sexta-feira, agosto 31, 2012

Luar, Gonzaga e Armstrong


Uma das bezerras novas começou a berrar à meia-noite, praticamente em ponto. Sei lá, parece coisa de lobisomem, ainda mais que foi no momento que o dia mudou de quinta pra sexta-feira e num mês de agosto. Só faltava ser dia 13...
Calcei a bota, coloquei uma blusa e fui lá fora dar uma olhada. Sem lanterna, coisa totalmente desnecessária.
Depois de amanhã, oficialmente, teremos Lua cheia, a última desse inverno, mas há algo errado nessa história. No final da tarde ao levar o Dito reparamos que ela, Jaci, já estava alta sobre o horizonte, um disco prateado perfeito com as manchas de sempre – lembram que diziam que as manchas eram um dragão? E o seu brilho depois que a noite caiu de vez estava intenso. Talvez, que sei eu, sejam as luzes da rave (existe rave ainda?) realizada para receber Neil Armstrong, com todos os holofotes ligados.

E quando vejo um luar assim, não deixo de lembrar da poesia de Luar do Sertão, de Luiz Gonzaga:

"Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão"

Oh! que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção é a Lua Cheia a nos nascer do coração

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Mas como é lindo ver depois pro entre o mato
Deslizar calmo regato transparente como um véu
No leito azul das suas águas murmurando
E por sua vez roubando as estrelas lá do céu

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

quinta-feira, agosto 23, 2012

As laranjeiras em flor e o brilho da noite enluarada




Ontem voltei a sentir um perfume que está se tornando raro: a florada das laranjeiras. Quando levei o Dito para casa senti-o ao passar pelo laranjal vizinho, um dos poucos que restam em bom estado, às custas de tratos intensivos. O aroma cítrico entrou pelas janelas do carro e reduzi a velocidade, saboreando o momento.
Mais tarde, na casa da Rose e do Cesar, todos nós lamentando a situação atual, ficamos muitos minutos conversando fora da casa, a poucos metros do pomar do “seu” Antonio, pai do Cesar, deixando o perfume das flores de suas laranjeiras conduzir a conversa. Que já não era sobre os graves problemas que, principalmente eles, estão enfrentando. Não lembro mais sobre o que falamos, mas uma parte foi sobre a minha “habilidade” saladeira. Tenho devorado pés e pés de alface americana, devidamente regada a azeite e, mandatório e condição básica, aceto balsâmico. Sem aceto, sem salada. Sou radical (também nesse ponto).
Anteontem os caminhões levaram mais uma partida de frangos dos dois galpões do Cesar. Apesar disso, ele ainda não recebeu a partida anterior, cujo pagamento está atrasado mais de sessenta dias. E entregou a nova. Enquanto isso, as despesas correm e comem o dinheiro pouco que possuem (com dois filhos novos, estudando, os custos são muito altos). Só a despesa com eletricidade atinge valores enormes e a “dona” Elektro não quer saber se o produtor recebeu ou não o que lhe é devido. O que não a impede de manter sua rede sucateada, acarretando-nos prejuízos e aborrecimentos.
E os laranjais vão desaparecendo. Em seu lugar, canaviais. É o custo das doenças, principalmente o greening. A bactéria que o causa já teve seu DNA desvendado genoma por genoma pelos pesquisadores do Biológico, em São Paulo. Mesmo assim não se conseguiu, até agora, a cura ou a prevenção dessa verdadeira maldição, cuja aparição é retardada, mas nunca evitada, por sucessivas pulverizações de inseticidas para controle das cigarrinhas que transmitem as bactérias para as árvores.
Não é somente o perfume gostoso dessas tardes quentes de inverno que corre o risco de desaparecer, mas toda uma imensa e essencial atividade econômica que sustenta uma grande cadeia produtiva com empregos na casa de centenas de milhares de pessoas.
Nessa altura, bom, nessa altura do campeonato não vou falar de meus próprios problemas como produtor de leite.
Ao fim e ao cabo, o perfume das laranjeiras em flor foi sucedido pela visão de um céu absurdamente estrelado, apesar do brilho forte de uma Lua Nova a duas noites de virar Crescente, devidamente observado enquanto aguardava, com resignação cansada, o retorno da luz artificial, cara e falha. Felizmente a luz do luar derreteu a raiva e comer à luz de velas, ainda que sozinho, teve lá seu sabor especial.
Desculpem pelo título enganador. Ao invés de cálida poesia, para a qual não tenho nem o gosto e nem a capacidade, relatos de dramas econômicos. Creio que pratiquei o que se chama de propaganda enganosa. Sorry...

domingo, agosto 19, 2012

A infra podre e o fim de semana perdido



Aviso aos navegantes I: o céu é de brigadeiro, mas o meu humor é cinza-chumbo.
Aviso aos navegantes II: não acreditem nas maravilhas que os políticos entoam sobre nossa infraestrutura e sobre nossa economia. É tudo fake.

Temos tido esses céus tenebrosos céus de brigadeiro há algumas semanas, o tipo de tempo que faz a alegria dos cidadãos urbanos, especialmente nos finais de semana. Não faz a minha alegria, embora as noites sejam espetaculares. Noites de inverno, noites de dias secos, noites estreladas, noites sem orvalho. No final da madrugada, ao ir de um lado para outro aqui no sítio, o calçado não fica molhado, as pernas das calças não ficam encharcadas e geladas. Bom para começar o dia de trabalho, mas, uma chuvinha viria a calhar, nem que fosse só para tirar a poeira de tudo.
Em tempo de chuva temos tempestades, algumas muito pesadas (e diz minha percepção, que pode estar enganada já que é só percepção, que essas tempestades terríveis vêm aumentando na quantidade e na intensidade; e meu bolso concorda com minha percepção), com os inevitáveis problemas no abastecimento de energia. Já nesses dias secos...

Também temos interrupções no fornecimento de eletricidade. Foi assim na sexta-feira, repetiu-se ontem e, acreditem, tornou a acontecer hoje. E o que deveria ser uma plácida manhã dominical, viu-me enfurecido ao celular, perigosamente perto de romper o famoso limite da irresponsabilidade. Não rompi, controlei a fúria e o vocabulário e disse ao atendente da concessionária de energia que se era o caso deles cortarem a luz, que cortassem de uma vez por todas e não ficassem com aquele nhenhenhém destrutivo de luz pisca-pisca. Porque esse vai e vem energético destrói tudo quanto é equipamento eletrônico e motores elétricos.

Nos últimos catorze ou quinze meses tivemos três problemas com o tanque de refrigeração do leite, duas vezes com o sensor de temperatura e uma com o ventilador, provocados por sobrecarga ou oscilação forte na corrente ou. Posso dizer que tive sorte, já que o compressor nada sofreu. Naturalmente, como sói acontecer em Pindorama, a concessionária nada ressarciu.

O pisca-pisca de anteontem varou a noite e começou o sábado. Nessa altura, já tinha levantado em plena alta madrugada para desligar tanque na tomada. Por volta de cinco e meia da manhã religuei-o e comecei a preparar o trato das bezerras, que tão logo estivesse terminado seria o sinal de largada para começar minha viagem para São Sebastião, onde o aniversário de três anos de meu neto, o primeiro aniversário que terá um significado maior para ele, teve lugar. Não somente isso, pois também já havia marcado uma conversa com um amigo, talvez até em meio ao Canal, com a Ilhabela de um lado e a Serra do Mar do outro, todos os sentidos ligados ao drapejar das velas e às batidas ritmadas das marolas no casco do Eleonora.

Não aconteceu nada disso, pois quando a luz voltou Inês era morta, no caso, a minha viagem.

Minhas conversas foram com a concessionária de energia. Num primeiro momento pareceu que o sensor do tanque havia pifado novamente, e lá fui eu, em pleno sábado – tudo acontece nos finais de semana ou feriados – a correr atrás de sensor. Que revelou-se desnecessário  felizmente.

E o domingão amanheceu como o sábado: céu de brigadeiro e seco.

E como no sábado a luz piscou e piscou e piscou... Dali a pouco piscou, piscou, piscou e...
Acabou.

E assim (há quem diga ser deselegante iniciar frase com a conjunção e; é mesmo?), ao invés de cantar Parabéns a Você para o meu neto, repeti a cantilena de reclamações para os atendentes da concessionária.

O que deve ter sido apenas um exagero de minha parte, já que todos sabem que nossa infraestrutura, até no fornecimento de energia, é o “bicho”.

Não é. É pobre, insuficiente, de má qualidade, eleva custos, maximiza perdas, destrói vidas, além de sonhos e esperanças.
Está longe de ser meramente digna de ser chamada de infraestrutura, mas há quem acredite nela, assim como se acredita que céu bonito e bom é o céu de brigadeiro.

Paciência.

sexta-feira, agosto 10, 2012

O poluente poder público - I



                                                
O Tanque do Hugo era um local meio sagrado nos tempos de infância e começo de adolescência, especialmente nos tórridos dias do verão da Alta Paulista. Ficava próximo de Padre Nóbrega, pequeno distrito de Marília onde passei boa parte de meus melhores momentos da primeira parte da vida. Íamos lá para nadar, melhor dizendo, “nadar”, pois tanto seu tamanho quanto a profundidade não permitiam mais que meia dúzia de braçadas. Além disso, só dois ou três da turma sabiam dar umas braçadas mambembes, aceitáveis somente no velho e gostoso Tanque.

O local em si era apenas um trecho alargado do pequeno córrego que descia da divisa da Fazenda das Amoreiras e ganhava mais uns tantos litros d’água depois de passar pelo “asfalto”, como todos se referiam à estrada que saía de Bauru e terminava na mítica Panorama, na margem do Rio Paraná ou, simplesmente, Paranazão, esse sim, nosso ambicionado sonho de consumo, onde iríamos algum dia para fazer as mais fantásticas pescarias que alguém pudesse imaginar.

Por falar em pescaria, era esse o nosso objetivo em muitas das vezes que íamos para o Tanque. Tudo que pegávamos eram lambaris e acarás, mas ouvi muita gente arrotando grandezas de traíras e bagres. Pois sim...

O tempo passou, Nóbrega cresceu, o Tanque ainda foi se mantendo mais ou menos como era e deveria ser, até que o Estado chegou e construiu um presídio bem na cabeceira do Córrego do Hugo. O presídio meio que destruiu o distrito, que ao invés de crescer, inchou. E de maneira nem um pouco agradável ou saudável, é bom que se diga, embora isso seja mais verdadeiro para a metade “de baixo” da pequena vila.

Ainda antes da abertura de suas instalações, o tenebroso monstrengo já emporcalhava o Córrego e o Tanque, naturalmente.

Em pouco tempo mais, também o ar estava emporcalhado, especialmente naqueles já citados dias de verão; agora tórridos como sempre e mal cheirosos como nunca antes haviam sido. 

Porque, naturalmente, o poder público, o Estado, esse ente que 
deveria ser nosso e amigável, mas cujo melhor adjetivo é tenebroso, como a sua obra, fez do Córrego do Hugo o esgoto do presídio. Assim acabou o Tanque do Hugo, assim acabaram as brincadeiras e as grandes pescarias.

Fim da história.

sábado, agosto 04, 2012

Pequenas complexidades da vida simples



A vida aqui no sítio é relativamente simples, um tanto quanto às antigas a um primeiro olhar, mas nem tanto a uma segunda olhadela, mesmo que ligeira. 
Meu notebook fica conectado cerca de dezoito das vinte e quatro horas do dia, às vezes mais, dependendo dos gigabytes a serem baixados. Assisto algumas séries quase que no mesmo dia em que vão ao ar nos Estados Unidos.  A miniparabólica traz não sei quantos canais de televisão, daqui e de outros países, mas a rigor nada vejo, exceto o futebol e a novela, esta assistida pela Rosa e por mim, dia sim, outro não. Pois é, apesar da gritaria, a Carminha nos pegou. Mas, confesso: meu herói é o Cadinho (e... não, não quero ser como ele; nunca teria tanta energia e paciência, sem falar do dinheiro). O celular recebe chamadas e eu mesmo as faço vez ou outra, pois prefiro as ligações pela internet, muitas com mais de 50 minutos e custo quase zero (viva o Skype!).
Sim, é roça, com as coisas da roça, mas também com alguns teretetês da grande cidade, exceto o pão italiano. 

Esses teretetês, todavia, não invalidam o que falei sobre vida simples, querem ver?
Alguém que lê essas mal digitadas faz compra no mercadinho com caderneta?
Ah, sei, só com cartão de crédito ou com cheque ou com dinheiro.
Sei, sei, sei...

Bom, eu também não faço compra com caderneta, mas por mera preguiça e comodismo. O dono do armazém do pequeno distrito vizinho marca num cadernão dele e me dá um pedacinho de papel da calculadora com o valor da compra do dia, sempre um final de tarde, aproveitando quando levo o Dito de volta para sua casa. E assim vou pegando o gás de cozinha para nós e pro Zé e sua família, a sacrossanta mussarela para o lanche de quase toda noite, que só troco por uma pratada de cereais, com banana e leite ou por uma pizza... de mussarela, claro, parte dela com atum impregnado de ômega 3 (coisa herdada da grande cidade).
Aí, no começo do mês, pego a comprinha do dia, peço pra somar com todas as outras e pago com cédulas e moedas de real. No dia seguinte ou no outro o ciclo recomeça e já terei mais umas coisinhas marcadas.

É a velha caderneta de crédito, menos chique que os cartões, mas infinitamente mais prática e humana, como provam os habituais dois, às vezes três, dedos de prosa, quando trocamos novidades sobre os arredores ou comentamos alguma coisa do distante grande mundo cheio de luzes, trânsito e barulhos.

Então, atrevo-me a dizer que ninguém mais com os olhos nessas telinhas faz compras com caderneta de crédito. 
Sim, eu sei, seria meio complicado pro “seu” Diniz ou pro “monsieur” Carrefour marcar nossas comprinhas nas cadernetinhas. 
E se com as caixas-registradoras metamorfoseadas em potentes computadores (on line full time com tudo quanto é banco e cartão) as filas já são quilométricas e demoradas o bastante para algum condenado ouvir de cabo a rabo um discurso de Chávez ou Fidel, imaginem se as meninas dos caixas tivessem que escrever numa cadernetinha item por item, com os nomes complicados das coisas de hoje em dia e seus valores estratosféricos?

Não, não imaginem, a menos que já tenham uma aspirina ao lado, pronta para ser engolida, pois a simples imaginação de tal hipótese é o bastante para bela enxaqueca – herança, presumo, da minha vida pregressa na grande cidade.

Observação: a foto é apenas o registro de bucólico e corriqueiro momento aqui no Sítio das Macaúbas; por sinal, foto já meio velha; dizem os técnicos que textos precisam de fotos para ficarem mais atraentes, despertando o interesse do leitor; então tá, taí a foto.

sexta-feira, agosto 03, 2012

Noites de luar sobre o Macaúbas




O nascimento da Lua ontem foi perfeito. O céu invernal estava limpo e o brilho de Jaci apareceu no horizonte muito antes que ela mesma surgisse, luminosa, intensa, puxando para o vermelho ao “rés do chão”, antes de tornar-se prata pura já alta no céu.

Não vi o nascimento da Lua cheia hoje, mas há poucos minutos saí e caminhei um pouco, tomando um “banho de lua”, como dizia antiga canção dos tempos d’eu menino.

Essas noites de luar pleno são mágicas. A palavra é meio batida, reconheço, mas ela readquire seu significado original quando caminhamos silenciosamente pela estradinha de acesso à casa, saindo da sombra de uma das mangueiras ou da paineira para a luz do luar e entrando em outra sombra de outra mangueira ou da mamica-de-cadela, nome meio feioso para árvore muito bonita. E cheia de espinhos, que com um pouco de boa vontade lembram as maminhas de uma cadela ou de uma porca, outro nome para ela.

A luminosidade é intensa a ponto de gerar sombras muito bem definidas. A vista alcança longe e apesar de enxergarmos tudo, muito mais fica apenas num vislumbre tão passageiro quanto enganador.

Um velho pedaço de tronco poderia parecer um capanga de outros tempos, emboscado, à espera do incauto viajante ou do alvo para cujo fim foi contratado. A luz do luar engana e do engano nascem histórias as mais incríveis.

As cachorras aproveitam a noite fresca, quase fria, e dormem sobre seus panos quentes e aconchegantes. Mal e mal abrem uns olhos curiosos para mim e tornam a fechá-los, já estão acostumadas com minhas andanças noturnas.

O citadino perdeu essas noites, desconhece essa magia. 
Ignora o falso silêncio das noites sertanejas, das noites na roça, desde que não haja mais colheita de cana nas proximidades. 
Perdeu, também, outra magia, a das noites escuras, enganadoramente escuras, pois é só questão de tempo para os olhos se acostumarem à claridade tênue, difusa, proporcionada pela luz das estrelas. 
Em noites assim, a estradinha em solo de areião facilita a vida. Enxergamos tudo e caminhamos sem risco de um tropeço ou de um pisão numa pedra.

Nessas noites parece que o Universo está mais presente.
Não sinto nossa insignificância, mas sinto que há muito a conhecer, a entender.