segunda-feira, outubro 31, 2005

Ferdinando e Sapeka


Ferdinando é filho da Itaquá e Sapeka é filho da Inocence, por inseminação artificial.

São dois belos bezerros, darão dois belos tourinhos.

Espero vende-los para criadores de gado holandês – as vacas leiteiras por excelência, malhadas de preto e branco ou, também, vermelho e branco. Do cruzamento holandês/Jersey resulta uma vaca de menor porte, mais leve e menos comilona, praticamente eliminam-se os problemas de parto – terríveis no holandês – e, fundamental, melhora a qualidade do leite, que passa a ter um maior teor de sólidos: gordura, proteínas, minerais. E, exagerando um tiquinho, o leite, tirando isso, é água.

É por isso que se diz que o leite das Jersey é o melhor leite do mundo.

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Filha e mãe


Graciosa e Inocence.

Atentem para o belo úbere da Inocence.
Hoje, incluindo o que a Graciosa mama, ela está com 16 litros por dia.

Sou "contrário" à tecnologia: gosto que os bezerros mamem durante toda a lactação. Economicamente, ou melhor, financeiramente falando, é melhor desmama-los com 60 a 90 dias. E separa-os das mães logo no nascimento, ou a partir do terceiro dia, quando termina o colostro.

No sítio, busco um meio-termo. Não deve ser muito ruim porque nunca temos vacas berrando pelos filhos e vice-versa.




A vaca chitada que está ao lado da Inocence é a Alfa.

É uma vaquinha bem puxada pra raça Gir.

A Alfa é bem elegante, pequena, meio geniosa e não muito boa de leite.
Mas foi minha primeira compra num leilão beneficiente da igreja e aí, sacumé, né?

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Graciosa


Graciosa...

Filha de Safari e Inocence,

nascida em 23 de outubro.

Foi meu melhor presente de aniversário (21).

Graciosa é uma Jersey PO (pura de origem).

E esse nome tão gracioso e que combina bem com ela, foi sugestão da Monica R, diretamente de algum lugar da velha Germânia.

Danken, Monica.

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quinta-feira, outubro 27, 2005

Tartufi!


Outro dia chegou o chocottone e marcou, para mim, a chegada do fim do ano. Agora, novembro chegando, o outono atinge seu auge no hemisfério norte. O frio se aproxima rapidamente. Em Moscou, possivelmente, já é inverno, o que não chega a ser grande novidade, Napoleão e Hitler que o digam. Em algumas áreas do norte da Itália e do sul da França, os dias cinzentos e as madrugadas geladas sinalizam uma nova estação: a curta temporada das trufas brancas. Os tartufi bianchi. Uma das mais raras e deliciosas iguarias do mundo. Um milagre da natureza, escondida embaixo da terra, junto às raízes de carvalhos e aveleiras.


É feinha, né? Parece uma batata suja estragada. Mas seu perfume é intenso, penetrante, inesquecível. Talvez, geneticamente inesquecível. Só conhecia as trufas branca e negra pela literatura, pelos relatos apaixonados e apaixonantes. O mesmo com os tartufi néri, as primas-irmãs menos nobres e queridas, mas igualmente saborosíssimas. E um pouco menos raras, mas só um pouco.

Meu primeiro contato com essas pequenas maravilhas foi através da trufa negra. Foi um dos grandes momentos da minha vida gastronômica, digamos. O sabor e o perfume transformam um simples prato de massa em uma fina iguaria. Ou, um singelo ovo frito, gema mole, na manteiga, e um pedacinho de pão italiano de boa cepa para acompanhar e deixar o prato rigorosamente limpo. Depois experimentei a trufa negra com cherne, e com arroz, num risoto delicioso. Tudo isso era apenas uma introdução para conhecer a trufa branca, a rainha das trufas, se é que elas precisam de algo assim.

A branca requer uma bolsa privilegiada. Comi uma única vez e lembro em detalhes, só não sei como transmitir o prazer dos sentidos envolvidos. Sem chance. Há que provar para conhecer. E mais não falo, não há o que falar.

Alguns anos atrás descobri, espantado, que havia tartufi na África do Norte. E na China. Mas até tartufi tem a China? Pois é. E nativos, claro. As trufas são selvagens, nunca foram cultivadas, dezenas, centenas, talvez milhares de tentativas em nada deram ao longo da história. Seu nascimento, sua disseminação pelos bosques da Provence, Toscana, Úmbria e Piemonte ainda são verdadeiros mistérios. As trufas da África do Norte, negras, até se confundem com as italianas e provençais. Mas as da China, definitivamente, não. Estão num outro patamar, bem inferior.

A caça às trufas é um conhecimento e uma prática que passa de pai para filho há muitas gerações onde ela nasce. Antigamente usavam-se porcos para descobri-las sob a terra. O problema era controlar o porco depois que ele achava uma. Só quem já tentou segurar um porco pequeno sabe a força que tem o bicho. Um grande e experiente caçador de trufas, então, era tarefa difícil. Não poucas vezes o caçador saboreou na hora mesmo o fruto de sua caça, fuçando a terra fofa das sombras das grandes árvores até chegar ao cogumelo perfumado. Sim, as trufas são cogumelos subterrâneos. E hoje em dia os caçadores preferem os cachorros aos porcos. Um bom farejador vale seu peso em ouro. Ou melhor, em trufa, muito, muito mais cara e valiosa que o ouro.

Agora, com a entrada de novembro, já tem alguns felizes paulistanos, nativos ou adotivos, em viagem para a Itália. Lá, acompanharão um caçador de trufas devidamente legalizado e licenciado. Com sorte, voltarão da Bota com um quilo, quem sabe dois, de trufas brancas. E com tanta trufa, estará assegurado o sucesso do restaurante pelos próximos meses.

Desafortunadamente, não sou especialista em trufas e caviar. Portanto, não sei se um kg de beluga vale mais que um de trufas brancas. Devem estar próximos, não me dei ao trabalho de pesquisar. Nem quero saber a cotação de hoje, meu bolso anda vazio até de reais, que dizer de euros!

Trufas, raras e caras. Nessas horas é que eu realmente acho meio chato não ser milionário.


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Chocottone? Oba!



Aconteceu há poucos dias. Desci para o café-da-manhã, a mais gostosa de todas as refeições, e deparei-me com uma surpresa deliciosa: o primeiro chocottone do ano. Aquele foi um café especial, é claro, saboreado com mais vagar. Li mais páginas do jornal que o habitual. À primeira caneca de leite com nescafé seguiu-se uma segunda, tão saborosa quanto a primeira. Meu humor recebeu uma considerável dose de otimismo logo cedo. E o mundo, mesmo com o jornal no colo, deixou de ser tão tenebroso.

Tudo por obra e graça do primeiro chocottone da estação.

Felizmente a colomba pascal que se vende por aí não tem a cara e muito menos o sabor do chocottone. Seria uma intromissão indevida, para dizer o mínimo, se ela substituísse o outro. Nada a ver. Sou daqueles que acreditam que certas comidas precisam ter, também, o gosto da estação. O gosto do clima, da época, da expectativa festeira de cada época. Tal como o quentão. Eu, particularmente, não gosto da bebida em si, mas adoro seu perfume. E quentão é noite fria em beira de fogueira, um monte de gente papeando e a gente indo e vindo da beirada do fogo, ora pra aquecer, ora pra esfriar porque esquentou demais. É o que acontecia com as castanhas e nozes. Quando apareciam, traziam consigo Papai Noel, promessa de festa, famílias reunidas e presentes, claro. As nozes e castanhas antecipavam a felicidade.

E o chocottone é isso. O primeiro do ano lembra às minhas papilas gustativas – hummmm... – que as “festas” estão chegando. E essa lembrança que nasce dos sabores é forte, assim como são fortes as lembranças que passam pelo nariz. A massa do chocottone é a mesma do panettone, mas melhorada pela presença não abusiva do chocolate. Macia e parecendo úmida, sem ser úmida. Pena que nosso Natal é quente! Se fosse frio como é mostrado nas imagens com Papai Noel, não haveria chocottone que desse! Até por isso, gosto de comer minha fatia diária de chocottone logo cedo, quanto mais cedo e próximo do frescor da madrugada, melhor, principalmente no sítio nos finais de semana.

Talvez seja por causa do chocolate, que dizem liberar as tais endorfinas que nos dão prazer. Pode ser. Mas não importa o motivo, em tempo de chocottone meu humor está sempre um pouco melhor.
Como isso aqui é Brasil, fica melhor terminar dizendo que em tempos de chocottone, meu humor fica sempre menos ruim.


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E a segurança...



Ultimamente tem sido difícil escrever de forma agradável sobre algum assunto agradável. Tivesse eu um pouco mais de engenho e arte e não estaria aqui me queixando de forma tão infantil, mas, fazer o que, escrevo com o que tenho, com o que posso. Escrevo muito, até, mas rasgo, ops... deleto tudo, ou quase tudo. A raiva é péssima companhia na hora de escrever. Nada mais tolo e mais vazio que um texto raivoso. Ou melhor, quase nada, pois qualquer discurso de político é sempre muito pior. Exceto quando realmente importante, mas aí deixa de ser discurso e vira peça histórica. E são poucos, feliz ou infelizmente.

O brilhante presidente da Câmara dos Deputados, 3a autoridade da República, por exemplo, cujas maiores contribuições à política foram a subserviência aos desejos do príncipe e a tentativa inglória de engessar a língua portuguesa falada na Terra de Vera Cruz, vem deitando falação sobre o referendo idiota (ops, olha a raiva aí, preciso tomar cuidado com o que escrevo) do dia 23. Derrotada a proposta absurda de desarmar os cidadãos – de resto, há muito desarmados -, fala agora, embasado na acachapante resposta do povo tupiniquim a respeito da sua própria segurança, em discutir o tema. Chamar à Brasília membros das forças policiais estaduais e outras autoridades ligadas à segurança. (Repararam como as autoridades adoram chamar outras autoridades para debater, em alto nível, claro, quaisquer que seja os problemas? E, repararam que, entre as autoridades convidadas há inúmeros bandidos? Pois é, bandido também pode ser autoridade.)

Muito bem, aparentemente uma iniciativa digna de elogios. Mais uma, por sinal. Delas, o Brasil está cheio. Assim como o inferno, pois “iniciativa digna de elogios” e “boas intenções vêm a ser a mesma e inútil coisa. E, como bem sabemos, de boas intenções o inferno anda abarrotado há muitos, muitos séculos, principalmente a ala tupiniquim do mesmo. Porém, uma simples olhadela às propostas dos ilustres parlamentares, já é o bastante para mostrar que S.Excias. continuam pensando do mesmo jeito de sempre: pequeno.

Segurança pública é assunto municipal. É assunto paroquial. Para os casos em que os limites da cidade são vencidos, bem como os limites da província, ponha-se em ação a polícia federal, aquela cujos depósitos são mais conhecidos como fontes de abastecimento de dinheiro e drogas para a bandidagem. Só que isso é outra história. Voltando à nossa vaca fria, vacinada e livre de aftosa de forma garantida, a grande maioria dos crimes tem sua origem e execução dentro dos limites do município. E é no município que temos a autoridade executiva eleita mais próxima dos eleitores, do povo: é o prefeito. Portanto, deveria competir a essa autoridade, de todas, talvez, a mais legítima para dirigir nossas vidas (lembrem-se, ninguém mora no estado ou no país, todo mundo mora numa cidade ou num município), a condução da segurança pública e o comando da polícia.

É dessa forma que é estruturada a política de segurança dos cidadãos nos Estados Unidos, um país grande, com muita gente e muitas cidades espalhadas por toda parte. Lá, como cá, existem forças policiais estaduais além da força federal, mas suas atribuições são específicas, bem marcadas, bem delimitadas. O patrulhamento das cidades e a prevenção ao crime, bem como a investigação e resolução, são atributos das forças policiais de cada cidade. Por aqui, o que são essas forças semi-militares? Nada mais que resquícios de pequenos exércitos estaduais, heranças de outros tempos, de outras eras, verdadeiros dinossauros no mundo de hoje, como se vivêssemos num grande Jurassic Park. Não que o Brasil não seja uma espécie de Jurassic Park político, mas não exageremos.

“Ah, mas esse modelo no Brasil é inviável, não faz parte de nossa tradição”, objetarão muitos. É, sem dúvida não faz parte de nossa tradição, mas nem por isso é inviável. Inviável, mesmo, é sobreviver em meio a essa terra-de-ninguém, com polícia estadual, polícias municipais (que agora estão “ganhando” poder de polícia), polícia “civil”, sem falar da federal. E sem falar das centenas, quiçá milhares de polícias privadas, cada uma mais sem controle que a outra. Como resultado real, o crime sem controle.

Tem havido uma grande redução no número de homicídios em São Paulo, tanto na cidade como no estado, entretanto, o limite das ações empreendidas para conseguir essa redução parece próximo. E mesmo esse “baixo” número ainda é, sozinho, grande demais.

Não será, entretanto, com Aldo Rebelo & Cia. que resolveremos esse problema.

E não consegui, de novo, escrever sobre um tema agradável. É a fase.

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terça-feira, outubro 25, 2005

Encalhe no Tapajós





Nas gaiolas se vive.


Crianças são concebidas, nascem, crescem, vivem, saem para ir à escola, voltam, viajam, acompanham o rio, levam gente, levam cargas, levam bichos.



E agora, sem água, nada levam. Nem elas se levam pra parte alguma.

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Tapajós... lembranças e realidade


O Tapajós é o mais bonito entre tantos rios da Amazônia.

Tanto ou mais até que o Xingu.

Meses atrás navegava por suas águas cristalinas e verdes, descendo dos cerrados e matas do Planalto Central. Era tempo da cheia, a água perdia de vista. Tinha lugar em que o rio alargado chegava a vinte quilômetros! No encontro com o Amazonas, uma sensação indescritível. As águas diferentes correndo separadas por muitos e muitos quilômetros, cada uma “na sua”, cada qual com sua identidade e sua história carregada de histórias e estórias.

Sentei-me numa praia e ali fiquei um tempo gostoso. Alguns patos semi-domesticados passaram nadando pertinho de mim. Talvez tenham me confundido com um monte de areia. Lentamente o sol se pôs, e depressa chegou a noite. Era tempo de ir embora. Compromissos, trabalhos, viagens. Dura decisão levantar daquela areia, deixar de ser apenas mais um monte na areia de beira-rio.

O marinheiro malaio ou filipino, não recordo, se espanta com tanto rio, tanta água doce. Digo-lhe que nada viu. Tem muito mais do que isso que ele vê. Olha-me espantado, mas acredita. Como não acreditar ele tem tanta água à sua frente? No dia seguinte seu navio deixa o porto de Santarém, carregado de farelo de soja. Em poucos dias cruzará o canal que liga dois universos, dois oceanos, o Canal do Panamá. Mais um monte de dias e chegará à Tailândia. Farelo brasileiro para os frangos tailandeses que serão comidos por bocas européias, chinesas ou japonesas.

O carregamento do navio prossegue. É um graneleiro classe “Panamax”, ou seja, projetado justamente para cruzar o Canal. Logo mais estará completa a carga de 53.000 toneladas de farelo. Será hora de deixar o coração da Amazônia e sair para o mundo.

Lembro de tudo isso e muito mais enquanto vejo essas fotos do Tapajós de agora. Que tristeza...




O Rio Tapajós, em Monte Alegre, no início dessa semana.

O normal é a água cobrir tudo, até aquela mata lá longe.

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segunda-feira, outubro 24, 2005

Referendo para trás, ações para a frente

Já é história. Nada menos que 64% dos eleitores votaram NÃO à proibição do comércio legal de armas e munições. Um resultado espantoso, essa é que é a verdade, muito além do que sonhavam os defensores do NÃO e muito, muito pior do que os defensores do SIM projetaram em seus piores pesadelos.

Por causa disso, ninguém vai sair correndo até uma loja e se armar. Longe disso. Os entraves e dificuldades para a aquisição de uma arma-de-fogo são muitos e grandes, ao ponto de exigir a presença do profissional brasileiro por excelência, o despachante. Isso encarece ainda mais a compra, que já é caríssima em função dos impostos abusivos, extorsivos mesmo, a que o estado brasileiro nos submete.

Infelizmente, apenas uma pequena parcela desse universo de eleitores do NÃO assim o fez em função da defesa do direito de uma pessoa defender-se e defender sua família e propriedade. A imensa maioria dos eleitores do NÃO enxergou nele um jeito de dizer ao estado brasileiro o quão cansados estão da patifaria, da falta de segurança, da corrupção, da bandidagem que faz e acontece e fica por isso mesmo.

A grande questão que se coloca agora, questão real, concreta e que tem a ver com a vida diária de todo brasileiro, ao invés da questão esdrúxula do referendo, é o que o atual governo vai fazer na área de segurança. Até esse momento nada fez, ao contrário das intensas atividades em comunicação e marketing próprio, gerando faturamento de muitos e muitos milhões, centenas de milhões de reais em faturamento para agências de propaganda, gráficas, editoras, emissoras, produtoras...

Enquanto a verba de míseros 170 milhões de reais para programas de segurança foi contingenciada e sumiu, só o superfaturamento na SECOM do companheiro Gushiken é estimado em 15 milhões de reais. Que não é nada, não é nada, já é nada menos que 10% da verba contingenciada.

Com a palavra, o governo lulla da Silva. Ou melhor, palavras, e vazias, são as únicas coisas que esse governo produz. Então, com a ação o governo lulla da Silva.

Contudo, como esse é um governo de inação...

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quinta-feira, outubro 20, 2005

Desolação



O amazônida desliza a canoa em meio à sua própria comida e fonte de sobrevivência.

Os ecossistemas amazônicos são muito mais frágeis do que imaginamos.

Essa seca está demonstrando essa triste realidade.

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Roubo na madrugada

Um lance divertido nesse último final de semana no sítio.

Estava conversando com o Esrael e com o Ismael sobre o referendo. (É Esrael, sim, eu pensava que era Israel, mas estava errado... Pra facilitar, ficou só Rael.) Podem não acreditar, mas tento ser honesto, colocando prós e contras as diferentes posições. No caso deles, porém, não precisei gastar saliva, ambos votarão NÃO.

Essa conversa aconteceu na tarde de sábado. Domingo, logo de manhã, o Rael foi pra casa do sogro já que era sua folga. Dali a pouco voltou, trazendo um pacote que levou pra sua casa. Era carne de porco. E contou a história daquela carne:

Luiz, pai da Maria, mulher do Esrael, mora, como eu disse num sítio próximo, onde é o faz-tudo, de ordenhador a piscineiro, passando por tratorista. Além da Maria ele tem mais 4 filhas e 1 guri, o caçula (acho que quando chegou este, Luizinho, por supuesto, as torneirinhas foram fechadas...). As meninas casam cedo, e separam cedo, também. Menos a Maria, claro. Na casa dele moram 7 adultos e adolescentes e 2 ou 3 crianças de colo ou recém-saídas do colo. Há que alimentar toda esta gente! Haja leite, alface, arroz, ovos e carne, claro. Haja carne. Previdente, o Luiz cria porcos. Tem uma meia dúzia pro gasto da prole.

Pois bem, de sábado para domingo, por volta de 2 da manhã, alguém ouviu barulho dos porcos no chiqueiro, meio afastado por causa do cheiro. Madrugada quente, lá saiu ele de calção pra ver o que era. Pensou ter distinguido dois vultos e soltou o berro, algo como "Dá logo essa espingarda aí, Fulana!"... "Corre, que os “fdp” vão fugir!"

De fato, os “fdp” fugiram na moto que foi deixada escondida na estradinha próxima. No caminho largaram dois leitões, um morto e outro vivo. O morto, supõe-se, foi o que berrou. Pesava 30 kg, deu um bocado de carne pra fiarada toda. Mas estava sendo guardado pro Natal.

O Luiz não tem espingarda. Como sobrar dinheiro pra comprar uma com tanto filho e agora 2 ou 3 netos juntos? Sem falar nas despesas imensas com documentação. O jeito é fingir que tem e torcer pela sorte.

E votar NÃO no domingo, claro. :o)

(Na verdade, essa artimanha já foi usada outras vezes. Geralmente funciona, mas se ao invés de pés-de-chinelo forem ladrões de fios, a coisa complica. Em 2004 atiraram num vizinho, no peito. Não morreu por muita sorte.)

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quarta-feira, outubro 19, 2005

Wilma, seca e etc climático

Anteontem, a previsão de 5 dias indicava 24 mm de chuva em Santa Rita do Passa Quatro na 6a-feira. Hoje, indica 0. Espero que mude rapidamente e mostre que receberemos uns 70 a 80 mm distribuídos civilizadamente em 3 dias. Ou em 2 dias. Tão logo chova bem, vamos jogar nitrogênio nos piquetes e plantar o milho e o sorgo.

Na Amazônia as chuvas estão começando, mas meio devagar ainda. Com sorte, os rios voltam ao normal em 30 dias. Tomara, tomara. As imagens mostrando milhares de peixes morrendo nas poças d’água sem oxigênio são dolorosas. Perde-se o estoque de fauna de hoje e compromete-se o estoque futuro.

No Caribe, o Wilma transforma-se no mais forte furacão já registrado na área, com ventos de 300 km/h em rajadas, e regulares de 280 km/h. Nas próximas horas, ou já agora, toma o rumo da Florida. As pessoas já devem estar aterrorizadas por lá. Por aqui, minha mãe já está, por conta dos meus primos que vivem lá.

O terremoto na Caxemira foi terrível. Assim como foi o que gerou a tsunami de dezembro.

As águas do Atlântico Norte continuam mais quentes, alimentando mais furacões e, dizem alguns cientistas, provocando a seca amazônica.

Os últimos doze, dezoito meses, têm sido terríveis. Aliás, os últimos anos têm sido terríveis, não esquecendo outros furacões e o tórrido verão europeu de 2003.

Não é um bom momento para assistir “O Dia Depois de Amanhã”.


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terça-feira, outubro 18, 2005

Fim de tarde - mais um


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O sono já chegou, a noite já, já...


Cai a tarde no Sítio das Macaúbas.

No bezerreiro de cima, Sapeka já está deitado, pensando na vida. Ele que, de bezerro, agora, só tem a idade.

No bezerreiro de baixo, Primavera cabeceia, sonolenta, barriga cheia de leite - por ser domingo, acabou "esquecida" ao lado da mãe, e mamou um monte. Tem que dormir mesmo.
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segunda-feira, outubro 17, 2005

Leite no fim da madrugada...

A madrugada está indo embora no Sítio das Macaúbas. Algumas vacas ainda dormem, parecem grandes pedras.

Em casa, o fogo já está aceso, e o primeiro leite morno vai pra Sophia, que deixou os filhotes dormindo e entrou pro desjejum.

Daqui a pouco será hora de voltar pra cidade grande. E deixar pra trás o fogão a lenha tão gostoso nessa hora.

sexta-feira, outubro 14, 2005

O céu que se espera...


Este é o céu que os amazônidas esperam.

E os que não são, como eu, também.

Tanta água assim no Amazonas só em março, talvez de 2007.

A seca está braba.

Daqui a um mês...



O repórter ouviu do velho pescador ribeirinho, num afluente qualquer do Solimões, seco de quase tudo, catinga de peixe morto empesteando o ar e deliciando urubus:

- Moço, volta daqui a um mês e vai estar tudo cheio de água de novo.


Há meses já que não vou pra Amazônia. Na verdade, desde o final do ano passado. Se 2002, 2003 e 2004 me viram boa parte do tempo andando por Mato Grosso, Rondônia, Amazonas e Pará, 2005 me direcionou de volta pro Paraná, pra Santa Catarina, pros interiores de São Paulo e Rio de Janeiro. Bom também, nada contra, muito pelo contrário. Entretanto, confesso que gostaria de estar na Amazônia agora, caminhando pelos leitos secos de rios portentosos, rios que, na cheia, desafiam a imaginação de quem não os conhece. (Consegui, usei “portentosos” num texto... hehehe) Estaria palmilhando fundos lodosos ou arenosos sobre os quais passei sem nada ver ou que vi numa tela de ecobatímetro, a bordo de um empurrador com 9 barcaças e dezenove mil toneladas de soja à frente, navegando a velocíssimos 11 nós. Seria curioso, talvez batesse uma certa tristeza ali no meio, onde quase não se vê peixe morto.

Tristeza que com certeza me acertaria em cheio ao ver os igarapés secos e os peixes podres nas beiradas. Pior ainda, os muitos peixes se debatendo em agonia nas poças d’água, sem salvação possível.

Pode ser cruel a natureza ou simplesmente ser natureza, como vem sendo desde o princípio dos tempos.

Essa seca não chega a me atemorizar. Os registros do passado indicam secas ainda piores ou, pelo menos, tão feias e intensas como essa de agora. Como foi a seca de 1963. Dela, dizem os mais velhos, tinha-se medo que tudo secasse tão intensa e demorada foi. Até que, finalmente, as chuvas voltaram. Chuvas amazônicas, torrenciais, tropicais. Os rios se encheram, os peixes voltaram, a vida ressurgiu.

Mas hoje, mesmo sabendo de outras secas, mesmo dizendo que não chego a ficar atemorizado, fico, sim. Ouço cientistas falando de esquentamento nas águas do Atlântico Norte e Caribe. Da perda da cobertura vegetal e do vapor-d’água que essa cobertura gerava, de um esquentamento planetário por conta do efeito estufa e seus reflexos sobre esse paraíso verde, outrora chamado de inferno verde. E, mesmo não querendo, fico com medo.

É pouco, muito pouco, o que sabemos do clima, quase nada na verdade. Sequer sabemos, comprovadamente, se estamos com essa capacidade toda para muda-lo, mesmo com toda nossa despesa energética. Há cientistas que acreditam que estamos vivendo um período de transformações, parte de um longo ciclo ainda não identificado. Pode ser, tomara que seja. Mas, sei não, sigo com minhas dúvidas.

Tomara que as chuvas cheguem logo, antes do previsto.

E, enquanto elas não chegam, a foto lá de cima mostra o simpático urubu itacoatiarense, em plácido repouso à margem do Amazonas, esperando a comida farta e abundante deixada aos montes pelos humanos da beira-rio. A vida pra ele é fácil.


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quarta-feira, outubro 12, 2005

ARMAS de FOGO – o Brasil e nós


A venda de armas de fogo não pode ser proibida

DILSON ABREU DALLARI – Prof. Titular de Direito Administrativo da PUC/São Paulo; jurista renomado e autor de livros de Direito.

No Brasil, atualmente, quem quiser possuir legalmente uma arma de fogo de pequeno calibre deverá comprovar seus bons antecedentes e sua aptidão técnica e psicológica para isso, mas, também, terá que enfrentar um inferno burocrático e se submeter à rapinagem fiscal que assola o País.

Todavia, se desejar possuir ilegalmente uma arma de qualquer calibre, não terá qualquer dificuldade e certamente gastará menos. Ou seja, a legislação existente não impede que bandidos tenham armas e é suficientemente restritiva para impedir a compra massiva de armas pelas pessoas de bem.

Não há risco algum de um armamento geral e irrestrito. O debate sobre a compra de armas legais no Brasil está totalmente desfocado e misturado com a mesma questão no Estados Unidos, onde a Constituição,expressamente, consagra o direito de ter e portar armas. Diante disso, nos Estados Unidos a discussão é no sentido da viabilidade jurídica do estabelecimento de controles, por lei, limitando um direito expressamente afirmado pela Constituição.

No Brasil, porém, ninguém discute a constitucionalidade da legislação que disciplina e restringe a posse e o porte de armas. O foco da questão, no Brasil, está na proibição total e absoluta da vendade armas, como estipula o art. 35 da Lei nº 10.826, de 22.12.2003. Uma coisa é limitar o exercício de um direito; outra coisa bem diferente é suprimir totalmente um direito.

Por exemplo, uma coisa é exigir que a pessoa esteja legalmente habilitada para dirigir automóvel; outra coisa é proibir a venda de automóveis.

Numa perspectiva puramente jurídica, pode-se afirmar, com segurança, que a venda de armas não pode ser totalmente proibida no Brasil, porque isso seria uma flagrante violação ao direito constitucionalmente assegurado a cada cidadão de proteger, com os meios para isso necessários, sua vida, sua incolumidade física, sua dignidade, seu patrimônio e sua família. Quem quer os fins, dá os meios. Se assim não fosse, o art. 25 do CódigoPenal, que ampara a legítima defesa, seria inconstitucional.

Com efeito, não existe no ordenamento jurídico regra alguma no sentido de que cada um deve conformar-se, sem qualquer reação, em ser vítima de assalto, seqüestro, estupro ou assassinato, pois somente ao Estado cabe punir o criminoso.

O dever do Estado de prover a segurança pública não significa proibição da segurança privada. Nem pode significar que esta somente pode ser provida por empresas de segurança.

Defender-se ou não, ter ou não ter uma arma, reagir ou não a uma agressão é uma opção pessoal. É absolutamente certo que a segurança pública não pode proteger toda e qualquer pessoa, durante 24 horas por dia. Argumenta-se, porém, que a venda legal de armas deve ser proibida por causa do número assustador de homicídios, comprovado pelas estatísticas.

Números, entretanto, nada dizem; precisam ser interpretados. A grande maioria dos homicídios é praticada com o uso de armas ilegais. Por exemplo, o maior número de homicídio envolve pessoas do sexo masculino, entre 15 e 24 anos de idade.
Ora, o art. 28 da Lei nº 10.826/03 veda a aquisição legal de armas pormenores de 25 anos. É fora de qualquer dúvida que a proibição de venda legal de armas nada tem a ver com a criminalidade, pois bandido não compra arma em loja.

Os defensores do desarmamento das pessoas de bem alegam que isso diminuirá o homicídio fortuito, como é o caso de brigas de bar, de trânsito e decorrentes de violência doméstica. Para isso, entretanto existem remédios muito mais eficazes e respaldados pela ordem jurídica. No Município de Diadema - SP o número de homicídios caiu vertiginosamente com o fechamento dos bares às 23 horas. No Jardim Ângela, que era o bairro mais violento de São Paulo, o índice de homicídios simplesmente desabou com medidas de caráter social, como a construção de centros de lazer, quadras de esportes, bibliotecas, escolas de música, etc. Note-se que a população dessas áreas é de baixa renda,totalmente incapaz de possuir armas legais, onde, portanto a proibição de compra de armas legais não fará a menor diferença.

Na violência doméstica a predominância é de agressão física, surras, sem armas a maioria dos homicídios acontece com o uso da prosaica faca de cozinha.
E aí? Seria o caso de defender o "espanca, mas não mata" ou de proibir a venda de facas de cozinha? No trânsito, a maioria das mortes se dá em acidentes com moto e com motorista alcoolizado. E nesse caso? Vamos proibir totalmente a venda de motos e de bebidas alcoólicas?

O que fica perfeitamente claro é que não se pode fixar a regra com base na exceção. Não faz sentido violar o direito constitucional à auto-defesa em face de raros e eventuais casos fortuitos.

Que tal melhorar a educação?

Do ponto de vista jurídico, é certo que o Poder Público não pode criar restrições à liberdade individual senão na medida do estritamente necessário para proteger um interesse público, da coletividade.

Atenta contra a ordem jurídica criar uma proibição sem correspondência com um interesse geral, pelo menos da maioria. É um absurdo restringir uma garantia constitucional, prejudicando toda a coletividade, para proteger uma minoria, que pode ser protegida por outros meios. Os Tribunais Superiores (inclusive o STF) já consagraram e aplicam cada vez mais o princípio da razoabilidade, decretando a nulidade de atos jurídicos desproporcionais, desarrazoados, absurdos.

Atenta contra a lógica e a sanidade mental desarmar as vítimas, para estimular os facínoras. A possibilidade de reação eficaz da vítima desestimula o criminoso, é, sim, um elemento de dissuasão, mas a certeza de que a vítima sempre estará inerme, totalmente indefesa, podendo ser assaltada ou estuprada sem risco, certamente aumentará a ocorrência de crimes.

A criminalidade já tem estímulos suficientes na incompetência da polícia, que esclarece a autoria de uma percentagem mínima de homicídios, e na espantosa impunidade decorrente da extrema generosidade da legislação penal. O número de homicidas que estão na cadeia é ridículo quando comparado com o número total de homicídios.

Pior que isso: a autoridade pública não consegue impedir nem mesmo o ingresso de armas (e celulares) nas prisões. Em resumo: elimine-se o tráfico ilícito de armas, prendam-se os bandidos, aumente-se a eficiência da segurança pública e o cidadão pacífico e ordeiro não terá mais que preocupar-se com o exercício da autodefesa.

No fundo, a proibição da venda de armas revela uma concepção totalitária do Estado, no qual a autoridade, discricionariamente, determina o que é bom e o que não é bom para cada súdito.

Esse posicionamento já tem justificado agressões à liberdade de imprensa e tem prejudicado o desenvolvimento científico, como é o caso das células-tronco. O mais grave, porém, é a complacência com a violação ou o esvaziamento das garantias constitucionais.

Amanhã, o que mais poderá ser proibido?


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terça-feira, outubro 11, 2005

Pipoco à beira-mar

Visões dumas andanças – VI

Pipoco à beira-mar


Antes de mais nada é importante notar que o pipoco acima lê-se como pipôco. Talvez, em sua origem, tenha a ver com o verbo pipocar. Deve ter, pois trata-se de um ruído que, pensando bem, não difere muito do ruído dum grão de milho-pipoca batendo no metal de uma panela. Esse pipoco, porém, nada tem a ver com pipoca, mas tudo tem a ver com bala, bala de revólver. Bala de pistola. Coisa aí de sete meia cinco, ponto quarenta e cinco e outras menos votadas. É um som característico. É seco. É forte, sem ser retumbante. Costuma provocar um certo frio na barriga. Mas pode ir muito além do simples e simpático frio na barriga. Muito além.

O navio tem bandeira cipriota, é um Panamax com capacidade para 75.000 toneladas de carga. Classe Panamax porque foi projetado e construído de forma a poder cruzar o Canal do Panamá, encurtando a viagem do ocidente para o oriente. O diabo disso é que, ao ver um mapa, a gente percebe que a viagem se dá do oriente para o ocidente. Isto porque, digamos, estamos indo por trás e não pela frente. Essa é, claro, outra bobagem, igual a dizer que o norte está em cima e o sul embaixo. Lembro-me de, neo-adolescente, ter discutido isto na aula de geografia. Fiquei muito orgulhoso da minha argumentação, pois desenvolvi-a sozinho, sem ter lido nada a respeito. Mas não entendi porque a professora ao invés de me fazer os elogios esperados, acabou com minha explanação – não solicitada, é bom esclarecer – e ainda me recomendou não ficar falando muito naquilo ali pela escola. “Naquilo” era a interpretação que eu dera a essa coisa de cima e baixo: que isso interessava ao Primeiro Mundo, que ficava em cima, e mantinha o Terceiro Mundo, que ficava embaixo, desse jeito mesmo, embaixo, por baixo. Lembro que não fiz uma colocação assim, já bem politizada, mas passei perto e, de qualquer forma, o tom geral era esse mesmo. Abaixo a imaginação, viva a repressão. Essa palavra de ordem ainda daria as cartas por muitos anos depois disso. Anos depois, no meio dos setenta, um outro professor de geografia, português, o Pardal, ao ouvir essa tese já mais elaborada, tingida com as cores da minha crença militante, elogiou-a um bocado. Fiquei vermelho, mais do que já era. Mas da primeira vez ainda era 66, a imaginação no poder de 68 sequer era sonhada, e os anos de chumbo ainda estavam por vir.

De volta ao Panamax ancorado no terminal graneleiro. O cheiro que vem da cozinha é inconfundível: curry. É o mesmo cheiro em tudo quanto foi navio em que entrei. Acho que existe uma máfia dos cozinheiros de alto-mar, são todos malaios ou vizinhos, e todos usam e abusam do curry. Talvez haja uma explicação científica para isto, talvez seja algo relacionado a manter calmos os apetites sexuais, quem sabe. Afinal, há que conter esses apetites numa viagem de 30 a 40 dias... As tripulações, geralmente, parecem que são formadas só por filipinos. E também malaios. Essa não foge à regra, ou melhor, foge um pouco. Há alguns poloneses entre os marinheiros. O inglês macarrônico deles é fácil, não requer prática nem tampouco habilidade. O problema é quando começam a falar numa mistura estranha de sons que, acredito, sejam suas línguas nativas. Fica pior quando, depois de uma sucessão de pequenos gritos em stacatto, um ou os dois conversadores olham pra gente. Sensação chata. Falem mal mas falem de mim, desde que eu saiba. Os oficiais do navio são russos, o comandante é ucraniano. É um arco-íris de nacionalidades, como em todo cargueiro que conheci.

Estão recebendo quase 70.000 toneladas de farelo de soja. Muita coisa... O destino desse farelo é a França. Não duvido nem um pouco que uma parte desse farelo volte pra cá, não demora muito, transformado em brie ou camembert. Pelo andar da carruagem, porém, dificilmente a gente irá se reencontrar. Uma pena.

O Sol deu as caras. Parte do céu está azulada, com uma ou outra nuvem branca passeando. Estamos gravando o carregamento do alto, da ponte de comando, e Nikolai, o segundo-oficial, nos vigia, digo, nos acompanha e faz as honras da casa. Não é de muita conversa, nem me deu trela quando tentei conversar sobre o navio. Talvez um pouco chateado por ser fechado e não ter me dado trela, nos convida a subir ao deck superior, na verdade o teto, onde ficam as antenas. Lá de cima ganhamos mais uns metros, a vista fica melhor.

Um ruído seco vem da favelinha plantada à beira-mar do Guarujá, logo ali embaixo, quebrando o silêncio gostoso numa pausa do carregamento. Um ruído também em staccato.

- Ih, isso foi pipoco aí na favela.

Quem disse isso foi nosso guia, que trabalha na empresa e mora ali há muitos anos, na verdade, toda sua vida. Vamos todos pra amurada de boreste e olhamos pra baixo, já procurando por alguma cena dramática ou, pelo menos, gente correndo, gritando, alguma coisa assim.
Nada. A favelinha está calma. Um barquinho com dois rapazes e uma rede vem chegando lentamente, deslizando com preguiça sobre a água calma entre o píer e os barracos sustentados por palafitas já por cima da água.




E, dando o tom geral de tranqüilidade,
um garoto está molhando,
refrescando seu cavalo dentro d’água, aproveitando a maré baixa.

O cavalo está tranqüilo, sossegado,
curtindo as mancheias d’água caindo em seu dorso e no pescoço.
Depois de cada uma, o garoto passa a mão, como se esfregasse.
Isso não é banho, é carinho.

Ninguém olha pra cima, onde um videomaker tupiniquim, um marinheiro russo e um funcionário portuário também tupiniquim olham pra baixo e procuram por alguma coisa fora da rotina.

Nikolai se afasta e volta pra cabine. Assobio e tento chamar a atenção do garoto.

Em vão.
O barulho distante da descarga do farelo ou a distância, simplesmente, pois a altura da ponte de comando é bem razoável, abafa meu assobio. Nosso guia me olha e reprime:

- Não chama a atenção deles, não, se não vai é sobrar alguma bala pra gente aqui!

Previdente, dá o aviso e se afasta. Eu continuo olhando o garoto. O barquinho encosta, os dois rapazes descem com alguns peixes. Satisfeitos, o garoto e o cavalo começam a deixar a água. Antes ainda de chegar ao seco, o garoto agilmente – que inveja – monta o cavalo, e só com uma cordinha na mão vai tranqüilamente cruzando a viela da favela, ambos molhados e já secando ao sol forte de um dia de outono.

Ninguém ligou pro pipoco, só a gente, os estrangeiros. A favelinha continua em paz.


Carapicuíba, 12 de maio de 2004.






Sim, sou da paz

Aftosa!

A sagrada leitura do Estadão no café da manhã quase me dá indigestão. Na 1a página, manchete principal, um baita e violento foco de aftosa no Mato Grosso do Sul.

Gente, desde meados do governo Figueiredo a agricultura, o agronegócio, vem segurando as pontas da economia brasileira. Isso não depende de análise estatística sofisticada ou o que quer que seja. Ao contrário de outros países, inclusive grandes produtores de alimentos, por aqui jamais faltou algum item nas gôndolas, exceção feita à carne no Plano Cruzado, mas por motivos tão óbvios e banais que nem vale a pena lembrar. Ou melhor, vale sim: o governo do capitão-hereditário do Maranhão, o neo-companheiro Zé Ribamar, queria que os criadores entregassem gado para abate aos preços irreais determinados pelo governo. Oras, pois pois, isso não deu certo nem na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de Stalin! Nem na China da Camarilha dos 4! Portanto, nem vale a pena falar desse período um pouco mais imbecil que a média em nosso passado.

Hoje, o complexo Carne responde por cerca de 6 bilhões de dólares em exportações. Repito e confirmo: seis bilhões de dólares (seis mil milhões, para que não pairem dúvidas). Há coisa de 5 anos os representantes do setor vêm brigando por mais verbas para a fiscalização sanitária. No governo lulla, a verba para o setor foi reduzida, na prática, a 1/3 (um terço) do que era no governo Fernando Henrique, onde já era insuficiente. E essa insuficiência foi anotada e comentada pelas autoridades da área da Comunidade Européia.

Há meses o ministro Roberto Rodrigues – ao lado do Furlan o único que realmente funciona e trabalha - vem pedindo maiores recursos e, principalmente, liberação dos recursos alocados. Pelo menos em uma oportunidade o ministro “pediu suas contas” e arrumou a trouxa. Ficou, por dignidade e compromisso com os produtores rurais. Mas o Toninho Palocci não liberou a grana.

Essa explosão de afosa, se não ficar restrita à fazenda onde surgiu, não por coincidência na zona fronteiriça com o Paraguai, trar-nos-á um brutal prejuízo para a economia. Ou seja, exatamente tudo que não precisamos. Esse é o “excelente” governo dos companheiros.

Ah, sim, sem querer fazer drama (alías, como venho usando essa frase, ou seja, estou fazendo drama ou a situação é que está com viés de drama?), até porquê prefiro as comédias, mas a OMS – Organização Mundial de Saúde – e o governo americano, hoje muito mais esperto e expert nessas coisas, estão apavorados com a perspectiva iminente de uma pandemia de gripe asiática. Acreditam, e daí o pavor, que 80 a 90 milhões de pessoas possam morrer caso isso aconteça.

Vejam bem, isso não é spam ou algum grupelho contra proibição de armas ou o que seja, isso é uma manifestação bastante séria da organização maior de saúde em termos planetários e do departamento da área da mais poderosa nação da Terra. Simples assim.

E nós, que somos o maior exportador mundial de frango e de carne bovina, não temos recursos para a contratação de veterinários e técnicos, e ampliação e modernização das estruturas de controle e, mais importante que tudo, prevenção.

Não dá nem pra ironizar.

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domingo, outubro 09, 2005

Família Gato do Macaúbas




Os bichanos estão muito bonitos e sadios.

A Sophia revela-se uma boa mãe, ajudada pelo leite generoso e gordo das Jersey. Aliás, já nessa semana os bichanos começarão a ter acesso a esse leite.

Mais alguns dias e estarão correndo atrás de insetos, começando a caçar por brincadeira.

Ainda bem que não tem nenhuma galinha com pintinhos pequenos.

Sábado no sítio...

Mais um fim-de-semana sem sítio. Coisa chata.

Ontem saí cedo pra lá, passei o dia e voltei. É cansativo e, por melhores que sejam as estradas, não tem jeito: 300 km de manhã e 300 à noite, com o intervalo cheio de vai-e-vem, e faz uma coisa aqui e outra acolá, a gente prega, literalmente. Inda mais depois de um longo e merecido banho, é brabo entrar no carro pros trezentinho de volta (exagero meu, são apenas 270).

Os ipês de Araras continuam com a florada, que continua muito bonita. E eu, de novo, não parei para fotografar. Dessa vez por pressa. Lamentável. A paisagem está bonita, o verde toma conta de tudo. Essa primavera está começando bem, mas é melhor não elogiar. Nada pior que um veranico em pleno outubro. É um terrível atraso de vida.


Perfume no ar

Saindo da Anhanguera e pegando a estradinha vicinal pro Brejão, de lá pra Estrela (Santa Cruz da Estrela) e em seguida o trecho final pro sítio, é obrigatório abrir as janelas do carro. Os pomares de laranja estão com uma belíssima florada. O perfume das flores das laranjeiras toma conta do carro. As árvores estão tomadas pelo branco das flores, algumas quase totalmente. Se não tivermos uma massa de ar quente que estacione sobre o Sudeste e Centro-Oeste, provocando o veranico, essa próxima safra de laranjas será maravilhosa. Tudo que precisamos agora é que as frentes frias continuem entrando, vindas da Antártida via Patagônia, trazendo chuvas.

No sítio, espero uma grande safra de laranja-lima. A adubação com fosfato (e magnésio e micronutrientes) foi feita a tempo e hora. As primeiras chuvas foram boas, agora é importante que continuem, também para que seja feita a adubação nitrogenada e potássica. Tudo isso acontecendo, teremos todos uma grande safra. E os preços, já muito baixos desde o ano passado, cairão ainda mais. Dependendo da queda, o custo de produção mais o custo de colheita será bem maior que o preço de venda. É, nada como a agricultura.


Satisfação

Sitiante pobre, não tive condições, ainda, de fazer uma seringa, seguida por um tronco. Pela seringa (corredor estreito de madeira) as vacas entram, parando, uma de cada vez, no tronco, onde são imobilizadas, permitindo vacinar, aplicar medicamentos ou fazer curativos com rapidez e segurança para tratador e animal. Sendo assim, o jeito é vacinar e aplicar carrapaticida, por exemplo, ou na base de prender o animal a um poste no meio do curral, ou, o que eu prefiro, usar a cabeça e a gentileza. Mas o pessoal aprendeu a fazer as coisas na base da valentia e da força bruta, então, temos um choque de opiniões.

As vacas, as Jersey principalmente, são calmas, dóceis e mesmo o touro, o Safári, permite ser tratado sem maiores contenções. Com a chegada das chuvas e do calor primaveril, os carrapatos deram o ar de sua desgraça novamente. Mandei aplicar o carrapaticida que vai ajudar o controle via homeopatia (ela sozinha não dá conta, e os próprios homeopatas recomendam o ajutório de um carrapaticida químico bom; o que eu uso, no momento, é inofensivo aos besouros rola-bosta, personagens importantes numa criação de gado). E fui claro na recomendação, de aplicar sem laço, sem prender. Dito isto, fui aproveitar o fim de tarde (acho preferível aplicar produtos na fresca da tarde) e dar uma caminhada pelos piquetes de tifton, ver a quantas anda a rebrota.

Ao voltar, de longe pressenti a agitação no curral. Pior ainda, uma das vacas se debatera com a corda, caindo no chão. Ainda ouvi o grito de um dos dois para pegar o “foião” e cortar a corda, coisa que não foi necessária pois a vaca se ajeitou, afrouxou a corda e o laço foi desfeito. Vaca em pé, dei um berro:

- Porra, eu falei pra fazer do meu jeito e não assim! Essas vacas não precisam de nada disso.

Infelizmente, eu só sei falar com muito tato e jeito, ou aos berros. Não tenho a arte do meio-termo na lida com humanos. Isso não é só com funcionários no sítio, não. Sou democrático nesse quesito e contemplo, igualmente, a todos, desde cliente e patrão (por causa disso fui demitido de uma agência há trocentos anos, pelo próprio dono da dita cuja, um cara famoso e que foi durante muitos anos o publicitário do Maluf e outros políticos) até peão e atendente de telemarketing. Dizem algumas más línguas que eu tenho piorado. Discordo. O que piorou foi a inteligência e o bom-senso das pessoas.

Esperei alguns minutos pra poeira assentar e fui pro curral. Agora, falando manso e com jeito. E expliquei, pela trocentésima vez, a não-necessidade de lidar com aquelas vacas desse jeito. Ouvi os argumentos contrários. Corretos, todos eles, mas corretos por um simples motivo: prender as vacas fora de seu horário, entrar no curral com corda, prender, todo o escarcéu que se segue, resulta em animais nervosos, indóceis, difíceis de manejar. E nada disso é necessário, repito. Mandei trazer uma vaca pra fora do curral, pro barracão da ordenha. Ali, presa pela corrente à qual está acostumada todo dia, e com um punhado de ração no cocho, a Hora (esse nome já veio com ela) ficou calma, tranqüila, feliz com a ração imprevista. Mas o Rael se precipitou, foi meio afoito e até aplicou, mas não tão bem.

Veio outra vaca, agora a Iowa. Eu mesmo peguei a pistola, fiquei ao lado dela (ela me vê pouco, portanto tende a não confiar em mim, estranhar-me um pouco), massageei o local da aplicação. Dei um cutucão com o dedo no local, voltei a massagear, conversando com ela calmamente. Aproximei a pistola, “bati”, apliquei e tirei. Só então ela se deu conta que tinha sido “sacaneada”, mas era tarde. E entre ficar estressada com a picada e comer o resto de ração... ela comeu o resto de ração. Ufa! Essa foi por pouco. Se não tivesse feito tudo certinho, meu conceito com os dois iria pra baixo. Com o Ismael nem tanto, pois ele já me viu vacinando o gado e sabe que conheço um pouco da matéria pelo lado prático. Mas o Rael ainda não, e ele, com certeza, achava que eu só era bom de papo e nada de ação. Com essa, ganhei meu fim-de-semana e um pouco mais de respeito da parte dele. Bom demais.

Ah, sim, no final desse mês ele vai fazer um curso de vacinação do SENAR, durante 3 dias. É a primeira vez que um patrão faz isso com ele. Já disse, pra ele e pro Ismael, que esse será só o primeiro e outros virão. Acho preferível tentar melhorar o padrão da mão-de-obra do que ficar pulando de galho em galho, em busca do funcionário perfeito, esse ser inexistente.


Maria-fedida, o ataque

Ontem estávamos em plena fase da invasão anual dos besouros que cheiram como as marias-fedidas. Horrível! Eram centenas nas varandas. Para entrar e sair de casa só com o auxílio luxuoso de uma vassoura, abrindo caminho entre a besourada, parte dos quais utilíssimos rola-bostas. E a sapaiada ainda não apareceu pra valer. Ontem tinha somente dois por ali, começando o banquete. E dos pequenos. Os bitelões ainda vão aparecer.

Pernilongos e moscas diversas, assim como um monte de bichos menos comuns, também apareceram. Até mesmo uma jequitiranambóia, um bichão grande, cabeçudo, completamente inofensivo, mas do qual as pessoas morrem de medo.

É a primavera. E depois o verão. Só voltaremos a ter sossego com a bicharada incômoda com os primeiros frios de meados de outono. Enquanto o outono não chega, o jeito é conviver.

(A primavera nem bem começou e já estou ansiando pelo outono? Normal, normal, só pra confirmar que a gente nunca está plenamente satisfeito com o presente. Muito humano.)
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sexta-feira, outubro 07, 2005

Operação Anaconda em Santa Rita do Passa Quatro!

(Atenção leitores do antigo blog: esse post já foi publicado lá.
Sim, eu sei, ando preguiçoso. Preciso parar de escrever nos outros blogs e escrever aqui.)


Santa Rita do Passa Quatro é pequena, gostosa, turística e bucólica. O progresso passou a 10 km de distância, no asfalto da Anhanguera. Dez a mais ou a menos, dependendo do referencial, e Santa Rita seria uma cidade maior e mais rica, como Leme, Pirassununga e Porto Ferreira, talvez até com uns dez vereadores e empresários presos.

De vez em quando Santa Rita aparece na Globo, em pleno Jornal Nacional. Ora por causa de uns trastes que alugaram casa no centro e chácara nos arredores (fazendo quina com a do meu sogro!) para produzir e embalar cocaína, ora por causa de algum bandidão preso no trecho santarritense da Anhanguera, como ainda recentemente, quando o bravo destacamento policial de Santa Rita fez a captura de um bando de ladrões de carga. A coisa toda foi tão legal que vale a pena gastar umas linhas de escrita e alguns segundos de leitura antes do assunto central.

Uma viatura foi chamada para averiguar dois caminhões parados na beira da estrada, em atitude suspeita (nunca fiquei sabendo quem ou o que tinha tal atitude... seria o Mercedão, ou seria o Scania?). Ao chegar no local, enquanto os policiais iniciavam os contatos para checar documentação, um dos caminhões deu no pé. Ou nas rodas. Fugiu. Dois policiais ficaram com os bandidos lerdos e dois, com a viatura, saíram em perseguição ao caminhão fugitivo. Reforços, claro, foram pedidos. Em plena Anhanguera, objetos diversos começaram a ser jogados na pista, numa tentativa de mandar a viatura pro beleléu. A bandidagem anda vendo muita produção holywoodiana. Em vão. Finalmente, sob ameaça de escopeta, o motorista do caminhão parou o veículo fugitivo. À voz de prisão, porta traseira do baú aberta, começa a descer bandido... Um, dois, três, quatro... onze, com o motorista. Parecia um pastelão. Com a chegada de mais viaturas e policiais, bandidos alinhados, toca um celular.

- É teu?
- Meu não, tenente. Deve ser desse bandido aí (o certo seria dizer desse “cidadão sob averiguação”, mas seria muito preciosismo, né?).

O tenente pega o celular no bolso do bandido.

- Alô?
- Porra, ondé que cês tão?

O tenente pensa ligeiro.

- Tamo aqui na porra da estrada. E vocês, tão onde?
- Esperando aqui na churrascaria, caralho!
- No Diné?
- Claro, porra!
- Já tamo chegando, tamo perto.
- Tá bom.

Só a título de curiosidade, almocei ontem no Diné, com a Rosa e meus sogros (meu sogro adora almoçar lá, e ontem o rodízio tava 8,75) (isso foi nota pela qualidade, de 0 a 10, e não o preço, que desconheço, pois meu sogro sempre convida e, portanto, sempre paga...).

Pouco depois os policiais, mais reforçados, agora com pessoal de Descalvado e Porto Ferreira, também, chegaram ao Diné, como sempre cheio de gente. Todo mundo foi pra beirada do balcão, sem tugir nem mugir. E começou o festival de identificações e conferência de número de celulares. Bingo! Mais 4 ou 5 bandidos presos. Isso é o que se pode chamar de captura cinematográfica, do começo ao fim.

Mas vamos ao que interessa.


Operação Anaconda em Santa Rita do Passa Quatro

Bom, todo mundo já deve estar meio cansado até de tanto ler e ver na tevê a cobertura da brilhante Operação Anaconda, que está desbaratando uma, suposta, quadrilha de juízes, policiais federais e outros representantes de outras classes profissionais. A coisa anda já pela casa dos muitos milhões de dólares, e agora a sujeirada começa a chegar, também, na Polícia Civil. Muito bem.

Apesar daqueles 10 km de distância do progresso, Santa Rita do Passa Quatro não fica de todo à margem do progresso. Sendo assim, acabamos de ter por lá nossa Operação Anaconda, com a participação de quase todo o destacamento policial da cidade. Imaginem!

Tudo começou com um telefonema do Hotel-Fazenda Glória, denunciando a presença de uma cobrona no parque do hotel, lindo local habitado por aves diversas e visitado por visitantes vários, como sói acontecer nesses locais.

Lá foi uma viatura checar o ocorrido.

Foi pouco. E lá se foram mais duas viaturas.

A tal cobrona era uma sucuri de pelo menos 5,50 a 6 metros de comprimento. Sem exagero. A fotografia publicada n´A Gazeta de Santa Rita é clara e não deixa margem para nenhuma dúvida: a cobrona está lá, nos braços de quase toda a corporação policial. Oito homens a seguram, da ponta do rabo à cabeça. Mas há alguns clarões aqui e ali, suficientes para, pelo menos, mais 4 homens com relativa folga. Ora, se considerarmos que a largura ocupada por um homem adulto gira aí por volta de 50 centímetros, só isso já nos dá os 6 metros.

Gente, é muita cobra!

A primeira caixa que mandaram para prender a bichinha não foi suficiente. Veio outra, e então, devidamente acomodada, lá se foi a sucuri pra reserva florestal de Luiz Antonio, próxima do Mogi-Guaçu, onde foi libertada para continuar sua busca de capivaras.

Ah, sim, pequeno detalhe: ao lado da “marvada” tinha 3 gansos mortos. E com todo o agito da captura, mais dois foram regurgitados. Tava com fome a moça.

Bom, essas operações anacondas são realmente surpreendentes, né? Eu nem sei qual a maior surpresa, se a descoberta da quadrilha com juízes, delegados e policiais, ou se a captura de uma sucuri de 6 metros de comprimento, em pleno interior paulista, no meio dos canaviais, laranjais, asfaltos, pontes e indústrias.

Hummmmm...

Na verdade, infelizmente, essa frase acima é só pra efeito, nada mais. Porque, surpreendente mesmo, é encontrar uma cobra como essa naquela região e não nos confins da Amazônia ou do Pantanal. As descobertas da outra Operação Anaconda não são surpreendentes.


Emerson

P.s.: semana passada, o Ismael espantou outra jibóia do pomar de laranja-lima, quando roçava a braquiária; nesse diapasão, aquilo vai mudar pra pomar de jibóias.
P.s. 2: o ambiente natural vai mal, obrigado, mas não tão mal como muitas vezes pensamos; e apesar do que pensam e falam os urbanóides, particularmente os representantes daquela variedade histérica e chata, os “ambientalistas”, os produtores rurais são em boa parte os responsáveis por essa manutenção de um pouco de ambiente natural.


Carapicuíba, 19 de janeiro de 2004.









O Velho Chico

Com todo o teretetê criado pela greve de fome do bispo, o Velho Chico e a história mal-cheirosa da transposição de suas águas para o Nordeste Setentrional veio à tona, veio para as primeiras páginas dos jornais.

Esse incrível governo, sobre o qual ninguém tem ética bastante para falar, já que seu chefe é o mais ético de todos os brasileiros, foi finalmente brecado. Uma liminar de uma juíza federal cassou licença provisória do Ibama, alicerçado na qual o governo já estava prestes a meter no chão a primeira escavadeira, começando as obras. Acho que o Velho Chico sobreviverá.

Essa crônica de viagem que segue talvez já tenha sido lida por alguns. Nesse caso, peço desculpas. Mas para a maioria ela é inédita.



Visões dumas andanças – IX

Pelas cercanias do Velho Chico


Essa viagem já tem alguns anos. Poucos, em números, muitos, todavia, para minha percepção e vontade. Pudesse, estaria sempre por lá, andando, olhando, sentindo e, talvez, quem sabe, plantando uvas e melões e criando vacas e cabras no meio da caatinga. Porquê, pode não parecer, mas a caatinga fascina.


Petrolina fica em Pernambuco, na margem esquerda do São Francisco. Juazeiro fica em frente, na Bahia. A separa-las, o rio. A uni-las, uma ponte. Embora vizinhas siamesas, são diferentes. E as pessoas são, também, diferentes. O rio separa e une, faz uma história comum, gera o progresso e traz apreensões. Se nem sempre o futuro é muito claro, agora está muito barrento, como as águas do Velho Chico na cheia. A gente olha e nada enxerga. Esse futuro sem nitidez já vinha de longe, com as barragens, com o assoreamento, com o desmatamento, com a extinção de tantos rios sertanejos no planalto baiano e até no mineiro. Com os planos e o próximo início das obras do canal que vai fazer a transposição das águas do São Francisco para os sertões de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Piauí, o que era pouco nítido ficou turvo de vez. O futuro, não se enxerga.

Na estrada, voltando pra Petrolina, nossa guia, uma agrônoma paulistana radicada ali desde que se formou, o que já tem algum tempo, avisou:

- Se preparem, porque a gente vai atravessar pra Juazeiro e almoçar na Dona Maria. E vocês vão ficar maravilhados.

Pela manhã tínhamos rodado um trecho próximo de Petrolina, gravando numa pequena fazenda de uvas pertinho da barragem de Sobradinho. Logo cedo, ao lado mesmo da barragem, subimos num morrote, um daqueles muitos que povoam a caatinga, e lá de cima, entre xique-xiques e mandacarus com espinhos respeitáveis, tivemos uma bela visão da região toda. Aqui e ali o verde intenso dos parreirais irrigados quebrava o acinzentado mirrado da caatinga. Aqui e ali, também, algumas manchas de terra vazia, branca, nada por cima, pura areia. Marcas perigosas que aumentam em número e tamanho. Se estendendo pro horizonte, no rumo do oeste e sudoeste, o grande rio represado. Daquele ponto até o seu início, a represa tem mais de 450 km de extensão. Cobre uma área de 4 mil quilômetros quadrados. Não sei se ainda é o maior reservatório do mundo ou se é o de Três Gargantas, na China. Não importa, parece e é muito grande, e é muita água. Mas, também não é, não. É água pouca e cada vez menos água. Os folhetos turísticos, os sites na internet, os agentes de viagem, todos prometem esportes aquáticos e as emoções da pesca do surubim. Tá certo, os esportes aquáticos são praticados mesmo. Já a pesca do surubim...

Cruzamos a ponte. É bonitona, impressiona de longe. E estamos em Juazeiro. Não sei se o restaurante da Dona Maria ainda existe. O Brasil muda muito depressa, o mundo também e o pior é que as coisas já não mudam como costumavam mudar (obrigado, Camões). Contudo, espero que ele continue como era quando o conheci: um puxado sobre a garagem na frente de uma casa simples num bairro de Juazeiro. Uma mesa comprida, algumas menores, bancos de madeira. A comida é a que Dona Maria faz. E serve. Tal como nos melhores, mais finos e reservados restaurantes de grandes chefs, na França, Espanha e Itália, entre outros lugares menos votados. A comida, geralmente, é surubim. Mas não é o mesmo surubim que conhecemos aqui no Sul ou na Amazônia. É o surubim do São Francisco. Parece igual, mas é diferente. A carne é clara, menos gorda que a dos outros surubins, um quase nada de gordura. Carne bonita, firme, gostosa, realmente saborosa. Carne de peixe de rio, que nada em busca da piabinha de todo dia. A altura do filé é generosa o bastante pra gente enfiar os dentes com vontade, sentir a textura com a boca preenchida como se deve. Desculpem, não é muito fino mas foi assim que comecei a comer em criança, é assim que a gente come no sertão, é assim que dá prazer comer.

O calor do meio do dia é brabo em Juazeiro. Lá fora o ar tremelica todo em toda direção. Lá dentro, sob o puxado, tá quente, também. Mas dá pra agüentar. Um ventilador ajuda. O refrigerante gelado colabora. A cervejinha também. O jeito aqui é quebrar a regra da cerveja só à noite. Mas pouco, nada de quebrar muito. E lá vem feijão-de-corda, vem arroz e vem pirão, vem moqueca de surubim, vem surubim grelhado, vem surubim frito, de todos o meu preferido. Tem pimenta comprida, compridinha e redondinha. Pimenta também pra todo gosto. Nada mais simples, nada mais brasileiro, nada mais gostoso.

Dona Maria vem à nossa mesa. Cumprimenta, pergunta da comida. Com a boca cheia digo que está maravilhosa. Rapaz educado, não paro de comer para dar-lhe atenção. Fazer o contrário, para uma cozinheira, seria prova de má educação. E um indício de que a comida não está boa. Essa racionalização toda nem passou por minha cabeça naquele momento. Impossível. Meu cérebro deslocara-se em peso para o conjunto mãos e boca, e ocupado com o intenso tráfego de garfadas de postas de surubim no trajeto prato/boca, definitivamente não tinha como ocupar-se com respostas e salamaleques. Felizmente, os ouvidos estavam livres, operando em outra sinfonia, e assim pude ouvir e aprender algumas coisas.

A horas tantas, e já sabedor que surubim no Velho Chico hoje era coisa rara, consegui uma pausa no trânsito de postas e perguntei pra Dona Maria se os surubins vinham dali mesmo, da barragem, ou de rio abaixo.

- Nem de um lugar e nem de outro, moço. Surubim pra mim, hoje, vem lá do Piauí, do Parnaíba. A gente anuncia o surubim do São Francisco, mas é o surubim do Parnaíba.

Boca ocupada, meio cheia, disparo a pergunta:

- Mas por que, o que houve?

- Olhe, a barragem foi um problema, depois dela começou a diminuir o número de peixes. E tem a pesca, também, né. É muito povo pescando e mandando peixe pra fora. E por aí afora, rio acima, as pessoas dizem que tem rio secando, a água diminui, a gente não vê mais mata na beira do rio. E não é só o número de peixes, não. É o tamanho, também. Diminuiu tudo, só tem peixinho pequeno, dá até dó. Nem vale a pena fazer a maioria, só frito mesmo.

Felizmente essa conversa já aconteceu no final do almoço. Felizmente, também, meus espaços disponíveis estavam ocupados e não sobrou nadinha pra algum sentimento de culpa. Xô! Minha digestão não foi estragada, tampouco. Tenho, por hábito, sempre dar um desconto em todas as histórias e estórias que ouço em minhas andanças. Desconto variável, pode ser de 10%, pode chegar a 90%. Naquela hora, dei um desconto duns 30% pra gravidade do causo. A passagem do tempo tem me mostrado o quão tolo fui: ao invés de desconto, eu devia mesmo era ter aumentado a gravidade da história ouvida. Até porquê o Parnaíba já começa a ficar super-explorado, também. A sobremesa eu comi durante o prato principal mesmo. E foi simples: apenas um pouco mais do que já estava comendo. Até parece que eu iria trocar mais uma posta de surubim do Parnaíba por um doce qualquer! E com isso, satisfeitos e felizes, deixamos o puxado e enfrentamos o calorão brabo da tarde de Juazeiro, em busca de novos parreirais e plantações de melão e manga.

Em outras viagens andei pelas regiões do Médio e Alto-São Francisco, no sertão baiano de Barreiras, Mimoso – hoje Luiz Eduardo – e Guanambi. E nos sertões mineiros, desde Januária e Porteirinha, passando por Bocaiúva, até os espigões divisores das águas do São Francisco com as águas do Tocantins e do Paranaíba. Pedaços dos grandes sertões roseanos. Por toda parte vi as mesmas cenas: o cerrado substituído pelas lavouras e pelos pastos. Coisa bonita de se ver, sem dúvida. Mas exagerado demais da conta. As veredas espremidas. E muito pivô central molhando muita terra. Do alto, nos sobrevôos, a visão mais clara: os arredondados escuros das áreas de pivôs, formando grandes colares de contas e o cinza-cerrado cada vez menor. Em dois lugares, sem planejamento, apenas de passagem, cruzamos dois cursos d’água secos. Ex-rios. Como eles, muitos outros. Muita gente diz que é culpa dos pivôs centrais e dos poços artesianos, que puxam toda a água e jogam-na sobre o feijão, sobre a cenoura, sobre a soja, sobre o café. Não sei. Não me aprofundei na questão, fiquei só na superfície. E na superfície, tudo que a gente vê é o leito seco de um córrego.

Desde então, exceto por muitos discursos oficiais, nada foi feito em prol do Velho Chico, suas águas e seus surubins. Pena que discurso oficial nada mais produz além de sono ou dor de cabeça. Pena maior é que, dessa vez, os discursos estão indo além das palavras: estão conduzindo para as obras de transposição das águas do São Francisco pros sertões.

Que história estará contando a Dona Maria hoje?



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Mais verde


Do outro lado da cerca a grama é sempre mais verde.

Mais apetitosa.

Esse potro é novo na hípica, não sei seu nome, mas é um brincalhão e gosta de comer a grama do vizinho, que acha melhor que a sua.

terça-feira, outubro 04, 2005

Para o companheiro Valter Rocha

Gostaria de fazer uma elegia pro companheiro Valter Rocha, mas a tanto não dá meu engenho e arte. Vou colocar umas palavras aqui e ali, do mesmo jeito que falei no passado e ele gostou de ouvir.

Conheci o Valter no Partido, o velho Partidão. Maranhense, baixinho, de bigode grande, lembrava meu pai pelo porte, pela amizade fácil, pelo riso e pelas histórias sempre prontas a sair de sua boca. Simples, talvez em excesso na visão de alguns companheiros da direção que, veladamente, não gostavam muito dele. Era simples demais, me atrevo a dizer, era povo demais. Uma pena. Lembro que meu amigo Marcos, o Marcão, gostava do Valter. Divertia-se com seus causos. Admirava sua dedicação e sua crença no socialismo. Esse também era gente boa, gente da melhor qualidade, outro que se foi cedo demais da conta.

O Valter estava sempre pronto para o trabalho, sempre pronto para ajudar. Reuniões em favelas, ou em associações de bairros, ou num sindicato, não importa, lá estava ele. Festeiro, como todo bom brasileiro desses sertões afora, não perdia uma só das festas que organizávamos, festas algumas meio bobas, meio chochas, coisa de marxistas-leninistas com pouca intimidade com a alegria mais simples e despojada, festas de gente sempre preocupada em tirar das festas “algos” a mais em prol da revolução, esquecendo que festa é para se divertir e que não há revolução melhor, mais bonita e mais eficiente do que a revolução que festeja e é festejada. Naturalmente, perto dele eu passava por intelectual, quando, na verdade, o correto talvez fosse o inverso, pois das coisas importantes ele sabia mais do que eu.

Com o país vivendo sua democracia, ao menos política, depois de muitos anos de luta e de medo, Valter achou que era chegada a hora de dizer adeus à Paulicéia que o acolhera e onde constituiu sua família. Voltou pro seu Maranhão.

Depois disso não soube mais dele, só que estava em Imperatriz e lá vendia seus trens, tal como meu pai fez, por sinal, em boa parte de sua vida. Vendia coisas simples para pessoas simples. Gente do povo.

Não sei se ele seguiu fazendo política, embora um antigo companheiro já esquecido tenha dito que sim. Estava em seu sangue.

O mais chato nisso tudo é que, justo o companheiro Valter, veio a morrer por esclerose múltipla. Um pecado, um grande pecado para alguém como ele. Mirta, sua companheira, sofreu muito, assim como a linda Valéria e o esperto Glauber, seus filhos. A notícia chegou ontem, mas já é velha. Pouco sei deles todos, espero saber mais em breve. Com certeza, porém, o companheiro morreu sem tomar conhecimento disso tudo que está aí. Ele, sem a menor dúvida, seria capaz de morrer de tristeza com tanta desilusão.

É, companheiro, o mundo mudou muito desde que deixamos de “politicar” juntos. Mas não quero falar dessas mudanças, nem das boas, pois as há, nem das ruins, a maioria. Bom, sei lá, se você encontrar o Marcão por aí, sei lá onde, diga a ele que tenho saudades dos papos, das risadas e das feijoadas de sábado naqueles botecos do centro que ele conhecia. Não falem muito mal de mim, não. Mas aproveitem pra descer o cacete nesse povo besta que desiludiu tanta gente.


Um abraço saudoso do companheiro de militância política.


Emerson


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domingo, outubro 02, 2005

Montanhas de Congonhal


Gosto de ser paulista, gosto da paisagem em meio à qual nasci e cresci.

Mas poderia ser mineiro, como meu pai.

Nascido em uma fazenda no sopé dessas montanhas, por exemplo.

Ou, ainda melhor, na Serra da Canastra.

Montanhas dão trabalho, mas como são magníficas!

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No meio da mata...




Um problema com a ficheira é a sua fragilidade.

Ventos mais fortes costumam quebrar seus galhos e até mesmo a árvore inteira, como aconteceu no sítio.

Outra de nossas ficheiras foi detonada, literalmente, pode-se dizer, por um raio. Por conta desses pequenos problemas muitos vizinhos cortam-nas assim que nascem. E nascem com facilidade, dando um pouco de razão para eles: "Prestassem pra alguma coisa não nasciam fácil desse jeito."

Mas são bonitas. :o)

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Ficheira, um pouco mais perto


Cresce rápido e para o alto a ficheira.

Corre atrás da luz. Quando acha espaço, abre a copa como essa.

Sua madeira não tem muita serventia, e seus frutos - umas cápsulas alongadas com sementes chatas, lembrando fichas - tampouco. Mas, na natureza ela é importante, com certeza.

Tem vários outros nomes por esse Brasil: guapuruvu, faveira, birosca, bacuruva, pau-de-vintém na Bahia e bandarra no estado do Rio de Janeiro.

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Tempo de ficheiras


Uma ficheira não é nenhum ipê, mas tem lá seu encanto.

Há muitas por esse norte/nordeste paulista. Com o seu jeito simples, meio caipira, um tanto discreta, mas às vezes aparecendo bastante, elas enfeitam a paisagem.

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Ipê-rosa, simplesmente


Já estava para escrever no título o adjetivo "majestático". Que tolice. Que coisa desnecessária. Ainda bem que parei os dedos a tempo.

Um pé de ipê-rosa em flor não carece de adjetivos.

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Ipês: agora é a vez do rosa






Também aqui a chuva chegou rapidinho.

O povo todo chama esses ipês de rosa, mas são, na verdade, ipês-roxos também.

Olhando bem pra eles, contudo, fico com a versão popular: ipê-rosa.

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sábado, outubro 01, 2005

Chuva chegando no sítio...





Em poucos minutos essa chuva chegou ao Sítio das Macaúbas.

Outra chuvinha boa, espero que esteja caindo até agora.

Primavera, muito prazer


Essa é a Primavera, filha da Imagem e do Safari, no seu 6o. dia de vida.

O mundo é um lugar espantoso ainda. E o bípede barbudo com cara de bobo e um negócio que solta uma luz forte é muito esquisito.

:o)

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Stanley, de novo e pronto pra outra




A picada foi na mão direita, que numa das fotos está dobrada e escondida - ótimo sinal.

Outra foto mostra as patas dianteiras estendidas. No sábado passado a diferença, por conta do inchaço na perna inteira era enorme.

Hoje, no sítio, já tive de dar uns berros com ele, para não sair correndo atrás do carro de um visitante. Era só o que faltava...