quarta-feira, abril 27, 2005

Respeitosamente, vá se catar!

Ridículo!

Grotesco e ofensivo.

Poucas vezes vi ou ouvi um homem público falar tão grande asneira como o fez dessa vez S. Excia. , o presidente Luiz Inácio da Silva. Lembrando que, por força de sua vitoriosa e muito incensada carreira sindical, acrescentou Lula ao seu nome.

S. Excia. não trabalha há décadas. Desde que virou dirigente sindical. A partir daí, sua vida foi uma sucessão de reuniões e conversas. Ficou uns dias preso, é verdade, bem tratado, visitado e paparicado. Esse período de férias de alguns dias rendeu-lhe bela e polpuda aposentadoria precoce – não sei de que, mas enfim... – além de enriquecer seu currículo.

Sua filha mais velha estudou em Paris, com tudo pago por representante da burguesia tupiniquim.

Morou de favor em bela casa cedida por amigo durante muitos e muitos anos.

Com tanta falta de despesa, é claro, conseguiu comprar apartamento de bom padrão e chácara idem. Nada contra, muito antes pelo contrário. Tudo justo, muito justo, justíssimo.

S. Excia. só levanta o presidencial traseiro da poltrona do palácio para acomodá-lo na poltrona do AeroLula, brinquedinho que custou a bagatela de 70 milhões de dólares (57 da compra e 13 das adaptações e equipamentos, valor que a imprensa nunca lembra de citar e acrescentar ao valor da compra).

S. Excia. desconhece o que é a vida comum, corriqueira, de quem não é, como ele, um privilegiado. Não paga escola, não paga cartão de crédito, não paga aluguel ou prestação de casa, tem aposentadoria boa e gorda garantida, enfim, S.Excia. desconhece a vida real. Há décadas vive em um mundo de fantasia falando e opinando sobre o mundo real, cada vez mais distante, cada vez mais esquecido e deturpado.

S.Excia., depois de falar um monte de asneiras por terras d’África, Ásia, Américas e Europa (faltam Oceania e Antártida) e uma infinidade de tolices na Terra de Vera Cruz, pronunciou, agora, a maior e melhor de todas, seu atestado de incompetência: mandou-nos levantar os traseiros, abandonar o comodismo e procurar outro banco com taxa de juros mais barata, ao invés de xingar de noite e pagar os juros de dia. S.Excia. foi mais além, ao dizer que a gente reclama dos juros num bar. Oras, Sr. Presidente da República, faça-me o favor! Ao contrário do senhor, cujo gosto pela bebida é conhecido até nos "Isteitis", eu não bebo, muito menos em bares, até porquê o dinheiro anda escasso para isso. É, isso mesmo, afinal, na vida real e no meu pobre caso, se eu beber e comer num bar terei uma conta para pagar. Não há 175 milhões de bobos pagando também essa conta para mim.

Por último, mas não menos importante, S.Excia. esqueceu que uns 54 milhões de comodistas levantaram os traseiros e foram às urnas votar justamente no senhor para mudar “tudo isso que está aí”. Pobres eleitores.

Ah, quer saber duma coisa? Sr. Presidente, com todo o respeito, vá se catar!

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terça-feira, abril 26, 2005

Cansaço, miopia e experimentação

Tá no Estadão de hoje: “Uso exagerado de computador causa fadiga visual” (não coloco um link para essa matéria porquê o acesso é restrito a assinantes do jornal impresso). Resumidamente, pesquisa realizada pelo Instituto Penido Burnier, de Campinas, revelou que o uso do computador piora a visão das pessoas. Nesse pesquisa, 75% dos usuários tiveram fadiga visual, conhecida pela sigla CVS – Computer Vision Syndrome.

Isso ocorre porquê, segundo um dos especialistas, nunca nossa visão de perto foi tão exigida como nos dias de hoje e nosso olho não foi feito para ficar duas horas olhando no mesmo foco (só duas horas?). Possivelmente, o uso do computador pode estar ligado ao aumento de casos de miopia infantil.

Outro problema – e esse vai me gerar uma tremenda mão à palmatória: nosso olho pisca, em média, 20 vezes por segundo (a matéria diz por segundo). Na frente do monitor, porém, essa freqüência cai para 5 vezes. A piscada lubrifica o olho e é um instrumento de defesa. Mais um problema: os monitores modernos têm até 16,7 milhões de cores, e isso resulta num problema para a visão: a variação de luminosidade sobrecarrega a musculatura que regula a entrada de luz para a retina.

Tudo isso acaba provocando dor de cabeça, olhos vermelhos, sensação de poeira nos olhos, olho seco. Tenho tido tudo isso, vira e mexe uso colírio, e desde o começo minha mulher falou que eu ficava tempo demais em frente ao computador. “Vê lá!” – foi a minha resposta. Ela estava certa e eu, pra variar, errado. Saco!

Bom, ameniza um pouco reduzir o brilho, usar protetor de tela, trabalhar sempre com luz acesa sem incidir diretamente nos olhos ou na tela.

A matéria é muito boa. Se houver interesse posso tentar colocá-la aqui ou posso enviá-la via e-mail para quem tiver interesse.

De minha parte, acabei de aumentar o corpo das letras, o tamanho delas. Estavam muito pequenas, exigindo ainda mais esforço para a leitura (como se já não bastasse o esforço pra ler um monte de coisas que escrevo).

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Vale enevoado

A estrada estreita, uma curva em seguida à outra, me levava cada vez mais para cima. O sol forte e brilhante não chegava a esquentar, o frescor e a umidade da mata deixavam a temperatura agradável. Até que não tinha mais subidas, já estávamos no topo da serra, dali pra frente, se prosseguisse, começaria a descer no rumo do mar, no rumo de mundos diferentes em tudo daquele ali, no alto, as nuvens ao alcance dos dedos.

A estradinha de terra estava do lado esquerdo, entrada apertada. A estrada deserta permitia qualquer manobra mas entrei direto, só reduzindo um pouco a velocidade. A estradinha seguia em frente como se fosse um túnel, fechada pelos lados e pelo alto pela vegetação. Pouco depois a mata terminou. À minha frente, se estendendo por uns dois quilômetros, um vale bonito, tomado pelo capim dos pastos. Bem mais comprido que largo, à esquerda terminava em morros cobertos pela mesma mata, verde-escura e fechada. À direita, os morros mais suaves um pouco, estavam tomados pela pastagem, pontilhada aqui e ali por algumas vacas.

Parei o carro. A paisagem combinava com o silêncio e a placidez geral. As vacas pareciam não se mover, e os cantos dos passarinhos chegavam de longe, suavizados pelas árvores e misturados com o murmurejar gostoso da água do pequeno riacho escondido pelo capim. Os diferentes tons de verde combinavam com o azul intenso do céu. Um momento perfeito. Ainda não sabia, então, que aquele seria só o primeiro momento perfeito daquele dia. Lembro que, naquele momento, senti um pouco do perfume do capim-gordura.

Foi difícil voltar pro carro, ligar o motor e seguir para o fundo do vale, na direção da sede. Na verdade, por ali a gente não seguia para o fundo e sim para a cabeceira do vale. A sede, a casa do empregado, o curral pequeno e ajeitadinho estavam a cavaleiro do vale, encarapitados numa pequena elevação. Uma pequena subida, uma curva, outra subida curta e mais uma curva e parei em frente à sede, velha, com jeito aconchegante.

Não lembro do que conversamos. Mal e mal lembro, também, de ter andado um pouco pelo pasto, de ter entrado no curral, ter olhado uma vaca ou outra. Meus olhos se interessavam pelo conjunto, pela paisagem. O pasto não precisava de minhas passadas para saber que estava, como todos os outros, semi-degradado, precisando de matéria orgânica, precisando de adubo, precisando de proteção.

Fiquei feliz quando voltamos pra sede. Se espantaram comigo porquê não quis entrar e sentar na sala, preferi ficar sentado na varanda, de frente para o vale, sentindo o frio e um pouco da umidade do fim da tarde subindo e chegando, tomando conta do corpo. Mais de um café tomei não pra espantar o frio ou acompanhar os biscoitos, mas pra alongar o prazer. Que ficou maior quando a neblina apontou lá embaixo, justamente onde eu tinha parado e descido do carro pra admirar aquele pequeno mundo escondido do asfalto.

Ela chegou de repente, densa, como uma grande manta de algodão cinza claro, escondendo a paisagem, escondendo as árvores e logo em seguida escondendo o pasto e as vacas. Minutos depois, nós mesmos estávamos escondidos do mundo, envoltos por ela, a neblina do alto da Serra do Mar. Minha paixão por aquele vale só aumentou. Tudo que eu queria da vida, naquele momento, era me deixar ficar, acender o fogão a lenha, puxar um livro e deixar o tempo passar, conversar mais, ouvir mais histórias e estórias, deixar a vida seguir até o próximo nascer do sol, o desmanchar da neblina, e o renascer da paisagem.

Pena. Tudo que fiz foi entrar no carro e pegar o rumo de casa, na distante cidade grande. Tenho certeza que um pouco de mim ficou ali, naquele pequeno vale. Ou, quem sabe, foi um pouco dele que veio comigo e comigo está até hoje, tanto tempo passado, tantas sensações vividas, tantas paisagens vistas e aquele vale nunca perdido.


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segunda-feira, abril 25, 2005

Contrastes


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A moto do Israel (sim, Israel, o outro é o Ismael e o irmão do Israel chama-se Ismael, mas a gente chama o garoto de Polaco; meio confuso, né?) está parada ao lado da cerca elétrica perto do curral. Indiferente ao monstrengo tecnológico, o Brioso come um pouco de grama na margem do carreador.

Na cozinha do sitio, cara a cara com o fogão a lenha está o freezer. No outro canto, a geladeira modernosa. A gente pouco, ou quase nada, usa o gás no outro fogão. Quando comprei o sítio, “herdei” um bujão de gás que já ia quase pela metade. O mesmo bujão que foi roubado quase 4 anos depois da compra, ainda com gás. Pelo menos nesse ponto economizamos petróleo, pois o gás é o GLP.

Diariamente, exceto nos finais de semana, o Brioso leva o leite até o laticínio. Depois vai até a capineira de napiê “paraíso” e leva o capim cortado para cima, onde será picado. Capim que ele mesmo come com gosto. O Israel vem trabalhar de moto e nos dias em que não trabalha traz o Polaco. Já o Ismael, embora tenha bicicleta de marchas, prefere vir a pé. O Zé quando trabalhava com a gente, ora vinha de bicicleta – boa pra treinar e manter os músculos afiados pra montar nos touros dos rodeios – ora de moto, ora de cavalo.

A vida é mais interessante quando convivemos com coisas tão contrastantes.

Isso tem algo a ver com diversidade, pluralidade, democracia, até, por que não? Onde nada é uniforme talvez seja mais fácil aceitar o diferente.

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quarta-feira, abril 20, 2005

Jávea


(Essa história é verídica, com algumas frases reconstruídas de memória. É uma história sobre paixão e futebol, mais sobre futebol, mais sobre paixão, sei lá.)


Jávea, uma história de amor...
(esse título termina no final do texto)


Trabalhar em cartório de registro civil já foi mais fácil do que é hoje. Tá certo que antigamente não havia computador, tudo era escrito a mão mesmo, boa caligrafia era essencial. Mas tirando um ou outro Anfilóquio & assemelhados, os nomes eram fáceis e poucos, a maioria esmagadora com um santo padroeiro, o que tornava tudo ainda mais fácil. Era Amélia, Hermengarda (essa acho que não tem santa), Paulo, Maria das Dores, Ernesto, José, João, Bento, Helena, Manoel ou Manuel, Ernestina, Bertolino, Adélia, Aparecida, muitas Marias. Lá uma vez ou outra aparecia uma Edwige, mas era raro. Por volta dos 50, a coisa começou a mudar e os nomes passaram a ficar, digamos, mais sonoros. Influência da guerra, decerto, e dos americanos, com certeza. Eu mesmo e meus irmãos somos vítimas dessa fase. Emerson, Vagner e Edson (Eduardo, o caçula, deve seu nome à minha indicação). De minha parte, ficaria mais à vontade com um Frederico Augusto, quem sabe. :o) Elocubrações meio bestas.

Naquele dia o rapaz do cartório na cidade de Marilia ficou espantado. E um pouco indignado.

- Bom dia - disse o rapaz novinho, meio alto, magrelo, cabelo meio comprido.
- Bom dia – respondeu o cartorário.
- Vim registrar minha filha, nasceu ontem.
- Ah, muito bem. Está com os papeis da maternidade? Passe-os para mim, por favor.

O cartorário pegou a guia da maternidade, abriu o livro e começou a fazer o registro da criança, uma das mais novas habitantes do planetinha azulado cheio de H2O na fase líquida. Computadores, conhecidos como cérebros eletrônicos, eram máquinas gigantescas usadas pela NASA, pelos “americanos” e “russos” e pelos bancos gigantes daqui mesmo. Ficavam em salas enormes, refrigeradas, com um povo esquisito trabalhando dentro deles. O jeito, portanto, no cartório, era escrever na base da munheca, mesmo. Diligentemente.

- O nome da menina?
- Gávea de Lima Cordeiro.
- Como? Pode repetir, não entendi direito.
- Gávea de Lima Cordeiro – repetiu o rapaz magrelo, compassadamente, o rosto com um ar de satisfação.
- Olha, hummmm... “seu” Jairo, né?
- Isso!
- Pois é, seu Jairo, não posso fazer esse registro.
- Como não pode?

A transformação no rosto do rapaz foi instantânea. A satisfação foi embora, trocada por um começo de raiva.

- Pois é, não dá, esse nome não existe.
- Como não existe? É claro que existe!
- Não, não existe.
- Que é isso, rapaz? É claro que existe. Tem um bairro com esse nome lá no Rio de Janeiro.
- Pode até ser, mas não existe, não é nome.
- Que que é isso? Tem até a Pedra da Gávea, que é famosa pra burro.
- Pode ser, “seu” Jairo, mas isso não é nome de gente e eu não posso fazer o registro.

Dito isso, o cartorário afastou a cadeira da mesa e ficou olhando o rapaz magrelo. Um outro rapaz, igualmente novo, que estava com o magrelo meio cabeludo, falou baixinho pra ele ficar calmo.

- Como é que eu vou ficar calmo se esse cara não quer registrar a minha filha? Ficar calmo como?
- Calma, Jairo, vamos conversar.
- Que conversar coisa nenhuma. Ele taí pra registrar e tem que registrar!
- Calma, cara, assim só piora as coisas.

O rapaz acompanhante virou-se pro cartorário e perguntou:

- Vem cá, não tem jeito de fazer o registro? Gávea é um nome bonito, sonoro, e ele tem razão, existe um bairro lá no Rio com esse nome. Fora a pedra, que é grandona e bonita.
- Olha, você é mais calmo, explica pro teu amigo aí...
- É meu primo.
- ... explica pro teu primo que não podemos fazer registro de pessoas com nomes... hummm... assim, entende? Nomes de coisas.
- Mas ele quer esse nome, não vai ter jeito.
- É, mas infelizmente se eu registrar assim, o juiz recusa, anula o processo e eu levo uma baita duma bronca ou coisa pior.

Ao lado, o pai da menina ainda sem nome, já que, pelo visto e ouvido Gávea não seria, escutava tudo, ar de revolta e incompreensão estampado na face. Ar de quem não estava acostumado a ser contrariado. E isso era fácil de entender: bastava vê-lo jogando bola aos domingos no campo de Padre Nóbrega, o pequeno distrito de Marilia onde viver era uma coisa pra lá de gostosa. Todas as bolas passavam por seus pés. Gritava com todos, comandava, tanto os moleques novos como os velhos já meio barrigudos. E ninguém discutia. Também, pudera, as bolas que chegavam a ele eram trabalhadas com paixão, ciência e arte, tudo junto. Quando alguém errava uma jogada ou não se posicionava onde ele queria, a catadupa de palavrões cabeludos que saía de sua boca era terrível. Aquele magrelo, definitivamente, não estava acostumado a ser contrariado.

O entrevero durou mais alguns minutos, caras feias daqui e dali, inflexibilidades também. Súbito, não sei se o cartorário, não sei se o Jairo, não sei se o primo ou algum outro vivente dentro do cartório, sugeriu uma mudança. O Jairo pensou em Jávea, talvez já tivesse pensado antes, talvez tenha sido a tal idéia luminosa que às vezes temos.

Jávea... Claro! Afinal, Jairo era o seu nome, pai da menina, Gávea era onde morava a paixão de sua vida, o Flamengo, juntava os dois e pronto! Uma solução à brasileira, negociada, acordada, uma posição de conciliação, produto típico de um povo que já foi tolerante e mais cordato.

Jávea foi batizada dias depois. Cresceu, já é uma mulher formada, entrando agora nos trinta. Meu primo Jairo continua batendo um bolão, mas de acordo com a idade e a barriguinha. Virou um desses magrelos com barriga, mas não exagerada, é passável. Continua sonhando com os horizontes amplos, imensos, dos sertões do Centro-Oeste, sertões que sonhou cruzar dirigindo uma carreta. Toda vez que cruzo essas imensidões, e são muitas, penso nele pelo menos um pouco. Apesar de ter treinado no Santos de Pelé, com a camisa 10 dos aspirantes, não tem saudades e não se arrepende de não ter seguido carreira no futebol profissional. Qualquer dia conto essa história.

Hoje ninguém mais se incomoda ou comenta o nome de sua filha. Nem ela deve se lembrar o porquê desse nome diferente. Também, pudera, num país como esse, com os nomes que vemos hoje, vamos & venhamos, Jávea é bem legal. Meu primo conseguiu transplantar sua paixão pelo time para o mais íntimo de sua própria família.

Vai gostar do Flamengo assim sei lá onde! Talvez na Gávea.


... por um time de futebol

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Andrei Gromyko e o Brasil

Movido por uma curiosidade extemporânea, mas muito forte, saio vasculhando estantes e armários na caça da biografia de Andrei Gromyko – “Memories – from Stalin to Gorbachev”.
Comprei esse livro em Cuba, já lá se vão 15 anos. Naquela época a URSS ainda vivia, estertorando, é bem verdade, mas viva ainda, sob o governo do camarada Gorbachev.
Esse Gromyko sempre me intrigou. O velho Politburo do PCUS era um ninho de víboras, onde a sobrevivência era algo muito difícil, obtida a duras penas. Sobreviver no governo, então, era mais difícil ainda, principalmente quando mudava o Secretário-Geral do Partido. Todavia, entrava ano, saía ano, veio Khrushchev, veio o longo reinado Brezhnev e depois Andropov, Chernenko e, finalmente, o último secretário-geral, Gorbachev, e lá estava Andrei Gromyko firme e forte à frente da política externa da União Soviética.
Um verdadeiro bagre ensaboado, no Brasil faria sucesso como político, assim como o companheiro Zé Ribamar e outros de longa vida junto ao poder.


Durante mais de 30 anos esse homem esteve no centro de tudo que aconteceu no mundo, já que ele viveu toda a Guerra Fria no coração de um dos centros do poder. E durante esse tempo, qualquer coisa que acontecesse nesse planetinha azul tinha a ver com a Guerra Fria, direta ou indiretamente. É uma leitura interessante, inda mais se depois a gente lê o Kissinger e “Na arena”, do Nixon.


Eu me lembrava de ter lido vários trechos de suas memórias, mas não tinha chegado a fazer uma leitura de cabo a rabo. Não o fiz agora, tampouco. Fui direto ao final do livro e procurei os assuntos, países e pessoas que Gromyko menciona ao longo do livro. ... ... ...
Em vão. Não há uma única menção ao maior país latino-americano. Uma mençãozinha que fosse, tipo “ah, sim, existe um país chamado Brasil”. Nem isso. Nada, em resumo.
Somos inexistentes.
Pior: a própria América do Sul só existe numa menção curta sobre Salvador Allende e o Chile, e outra igualmente curta sobre a Bolívia, por conta da morte de Che Guevara. Mais nada. Nem sobre Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru ou Venezuela. Nada vezes nada igual a zero. Uma boa medida da nossa importância no cenário internacional.


Hoje (texto originalmente escrito em 2005) mudou um pouco esse quadro, mais por força das vicissitudes econômicas a que fomos submetidos, o planeta inclusive. Por força de calotes no pagamento das monstruosas dívidas assumidas por Brasil, Argentina e companheiros e, mais recentemente ainda, por força do comércio internacional, onde o Brasil passa a ocupar uma posição menos servil e mais ativa. De qualquer forma, sob qualquer ângulo, nossa inexistência na vida de alguém como Gromyko demonstra nossa desimportância.
Somos tão inexistentes como o título desse texto.


Agora, reparando nos trajetos do "AeroLula" com o presidente a bordo, vejo que nossa política externa se faz (será?) com países igualmente ausentes das memórias de Gromyko. São conversas do desimportante com o nada. Patético (*). Enquanto o presidente perde seu tempo, nossos recursos e compromete nosso futuro com essas tertúlias africanas, caribenhas e outras, Índia e China, com 40% dos habitantes do planetinha, assinam acordos, se mexem, crescem aceleradamente à custa do ambiente, à custa do trabalho quase escravo, à custa da vontade e de um planejamento para o futuro.

E nosso presidente desembarca em terras d’África e pede perdão pela escravidão. Ora, francamente, que demagogia imbecil e barata. Melhor faria se ficasse por aqui governando e tentando melhorar a vida dos descendentes dos escravos.

Se bem que, pensando bem, se com ele viajando tanto já está do jeito que está...

Hummmm...

Ok, Excelência, continue viajando. Talvez nos seja mais barato e menos ruim.


(*)À guisa de p.s.: esse termo "patético" não se aplica dessa forma, mas num texto assim despretencioso, ok, dá para usá-lo; popularmente ele tem uso e pega bem à beça - ou à bessa, como quer a ABL - num texto que se pretende irônico.)


Uma atualização em Novembro de 2016

Ora, ora, ora...  E o então presidente Luiz Inácio fazia suas viagens mundo acima, mundo abaixo, com mais a bordo do que apenas sua equipe e a tripulação, ficamos sabendo em tempos mais recentes.

Também agora começamos a saber, mas ainda não completamente, das negociatas e maracutaias envolvendo grandes empreiteiras, o BNDES, o governo dos companheiros e governos de portentosas nações africanas.

Na época já chamava a atenção, mas ainda não conhecíamos a dimensão das negociatas.


(Sítio das Macaúbas, aos seis dias do mês de novembro do 16º ano do 21º Século.)

Benedictum XVI, welcome on board

Habemus Papam e Benedictum XVI é seu nome. O XV teve um papado interessante, atravessou a selvageria da I Grande Guerra, manteve-se neutro, exigiu tratamento digno para prisioneiros – o que foi um grande avanço para a época, praticou uma política de conciliação.

Esse começo de outro século, não mais o XX mas o XXI, precisa de um Papa que ajude a resgatar valores morais e éticos, hoje perdidos, esquecidos por aí afora, ou simplesmente trocados por um tênis novo, uma calça jeans da hora, um celular com mil e uma funções desconhecidas e duas operacionais: falar e despertar.

Nasci e fui criado no catolicismo brasileiro, sem ter, felizmente, a obrigatoriedade de ir às missas. Fazer primeira comunhão foi um ritual, nada mais que isso. E foi chato. Crescidinho, considerei-me ateu, até porquê, como comunista, era o caso. Mais crescido, talvez evoluído, percebi-me agnóstico. Tá de bom tamanho. Isso não me impede, todavia, de considerar a religião como algo fundamental ao ser humano. E o catolicismo, em particular. Mas sou firmemente contrário à participação da igreja no poder. Qualquer igreja, qualquer religião. Podem me taxar de reacionário, mas lugar de padre é na igreja, de mulá na mesquita, de rabino na sinagoga, de pastor no templo. Cuidem das almas das pessoas e deixem a administração da sociedade aos cuidados da sociedade. Porquê sempre que uma religião se mistura com o estado, o resultado costuma ser trágico.

De Benedictum XVI espero que mantenha sua igreja e seus pastores à distância dos governos. Que não se intrometa, como seu antecessor, em questões como a pesquisa com células-tronco, o uso de camisinhas e anticoncepcionais, a legislação sobre o aborto. Não é com proibições canônicas, com discursos e pregações do púlpito, com radicalismo exacerbado que as pessoas evoluirão. Mais importante que isso, é a Igreja voltar a trabalhar para que o ser humano volte a ter a velha e boa consciência do bem e do mal, do certo e do errado. Pregar e praticar para que valores éticos voltem a ocupar corações e mentes hoje vazios.

Bom trabalho.

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quarta-feira, abril 13, 2005

Lá vem Itamar! De novo...

Não, eu não gosto do Itamar Franco.

Há quem lhe atribua um grande papel na redemocratização da Terra de Vera Cruz. Não jogo nesse time.

Político meia-boca, parlamentar briguento (por picuinhas intrapartidárias e não por nobres causas populares) e obscuro, por absoluta falta de opções de Fernando Afonso, candidato à Presidência, entrou na chapa no apagar das luzes como candidato a vice.

Fernando Afonso ganhou, Itamar virou vice. Pra quem é já tava bom demais. Complicou quando o presidente renunciou por força de suas maquinações financeiras de campanha. Após sua renúncia, sofreu processo de impeachment. Com razão ou sem razão, ele renunciou antes da votação. Pelo certo, a lei e os costumes deveriam ser seguidos e ele não deveria ter sido impichado. Mas nisso, remo contra a corrente que une da direita e os donos dos grandes capitais às extremas esquerdas diversas. Sempre que ocorre essa conjunção na história eu fico com meu pé atrás. Enfim...

Itamar, para mim, ficou marcado pela aceitação forçada de Fernando Henrique como ministro da Fazenda, responsável pela criação do Real, e pela imagem lamentável e humilhante dele, em um desfile de Carnaval no Rio de Janeiro, ao lado de uma moça sem calcinha, com suas “vergonhas” (como disse Caminha em sua carta a El Rey Dom Manuel) expostas ás lentes dos fotógrafos e aos olhares de todos quantos, em todo o planeta, deram-se ao trabalho de passar os olhos pelos jornais e revistas e noticiários televisivos.

Ao longo desses anos, Itamar foi paparicado por Fernando Henrique. Ganhou sinecuras em Washington e Lisboa. Aborreceu a todos, desde o presidente até leitores de jornais, como eu. Cansou, com suas reclamações, seu nada fazer em parte alguma, exceto fomentar futricas e nhenhenhéns. Mandado para Roma como embaixador (ah... por que cargas d’água eu deixei a política?) da república tupiniquim, chegou ao cúmulo de desagradar ao governo italiano por... nada fazer, a nada comparecer. Uma figura invisível no círculo de seus afazeres. A mesma coisa, por sinal, que já ocorrera quando de sua passagem por Lisboa.

Hoje, essa figura de triste presença, teve o dom de quase estragar a digestão do meu café-da-manhã. Peguei o jornal e lá estava ele, estampado na primeira página, entrando numa bela Mercedes, sem gravata, um lacaio a segurar-lhe um guarda-chuva. A matéria do jornal diz-nos que ele ganha 12,000.00 (doze mil, isso mesmo) dólares por mês. Tem limusine com motorista, três arrumadeiras, dois cozinheiros, três copeiros e uma lavadeira. Por ser ex-presidente, tem direito a mais oito serviçais, todos devidamente pagos pelos escorchados contribuintes tupiniquins. A matéria não diz, mas, com certeza, Itamar recebe, também, seus proventos como ex-presidente. Sem falar de aposentadorias como ex-deputado, ex-senador, etc e tal. Como de praxe, como de praxe. Em dois dessa semana, o embaixador recebeu um político de seu estado natal e um jornalista brasileiro. Não é à toa que o governo italiano cansou-se de sua ausência. E agora o governo (?) Lula terá de repatria-lo. Breve, mais fuxicos e intrigas a agitar o mundinho político em torno de S. Excia., coisa típica daquelas mocinhas e moçoilas de novelas classe B ou C. E nós teremos de atura-lo sabe-se lá por quanto tempo mais. E a pagar regiamente por tudo isso. Haja paciência! Sinceramente, preferia sustentar o Príncipe Charles e sua Camila.

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terça-feira, abril 12, 2005

Flores para beija-flores


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Esta é a flor da grevília anã, um arbusto que chega a 3 m de altura. Os beija-flores são loucos por ela. Lentamente, nosso objetivo é ter o jardim formado, basicamente, por plantas cujas flores alimentem os beija-flores.

Além dela, temos o camarão, nome feio para uma flor tão bonita, russélia, diadema mini-hibisco e outras. A vantagem das flores é que os beija-flores não ficam dependentes de humanos enchendo garrafinhas com água e açúcar ou dextrose (melhor que o açúcar, pois não permite o eventual desenvolvimento de fungos que podem ser fatais para as aves).

Nesse final de semana, observei 3 diferentes espécies visitando as flores na mesma tarde.

segunda-feira, abril 11, 2005

O fim dos pardais

(Alto lá, pode parecer mas não é. Esse não é um texto ecocida.) :o)


Nos últimos dois anos ir para o sítio tornou-se uma fonte de desprazer antecipado e desprazer profundo na chegada. Nunca comentei a respeito, anteriormente, e nem sei por qual razão. Confesso que muitas vezes estive tentado a escrever um pedido de socorro e divulga-lo na net. Contive-me. Algo a ver com um certo pudor em ficar pedindo ajuda, o que quase me levou à morte em janeiro de 2000, nas águas ressacadas da Paúba, mas essa é uma outra história. A testemunhá-la, além dos humanos presentes, os pés de jambolão do sítio.

Mas, afinal, o que seria tão grave para provocar essa coisa impensável, o desprazer em ir para o sítio?

Pardais.

Sim, sim, sim, os “bunitinhos”, fofinhos, alegrinhos e briguentos pardais. Os próprios. Consta que esses bichinhos foram importados pelo então prefeito da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Capital da República, nos idos de 1904. Consta, também, que S. Excia. queria, com eles, embelezar as avenidas e recantos do Rio com um pássaro mais “civilizado”, que o lembrasse de Paris, Lisboa e arredores.

A bem da verdade parece que não foi só o prefeito carioca que os importou. O que interessa é que, tal como o eucalipto, a abelha africana, o lírio-do-brejo, o caramujo africano e outras espécies, o pardal foi um imigrante que se deu muito bem por aqui. Cresceu e multiplicou-adoidadamente. Sou testemunha disso.

Nossa cozinha não tem forro. Já tivemos alguns hóspedes nela, inclusive uma simpática família de morcegos, cujo único incômodo era bater boca na hora do jogo. Imperdoável. Mas bastava um berro e calavam-se. Bichos comportados. Mas não devem ter gostado dos meus modos, pois logo mudaram-se. Foi quando o primeiro casal de pardais chegou. Montaram ninho, e era um cocozinho aqui, outro acolá. Chilreavam de manhã cedo, mas nada demais. Criaram. Devem ter feito boa propaganda do condomínio, bico a bico, que é a melhor propaganda que existe, todo mundo sabe disso, menos o governo Lula que continua gastando perto de um bilhão em peças laudatórias.

Bom, ao primeiro casal seguiram-se outros. Muitos e muitos outros. De repente, o ato delicioso de abrir a porta e entrar em casa transformou-se num tormento. Era abrir, entrar e ver a cozinha imunda. Fezes, gravetos, folhas de capim, penas... E acho que até piolhos em certa época.

Tudo tinha de ficar protegido. Graças à fumaça e ao calor do fogão a lenha, eles mantiveram-se longe dele, justamente onde a comida é feita. E por algum motivo insuspeito, só nos últimos tempos um casal fez o ninho sobre a mesa de refeições.

Soluções? Procuramos mas não achamos nada aceitável. Veneno, obviamente, nem pensar. Repelente? Uma tinta ou verniz caro pra burro, com instruções pra isso e aquilo e repetir e coisa e tal. E cara, ainda por cima. E, é óbvio, sem garantia. O único jeito seria forrar a cozinha, coisa, aliás, em nosso planejamento para dia incerto e não sabido mas com certeza futuro. Sim, pois isso tem um custo meio alto e, no momento, as vacas consomem o que podem e o que não podem. Mas um dia darão retorno. (Sim, eu acredito.)

E seguimos nesse ramerrão. Até que um visitante, um rapaz que trabalha com os tios da minha mulher, disse que o jeito era botar uns barbantes no beiral.

De imediato não acreditei, afinal, o que tem de história desse tipo é brincadeira. Uma delas, meio boba e hilariante, é cercar o quiosque do churrasco com sacos plásticos cheios d’água para espantar as moscas. Hehehehehe... Sem comentários. Meu sogro tentou, deu com os burros n’água. Mas de algum recanto escondido da memória veio um fiapo de informação perdida, algo como fitas plásticas, coloridas, que espantavam certas aves não sei onde.

Enquanto eu pensava e procurava por recônditos da memória, nosso visitante pediu escada e barbante e foi pro teto. Em minutos cercou a cozinha com barbante esticado e dele, pendentes, alguns pedaços do mesmo barbante balançando.


A tecnologia consiste toda no amarrio desses fios que ficam balançando e espantam os pardais
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Bom, hoje voltou a ser um prazer enorme abrir a porta e entrar na cozinha limpa, tirando um pouco de pó e, a partir de agora, a fuligem da queima dos canaviais espalhados por toda a região. Mas isso tudo é café pequeno e em nada aborrece. O barbante esticado e os pedaços pendentes, baloiçantes, espantaram todos os pardais. E, melhor ainda, espantou-os, também, das varandas. Esse resultado já conta com cerca de dois meses ou pouco mais. Privados de seu ponto favorito para aninhar, parece-me que os pardais migraram para outras vizinhanças. Já se foram tarde. Impressionante. Portanto, aqui está um modelito supimpa da melhor, mais eficiente e mais barata tecnologia caseira que existe. E, ainda por cima, absolutamente limpa.

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sexta-feira, abril 08, 2005

Procissão

Procissão


O som da cantoria entrou alto e forte pela janela de meu quarto, no primeiro e único andar do hotelzinho simples. Pensei que fosse de algum rádio ou cd player de um vizinho de quarto. Ou alguém sentado na frente do hotel.

Aproximei-me da janela e puxei a cortina escura, que deixava o quarto numa penumbra gostosa, combinando com o necessário ar condicionado ligado. Fui surpreendido pela visão de uma procissão a poucos metros de distância. À primeira vista cheguei a pensar que fosse outra coisa, que fosse uma manifestação. Antigamente, uns caras desfilavam pelas ruas de paletó e gravata, cabelos curtos, estandartes vermelhos, gritando em megafones. Tempos passados. Aqui, os fronteiros estavam de manta vermelha e alguns deles carregavam estandartes coloridos, com imagens de santos. Aí vieram os padres, vários, muitos padres, com relicários, imagens e também incensários fumegantes. Atrás deles, um poderoso caminhão de som, conhecido, também, como trio elétrico. Coisa de procissão high tech, moderninha e populista. No alto do caminhão, dois cinegrafistas gravando tudo. Logo atrás, compenetrados, devotas e devotos, muitos com velas acesas nas mãos, acompanhando o trio elétrico, quero dizer, a procissão, contritos, rezando sem parar. Crianças correndo em volta algumas, outras presas fortemente pelas mãos e braços às mães e pais, seguindo uma coisa incompreensível e cansativa para elas, adquirindo pouco a pouco, e aumentando a cada apertão no braço, uma grande ojeriza por tudo que se relacionasse à procissão. Nas crianças, revi-me. E senti de novo a canseira, a chatice, a obrigação, o não-entendimento, a vontade louca de correr pra longe de tudo aquilo e ir brincar.

Apesar do ar condicionado obrigatório e necessariamente ligado, abri a janela para poder acompanhar melhor a procissão que se afastou no caminho da igreja. Mais adiante, à frente da longa fila coleante e como se para elas a procissão se dirigisse, as águas barrentas do Amazonas brilhando ao sol do começo da tarde de sábado. Uma gaiola passou rio acima, no rumo de Manaus, e uma chata com madeira serrada de até há pouco orgulhosas árvores amazônicas desceu o grande rio, no caminho do porto de Santarém, talvez Belém, e dali para sabe lá Deus onde.

E eu pelado, no quarto já quase gelado, encostado na janela, escovando os dentes, um pouco de espuma escorrendo pelo canto da boca. Ninguém olhou pra cima, ou, pelo menos, para mim. Felizmente. Os olhares para o alto estavam dirigidos para local incerto e não sabido, tal como a presença de Deus na terra.

Fechei a janela, puxei a cortina de volta, fui pro banheiro enxaguar a boca, coloquei uma roupa e saí pro calorão úmido para ver um pouco mais da vida daquela pequena cidade amazônica.

Como quase sempre, um simples observador. Sem direito e vontade a voz e voto.

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sexta-feira, abril 01, 2005

Uma terra de muitas águas

Rio Mogi-Guaçu pouco antes da ponte velha na
cidade de Porto Ferreira

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Uma terra de muitas águas


Gosto do Brasil. Coisa mais besta essa, né, começar um texto com uma frase assim, boba. Mas é verdade, gosto mesmo. Acho que o que mais gosto por aqui são as muitas águas das quais nos servimos. Outra coisa besta essa. Muitas águas... Lá pros lados do nordeste do país, um grande rio lentamente mingua, breve minguará mais depressa por força dos desejos ensandecidos de alguns que vão levar suas águas para o sertão. E no sul, bom, por lá a coisa andou feia até esses dias, a chuva não vinha, a água se acabava, as lavouras secavam, o gado passava sede e as cidades decretavam-se em emergência. O verde sul estava com cara de nordeste. Teimoso que sou, porém, continuo dizendo: essa é uma terra de muitas águas.

“Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.”
Pero Vaz de Caminha, em Carta a El Rey Dom Manuel, em abril de 1500.

Essas foram as reais palavras de Caminha, conforme pode-se ler nas versões fac-similares de sua Carta. Ao falar da terra, do irreal ainda que não incorreto “em se plantando tudo dá”, Caminha, com visão arguta, associa a promessa de maná à abundante presença de água.

Andando por aí afora, por esse mundão todo, tenho visto muita água. De todas, a mais preciosa é a aguinha que corre na parte de baixo do meu sítio. Dito isso por quem ainda há pouco navegava pelo Madeira, pelo Tapajós, de todos o mais bonito, pelo Amazonas incomensurável, sem falar no Paranazão, no Velho Chico, no Araguaia lindo na seca, do Tocantins... Mas é verdadeiro. Inda mais pra quem leu o poeta português. E quem não o leu?

Na matinha que divide o Sítio das Macaúbas das terras de três vizinhos, o Reatto, o Miro e os Gianduzzo, a água mina em abundância em vários pontos. Nas chuvas, cruzar esse território demanda bota de borracha de cano longo. Verdade seja dita, porém, nem há porquê cruzá-lo. Besteira, incomodar a água que nasce quieta pra que? Esses vários olhos-d’água dão origem a um pequeno córrego, que tem no máximo um quilômetro e já deságua no Rio Claro, alguns metros depois da minha divisa (divisa que em futuro incerto, mas que espero breve, será formada pelo próprio Rio Claro). Antes desse final, contudo, um pequeno represamento da água cristalina permite sua retirada pela bomba que a empurra lá pra cima, pro curral, pra horta e pras varandas da sede. Os Gianduzzo também se utilizam dela, mas, por graça da topografia, pra eles ela vai por gravidade. Sorte deles. (É, eu sei, “pra eles ela vai”... Mas foi assim que eu quis escrever e assim escrevi, acho que tem uma certa sonoridade, junto com o “dela” antes e o “deles” adiante.)

O Rio Claro é mais um riacho, um córrego, na Amazônia nem nome teria, pois lá seria insignificante. Mas para nós ele é importante. Inclusive pra cidade de Santa Rita do Passa Quatro. Coisa de 3 ou 4 km rio abaixo, ele é represado. Represa antiga, início do século XX, bonita. Represa de cartão postal, embora mais árvores em suas margens viessem a calhar. Finda essa represa, no degrau de baixo há uma outra, pequenina, e logo em seguida a Cachoeira de São Valentim, onde as águas do Rio Claro despencam 75 metros em queda livre. Não é pouca coisa e é uma queda muito bonita. Lá embaixo, um pouco depois do poço formado pelas águas, a antiga hidrelétrica de São Valentim. O recente risco de apagão e racionamento de eletricidade, provocou alguns estudos que mostraram a plena viabilidade de torna-la operacional novamente. Sua energia,ainda hoje, cobriria boa parte do consumo da cidade e da área rural. Entretanto, lá está ela, desativada e entregue ao olhar dos turistas. Cachoeira abaixo, o Rio Claro percorre uns 9 km talvez, pouco mais, pouco menos, e entrega suas águas ao Mogi Guaçu. Eitcha, rio danado de grande e bonito! (Aqui, né, pois lá pra Amazônia...)

E como esse Mogi tá bonito nesses últimos meses!

Gordo (com o erre bem caipira, redondo, meio longo e italianado ainda por cima, ou seja, paulista até a medula), bonito de se ver, a água saindo do leito e formando lagoas nas margens. Como todo rio deve ser no final das chuvas. Ou como deveria ser, já que o homem tem especial predileção por ocupar as várzeas com casas, lavouras, indústrias e depois, quando as águas reclamam seu chão, se comprazem em chorar e reclamar.

Nessa Páscoa, suas águas sob a ponte “velha” em Porto Ferreira estavam 4 metros acima do nível normal. Há coisa de uns trinta anos, quase quarenta, elas encobriram a ponte, passando, me parece, dos 7 metros acima do nível. Hoje, tal subida é difícil. Há menos água, claro, e mais saídas da água que existe. Mas, se isso ocorrese, muita gente ficaria sem moradias e locais de trabalho.

Há peixes ainda no Mogi. Bem menos hoje que há trinta e poucos anos. Ainda lembro com clareza dessa época. Embora não conhecesse esse rio, acompanhava as notícias sobre as mortandades de peixes. Houve uma, gigantesca, provocada pela descarga de uma grande quantidade de dejetos por uma indústria de papel e celulose colocada rio acima, que marcou época. O que morreu de peixe foi uma barbaridade sem tamanho. A coisa foi tão feia que virou um marco, assim como a poluição do ar em Vila Parisi, em Cubatão. A partir desse crime ambiental a legislação em São Paulo mudou. A fiscalização e a penalização também mudaram. Em conseqüência, apesar do brutal crescimento industrial do estado, e da interiorização das indústrias, poucas foram as notícias nessas décadas de mortes provocadas por dejetos industriais. Já os domésticos... Bom, mas esses são competência dos poderes públicos, logo...

Outro assassino aquático era o vinhoto ou garapão, o resíduo líquido final da produção de açúcar e álcool. Na mesma época, era comum seu despejo nos rios de todo o estado. Desde então, graças ao trabalho da pesquisa e à ação firme da agência responsável, todo o vinhoto passou a ser utilizado na adubação dos próprios canaviais. Bom para as usinas, bom para a cana e fantástico para o ambiente.

Como eu dizia, há peixes ainda no Mogi. Mas poucos e ariscos. Peixes nobres, como dourados e pintados, curimbatás e piaparas, tem pouco, muito pouco. Um vizinho, cujo nome não vem ao caso, aproveita essa cheia. Na vazante, as lagoas marginais secam rapidamente e milhares de peixes se debatem em busca de água e oxigênio. Ele aproveita a situação, captura um bocado deles e traz para a fazenda, soltando-os nos açudes. E aí passa a ter peixe pra pescar por mais 2 a 3 anos, até a próxima grande cheia do Mogi.

Antes de chegar em Porto Ferreira, o Rio das Cobras (mbói’i, em tupi-guarani) passa pela cidade do “Rumor dos Peixes”, ou Pirassununga, também em tupi-guarani. É ali que fica a Cachoeira de Emas, mais um degrau metido a besta que uma cachoeira propriamente dita. É, o Mogi já foi rio de muito peixe, tantos que até barulho faziam!

Nesse veranico de fevereiro, o ataque das cigarrinhas à braquiária dos piquetes me tirou um pouco do eixo e do sério. Acabei arando e gradeando um pedaço de terra. Ah, que raiva sinto agora ao ver aqui e ali pequeninos sulcos feitos pelas chuvas! Felizmente, o solo todo em breve estará coberto e assim permanecerá. Os sulcos não passarão disso, pequenos sinais de incúria e falta de planejamento. Sua ocorrência, por sinal, teve um aspecto positivo: forçou-me a pensar e planejar com mais cuidado o que fazer para alimentar as vacas já a partir de setembro próximo. E o plantio direto voltará a ser praticado no Macaúbas, tal como no começo.

A pequena mina intermitente que nasce na matinha que separa os piquetes dos pomares está com um bom volume de água. Meu sonho é pereniza-la. Quando conseguir, considerar-me-ei um bom agricultor. Mas, sei não, logo logo, com o fim das chuvas, ela também cessará. Mas vamos ver dentro de uns 7 anos.

Iniciei esse escrito pensando em falar do Rio Madeira, do Tapajós, do Araguaia, mas acabei falando do corguinho do sítio, da mina do sítio, do Rio Claro e do Mogizão. Mas é fácil entender o porquê:


“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.”


Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

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