segunda-feira, abril 28, 2008

Delenda Itaipu


No Senado romano, pouco menos de dois séculos antes de Cristo, Catão terminava seus discursos com uma frase que ficou célebre:

“Delenda Carthago”

Hoje, qualquer bom jogador de vídegame e com algum poder de observação e inteligência, traduziria a frase sem maiores problemas:

“Deleta Carthago!”

E estaria correto, eis a verdade. Porque a raiz de to delete é latina – delere e deletum, o verbo e seu particípio passado – e o português nada mais é que uma derivação do latim, assim como boa parte do inglês. Apesar disso, dizem as autoridades lingüísticas brasileiras que não é recomendável usar o verbo – já é um verbo, ao menos em minha opinião – deletar. Os dicionários e seus autores e, com certeza, aquele deputado que insiste em dar um fim ao uso de palavras estrangeiras em nossa língua –– indignam-se com tamanho estrangeirismo.

Antes de avançar no assunto, um pequeno parênteses: a depender da vontade do nobre parlamentar – tão atarefado com os problemas desse imenso bananal que permite-se ao luxo de desfilar pelas dependências de seu clube do coração abraçado a um dos pais do famoso, burro e há muito sepulto Plano Cruzado – a nós, brasilianos, somente seria permitido falar o mais puro e intocado tupi-guarani, pois nem o nheengatu do Brasil Colônia seria admissível, posto que contaminado por lusitanismos e latinórios diversos. Com certeza, herança deixada por Anchieta, Nóbrega e outros doutos jesuítas que d’além-mar para cá vieram com a Verdade e a Palavra, além de muitas roupas, para civilizar essa Terra de Vera Cruz. Percebe-se, a uma simples mirada, que apenas conseguiram barbarizar o que já era civilizado.

Deletem tudo isso de suas cabeças, pois voltaremos agora ao fio da meada desse texto: “Deletem Carthago!” Como a grande e guerreira cidade-estado da norte-africana margem do Mediterrâneo é só uma lembrança em livros de história e blogs metidos a besta, vamos de uma vez por toda à razão de ser desse texto, ou post, dependendo de onde você o lê, leitora amiga, leitor idem.

Deletem Itaipu!

O novo presidente paraguaio, Dom Lugo, e o “dom” aqui tem duplo sentido, quer porque quer que o Brasil aumente uma barbaridade o preço da energia produzida por Itaipu. Pelo menos 500% de aumento!

O governo bananeiro de Brasília, diz que não pagará um centavo a mais. Quando muito, poderá antecipar pagamentos como prova de amor & carinho pela terra guarani, dessa forma dando uma mãozinha ao governo do país-irmão em sua busca pela felicidade, dólares, euros, ienes, rublos e até reais – não me perguntem em que ordem devem ser citados esses fatores.

Temos um impasse à vista, algo mais chato e que será mais discutido que o gás do Palestra Itália e a falha do juiz no último jogo, qualquer que seja ele. Muito mais chato, até, do que ler a respeito dos múltiplos e indecentes acordos políticos unindo Aécio ao PT, Serra e Kassab ao Orestes. Haja estômago para tanta porcaria.

De um modo ou de outro, com a eleição de Dom Lugo e antes mesmo de sua posse, temos um impasse nesse momento.

Como resolvê-lo?

De preferência, é bom dizer, antes que certo coronel venezuelano arribe em Assunção e resolva peitar o bananal a bordo de seus espetaculares Sukhoy 35.

Para mim a resposta é simples:

“Delenda Itaipu!” – e não se fala mais nisso.

Deletem Itaipu e dêem-nos de volta as portentosas Sete Quedas, que tive o prazer de visitar pouco antes do fim, alguns dias antes do trágico acidente que vitimou um grande número de pessoas que cruzavam uma das suas assim chamadas “pontes”.

Acabemos com o imenso e barrento lago, local preferido por onze de cada dez contrabandistas como rota para seu enorme comércio. O destino de Itaipu, não muito distante já (lembro-me que foi feito um estudo no início dos oitenta, que apontava 2025 como data-limite para seu uso pleno), é a inviabilidade operacional por conta do gigantesco assoreamento de que é vítima a cada nova estação chuvosa. Talvez por conta do maravilhoso plantio direto, prática agrícola que elimina a aração e gradeação e em conseqüência reduz muito, e até elimina as perdas de solo pelas chuvas e ventos, a barragem e sua represa monstruosa tenham ganho alguns anos de lambuja. Mas não há salvação no horizonte, essa é a verdade. Então, antecipemos o seu fim. Quero as Sete Quedas de volta

Melhor isso do que uma nova Guerra do Paraguai.

Quanto à substituição da energia gerada por Itaipu é simples: construam-se cinco ou seis centrais nucleares de médio porte espalhadas pelas áreas de maior consumo e pronto, está resolvida a questão e, como brinde, ganhamos o fim do monstrengo chamado “linhão de Itaipu”. A paisagem agradece.

Ah, energia nuclear é ruim e vai levar à destruição do planeta?

Ok, sem problemas. Voltemos às tabas, malocas e cavernas e não se fala mais nisso.


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quinta-feira, abril 17, 2008

Chegou!


Chegou?

Olha, acho que sim, acho que chegou sim. Jantei sopa duas vezes nessa semana, o cálice de Porto está mais desejado e melhor saboreado, os dias estão mais cinzentos e gostosos e, por último, mas não menos significante, já peguei a minha gripe da temporada.

Sim, ele chegou, o frio.

A mídia já mostrou imagens de Santa Catarina coberta de gelo. Claro que não o estado inteiro, que por sinal tem lugares bem quentinhos, mas uma ou outra localidade em que a geada chegou de madrugada e deixou aquela película fina sobre as plantas, alegria dos turistas e dos desinformados e tristeza dos agricultores. Se bem que agricultor das áreas frias catarinenses não deve ter muito que temer de geadas, mesmo nesse meado de abril.

Falei, propositalmente, “Santa Catarina coberta de gelo”, assim como não me referi a jornais e emissoras de TV, e sim à mídia. Generalizações... A primeira, completamente desprovida de lógica e correção. A segunda corretíssima. Todo aquele Vale do Baixo Itajaí,por exemplo, é região quente, a linda Blumenau que o diga. Assim é por conta da geografia, pois a proximidade do mar, a altitude em relação ao mesmo e a localização das montanhas próximas determina um microclima mais ameno, ou mais quente, para a região. Já a mídia...

Como cresceu a mídia!

Sua leitura inconseqüente desse texto idem, prezada leitora e prezado leitor, é uma prova dessa afirmativa. Sem entrar no mérito de sua qualidade, esse Olhar Crônico é parte da mídia. Com um pouquinho menos de peso que a Veja e o Estadão, claro, típicos representantes da mídia, mas também parte desse conjunto. As duas publicações são parte do subconjunto “mídia impressa”, enquanto esse blog seria parte da “mídia...”, sei lá, eletrônica? Não, essa designação é exclusividade das emissoras de rádio e TV. Cibernética? Bom, taí, gosto desse nome: mídia cibernética. Que seja. Mas tudo é mídia e ela tudo cobre, instantaneamente, seja uma geada em algum recanto catarina, seja a última gafe ou mentira de Lula e Bush, ou ambas as coisas para ambos os líderes. Um, que deveria ser, mas nunca foi aceito como tal depois dos primeiros discursos, o líder do chamado mundo livre. O outro, bom, no que me diz respeito deixou de ser líder quando deixou a vida sindical. Como o meu gosto pessoal não é lá muito relevante, ele segue líder de um monte de gente e gente muito boa.

Alto lá!

Preconceito aqui, não!

Antes de tudo tento ser um cara justo. Os liderados por Lula são, em sua maioria, pessoas excelentes, com suas belíssimas qualidades como pais, filhos, maridos, esposas, sobrinhos, amigos, amantes – ué, faz parte, né? – e outras categorias mais, pessoas como você e como eu. Infelizmente, não posso dizer o mesmo dos associados a ele na condução do poder, seja na burocracia estatal em suas diferentes formas e poderes, seja na burocracia partidária. Sobre esses, porém, não perderei o meu e o seu tempo dedilhando linhas e linhas a respeito. Passo e voto nulo.

Ora, e o inverno, razão de ser desse texto que se pretende crônica? Já volto a ele. É que não acho correto ser um cronista alienado, e se tenho que escrever sobre a beleza cinzenta dos dias invernais que se aproximam, é justo e socialmente correto que gaste algumas linhas para lembrar a todos que nem tudo nessa vida é sopa e vinho do Porto, há também o Zé Dirceu – ex-primeiro-ministro bananeiro – e o Marco Aurélio Garcia – ministro plenipotenciário das relações exteriores – que fazem parte da dita cuja, igualmente.

Estamos naquela que é, para mim, a época mais gostosa do ano. Faz frio, os dias são acinzentados e garoentos, chove ocasionalmente, e é nisso que reside sua beleza e graça, o frio associado à chuva e aos chuviscos. Porque eu sou, antes de tudo, ligado à terra e às coisas da terra, e não há terra, nesse sentido de produtora de alimentos, prazeres e confortos, sem chuva, chuviscos, garoas e chuvões. O grande mal do frio propriamente dito, aqui por São Paulo e arredores, é a ausência da chuva. Sim, como compensação, porém, temos fantásticas noites de céu transparente, ora sem a presença da Lua, e aí o céu é tomado pelo esplendor de estrelas incontáveis e pela Via Láctea, ora com a linda senhora – para mim, a Lua é uma senhora – em seu máximo esplendor, gorda, corada, brilhante, iluminando a noite sertaneja com tanta força que cria sombras perfeitas umas, assustadoras outras, inda mais quando caminhamos no meio do pasto sem lanterna e sem companhia, nem mesmo da cachorrada que prefere dormir pachorrentamente na varanda.

Em noites assim, solitárias em locais ermos, e quando sopra um vento gelado vindo do sul, então... o coração se apequena, não há como evitar, e o calor e a segurança de casa, seja ela barraco ou casa-grande, é tudo que queremos e apressamos o passo em busca desse aconchego.

Ontem, a noite parecia ser desse tipo, mas se foi, de fato, não faço a menor idéia. Voltar para casa dentro do carro, cruzando as ruas da megalópole, pode ser tudo e qualquer coisa, até assustador, mas, com certeza, de poesia nada tem.

Entendeu agora algumas menções que esse texto traz?

Pois é. Nem tudo na vida é poesia ou motivo para poetar.

Até porque, noites lindas ou não, estreladas ou enluaradas, eu ainda prefiro as noites cobertas de nuvens negras carregadas de chuvas. Nisso, sim, há muita poesia.

Para mim.


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sábado, abril 12, 2008

Crônica de adoentado


A “marvada” me pegou


Estou derrubado.

O corpo dói, principalmente pernas, garganta e cabeça.

O nariz dá um trabalhão, quando não está aos espirros que provocam dores generalizadas, está escorrendo, ou melhor, querendo escorrer e eu, bom...

Deixa pra lá.

Minha avó, se viva fosse, diria como já disse no passado que “homem é tudo mole, mesmo”. Ela se foi, mas, acreditem, há outras mulheres que falam o mesmo no lugar dela. Não me importo, estão falando a pura verdade, pois essas coisinhas me derrubam mesmo, deixam-me irritado ainda por cima.

Essa marvada gripe tem nome: é a Gripe Dilma.

Pra curar, só com um dossiê de remédios.

Rá rá rá...

Sim, isso foi uma tentativa de risada. Não bastasse estar assim, ainda estou assim por causa da ex-futura-presidente-sem-ser-a-papagaio-de-pirata.

Humpf...

Não creio que seja dengue, meno male. Doencinha besta e velha que está em franca evolução em boa parte do planeta e que vai crescer mais ainda devido ao aquecimento global. É a mais recente previsão da OMS. No Brasil ela parece ter encontrado seu melhor habitat, não por causa de nossas belezas naturais, ou do nosso ambiente, aqui chamado de meio ambiente, ou nossas muitas águas, nada disso. Aqui ela se dá bem à beça por conta da ausência de Governo.

- Ué, como assim, se o que mais temos por aqui são governos?

- Eu disse Governo, companheiro... Governo, entendeu?
Com gê maiúsculo.
Sacou agora? Beleza.

Há vários anos nós - eu e minha equipe - produzimos um belo vídeo com uma proposta interessante. Basicamente, a idéia era que cada prefeitura comprasse um pacote de produtos e ações de uma companhia multinacional. Na linha de frente, os inseticidas contra os vetores da dengue e raticidas. Com esse pacote, uma parte com produtos e algumas ações da empresa, e outra parte com ações da prefeitura, seria criado um programa de trabalho preventivo e educativo nos municípios, atacando diretamente os pontos de infestação. Creio que fizemos esse trabalho ainda no final do século passado, talvez em 99.

Combater a dengue já era uma necessidade mais que evidente. O número de pessoas contaminadas crescia, o combate começava, mas pouco evoluía. O governo federal comprou um monte de coisas, como adora fazer todo governo. Montes de gente em várias partes foram contratados, e com esses montes criou-se uma bela burocracia.

Nada de resultados, porém, e ano a ano a doença espalhou-se à vontade. Hoje, nem vou falar sobre a situação no Rio de Janeiro, que já passou da fase "preocupante" há muito.

Puxa, tomara que eu esteja só com a Gripe Dilma.



46,4 %

Peraí, volto já... O telefone tá tocando.



- Alô! Quem fala?

- Eu.

- Eu quem? É o Emerson?

- Eu, o dono desse aparelho e dessa linha celular.

- É o Emerson?

- Claro que sou eu, pombas.

- Emerson?

- Eu mesmo, reconhece não?

- Ah, reconheci agora, pois meio bobo assim só conheço você.

- Que é isso rapaz, nós estamos falando no meu blog, se liga!

- Como assim falando no seu blog?

- É, eu estou com essa ligação no blog.

- Puxa, que legal.

- Pois é.

- Ué, mas por que você me passou um e-mail pedindo pra te ligar?

- Nada importante, não.

- Como assim?

- Calma, relaxa, liguei pra você só pra você dar uma graninha pro governo.

- Ah, pára com isso, pô! Coisa mais chata.

- Pois é, fica bravo não. Olha, essa nossa ligação tão cheia de conteúdo, demonstrações de amizade e coisa e tal, que está sendo feita do celular, vai custar uns 4 reais pra você, e assim você vai dar dois reais – arredondados – pro governo que você ama.

- Pára de sacanagem e diz logo o que você quer.

- Eu já disse, é só pra você pag... Xiiii, desligou. Acho que perdi o amigo, mas ganhei um post pro Olhar Crônico.


Pois é, estimadíssimas leitoras e, vá lá, estimados leitores. Essa ligação hipotética de um pobre amigo para mim, falando sei lá de onde, custar-lhe-ia por volta de 4 reais. Desses 4 reais, dois teriam ido pro governo.

Porque o bananal é o país com a maior taxação do mundo sobre ligações via celulares. Quase a metade, ou melhor, a metade mesmo da tua conta do telefoninho vai diretinha pros cofres federais.

Dizem que esse dinheirinho abastece as contas, infla os números do superávit primário, o que nos permite viver nesse mundo paradisíaco. Somos o povo, entre as nações com economias com algum destaque, que menos fala ao celular. Todos falam mais que a gente e todos pagam muito menos que nós. As contas médias são mais baixas e o tempo falado é bem maior.

Esses caras de fora são todos umas antas, não sabem ganhar dinheiro mesmo. Deviam estagiar aqui antes de administrarem seus países.

Agora, se me dão licença, tenho que contribuir com os cofres federais, pois tenho alguém para acalmar e trazer de volta para a lista de amigos.

Esse post tá ficando meio caro.


Post scriptum

Meu irmão mora em Nova Iguaçu. Depois de muitos anos no Maranhão e Pará, voltou pro Sul Maravilha. Representa uma empresa paraense que produz polpa de açaí.

Acho legal, a extração do açaí preserva a floresta e preserva o próprio açaizeiro, ao contrário da extração de palmito que mata uma palmeira de 4 metros ou mais para pegar um cilindro de palmito com 40 centímetros de comprimento.

Esse post scriptum é por causa da dengue e não do açaí que meu irmão vende. Explico: ele disse-me que suas vendas diminuíram porque, provavelmente, segundo ele, diminuiu o consumo de gelados. Logo, vende menos açaí.

Pode ser, não duvido de mais nada.

Minha mãe mora com ele. Apesar do calorzinho da Baixada e dela mesma ser calorenta ou friorenta, dependendo mais do humor que do clima, usa calça comprida o dia inteiro e gasta tubos e tubos de repelentes.

Combinamos que, no caso de um deles pegar dengue – cruz credo, tomara que não aconteça! – virão imediatamente para São Paulo em busca de hospital, provavelmente para a minha casa mesmo. A menos que a situação do atendimento médico melhore muito, o que parece difícil pelo que ele contou.

Na Baixada está todo mundo apavorado com a doença do mosquitinho e os hospitais & assemelhados estão lotados, com filas dignas de consulado americano para tirar visto.

É... Welcome to Brazil.

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quarta-feira, abril 09, 2008

Cueca por 1 real...

...usada.

Flashback: toda vez que começo um texto, principalmente para esse Olhar Crônico, tenho que me policiar e controlar fortemente, pois a tendência é escrever “Confesso que...”
Ora, mas que mania besta de confessionário! Confesso, porém, que esse aqui comecei bem diferente - pronto! - mas não deixei de usar o verbinho cuja conjugação na primeira do singular tanto evitava nos tempos das aulas de catecismo. Os únicos, por sinal, que viram-me ligado à religião de maneira formal e, muito menos que isso, presencial, tirando as benditas aulas ainda no primário, pois sem elas não teria primeira comunhão. Ou seja, eu sou daqueles que da missa nunca sabem sequer a metade, ou até parte alguma, pois nunca freqüentei-as de moto e interesse próprios, exceto por motivos políticos em uma outra era já perdida no tempo e nos costumes.

Comprovando que o que mais há nos mármores do inferno é o pessoal cheio de boas intenções, aqui estou eu com as minhas e já com pecados e pecadilhos de infância confessados – de novo o verbo – sem algum texto que tenha a ver com o título completo desse post, que inclui aquela palavrinha de tenebrosas possibilidades para esse caso e peça, “usada”.
Então, com pequeno atraso indigno de uma ANAC, vamos a ele, o texto.

Ontem cedo, por mero acaso, deparei com uma notinha perdida no jornal dizendo que a Polícia Federal, ou a Receita idem, faria um bazar com objetos interessantes, entre os quais uma grande quantidade de garrafas de cristal com vinho do Porto, encomendadas por Edemar Cid Ferreira, aquele que era dono de um banco, presidia a Bienal e mora numa mansão cinematográfica, para presentear amigos & cia. Dizia também a notinha que essas garrafas estariam no leilão por se encontrarem entre os bens apreendidos do famoso traficante Abadia. Ou, provavelmente, foram levadas ao bazar dos bens do traficante para aproveitar a oportunidade.

Esse tipo de gente – Abadia e Cid Ferreira – nunca me interessou. Tampouco seus bens, embora uma das fazendas do bandido seja de dar água na boca, não nego. Todavia, vinho do Porto é líquido de minha especial predileção, seja aqui na Granja, seja no Sítio das Macaúbas. Sou eclético ou sem gosto, dependendo de quem analisa, pois gosto dele ao natural, como deve ser, e também com duas pedrinhas de gelo no começo de uma tarde quente depois do almoço ou no final de uma manhã igualmente quente, antes do almoço. Gosto é gosto, digo em minha defesa, e à noite meu copinho metido a besta não sabe o que é gelo. Se do vinho sou consumidor esporádico, apesar do prazer que ele proporciona, garrafas de cristal não fazem parte da minha listinha de compras nos “valmartis”, “extras” e “carrefurs” da vida. Se além de feitas em cristal da melhor qualidade, provavelmente em algum lugar de nome esquisito da antiga Tchecoslováquia, ainda por cima, ou por dentro, contiverem vinho do Porto de qualidade similar e idade avançada... Bom, aí é que não fará parte de qualquer uma de minhas listinhas de compra.

Lida a notícia, meus neurônios associados às papilas gustativas puseram-se a funcionar. Durante dois, talvez três minutos, acalentei a idéia de pegar o carro e dar um pulinho no Jockey para ver o tal bazar. Mas só de lembrar na encheção que é estacionar o carro, o trânsito e não sei o que mais, desisti e fui cuidar de meus afazeres, multiplicados pela solidão temporária nesse casarão, misturando roteiros e telefonemas com vassouradas e aspiradas de pó.

...

É... Pegou mal, ainda mais num texto em que há menções a um traficante. Explico, para que dúvidas não pairem: as aspiradas de pó citadas não passam disso: reúno o pó e o pelo caído dos cachorros com a vassoura e em seguida ligo uma máquina maravilhosa que tudo aspira, o aspirador de pó. Esse escriba, portanto, continua escrevendo suas sandices habituais unicamente com a ajuda de neurônios de má qualidade, mas naturais, sem nenhum turbinamento.

Nessa manhã seguinte ao bazar, a primeira página do jornal é tomada pela chama olímpica maculada, apagada, reacesa com a chama de algum isqueiro, enfim, uma ridícula chama olímpica digna do governo do país que vai abrigar os próximos Jogos Olímpicos.

A manchete principal, porém, diz que a Polícia Federal apreendeu computadores da Casa Civil do governo federal.
O mensalão, como se pode ver, nunca acabou, no que diz respeito ao envolvimento permanente desse governo com forças policiais. Entre outras chamadas que não vêm ao caso, uma chama minha atenção e leva-me a lê-la antes da sacrossanta leitura do caderno de esportes: “Bazar de Abadia termina em tumulto”.

Ora, ora...

Centenas de pessoas ficaram de fora, sem poder entrar.
Um rapaz saiu de Sorocaba em plena madrugada, chegou às 07:30 da manhã, passou o dia inteiro em pé esperando para entrar e nada. Como ele, mais um monte de histórias na linha “cheguei cedo, fiquei o dia inteiro, não me deixaram entrar”. Um dos felizardos que entrou saiu carregado de compras, inclusive toda a roupa do corpo e mais o boné, sendo confundido, ou “confundido”, com o traficante. Diz a reportagem que entre os muitos bens vendidos – brinquedos, perfumes, quinquilharias, roupas, tinha cuecas usadas – presumo que pelo traficante – que foram vendidas a 1 real.

Cueca usada por um traficante vendida por 1 real.

Ok, não vejo problemas nisso.

Mas, faço eu parte da mesma espécie biológica que abriga seres capazes de comprar cuecas usadas por um traficante de drogas, ainda que por 1 mísero real?

Sim, infelizmente faço, fazemos todos.

Antes que apontem seus dedos acusadores para mim: vinho do Porto em garrafa de cristal de trambiqueiro do mercado financeiro não é a mesma coisa. Até parece, mas não é.

Eu acho...


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sábado, abril 05, 2008

Há 14.000 anos...

... como hoje, parte de nossas Américas não tinha serviço de esgoto. Na verdade, há 14.000 anos parte alguma das Américas ou do mundo dispunha de tão valioso serviço. Podemos deduzir a partir disso, que parte do Brasil, talvez a maior, está hoje como estava há 14.000 anos, com uma diferença: com muito mais gente e muito menos mato, capoeira, pântanos, mangues, o que quer que existisse de vegetação naqueles tempos.

Nesse momento, estimada leitora e também estimado leitor, você deve estar se perguntando o porquê dessa introdução tão perdida no tempo como no sentido, não está? Pois bem, vou explicá-la já, antes que esqueça sua razão de ser.

Remexendo na sujeira acumulada de uma caverna no estado americano do Oregon, cientistas descobriram coprólitos humanos cuja análise por meio do Carbono 14, o popularíssimo C14, comprovou sua idade em 14.000 anos. Coprólitos, como bem o sabem os leitores, não passa de um nome metido a besta para fezes fossilizadas.

Caraca! – exclama alguém, com certeza. Pois é, fezes fossilizadas. Não me perguntem como as ditas cujas viraram fósseis, uma vez que o meio de mato e os fundos de cavernas costumam ser habitados pelos mais diferentes tipos de bichos que, digamos, encarregam-se de dar às ditas cujas um digno e escondido final de existência enquanto fezes. Reparem na elegância dessa trecho: “enquanto fezes”. Nele está reunido um dos pontos altos de nossa mais recente criação intelectual, primo-irmão de outro ponto igualmente alto, o popular “a nível de”. Diria a vocês que o uso de enquanto associado a fezes e tudo isso associado à idade das mesmas, tem um profundo significado que não é escatológico, mas do qual não faço a menor idéia qual seja. Portanto, perguntas a respeito são dispensadas a priori.

Enquanto escrevia tão bem traçadas linhas, parte de meu cérebro ocupava-se com uma questão intrigante: o que leva gente instruída, certamente com bacharelados e doutorados em universidades famosas, talvez até daquele circuito do qual saem os grandes líderes mundiais, de Roosevelt a Obama, passando por Rory Gilmore, a cutucar sujeiras em fundos de caverna. Tanto remexeram que trouxeram de volta à luz do dia os coprólitos ali acumulados. Desconfio que se a busca continuar e for feita com esmero encontrarão os restos de uma pintura rupestre indicando se aquele local era de uso feminino ou masculino.

De volta à realidade, essa descoberta significa que nossas Américas já eram povoadas por nossos ancestrais há 14.000 anos ou 140 séculos. Isso é fato científico, pois exames de DNA comprovaram, inclusive, relações com populações da Sibéria e da Ásia Oriental (a Sibéria é parte da Ásia Oriental, mas assim está a transcrição do artigo publicado na edição eletrônica da Science) e é prova irrefutável da antiguidade de nossa chegada aos verdes prados americanos. Apesar disso, há controvérsias a respeito, levantadas por nada menos que uma pesquisadora brasileira de renome, a Dra. Niéde Guidon, brasileira de Jaú, interior paulista, que há mais de 30 anos pesquisa nossa pré-história na Serra da Capivara, no Piauí. Ali, ela encontrou evidências fortíssimas da presença de seres humanos há 50.000 anos, o que entra em choque com a teoria mais aceita e que diz ter o homem entrado na América há cerca de 13.000 anos, tempo que agora, graças aos coprólitos, foi esticado em mais mil anos.

Por trás da não aceitação da teoria da Dra. Niéde Guidon estão algumas dúvidas relacionadas à fixação dessa idade, que em parte foi baseada em evidências indiretas – a datação mais precisa é de restos de fogueira, o que permite a contra-argumentação de que o fogo pode ter tido origem natural –, mas está, também, a velha disputa Norte x Sul, versão mais pobre e discreta da Ocidente x Oriente, ou ainda Centro x Periferia. Afinal, o embasamento da teoria dos 13.000 anos passa pela Ivy League, aquele circuito citado mais acima das oito velhas e famosas universidades da Costa Leste americana (Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pennsylvania, Princeton e Yale). Acreditem, isso é sério, afinal, mesmo a ciência nada mais é que mera criação desses seres imperfeitos, os humanos.

Se nossos tata-tata-tataravós já caçavam pelo Piauí há 50.000 anos, isso jogará por terra dezenas de anos de trabalhos e pesquisas baseados na crença da chegada mais recente. Tudo terá que ser revisto. Afinal, se os caras já estavam por aqui naquela época, de onde vieram e como vieram parar aqui? Sim, pois de algum lugar eles têm que ter vindo, pois é fato mais que sabido e aceito, que somos todos africanos na origem, entre 4 e 5 milhões de anos atrás, nos planaltos da África Oriental.

Bom, e agora? Dito tudo isto, o que resta a ser dito?

Talvez, quem sabe, isso mostre a importância científica para futuros paleontólogos da inexistência de esgotos no presente. Quem pode dizer se daqui a um ou dois milhões de anos um paleontólogo futurista não descobrirá coprólitos atrás de alguma moita de bananeiras – também fossilizadas, claro, só não sei como – e estabelecerá, com base nos ditos cujos, que aqui floresceu uma grande civilização, que sabiamente usava as bananeiras como ponto para exclusão de resíduos, que ao mesmo tempo fertilizavam as plantas que forneciam alimentos?

O Brasil, com sua falta de esgotos, é muito mais moderno e avançado do que imagina nossa vã filosofia.

Além de prestar valiosa contribuição para o conhecimento futuro da humanidade de hoje.


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