24,5 mil mensais - Eles também criaram aumento automático, vinculado aos vencimentos dos ministros do STF - O efeito cascata já começou: a Assembléia Legislativa paulista vai aplicar o mesmo porcentual e pagar R$ 18,3 mil a seus deputados”


Confesso que estou sem fala.

Tudo que consigo pensar desde essa fatídica leitura é que o país não tem nenhum instrumento moral para julgar e condenar ladrões e outros bandidos. Esse pensamento ocupou minha cabeça e dali não sai nem a pau.



E por falar em pau, foi revoltante e errada a atitude da polícia ao defender os assassinos que mataram, pelo fogo, a família de Bragança Paulista. Desculpem-me todos que me lêem, sei que vou falar e escrever uma insanidade, mas seguirei em frente assim mesmo: os autores desse crime mais do que hediondo, impossível de descrever em todo seu horror, só podem ser linchados, vivendo seus últimos momentos em meio às chamas. Não pode haver cadeia, julgamento, prisão, anos e anos comendo, bebendo e dormindo às custas de quem trabalha e paga imposto para, no fim, voltarem às ruas e à vida livre como qualquer outro de nós. Não, há limites para o ato de ser civilizado. Nesse caso, os limites foram rompidos.



E para ninguém dizer que não falei de flores, falarei de milho, cujos pendões não deixam de ser flores.

Um juiz federal qualquer do estado do Paraná, emitiu uma liminar ontem proibindo a aprovação pela CTNBio da entrada no mercado do milho transgênico Liberty Link.

Não vou gastar o tempo de ninguém falando sobre os OGMs – Organismos Geneticamente Modificados – e sua importância para a agricultura e, principalmente, para a produção de alimentos com menor dispêndio de energia no seu sentido mais amplo.

Esse produto que acaba de ser proibido de ir ao mercado, não caiu do céu, pelo contrário, foi pesquisado, testado, acompanhado e já é utilizado há muitos anos em muitos paises com excelentes resultados agronômicos e econômicos, sem nenhum dano à saúde de pessoas e animais ou mesmo ao ambiente. Isso, todavia, não basta para os aldeões medievais e ignorantes travestidos em defensores do ambiente e dos consumidores que entram com ações paralisantes pelos tribunais desse país.

O resultado dessa ação é tenebroso: durante todo o ano de 2006 a CTNBio não aprovou um único produto oriundo da biotecnologia. Nem preciso dizer de nosso atraso em relação ao resto do mundo civilizado e desenvolvido.



E agora, relendo tudo que escrevi, percebo que quero queimar na fogueira os assassinos da família de Bragança, enquanto aldeões medievais e ignorantes paralisam o desenvolvimento e a prática científica e os donos do poder se locupletam criminosa e desavergonhadamente nos castelos, também conhecidos por casas legislativas, tribunais e assemelhados.

Vivemos nova Idade Média, é isso. E, para completar esses tempos medievais, só falta, agora, a Peste Negra.

Desculpem por isso, sinceramente. Juro que queria escrever outra coisa, qualquer outra coisa, mas não deu.



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segunda-feira, dezembro 11, 2006

Já foi tarde


Augusto Pinochet morreu.

Morreu tarde, demorou algumas décadas para que isso acontecesse.

Que queime nos mármores do inferno.

Pinochet e seus cúmplices sanguinários são, ao lado dos assassinos argentinos, alguns dos piores exemplos de gente que a humanidade produziu. Ainda existem, infelizmente, muitos outros igualmente indignos de viver nesse planeta.

Pinochet faz parte da minha vida, não essa que eu vivo, mas de outra, aquela que poderia ter sido se em 72 ou começo de 73 eu tivesse pego minha malinha com roupa & livros e ido para o Chile, ajudar a construir o socialismo como era meu sonho. Abortado antes de nascer.

Como poderia ter sido? Nunca saberei. E nem penso a respeito.



P.s.: eu já tinha escrito esse texto quando vi que a Cora já tinha escrito um com o mesmo título. Pensei um nanossegundo a respeito e cheguei à conclusão que alguns milhões de pessoas estão se plagiando. Ou melhor, estão sentindo o mesmo alívio, ainda que tardio, por esse passamento. Fica o título, portanto.



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Mangas & mangueiras


O pé de manga-coquinho carregou pouco esse ano. Mesmo esse pouco, porém, é muito, é muita manga. Curiosamente, ao contrário das nobres Haden, Tommy Atkins e Bourbon, a coquinho pode ser comida por um budista sem medo de ingerir o bichinho que talvez seja a avó reencarnada. E antes que me acusem de insensível ou coisa que o valha, peço desculpas pela brincadeira e nem sei se é o caso disso, pois já li e ouvi budistas falando a mesma coisa, em tons diferentes, claro, mas com o mesmo significado. Por sinal, um belo significado.

Voltando às coquinhos, elas raramente apresentam bichos e mesmo as doenças fúngicas são pouco comuns. É manga pra comer sem olhar pro caroço.

Contudo, manga, mesmo, boa de verdade, é a rainha das mangas, e que não por acaso tem nome de família real: a bourbon. Que maravilha! Que manga boa. Comer uma bourbon diretamente do pé é um dos grandes prazeres dos dezembros da vida, ao lado do chocotone e mais uma coisinha e outra. Os dois pés de bourbon estão bem, mas não com muita carga. A relativa raridade só aumenta o prazer de comer uma manga no ponto. E nesse ponto, pra falar em ponto, sou chato, pois gosto de manga quase madura, ou madura, mas não muito. Gosto de manga que permite a passagem da faca. Quando era moleque pegava as bourbon e espadas que abundavam na fazenda, já maduras, e chupava mesmo, de lambuzar mãos, braços e toda a cara, além de deixar a roupa em petição de miséria. Crescido, abdiquei de tamanha selvageria e passei a preferir o comodismo luxuoso da faquinha.

Das outras mangas nem falo, apesar ou justamente por serem abundantes em frutos, e bichos, e fungos. Nesse ponto não mudei uma vírgula desde os tempos de garoto: quero distância de fruta com bicho. Bem que me diziam pra largar a mão de ser nojento, mas não larguei. Deixo tais prazeres para outros.

Os pés de manga-espada são imponentes, majestosos. Nos dias de calor senegalesco, a visão de uma velha mangueira e sua generosa sombra já são o bastante para refrescar. O diabo é que quanto maior a mangueira, menos manga a gente pega e mais mangas caem diretamente no chão, onde apodrecem e fazem a festa da bicharada. São sombras boas, portanto, fora do tempo de manga. Quando moleque, deixava-me ficar nessa sombra por muito tempo. Às vezes de mistura com o gado todo. Hoje o tempo me falta para tanto, mas a vista continua bonita e prazerosa.

As vacas gostam da sombra das mangueiras no carreador.

E deixam as árvores "podadas" até onde suas línguas alcançam.



No sítio as mangas se perdem. As vacas gostam de comer todas as que podem pegar, coisa que me preocupa por causa do bendito caroço. Mas vai dizer a uma vaca que ela não pode comer a manga caída do céu bem à sua frente? Os passarinhos se divertem, fazem festa nas muitas mangueiras, além de trocentas ou mais espécies de insetos. Uma mangueira carregada é o centro de um amplo universo. Temos muita manga pra comer e quase nada para, de fato, produzir e entrar no mercado. O planejamento foi meio falho. De bom grado eu trocaria 90% das mangueiras por pés de lichia (eu não gosto, mas todo mundo gosta), abio, fruta-do-conde, pecã, abacate, etc, etc.

– Ué, se quer tanto assim, por que não planta outras frutas?

E quem disse que não plantei? Foram muitas e muitas mudas plantadas. Por mistérios insondáveis, de todas só meia dúzia ou pouco mais foram para a frente, inclusive um pé de genipapo que já está enorme e um dia ficará gigante. Além das secas, das formigas, das brocas, onde tem gado é difícil ter árvores, a menos que se erga verdadeira muralha ao redor de cada muda. As vacas adoram comer as folhas de quase tudo. Quando um pouco maiores, adoram se coçar nos caules, geralmente quebrando tudo e matando a planta, além de se privarem da confortável sombra futura.

Vacas não poupam, buscam o prazer presente.

Parecem-se com muita gente que conheço, a começar de certo escriba metido a cronista.

E paro por aqui, antes que desande a falar mal de gentes e coisas.

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sábado, dezembro 02, 2006

Sabatinas para um começo de dezembro


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1) O mundo curva-se ao Brasil...


... uma vez mais.
Em todo o mundo desenvolvido e até em parte dele em vias de, como a China, é grande a preocupação com o envelhecimento da população. O percentual de idosos aumenta e, por conseqüência, diminui o número dos que trabalham e sustentam a previdência em relação ao número dos que não trabalham e são sustentados pela previdência.
No Brasil, todavia, o envelhecimento populacional não é problema e sim solução. Para o resto do mundo, a problemática, para a Terra de Vera Cruz, a solucionática. A prova está na manchete do Estadão de hoje:

"IBGE: 64% dos idosos sustentam a família"

É isso, o brasileiro envelhece, mas segue sustentando os seus.

Como?
De onde vem o dinheiro que o idoso recebe para sustentar os seus? E porque os “seus” não trabalham?

Ora, e essas são lá perguntas que se façam numa manhã de sábado?
Francamente...



2) O mundo (civilizado) condena...


... e o Brasil apóia.

Janjaweed. Acostume-se a essa palavra.
Não estrague seu fim-de-semana, não a procure no google.
Nas ultimas temporadas de E.R., alguns episódios mostraram os Drs. Carter e Kovac e Pratt trabalhando em Darfur, Sudão Ocidental, território de caça da janjaweed, grupos paramilitares ligados, apoiados ou, vá lá saber, até parte integrante do governo sudanês, que caça, estupra, mata, aleija de bebês a velhos, que fazem parte dos povos nômades e semi-nômades dessa parte do país. Os números são imprecisos, como sempre, mas pensando baixo, mais de 200.000 pessoas já foram assassinadas pela janjaweed.
O governo e a janjaweed são árabes e muçulmanos, os povos caçados são pretos de diversas etnias e religiões.

Nessa semana, na ONU, o Brasil absteve-se de votar a favor de uma fiscalização internacional sobre o governo sudanês. Argentina e Uruguai votaram a favor, assim como outras nações civilizadas. O país do grande líder e guia espiritual dos povos não o fez, para alegria do governo sudanês que elogiou a postura do governo do grande líder, etc, etc e destacou que era a extensão de sua política de apoio à África.
Pobre e cada vez mais desgraçada África.

Confesso que me envergonho de ser brasileiro em muitos e muitos momentos.
Esse é um deles.



3) A volta dos bandidos...


Acabou a trégua que não houve ou, a volta dos que não foram.
Os bandidos, perdão, militantes do mst, ops... MST & correlatos, voltaram a invadir e ameaçar propriedades rurais produtivas. Tentaram nova invasão contra uma propriedade onde uma empresa tem laboratórios e campos experimentais, ao melhor estilo medieval. E, pasmem, invadiram o porto de Maceió!
O governo não aplaude, mas muito menos condena e não deixa de fornecer verbas, alimentos e bolsas diversas para todos. Uma festa.



4) “Paiaçada”...


... ou aritmética transgênica.

Em reunião da CTNBio com 21 membros do Conselho reunidos, 17 votaram a favor da aprovação de uma vacina para animais domésticos produzida a partir de microorganismos frutos da engenharia genética ou biotecnologia ou, ainda, organismos transgênicos. Mas 4 xiitas, digo, representantes da “sociedade” ou sei lá o que, votaram contra. Resultado: a vacina não foi aprovada graças à ditadura da minoria. Isso porque o grande líder e guia espiritual dos povos mudou a lei que constituiu a CTNBio, aumentando o Conselho que aprova ou não pesquisas e produtos, transformando o que deveria ser uma comissão de cientistas numa verdadeira assembléia-geral com maioria de leigos e militantes de causas diversas. Pior: estabeleceu que uma medida só será aprovada se tiver 75% ou mais dos votos, não dos presentes a uma reunião, mas do Conselho como um todo, o que explica como 4 é mais que 17.

A propósito: indivíduos de ambos os sexos e todas as idades da espécie Homo sapiens são tratados regularmente com medicamentos provenientes de organismos transgênicos. O melhor exemplo é o da insulina. Entretanto, indivíduos de ambos os sexos e de todas as idades da espécie Bos taurus, entre outras, não podem beneficiar-se de medicamentos produzidos de forma similar. Ou seja, fica claro que há um direcionamento...

Em tempo: a espécie Bos taurus compreende os bichos que chamamos de vacas, bois, vaquinhas, touros, bezerros...



5) Atrasados...


Bem de acordo com o país que representam, três senadores e um deputado viajaram, às custas do povo trabalhador e pagador de impostos, para aprazível cidade européia. Tão aprazível que, perdidos nos encantos urbanos, perderam, também, a principal palestra do encontro para o qual viajaram.

Não satisfeitos, atrasaram-se 70 minutos – uma hora e dez – para reunião com importante e ultra-atarefada autoridade internacional.

Eu já comentei que há momentos em que esse país me envergonha?
Ah, já? Então tá.



6) Aerolulla...


... de vento em popa, voando pelos céus do Brasil e do mundo.
Numa prova inequívoca da qualidade e liderança do grande líder (hummm... redundou, que chato) e guia espiritual dos povos, seu aviãozinho é o único em todo o país que decola, voa e aterrisa rigorosamente dentro dos horários previstos. Uma prova de eficiência para desmentir as más línguas que só sabem criticar e não enxergam os pontos positivos do grande líder, etc, etc e seu governo.


É, já deu, né?
Afinal, hoje é sábado, dia de cansar em outras atividades para descansar no domingão.

Bom fim de semana.


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segunda-feira, novembro 27, 2006

A caminho da extinção


Gosto de comédias românticas. Se for dirigida pela Nora Ephron e com o Tom Hanks e Meg Ryan, gosto mais ainda, como, por exemplo, “You've Got Mail”, ou “Mensagem Para Você”, em nossos cinemas e locadoras. Nesse filme, a Meg tem uma pequena livraria em Nova York – “The shop around the corner” – especializada em literatura infantil, e vê sua loja ameaçada e, finalmente fechada, com a chegada de uma mega-livraria bem próxima, oferecendo de tudo, de capuccino a livros com descontos. Tom Hanks é o principal executivo desse monstro do mal, claro, e os dois... Bom, quem não viu, veja. Comedinha gostosa para um fim-de-semana chuvoso.

Lembrei disso por conta de matéria no Estadão desse sábado, dando conta que caiu o número de cidades brasileiras com livraria. E cresceu o número das que tem provedor de internet.

De acordo com a matéria, em 1999, apenas 16,4% dos municípios brasileiros tinham provedores de internet para conexão à rede mundial de computadores; esse percentual evoluiu para um espantoso índice de 46% do total de municípios com provedores em 2005. Uma notícia alvissareira como a chuva que cai nesse momento. E esse número deve ser muito maior hoje, um ano depois, já que tudo relacionado à internet move-se a velocidades estonteantes.

Nesse mesmo ano, apenas 30,93% dos municípios da Terra de Vera Cruz tinham livraria, número que era de 35,5% em 1999 e hoje deve ser muito menor, até porque a livraria que tínhamos em Santa Rita do Passa Quatro fechou. Cheguei a comprar alguma coisa, mais para ajudar, mas não adiantou. O Brasil ainda não tem mercado para sustentar esses “luxos” fora das grandes cidades, onde as mega-livrarias, que já colocam no bolso aquela do Tom Hanks, ocupam mais e mais espaço.

Pelos nossos padrões eu sou um grande consumidor de livros, um heavy customer, comprando entre vinte e trinta livros por ano, pelo menos. E sempre fui membro daquela subespécie – Homo sapiens rattus bibliothecae – popularmente conhecida como rato-de-livraria e que parece, pelo andar da carruagem, a caminho da extinção. E com a minha decidida colaboração, pois há tempos nada compro numa livraria, exceto na do Aeroporto de Congonhas, onde comprar um livro ou dois é parte do ritual de viajar. Faço minhas compras pela internet. Confesso envergonhado, mas confesso.

Tanto na livraria do Aeroporto – pela pressa – como pela internet, fico privado de um dos prazeres que os livros nos dão: seus cheiros. Numa velha e boa livraria, às antigas, olho em volta, olho de novo, disfarço e, rapidamente, levo o livro ao nariz e aspiro seu perfume. Cada livro tem um diferente, mesmo nessa era globalizada e pasteurizada. Os livros antigos também têm, assim como também têm ácaros e assemelhados, motivo pelo qual é melhor mantê-los a certa distância do nariz.

Comprando pela internet a economia é sensível e nesses tempos de vacas magras e bolsos vazios, economizar é essencial, mesmo que só dê para sentir o cheiro do livro comprado quando ele chega em casa.

Nesse momento não vejo ibama capaz de reverter essas extinções: a das livrarias-livrarias e a dos ratos-de-livraria. E é chato ver esse movimento de mercado e mais chato ainda ser parte dele, satisfeito, mas a contragosto. Ou seja, é ruim, mas é bom, e vida que segue.

Entenderam? Pois é, nem eu.



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quarta-feira, novembro 22, 2006

Veranico


Normalmente, ele passa despercebido na cidade. Sua presença é sentida, mas não é percebida como tal; os povos urbanos não verbalizam sua existência, digamos. Embora isso pareça um começo de texto antropológico, estou falando de um visitante chato, irritante, cuja visita traz prejuízos e renova a amargura da seca. Estou falando do veranico.

Como é triste o veranico...

Passei pelo milharal de um vizinho, bom agricultor e bom criador de vacas, também. Capitalizado por boa renda urbana, investe o que precisa no sítio, que é um primor de organização, beleza, funcionalidade e até produtividade, por que não? Em off, porém, ele confessa que a renda mal e mal cobre o que se gasta. Mas, esperançoso – coisa que tenho em comum com ele, talvez a única, infelizmente – acredita que ainda vai ganhar dinheiro com o leite, a laranja e os frangos. Tomara, vizinho, tomara.

O sol quente das duas da tarde queima. Não chove há quase vinte dias.

Os pés de milho estão com as folhas um pouco enroladas, sentindo o calor e a falta de umidade, mesmo nessa lavoura, que foi feita pelo sistema de plantio direto: o mato foi dessecado com um herbicida e ficou depositado sobre o solo. A plantadeira passou por ali e seus discos cortaram a palha e a terra, colocando as sementes na terra coberta pela palhada, que conserva a umidade por mais tempo na falta de chuva, além de manter a temperatura mais fresca também, favorecendo a microfauna e flora que vive nos primeiros centímetros de solo.

O sítio vizinho pertence ao avô e ao tio de um rapaz que presta alguns serviços para mim ocasionalmente. Nele, o milho está plantado pelo sistema convencional. As plantas pequenas estão muito mais sentidas que as da lavoura vizinha e o mato aparece no meio das linhas de plantio. A terra foi arada e gradeada e as sementes depositadas no solo nu, sem a cobertura da vegetação que existia antes sobre o solo. Desprotegido, exposto à ação inclemente do sol e do vento, o solo fica seco. Sua camada mais superficial nada tem de vivo, muito menos de umidade. As pequeninas raízes superficiais das plantas, as radículas, já morreram. Quando chover, as gotas baterão nessa superfície e desagregarão as partículas de solo, escorrendo em seguida, carregadas pela água que vira enxurrada, até o córrego mais próximo. A camada de solo que ficou exposta, por sua vez, é uma camada mais dura, menos permeável à água e ao ar. Sim, o solo precisa de ar em seu interior, também. E a lavoura que ali cresce sente muito mais as intempéries e é menos produtiva. Pior que isso, para os dias de hoje, ela será menos eficiente na transformação de energia em alimento.

O veranico deixa suas marcas nas duas lavouras, mas uma já está bem prejudicada, enquanto a outra, tão logo chova, se recupera sem perdas, praticamente.

No final da tarde a chuva chega, finalmente. Mesmo perdendo meu precioso sinal de satélite na tv, com as imagens da festa da conquista do título pelo meu time, fico satisfeito. Nem dou bola para tão importante perda. Como de hábito, essa chuva chega pesada e traz com ela, ou é trazida por ventos fortes. Em certo momento cai um pouco de granizo. Felizmente, muito pouco, mas o bastante para que o Brioso deixasse o meio do curral e procurasse, rapidamente, o abrigo da paineira. As vacas não chegaram a se incomodar, mas cavalos são mais sensíveis.

Depois da chuvarada inicial forte, veio a garoa ou a chuvinha intermitente. Aproveitei e fui com o Ismael à casa do Toninho Simões, num sítio a pouco menos de três quilômetros. Na entrada, um eucalipto toma conta de toda a largura da estradinha, derrubado pelo vento que, pelo jeito, aqui foi bem mais forte que no Sítio das Macaúbas. Consigo passar com o carro, raspando um barranco e a ponta da árvore tombada. Do Toninho, nem sinal, viagem perdida.

Voltamos ao sítio, onde a noite já está prontinha pra tomar conta de tudo, até um pouco mais cedo, graças ao sol poente escondido pelas nuvens escuras. Melhor que isso, só dois disso, como diria um amigo. E a chuva prosseguiu parte da noite, ora fortinha, ora fraquinha, mas boa, muito boa, muito bem-vinda. Nada melhor para dormir que o barulho da água no telhado e caindo dos beirais, uma verdadeira sinfonia clássica.

Mas não basta essa chuva. Outras são necessárias, com regularidade. Porque assim exigem as plantas, porque assim exige a vida. Ao fim e ao cabo, somos todos completamente dependentes desse ciclo maravilhoso da água. E de outros ciclos, como o do carbono e o do oxigênio, mas esses dois a gente não vê, ao contrário da chuva. Que estamos vendo, mas parece que menos que outrora, ou pelo menos, pior distribuída.

Essa região é incrível por conta de sua posição onde vários biomas vegetais se misturam, e já teve araucárias nativas num passado não muito remoto, apresentando os majestosos jacarandás, entre eles o jacarandá-rosa do Parque da Vaçununga, considerado como o mais antigo ser vivo do Brasil. E um de seus biomas é o cerrado, onde encontramos pequizeiros nativos. Ainda restam algumas flores, mas os pequeninos frutos tomam conta das árvores. Em pouco tempo estarão grandes, bonitos e gostosos, bons para cozinhar no arroz. Perto da chácara de meus sogros tem uma área de preservação com vários pés de pequi. Pena que os frutos são arrancados antes de amadurecerem. Não sobra um nem pra remédio. E todo ano tocam fogo na reserva, onde meia dúzia de vacas fica zanzando entre as árvores comendo o que encontra pela frente. O cerrado e sua fauna e flora são adaptados ao fogo, que chega a ser benéfico e importante, mas não com a incidência anual que o bicho-homem instalou.

Enfim, apesar de tudo, os pequizeiros resistem.

A gente também.


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sábado, novembro 18, 2006

Desculpe o incômodo


Saímos cedo de São Paulo, mas com o sol já alto. Horário de verão é a melhor coisa do verão; o dia começa mais cedo, mais gostoso e termina da mesma forma. Para quem trabalha em vídeo, como eu, com a maior parte do trabalho a campo, é uma delícia, pois o dia rende, rende muito mais. Na roça, então, nem se fala. Na verdade, no sítio nosso horário de verão começa muito antes do horário oficial, afinal, as vacas não têm a mínima noção dessas invencionices ligadas à divisão do dia em horas, minutos e segundos, tampouco conhecendo semanas ou meses. Vivem de acordo com as estações e suas mudanças, ou viviam, até que nós aparecemos e mudamos tudo.

A caminho do local de nossa gravação, uma granja produtora de ovos, um pedágio. Paguei com prazer. As obras na Raposo Tavares ficaram prontas, finalmente, e agora atravessamos Cotia e Vargem Grande sem parar, a 90 ou 100 km horários, numa estrada boa, protegida do trânsito nas laterais, em pistas expressas. Ah, se ainda morasse na chácara de outrora, quando a estrada tinha pistas simples e cruzava um vazio urbano que ficou cheio de tudo: gente, lojas, carros, ônibus, caminhões e lombadas, muitas lombadas.

Há mudanças que são muito boas.

Subimos a Serra de São Roque, cujo nome indígena é mais bonito e sonoro: Serra da Taxaquara; descemos e seguimos em frente por um bom trecho, deixando duas cidades para trás. Basta entrar em uma área de campo e minha atenção redobra. Olho a paisagem sempre com os olhos de quem poderia estar ali, vivendo, trabalhando, criando. Deve ser resquício dos devaneios de viagem a bordo do “trem de luxo” da Paulista, quando me projetava em toda fazenda, em todo sítio, em toda beira de rio que enxergava da janela ou da plataforma do vagão.

Essa região em especial me agrada muito. Gosto de sua altitude, gosto do frio e da umidade, das manhãs e tardes tomadas pela neblina em parte do ano, brincando um jogo de mostrar e esconder. Gosto das árvores e do cheiro gostoso do capim-gordura e gosto mais ainda quando deparo com araucárias, não muito comuns, mas tampouco raras. E tudo fica melhor quando o asfalto se transforma em terra batida onde rodamos pouco, pois a granja que procuramos está próxima.

Passamos por uma entrada bonita, hortênsias exuberantes acompanhando uma pequena cerca de tábuas brancas de cada lado da porteira aberta e convidativa. Ou não muito, pois ao lado uma placa é curta e grossa: “Não temos galinhas”. Ok, está bem, temos que seguir em frente mesmo. E quem disse que eu quero galinhas?

Rodamos mais um trecho olhando atentamente nas entradas de sítios que apareciam e nada de aparecer a granja. Algo, porém, me incomodava e tinha a ver com a placa das galinhas, ou melhor, da ausência de galinhas.

Meia-volta, volver. (O velho comando presente em todo episódio de Rin-tin-tin, o mais fantástico de todos os filmes, como julgava do alto de meus oito, nove anos de idade, e ainda não perdido na memória...)

A impressão inicial revelou-se correta e a granja era aquela mesma, a "Não temos galinhas". Passamos pelas hortências e subimos um pouco pelo carreador ladeado por pequenos arbustos que devem ficar carregados de flores em outra época e mais algumas moitas de hortêncas, com seu colorido, tamanho e forma meio escandalosos. Logo avistamos os galpões onde as galinhas ficam alojadas. Gravar galinhas não me agrada, assim como não gravo mais criações de porcos, devido ao confinamento dos animais. No caso das galinhas é muito pior, pois as infelizes ficam a vida inteira presas numa pequena gaiola metálica, apenas comendo, bebendo, botando e defecando. Essa é uma das criações mais tristes que existem. Mas hoje não vou falar dela e nem das galinhas do sítio, às voltas com suas disputas pelo galho mais alto para dormir, fugindo dos galos, levando seus pintinhos por toda parte atrás de grãos, insetos e tudo o mais que seja comestível e que, no caso de galinhas, esses pequenos dinossauros empenados, é tudo que seja comestível.

Os cachorros nos recepcionaram, dois entre muitos, a maioria retirados do canil municipal e vivendo, agora, a vida que todo cachorro pediu ao grande Deus Canino. Meu estado de espírito melhorou. O granjeiro, de segunda geração, é um cara novo, simpático, boa conversa. O trabalho flui com facilidade, a conversa rola, o depoimento é ensaiado, testado, repetido e finalmente fico satisfeito com duas versões boas. Sua esposa aparece com a terceira geração pelas mãos, um menino e uma menina. Ela, com roupa de ballet a caminho da academia. Ele, com a pequena mão apertando o nariz para não sentir o cheiro das galinhas. Tenho a impressão que a terceira geração estará distante das galinhas e seus ovos no futuro, como acontece com grande parte dos produtores de alimentos que conheço.

(Produtor de alimento diz algo mais que produtor rural, não é?)

A luz ajudou, com o sol ainda coberto por um renque de velhos eucaliptos e a sombra em todo o campo abarcado pela lente. Realmente, nada como o horário de verão para quem trabalha em atividades externas. Fiz amizade com os cachorros, inclusive um akita com seu porte senhorial e cara sempre séria, gravamos a coleta dos ovos – cerca de 25.000 por dia – e a distribuição de ração para as galinhas e a hora de ir embora chegou. Não sem que antes chegasse um casal para comprar galinhas. É comum isso: moradores da região vão até lá e compram galinhas que estão prestes a serem descartadas, vale dizer, abatidas. Embora já não sejam lucrativas para a granja, pois custam mais em ração do que produzem em ovos, elas são bastante produtivas para quem as criar soltas, com a ajudinha de um pouco de ração ou mesmo milho.

Ao passar pela porteira vejo a placa novamente. De nada adianta dizer que não tem galinhas, pois ninguém acredita e todo mundo entra. E acaba saindo com as galinhas pretendidas.

A placa não termina com a negativa das galinhas, e tem mais uma frase embaixo, bem típica de um povo e de um tempo que já não encontramos com facilidade nessa Terra de Vera Cruz:

“Desculpe o incômodo.”

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domingo, novembro 12, 2006

Bom dia, poste


Algumas semanas atrás quando começava minha caminhada aqui pela Granja, nos arredores de casa, deparei com um rapaz pintando um dos postes da rua de casa. Caminhava devagar, por estar ainda no começo e por ser subida, mas assim mesmo engatei uma reduzida e diminuí um pouco mais a velocidade, podendo, dessa forma, acompanhar um pouco mais o que aquele cara fazia sem, ao mesmo tempo, me intrometer. Passei por ele e segui adiante. Pouco mais de uma hora depois, retornando, lá estava ele, com a obra bastante adiantada. Já não era um “cara” ou um “rapaz”, era um artista.

Ele pintou, ou grafitou, alguns de nossos postes. Os mais bonitos, sem dúvida, são os postes de madeira, dos quais ainda temos alguns e que, a meu ver, combinam melhor com nossa rua ainda em terra, ora estreita, ora larga, com árvores fazendo sombra em parte dela. Um dos postes é mais sombrio, não tem as cores vivas e alegres dos outros. Fica numa esquina sombreada na maior parte do dia e sua visão, por algum motivo, me incomoda um pouco.

Caminhar pela Granja é gostoso, mas aos domingos precisa ser feito no horário certo, que é o começo da manhã, quando a “zelite” que aqui vive fica na cama e não vai pras ruas, um carro atrás do outro. Isso é bom porque quase não tem carro passando perto da gente, quase não tem barulho de motores, quase não se vê vivalma por essas ruas.

Nas manhãs de sábado cruzamos com muita gente a serviço do trabalho. São domésticas, jardineiros, pintores, pedreiros, cozinheiras, babás, todo um universo que se encaminha para as belas casas dos inúmeros condomínios da Fazendinha. A rotina nos faz conhecidos de algumas dessas pessoas e bons-dias são trocados. Com outras, o bom dia trocado não nasce do conhecimento e sim da educação, apenas e tão somente. Confesso que é um pouco estranho. Há muito tempo deixei de ser educado desse jeito, desejando um bom dia ou boa tarde ou boa noite para um perfeito desconhecido. Em que pese meu espanto, pessoas bem educadas e gentis ainda mantêm esse hábito. Curiosamente, e não vai aqui um juízo de valor, essa gentileza é mais presente entre as pessoas do “povo” do que entre as pessoas da “zelite”. E é quase uma excluvisividade de gente com mais de quarenta. Que me lembre, nunca recebi cumprimento do povo com menos de trinta, tanto do “povo” como da “zelite”.

Timidamente, ando cumprimentando desconhecidos e desconhecidas. Seco, muitas vezes opto por um curto aceno com a cabeça. Meu pai e meu avô eram diferentes, eram pessoas mais civilizadas e afáveis. Em algum momento ao longo da minha evolução para coisa alguma perdi essa afabilidade. Não me incomodo muito, verdade seja dita, pois me reconheço na maioria dos outros, sou apenas mais um. Só me diferencio quando minha boca esboça um sorriso e um bom dia descompromissado ganha os ares em busca de ouvidos desconhecidos.

Curiosamente, talvez seja minha modesta contribuição, tal e qual, embora muito menos, à do artista que pintou os postes e coloriu ainda mais a rua.

A troco apenas do prazer em pintar e, quem sabe, do prazer em saber que outras pessoas estão tendo prazer ao ver sua obra. Acho que é o que se pode chamar de civilização.

Bom dia, poste.

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sábado, novembro 11, 2006

Mais do mesmo de sempre...



Um dos motivos pelos quais não queria a permanência disso tudo que está aí, era para evitar a aceleração do assassinato do Velho Chico, ou Rio São Francisco para os não chegados. Para minha dupla tristeza, não só tudo isso que está aí continuará, como também a transposição do Rio São Francisco está retornando à linha de frente dos objetivos governamentais.

As obras do projeto faraônico, que o presidente pretende que seja a sua grande obra, seguem paralisadas, ou melhor, sequer foram iniciadas apesar de tentativa canhestra e ilegal feita nesse sentido, devido a uma série de ações judiciais que contestam a licitação do projeto, num total de 3,3 bilhões de reais, ou seja, nada menos que um e meio bilhão de dólares. O número de irregularidades e ilícitos diversos é enorme, a começar por RIMAs mal e porcamente feitos, ausência de reuniões com comunidades atingidas, etc, etc. Impressiona quem vê de fora que, mesmo ícones pétreos do partido do presidente ao longo de sua história, como o “ouvir as pessoas atingidas” e o “respeito ao ambiente”, são sistematicamente sabotados, sistematicamente jogados no lixo.

E agora, na euforia do novo mandato, o governo decidiu, meio na surdina, dividir a super-licitação em um monte de pequenas e médias licitações. Se a sociedade não reagir com rapidez, em poucas semanas fatos irreversíveis estarão criados, a partir dos quais torna-se menos difícil o prosseguimento da obra faraônica.

Pelo andar da carruagem terei de desenterrar os velhos posts a respeito, reler tudo, reescrever, ser mais um a tentar mostrar a inutilidade (pensando em termos amplos) que será essa obra, os riscos imensos para o Rio São Francisco e para a economia de todo o Nordeste, em boa parte ancorada na oferta de energia feita pelas usinas do Velho Chico.

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domingo, novembro 05, 2006

Digressões dominicais

“Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo.

Um volume de um destes autores, um cigarro de 45 ao pacote, a idéia de uma chávena de café – trindade cujo ser-uma é o conjugar a felicidade para mim – resume-se nisto a minha felicidade. Seria pouco para muitos, a verdade é que não pode aspirar a muito mais uma criatura com sentimentos intelectuais e estéticos no meio europeu atual.”

Esse trecho foi extraído do livro “Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas”, de Fernando Pessoa, com organização, introdução e notas de António Quadros, editado por Publicações Europa-América, Lisboa.

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Num aniversário há muito passado e esquecido, ganhei esse livro de presente. Tenho boa recordação de quem presenteou-o, um bom amigo, acompanhado de sua mulher com quem tive pouco contato, pois nosso conhecimento foi todo construído nas horas de trabalho. Quer dizer, se é que o livro foi dado pela pessoa que imagino. Como disse, foi num aniversário há muito passado e esquecido.

Hoje, procurando por um livro que senti vontade de reler – “Libro de Manuel”, Julio Cortazar – deparei com esse Pessoa. Separei-o. Mais tarde, saboreando esse primeiro dia de horário de verão, comecei a leitura pelo “Diário” e deparei com essa pequena pérola datada de 1914, ou seja, apenas seis anos antes de Dame Agatha Christie publicar “The Mysterious Affair at Styles”, seu primeiro e um de seus melhores livros com o genial Hercule Poirot. Creio que Pessoa deve ter gostado de Poirot tanto quanto gostou de Holmes, mesmo porque, sem dúvida, há pontos em comum entre ambos. Não encontrei outra menção sobre isso, mas Pessoa traduziu Poe e Shakespeare, gostava de policiais, então, certamente, deve ter tomado contato com as primeiras e excelentes obras de Agatha Christie, cujo número entre 1920 e 1935 – ano da morte de Pessoa já em seu final (dezembro) – chegou a trinta, entre elas as pequenas obras-primas “Murder on the Orient Express” e “The Murder of Roger Ackroyd”.

Minhas estantes e armários guardam algumas centenas de livros policiais. A maioria meros passatempos de viagens e noites tranqüilas. Alguns, preciosos pelo enredo, criatividade, estilo, elegância. Sou conservador, gosto de heróis definidos, não faço gosto por narrativas com profundezas psicológicas, até porque elas envolvem mergulhar na psique de criminosos e como leio para me divertir, passo batido quando esse é o foco do livro. Tampouco me agradam os detetives macambúzios e solitários que viraram moda com americanos. Não jogo no time dos que gostam do noir, do chiaro-scuro e acham tudo isso apaixonante. Como disse, sou conservador e meio pobre nos meus gostos. Paciência. Além da velha dama inglesa e do Dr. Doyle, gosto de Rex Stout, gosto de outra dama inglesa, notável e, felizmente, viva e produtiva, Lady Phillys Dorothy James e mais um bando enorme.

John Dunning é um dos novos de que mais gosto, principalmente quando o livro tem como personagem o livreiro e ex-policial Cliff Janeway. Recentemente foi lançado entre nós “A Promessa do Livreiro” que, além de uma boa história com os ingredientes básicos e clássicos, ainda por cima trata da vida e obra de Sir Richard Burton, o explorador inglês que passou o século XIX andando por Ceca e Meca – foi o primeiro ocidental a visitar Meca, disfarçado.

E aqui, nesse começo de tarde dominical, abro um parênteses: por que Ceca e Meca e não ceca e meca, simplesmente?

Porque essa expressão “andar por ceca e meca” teve origem, provavelmente, na peregrinação que muçulmanos faziam entre a mesquita de Ceca, em Cordova, a maior em terras ocidentais, e a cidade sagrada de Meca. Como queria referir-me a Richard Burton, usei a expressão pelo seu mais provável significado original, associando-o à ida de Burton – não podemos chama-la de peregrinação – até Meca.

Bom, por hoje é só, até porque meu caminhãozinho já foi longe demais com carga demais. Não dá pra tanto.

Bom domingo.

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