sexta-feira, dezembro 30, 2005

Muito bem, 2006!




É isto. Depois de amanhã já estaremos em 2006.

Ano de Copa do Mundo.

Ano de eleições.

Ano de crescimento, esperamos todos.

Apesar dos muitos pesares por que passamos nesse 2005, é importante vermos que fatos positivos houveram, sim. Não aqueles que gostaríamos, mas outros, também importantes.

Como agricultor e criador, espero que a natureza não seja madrasta como nesse ano que termina, as safras sejam abundantes e os preços camaradas.

Como microempresário, torço para que a economia entre numa fase real de crescimento. Que a estabilidade econômica transfira seus muitos e saborosos frutos dos cofres bancários para nossos pobres bolsos, finalmente.

Como cidadão, espero mais vergonha e menos corrupção por parte de nossas autoridades executivas, legislativas e judiciárias. O que tivemos nesse ano e nos anteriores foi o bastante para, pelo menos, meio século. Que venham, portanto, 50 anos de honestidade no trato com as coisas públicas, a popular res publica.

Aprendi muito com muitas pessoas nesse ano que termina. Isso foi por importante demais e me fez um bem danado. Espero que vocês se abram para aprenderem sempre e cada vez mais, mesmo, e principalmente, com as pessoas menos prováveis. Porque, acreditem, temos sempre algo a aprender com cada um e com todos.

E, finalmente, para todos vocês que são parte da minha vida, a melhor parte, desejo muita saúde e muita paz. A cada ano, a cada reveillon, essas duas coisinhas se mostram mais e mais importantes. E fundamentais.

Então, que venha 2006! Felicidades!

Emerson


.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Gataiada...


As gatinhas e o gatinho continuam se desenvolvendo e crescendo.

Agora, a Sophia já não admite sequer a proximidade de nenhum dos filhos, emancipou-os todos e eles têm de cuidar das próprias vidas. Nós damos leite e ração todo dia, a natureza oferece ratos silvestres, insetos e passarinhos, além de pererecas e outros bichos.




Já está na hora, portanto, das belezinhas tirarem os bumbuns folgados desse amontoado e cuidarem da vida...






Mas qual, esse discurso não cola com elas.

Domingo cedo, dia de Natal, quando abri a porta da cozinha o pretinho e uma de suas irmãs disparou do meio do gramado para dentro, indo diretos para cima da mesa onde colocamos ração e leite para eles. A cena foi divertida. E um pouco preocupante, afinal, indica que eles são muito dependentes da gente, mais do que foi a Sophia, aparentemente.

E por falar em Sophia, ela agora está na fase de retomar os antigos hábitos. É uma neo-solteira e está se esbaldando. Não quer saber de pimpolhos nas proximidades. Dorme longas horas no sofá, já que não deixamos que durma na cama, como gosta e tenta. Se não dorme no sofá, dorme na velha cesta, na cozinha.


Pelo jeito, criar filhos gatos e gatas é tarefa cansativa.

.

Que maravilha de cidade!








Como São Paulo está gostosa nessa semana! Acabei de fazer um trajeto que normalmente tomaria quase 3 horas só de deslocamento no trânsito, em pouco mais de uma hora e meia. E nesse tempo já incluindo acompanhar minha mãe até a plataforma de embarque na Rodoviária, e depois uma parada com direito a sentar em banquinho para comer uns pastéis na feira do Pacaembu. Detalhe: parei o carro na frente da barraca de pastel, a cinco ou seis metros da mesinha e do balcão. Bom demais.

O carro andou, andou, andou, em quarta e quinta marchas em plena Rebouças. O buraco da dona Martaxa (ô, elegância perdida...) não estava congestionado – aleluia! – e passei por ele na ida e na volta, justificando os mais de cem milhões pessimamente gastados (há histórias circulando a respeito) e mais alguns milhões gastos pela nova administração para tampar os vazamentos e infiltrações, frutos de obra mal-feita e terminada às pressas, a tempo da eleição felizmente perdida.

São Paulo nessas épocas é boa demais. E mostra-nos a fórmula da felicidade na cidade: tirar de circulação 3 milhões de veículos – pouco menos que a metade da frota da cidade. E tirar, também, uns 4 ou 5 milhões de habitantes. Dessa forma, a megalópole volta a ser pouco mais que uma aldeia, tornando-se civilizada da noite para o dia. O único senão é que a renda gerada por esse povo todo não poderia deixar de existir.

Hummmm... E teria que haver significativa redução nos contingentes de gentes e veículos nos demais municípios da Grande São Paulo, fazendo com que os atuais quase vinte milhões caiam para uns dez, no máximo onze.

Aí fica bão!


.

Pastel com pomba





Nem tanto, nem tanto, ainda não chegamos a esse ponto, felizmente.

Depois de deixar minha mãe na rodoviária, paramos na feira do Pacaembu, não para fazer a feira, mas simplesmente para comer pastel. De todas as muitas, inúmeras comidas paulistanas, poucas têm tanto a nossa cara como o pastel.

Comemos na barraca da Dona Maria. Na verdade, uma das barracas da Dona Maria, pois o negócio cresceu. Não ficarei admirado se um dia virar McPastel. Ela é de Osaka, está no meio dos 50, e o pessoal que trabalha com ela é tudo brasileiro, do Nordeste, Minas e São Paulo. Todo mundo uniformizado, bonitinho, limpo, nos trinques. Na barraca tudo bem arrumado e limpo também. A gente olha e não perde a vontade de comer, pelo contrário... Infelizmente.

Olhei a relação de sabores pendurada num cordão... Queijo com rúcula e tomate seco é minha primeira pedida. Depois, arrematado por um que ela criou a partir da observação dos hábitos de seus funcionários nordestinos, que não deixavam de comer carne seca por nada. Assim, criou o pastel de carne seca. Muito seco, não fez sucesso. Passou a cozinhar a carne, desfiada, com um monte de temperos e também colorau e, por fim, colocando o sagrado queijo nosso de todo dia junto com a carne, tudo envolto pela massa e levado à frigideira onde o óleo está sempre superquente. É, ficou um belo pastel, bonito de ver, gostoso de comer. E com “sustança”, não resta dúvida.

Cedo à gula e ao hábito e termino o almoço – sim, nessa altura, quase onze da manhã, esse lanchinho virou o almoço – com um terceiro e derradeiro pastel: o de pizza, com tomate e manjericão agregados ao queijo. Realmente, três é um pouco demais, o que explica minha lamentável forma física. Mas é gostoso e, ainda por cima, barato. Cada pastel sai por um real e cinqüenta.

O que destoou dos pastéis foi o caldo-de-cana, comprado na barraca ao lado. Tudo em ordem com o caldo em si, mas não pro meu gosto. Por algum motivo insondável, o povo de São Paulo decretou que limão e abacaxi combinam com a garapa. Vox populi vox dei, né? Já é difícil conseguir uma garapa pura.

A garapeira pergunta, educada, se eu quero abacaxi ou limão e eu, no limite da educação, a grossura já tentada pela oferta, respondo com um seco e curto “Puro, por favor”, com a cara de poucos amigos que me é peculiar quando contrariado.

Enquanto ela passa a cana na moenda, fico pensando que deveria ter pedido uma diet-cola da vida. Mas agora é tarde, o caldo está pronto, servido e pago. Beberico... Arghhhhh! Como já era sabido, o gosto do limão contamina, polui a garapa. Tanto limão já foi passado para atender a esse (des) gosto que a máquina, ela própria, já provê o limão para a freguesia. Com abacaxi fica tão ruim quanto. Nessa coisa de garapa sou conservador e mais ortodoxo que rótulo de maizena, ou ela é pura ou não é garapa.

Bom, ao fim e ao cabo comemos bem. E bem também comeu o guri que nos pediu um pastel logo ao chegarmos. Não dou dinheiro, mas jamais recusei um pedido de comida ou bebida – não alcoólica, claro. E o guri comeu com gosto um belo pastel de carne.

Enquanto tudo isso se desenrolava nas altas esferas para cima da linha da cintura, senti um pisão no meu pé. Fora provocado pelos trezentos ou quatrocentos gramas de gorda pomba preta. Ao lado dela, outras três ou quatro, todas comendo as migalhas de pastel já no chão e mais as que caíam de nossas mãos e bocas, indiferentes a nossos pés ao ponto dessa atrevida simplesmente pisar-me por cima do tênis para ganhar tempo e chegar primeiro a uma gorda migalha. Diante disso, só me restou aumentar o percentual de pastel perdido na forma de migalhas. Perdido, não, achado pelas pombas.


Essa é a minha São Paulo.



.

Fim de tarde natalina

.



Outro dia entrei no blog através de outro computador e monitor, claro. Levei um susto! O fundo não era preto e uniforme como no meu micro, e sim todo preenchido por bolinhas. E as fotos estavam lavadas!

O certo é que o f undo da tela seja preto, em toda a área. E as fotos devem ter cores quentes, bem marcadas. Se estiver tudo destrambelhado, por favor, avisem.

:o)

>

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Quatro presentes






Antes de viajar, antes mesmo do Natal, meu filho deu seu presente para mim: o dvd FIFA Fever, com a história das Copas, a história do futebol. Maravilhoso! Um presente de fato, como todo presente deveria ser.

No dia de Natal a Rosa deu seu presente: o livro do Dalgas Frisch “Aves Brasileiras” em nova edição ampliada, com novas fotos e capítulos sobre as árvores cujos frutos são apreciados pelos pássaros e aves diversas. Junto, como brinde, a autobiografia do Dalgas. Dei-me conta que tudo que eu queria ser quando crescesse era um Dalgas Frisch na vida. Outro grande presente, um presente-presente, se é que vocês me entendem.

Na véspera já ganhara um presentão – que depois revelou-se de grego e não, isso não significa que a Athina tenha me enviado algum mimo, até porque só a conheço pelas fotos de jornais – que foi a chuva da tarde logo depois do capim ter sido plantado pela manhã. Além de molhar muito bem o solo, serviu também para compactar as sementes, evitando que eu tivesse que correr atrás de rolo e trator e mais dinheiro para mais uma despesa.

O quarto presente ainda não vi, sequer recebi. É do meu genro (não oficial, ainda) e ele já adiantou pra Rosa, pelo telefone, que é uma coisa ligada ao São Paulo. Não importa o que virá, já sei que será do São Paulo e isso já é o bastante para fazer dele um presentão.

E com isso fecho meu ciclo de presentes natalinos. Poucos, mas queridíssimos, deliciosos, para ver, ler, ouvir, vestir (talvez). E comer, claro. Não eu, mas as vacas. Tudo que quero agora é ver o capim crescer denso, forte, vigoroso, produtivo, enchendo os olhos de verde-saúde e enchendo as bocas das vaquinhas e das vaconas.

Foi um bom Natal.

Bem... bom, foi bom, foi bom, mas... Tô esperando uma tal inspiração cair de pára-quedas para escrever a respeito dessas reticências. Fá-lo-ei breve.


.

Árvores – pequi e munguba

Uma das coisas que gosto no sítio é sua localização geográfica e altitude. Estamos no norte-nordeste de São Paulo, a cerca de 800 metros acima do nível do mar. O solo é areno-argiloso em sua maior parte, com algumas áreas mais ricas, o que se pode perceber pela vegetação.

As palmeiras macaúbas abundam, daí o nome que dei a ele. Essa palmeira é exigente, não cresce em qualquer solo, prefere os bem drenados e com boa fertilidade. O próprio sítio, embora pequeno, abriga vegetação nativa de dois grandes biomas, a mata latifoliada do planalto, uma das variantes da Mata Atlântica, e o cerrado. A convivência é harmoniosa.

O pequi, por exemplo, é uma típica planta do cerrado do Brasil Central. Esse da foto, infelizmente, não é o do sítio. Ele fica numa reserva municipal próxima à chácara onde moram meus sogros. Esse ano está com poucos frutos, o que é uma pena. Em alguns dias, todos os frutos serão pegos na calada da noite. Os catadores, se é que se pode chama-los assim, não se contentando em pegar os pequis antes até do tempo certo, quebram grandes pedaços de galhos para facilitar e agilizar a colheita. Um crime estúpido. No sítio, dos muitos pés que por lá vicejavam, sobrou um e apenas um. Justamente na beira do asfalto. Em todos esses anos, uma única vez tive o prazer de ter alguns de seus frutos em casa, mas não consegui formar mudas com as sementes. Agora, com a casa do Esrael bem ao lado dele, espero ter os pequis não à mesa, por enquanto, mas nos saquinhos de mudas. Quero povoar o Macaúbas com pequiseiros.

Já a munguba, também chamada de castanheiro-do-maranhão ou falso-cacau, é arvore nativa do norte, mas que se dá bem por aqui, frutificando razoavelmente, até. Esse exemplar está na entrada do sítio. Num dos pastos tenho mais dois pés plantados, em crescimento. No norte, o povo pega os frutos que são grandes e lembram um pouco o cacau, tiram as sementes, torram, moem e obtém um substituto do café ou do chocolate. Qualquer dia vou experimentar essa receita.

Quero crer que essa região já abrigou araucárias nativas. Há relatos a respeito. Plantei alguns pés, mas as bezerras fizeram-me o favor de matar dois deles, além de dois ipês. Vou plantar mais algumas, pois a araucária para frutificar precisa de plantas fêmeas e machos para que haja polinização. Por aqui também vai bem a castanha portuguesa, da qual plantarei alguns pés ainda esse mês de janeiro que vai entrar. Vai ser interessante ter à mesa, no futuro, castanha portuguesa e castanha-do-maranhão, ambas produzidas no mesmo local. Coisas que só essa zona de transição proporciona, com seus dias quentes e noites frias.


.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Entrando na Véspera de Natal





Quase meia-noite. Quando penso que vou pegar no sono ou deixar que ele me pegue, as cachorras – Panda e Titica – começam a latir. Na volta do silêncio, presto atenção, mas só ouço os ruídos da noite. Alguns já conheço, outros nem desconfio o que sejam. Nesse silêncio relativo, volto a escutar o barulho de água caindo. Curiosamente, ao contrário do que normalmente acontece, esse barulho me incomoda um pouco. Muito estranho, inda mais à noite, quando mais gosto do barulho da chuva e do frescor que vem com ela nas noites de verão.

As cachorras tornam a latir, levanto e vou lá fora dar uma olhada. Foi a conta de sair e identificar a razão para os latidos: no Miro, nosso vizinho ao norte, chegou a turma que vai pegar os frangos na granja nova, próxima da divisa. Esse trabalho é feito à noite, termina só com o sol já nascido e alto. Os frangos são colocados em caixas plásticas, acondicionadas em um ou dois caminhões. A turma – cerca de vinte pessoas – chega num ônibus e costuma ser bastante barulhenta. Essa é uma das coisas que não gosto muito numa granja de frangos. A barulheira incomoda a Panda e a Titica, e elas, por sua vez, incomodam a nós. E “nós” acaba me incomodando, o que me leva pra noite fresca, estrelada, com um ventinho daqueles que pedem por um agasalho e... Epa! Dou-me conta que céu estrelado e barulho de chuva não combinam. Tem algo errado. Aguço os ouvidos (aguço?) e lá está o barulho... Vem da direção da caixa-d’água... não, não vem da caixa... ai ai ai... vem do curral. Calçado com o chinelo de ficar dentro de casa, calção, lanterna e camiseta, vou até perto do curral, o que já é suficiente para identificar o estrago: o bebedouro está transbordando, as vacas devem ter quebrado a bóia e a água sai da caixa grande sem parar, transbordando no bebedouro sem parar, enlameando o lamaçal, digo, o curral pequeno, ainda mais.

Raios! E pensar que alguns amigos estão no conforto de seus apartamentos no Guarujá, num prédio onde tudo funciona, onde para o que não funciona basta chamar o zelador pelo interfone. Ou chamar qualquer outro profissional pelo telefone. Simples e limpo, embora caro. Entretanto, aqui na roça as vacas acham de quebrar a bóia na noite de sexta, antevéspera do Natal. Convenientemente tarde para não ter ninguém da lida pra cuidar disso. Convenientemente cedo para encontrar o pobre proprietário a tempo de cuidar disso antes de dormir, apesar do cansaço do longo dia. Um bom zelador cairia como uma luva agora.

E essa bota que não entra! Irritado, mas só levemente, tentei calçar a 7 léguas na marra e sem meia. Sem chance. Um pouco mais irritado passei a mão na meia mais próxima, que uso com o tênis. É grossa, sem chance. Agora um pouco mais irritado ainda, vou ao quarto, pé ante pé, tentando não fazer barulho, procurar por uma meia fina. Tenho sorte, encontro logo e pendurada num cabide de parede. Meno male. Calço-a e meus pés deslizam pelas botas confortavelmente. Botas metidas a besta: exigem meia fina pra depois afundar nos lamaçais da vida. Ou nos barreiros da vida, já que lamaçais parecem ter virado exclusividade da classe política tupiniquim, e neles parece não haver 7 léguas que proteja do contato com a lama, ao contrário daqui. O frescor da noite pede uma camisa sobre a camiseta. Como a irritação não foi embora, o bom senso não voltou e, portanto, agarro a camisa mais próxima, justamente a que usei de dia, já suja, abandonada perto das meias que usei com o tênis durante a viagem. E é assim, chique no úrtimo, que vou pro curral.

Atravesso o lamaçal, ops, o curral e olho pro bebedouro onde enxergo o óbvio: a bóia está quebrada. Não me conformo com minha burrice e imprevidência: claro que eu deveria já ter comigo a bóia de reserva. Mas qual! Volto a atravessar o barro, cheio de materiais orgânicos sólidos e líquidos. No decorrer desse processo vou me acalmando. Já não era sem tempo. Agora estou preocupado, pensando se terei uma bóia de reserva. Indoutrodia eu comprei uma, lembro bem, mas essa quebrada parece nova e me pergunto se já não será a reserva. Só falta...

Volto pra casa, sujo de barro a entrada da cozinha, pego as chaves, procuro pela do barracão. As chaves não estão mais marcadas. Vou pro barracão com um monte delas na mão e começo a testar. Na quinta ou sexta tentativa consigo abrir o cadeado, entro e procuro pela bóia. Num canto, noutro canto, nas prateleiras... Achei! Tenho uma bóia de res... Ei! Ah, essa não, essa é a bóia velha que foi trocada e ninguém jogou fora. Deve ter sido guardada como um souvenir ou um amuleto. E agora? Ah... Uau! A bóia backup, devidamente escondida num saco plástico.

Com o backup de bóia numa mão e a inseparável lanterna na outra, volto pro curral, atravesso o barro que de vez em quando sobrepassa a bota. Delícia,era tudo que eu queria. Instalo a nova bóia no bebedouro, a água pára de jorrar e eu volto para casa.

Na varanda, tiro as botas enlameadas, tiro a meia já enlameada e vou direto pro chuveiro. Uma ducha rápida me devolve ao mundo dos limpos. Já seco, volto para a cama. Falta pouco para terminar a primeira hora da Véspera de Natal. Um dia que foi... Hummmm... Isso é assunto para outro texto. Fui, pois os braços de Morfeu me chamam.


.

Retrospectando...






Sabem que, pensando bem, 2005 não foi das piores coisas?

Louco, eu? Ainda não, embora as despesas com o sítio apontem, claramente, nessa direção.

Entretanto, vamos por partes (e resisti à vontade besta de completar a frase com o maledeto “como dizia Jack, etc”; estou evoluindo). Politicamente, esse ano foi terrível, essa é a grande verdade, certo? Errado, por mais incrível que possa parecer. Tudo que aconteceu, tudo que vivemos desde o momento em que um certo deputado de memória e atuação nada saudosas abriu a boca, parecia conduzir ao caos absoluto, à anarquia – não como sistema político-ideológico, mas como sinônimo de bagunça mesmo. Todavia, o país manteve-se tranqüilo, sereno, a Bolsa negociando a todo vapor, as prateleiras dos mercados abarrotadas de produtos os mais diversos, o dólar – ah, o dólar... –em queda continuada, pasmem, uma queda sem fim, a ponto de irritar e preocupar e até mesmo prejudicar alguns setores da economia. Para quem, como eu, tem mais de 50 anos, não deixou de ser alvissareiro ver os quartéis e somente isso: ver, ver e nada ouvir como tanto se ouvia outrora por muito menos. Se bem que se usássemos um bom microfone direcional, ouviríamos incontáveis e justíssimos resmungos contra a contenção salarial e contra a não-reposição e modernização de equipamentos. Quem diria! Melhor ainda, as famosas vivandeiras de quartel parecem ter se aposentado todas. Devem estar a tomar chá toda tarde, falando mal de deus e o mundo e lamentando o passado já passado mesmo.

E mais: antes do ano terminar, esse mesmo governo responsável por “tudo isso que está aí”, anunciou que vai quitar, antecipadamente, nossa dívida com o famigerado FMI. É, há algo de novo no reino da Dinamarca.

A essa altura vocês já estão pensando que virei a camisa, deixei de ser o tucano que nunca fui de fato para ser o petista que fui ainda menos. Bobagem, nada disso. Apenas resolvi pensar com calma enquanto me esfalfava no sítio, enxada na mão, bolhas estouradas também, ouvindo tico-ticos e sabiás e outros pássaros que não recordo ou não conheço. Se de pensar morreu um burro é um dito verdadeiro, já há, no mínimo, controvérsia, posto que eu mesmo sobrevivi ao processo de pensar, como vocês estão vendo. E enquanto labutava ao cabo da enxada sob o olhar ora admirado, ora debochado, ora piedoso das vacas, essas coisas todas foram desfilando pela minha cabeça.

Já estou acostumado, pois sou brasileiro, a nunca desistir. Eu sou assim: não desisto nunca de esperar um ano melhor, de esperar um governo melhor. Sou um brasileiro legítimo, com meus sangues italiano, caboclo e índio (o índio redundando, já que o caboclo tem, até por definição histórica, sangue índio em sua formação, e às vezes sangue negro também), um sujeito eternamente decepcionado com o atual governo e eternamente esperançoso no próximo.

No decorrer desses anos de vida consciente da política e seus descaminhos, habituei-me a caçar aqui e ali migalhas com algum sabor em meio ao lixo de praxe e, a partir dessas miseras migalhas, sonhar banquetes inenarráveis.

E foi isso que fiz. Peguei uma migalha de Palocci – da parte boa, aquela que parece séria e dedicada – e juntei com uma migalha do Amorim. Minúscula, catada à custa de muito sacrifício em meio a um monte de abobrinhas terceiro e quarto-mundistas. Parece que essa migalha... hummmmm... olhando com a lupa vejo que essa migalha veio de Hong-Kong, da discussão sobre comércio e subsídios. Ok, juntei e reservei. Ah, Roberto Rodrigues e Furlan, puxa, quantas fatias inteiras desses dois! Dava pra escolher, mas o melhor foi pegar todas e reservar também. E, curioso, todas as fatias rodriguianas e furlanescas vieram envolvidas em papel de presente verde, verde-dólar. ... ... ... ... Hummmmmm... deixa ver... hummm... não, não presta (era uma migalha de ótima aparência mas, vista sob a lupa, revelou-se de má catadura, tinha até marcas de golpes que pareciam feitos por bengala, mas isso é bobagem, quem vai usar bengala pra bater em alguém hoje em dia?). Vi uma migalha verde, toda decorada com folhas, flores e miçangas, parecia uma coisa bem legal, mas quando peguei-a, tinha por baixo uma tal de transposição mal explicada, mal arrumada; era uma migalha podre, joguei-a de volta no lixo não-reciclável. Junto com ela, para o mesmo lixo, foi todo o resto do pacote.

Acabou, não achei nada mais que prestasse. Penso, contudo, que dá pra fazer uma festa com essas míseras migalhas em mãos, mais as generosas fatias dos dois citados. Não enxergo lautos banquetes no horizonte, mas essa economia, essa agricultura, essas exportações, essas coisas juntas permitem sonhar com um banquetinho. Já é alguma coisa, né?

Há muito mais coisas para retrospectar, mas, com certeza, esse negócio de política tem forte impacto sobre todas as outras, acaba meio que esgotando os retrospectos.


.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Feliz Natal!

.


“...And I think to myself, what a wonderful world...”

Eu estava quase desistindo. Já fizera inúmeras tentativas de escrever algo decentemente positivo desejando boas festas e coisa e tal. Por conta de um mistério da natureza, no meio do caminho a realidade insidiosa se apossava de meus dedos e a digitação dava ao texto outro rumo, outro sentido.

Mas nada como deixar o tempo passar e os sentimentos se manifestarem, além de uma leitura aqui, uma conversa lá, um telefonema para um amigo. Parece que tudo clareia e algumas verdades ficam mais nítidas.

E essa é a maior delas: esse é um mundo maravilhoso e esse país também o é. Apesar de tudo, apesar de “tudo isso que está aí”.

Mais uma vez estamos às vésperas de um novo ano, mais uma vez tudo que nos resta é a esperança que o próximo seja melhor que esse, pois, a cada dia, semana, mês, a cada novo ano, mais forte fica a sensação que a real felicidade nunca é de um ou de meia-dúzia. Quanto mais gente ao nosso redor for feliz, mais felizes seremos todos.

Então, pessoas de quem eu gosto tanto, que são tão importantes para mim, um bom Natal e um 2006 bom o bastante para que, daqui a um ano e alguns dias, vocês olhem para trás e possam dizer, com satisfação:

Esse foi um bom ano.


Emerson


P.s.: Obrigado, Nelsinho, trabalhando nessas festas aí no meio do imenso mar azul, numa plataforma de petróleo, pela inspiração desse texto.




.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Tempos interessantes

.

- Que você e seus filhos e os filhos de seus filhos vivam tempos interessantes.

Era assim, sob a aparência de uma suposta gentileza, que os chineses desejavam o pior para os seus piores inimigos. Pois não há nada mais tenebroso que vivermos em tempos ditos interessantes. Como esses que vivemos.

Quando penso nisso, entendo porque gosto tanto de ver as vacas e as bezerras todo fim de tarde, começo de noite. Lá estão elas, barrigas, barriguinhas e barrigonas cheias, ruminando, pensando em nada que é a melhor coisa que existe. Esse negócio de “pensar na vida” só serve para atrapalhar a digestão, seja de capim, seja de lagosta (é verdade, sim, que os ricos também sofrem; geralmente, por motivos idênticos aos nossos, o que muda é a escala dos valores). Às vacas e aos animais de maneira geral, só interessa a doce rotina, sem sobressaltos, sem desvios, sem nada interessante acontecendo. Ou, quando muito, o passeio de um cachorro ou de uma gata, ou a presença não-agressiva de um macaco sem pelos, apenas olhando para elas. Esses eventos tão desinteressantes são o máximo que aceitam em termos de eventos interessantes. A quebra da rotina é estressante e improdutiva, como elas sabem. E como os chineses sabiam.

Esse ano que ora termina foi muito interessante. Se pensarmos politicamente, foi um dos mais interessantes de toda a história republicana. Foi o ano em que vimos a calhordice tomar conta da administração brasileira de ponta a ponta. De presidente a assessores obscuros, a tônica foi uma e somente uma. Nesse momento, 2006 me assusta um pouco, afinal, tudo é possível, como provaram bin Laden e seus assassinos, como provaram lulla da Silva e seus ministros e parlamentares. Perderam-se de vista os limites mínimos da decência. E mesmo no país onde me acostumei a enxergar exemplos de democracia e respeito às leis, o presidente assume, sem vergonha e sem-vergonha, a escuta e gravação ilegal de telefonemas, bem como a leitura de e-mails, tudo sob o manto conveniente e mistificador do combate ao terrorismo. Não por acaso, ao contrário do que se imaginava antes, lulla da Silva e George Walker dão-se muito, muito bem. Definitivamente, são farinha do mesmo saco estragado. Farinha putrefata que só serve aos vermes e bactérias, pois dela sequer os ratos se aproximam.

Curiosamente, ao começar a escrever pensava em uma mensagem otimista de Natal e Ano Novo. Deixei-me levar pela realidade que se insinuou e conduziu meus dedos pelo teclado. Agora, perdi o pique. Lulla da Silva e George W Bush estragaram meu texto. Lamento. Mais tarde pensarei em algo positivo. Talvez consiga.

(Em tempo: esse último lulla apareceu com o L maiúsculo por culpa do word, que, automaticamente, inicia toda frase com letra maiúscula; eu aboli o uso de maiúscula nesse nome por não julgá-lo digno de tal mimo; mas preservo no Silva, porque trocentos milhões de honestos e dignos Silvas nada têm a ver com o Silva presidente.)


.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Problemas...



Ter um sítio acarreta um monte de problemas e dissabores. Três dos piores são a gente ficar longe, voltar para a cidade e deixar para trás os animais quando volta para a cidade.

As gatinhas sentem bastante a nossa ausência. Em todo fim-de-semana temos que reconquistá-las, conquistar, novamente, sua confiança. Claro, é uma tarefa cada vez menos difícil, mas já poderiam estar plenamente integradas à nossa vida se vivêssemos no sítio.

A Sophia já não tem muita frescura com relação a isso, e já anda insistindo em dormir na nossa cama. Sem chance, por enquanto, afinal, ela antes precisa de uma limpeza e, mais importante, uma aplicação de pulguicida, claro.

Tampouco gosto de me afastar das bezerras e das vacas que, por um motivo ou outro, precisam de algum tratamento. Acho que minha vocação é maior para criador de gado do que para produtor.


Minha aposta na raça Jersey parece estar se revelando acertada. Há demanda para os touros, mas eu não quero vendê-los. Nesse ponto, estou contrariando a orientação do veterinário que dá assistência ao sítio e já recomendou a venda do Safári. Racionalmente, ele está correto, afinal, o Safári já tem uma certa idade, já apresentou dois probleminhas que poderão repetir-se no futuro e eu já tenho algumas filhas dele no rebanho.


Entretanto, posso ter mais algumas, pois ele é, sabidamente, um touro de excelente qualidade, gerador de ótimas filhas tanto em conformação racial como, principalmente, na produção de leite. O eventual dinheiro de sua venda não vai resolver meus problemas, embora amenize um pouco. Além disso, muito provavelmente seu comprador vai me perturbar com pedido de abatimento no preço porque ele é um touro já meio erado (meio velho), o que vai me deixar meio avexado (apoquentado). Portanto, acho que vou manter o Safári comigo. Mas esta não é a decisão correta, bem sei.

.

Graciosa amochada

Graciosa vai bem, obrigado.
Dias atrás, o Zé Roberto fez o seu amochamento com ferro quente.

Logo após, e durante vários dias, até a cicatrização, passamos ungüento e sobre ele aspergimos um mata-bicheiras, daí a cor azulada.

Eu gosto de gado naturalmente mocho, mas é difícil em raças antigas e estabelecidas aparecer animal naturalmente mocho. E gado com chifre é complicado, ainda mais se leiteiro, onde vários animais convivem diariamente, mais de uma vez por dia, em espaços reduzidos.
.

Sesta na cesta


Ela demorou pra se ajeitar.
Seu irmão e suas irmãs se ajeitaram, ela não.

Procurou, procurou... e achou.

A pequena cesta com uma toalha de crochê virou cama e abrigo.

A sesta na cesta...



E que bocão de sono!

.

Havia esperança na angústia

Faço tudo errado, vou digitando palavras de um texto que se pretende (ia) sério, mas mantenho a televisão ligada, mostrando o passeio do time do São Paulo pela cidade, anestesiando minhas dores e amortecendo sentimentos outros que não o prazer fugaz de uma vitória no futebol. Coisa de pobre mesmo. Pior, coisa de alienado. Mas, quem se importa?

“Havia esperança na angústia.”

Essa frase, pinçada da crônica do Jabor de hoje, a cinco dias do Natal de 2005, ocupa meu pensamento desde que a li um pouco mais cedo. Na crônica, ela se refere aos anos 60, mas eu a vivi nos anos 70. Embora duros, pesados, perigosos, angustiantes mesmo, a esperança de um mundo melhor e mais gostoso para viver tomava conta da gente, era o sonho sonhado acordado e sonhado também à noite. Hoje, a angústia vive sozinha em nossos corações.

Um surto de saudade me toma e dá vontade de complementar essa frase anterior, dizendo que a angústia, dialeticamente, perdeu sua antítese, a esperança, configurando um quadro impossível, criando um vácuo que não pode existir, e que será preenchido pelo caos. Muito de tolice, um pouco de razão.

Mesmo antes do 9/11 já vivíamos desesperançados. Consumir mais e vencer sempre já eram os focos de vida dominantes. E há uma impossibilidade física, até, em ambos. Esqueçamos a metafísica – aliás, há muito não vejo tal palavra nos jornais e na internet acho que nunca a vi... por que será? – e fiquemos pelo mundo real mesmo. Não dá pra só ganhar, não dá pra consumir e só consumir. Há limites e há, ao mesmo tempo, um grande vazio. Porque, ao fim e ao cabo, findo o consumo e passada a vitória, o que resta é um vazio imenso.

O que é pior é que muita gente tem preenchido esse vazio com Alá, com Deus, em suas versões mais punitivas, mais cruéis.

Faz muita falta a esperança.


.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Palavras de outrora


Gosto de escrever, sobretudo quando surge a oportunidade para usar uma palavra não mais usada, esquecida nos fundos dos baús mentais. Como essa “sobretudo”, por exemplo, logo aí atrás. Confesse, há quanto tempo você não ouve alguém falar “sobretudo”? E “mormente”, seu sinônimo? É bem verdade que mormente já é uma palavra de outras eras, tempos distantes, há muito vividos e hoje sequer lembrados. Algo assim como aquela inflação de 80% ao mês, lembram? Não? Pois é, quase ninguém mais lembra.

Quando criança, tínhamos nossas brincadeiras de rua, como esconde-esconde (é verdade, brincava-se nas ruas, sem os olhares atentos e censores de pais, mães e adultos diversos, agregados ou não) e na hora de escolher quem faria o que, quem ficaria onde, quem iria procurar os escondidos, a chave era gritar - “Chiniqueiro!” O autor do grito escondia uma pedrinha ou palito numa das mãos, e apresentava-as ao primeiro – ao primeirão, pois depois do chiniqueiro, o grito seguinte era “Primeirão!” - significando que seu autor era o primeiro a bater na mão do chiniqueiro e isso, geralmente, significava ficar livre do castigo que era procurar o pessoal, correndo o risco de um espertinho qualquer sair correndo de seu esconderijo até a lata, dar-lhe portentoso chute, salvando a todos e obrigando o coitado a seguir procurando mais uma rodada.

Guris ainda, tínhamos regras que eram respeitadas. Ética, para nós, naquela longíngua idade, era palavra desconhecida, mas rotina de vida. Desrespeitar o chiniqueiro ou o primeirão era tão impensável como desafiar o pai ou xingar a mãe, eram coisas que não faziam parte de nossos universos teóricos. Se naquela época ética era desconhecida, mas praticada, dá-se hoje o contrário: muitos falam dela e muitos mais ignoram-na solenemente, sobretudo (epa! – olha ela aqui novamente, e agora melhor colocada, melhor inserida no contexto – por sinal, essa é uma expressão do tempo em que sobretudo era usado, tanto nos textos e conversas como nas ruas da garoenta e fria São Paulo) quando investidos de altos cargos. Há até uma lei a respeito: quanto mais alto o cargo, menor o respeito à ética. E essa é uma daquelas leis que “pegaram”. Coisa que me deixa encafifado: leis que pegam e leis que não pegam. Mas, tal como o verbo encafifar, é melhor passar ao largo desse tema hoje.

Enfim, devo ser um cara muito chato e bitolado, pois só falo sobre os mesmos assuntos: política e futebol, e, no interior, vacas e capins. Felizmente, nesse texto consegui escapar do futebol, mas, viciado, resvalei, esbarrei, bati de frente com a maledeta política. E isso, logo depois de lauto almoço, seguido por generosa colher de sopa de doce-de-leite de leite condensado, é garantia de indigestão.

Meus sais, por favor!


P.s.: pelo menos a 1ª edição do Houaiss, não apresenta chiniqueiro e encafifar entre seus vocábulos.


.

domingo, dezembro 11, 2005

Golpe! E viva o Paraguai!


Aviso aos navegantes: nada a ver uma coisa com outra, são distintas e assim serão abordadas a seguir.

Golpe!

Esse presidente tem o dom de estragar meus sagrados processos digestivos. Não o considero burro, longe disso, muito longe disso. Ele é inteligente, embora ignorante de montanhas de coisas. É um sujeito com uma nítida afeição ao poder e às facilidades dele emanadas. Viver com o poder, seja numa turma de rua, numa gangue, num sindicato ou na presidência de uma república, é muito mais fácil e muito menos trabalhoso e oneroso do que viver sem ele, tendo de batalhar duramente pela simples sobrevivência.

O que mais me faz mal nesse elemento e em seus acólitos, é a desfaçatez com que praticam hoje o que criticavam no passado, e criticam hoje o que praticavam no passado. Com dois agravantes: rouba-se hoje como nunca se roubou antes, às claras, às escâncaras. E governa-se, ou melhor, “governa-se” muito pior do que antes. Basta ver a média de valores investidos, que nesse governo consegue ser pior que a média do governo Figueiredo, em meio a crises políticas e econômicas, tanto dentro como fora da Terra de Vera Cruz. É um governo ridículo. Infelizmente, para todos nós.

No quesito “críticas”, os membros do “partido da boquinha” foram e são insuperáveis. Bloquearam, praticamente, as mais importantes medidas tentadas pelo governo Fernando Henrique. Encamparam uma das mais grotescas campanhas orquestradas contra um governo democrático e democraticamente eleito, pregando o “Fora FHC”. Esses mesmos sujeitos vêm a público hoje apoiar a declaração do presidente: “A oposição é golpista” – ah! Voltaram a permitir a entrada de bebidas no palácio? Mas não, esse tipo de declaração não é fruto da insanidade temporária causada pelo álcool, é, sim, fruto do cinismo e da arrogância com que essa gente nos trata.

Nunca, nem nos piores pesadelos, imaginei que pudéssemos ter algo como “isso tudo que está aí”, alguém como o elemento que ocupa o Palácio do Planalto, gente como esses ministros da república, cercados pelas mais escabrosas histórias e, vemos agora, pelos mais escabrosos fatos de nossa história republicana. O “mar de lama” que levou Getulio à morte é um copo de leite puro comparado ao que rola hoje.

Mas não se enganem, o real símbolo desse partido no poder e o real símbolo do Brasil de hoje não é lulla da Silva, é delúbio. E, golpistas, e outras coisas, são eles. Não a oposição.


Viva o Paraguai!

Regredimos.

Voltamos no tempo.

Não só o Brasil, mas, nessa corrida em marcha à ré, a Venezuela está muitos corpos à nossa frente. O recente episódio eleitoral é um fato marcante na história não só dessa pobre Latino América, como também na história da humanidade. E isso não é exagero. Temos uma república com um histórico de mais de um século de eleições, em que 75% dos eleitores deixam de comparecer às urnas. Os partidos de oposição retiram-se do processo eleitoral, viciado, conspurcado, destruído pelos donos do poder. E o partido no poder elege 100% dos representantes. Sinceramente, fico com a impressão que a União Soviética era mais democrática, pelo simples fato das lutas internas no PCUS serem intensas e brutais, até. Enfim, sempre era um simulacro pequeno e fugidio de democracia. Na Venezuela de hoje nem isso acontece, vale apenas a vontade única e soberana de Chávez.

E foi esse indivíduo que a Argentina de Kirchner, outro bufão, e o Brasil de lulla tentam trazer para dentro do moribundo Mercosul. Felizmente, de onde menos se esperava, surgiu um sopro de razão, de inteligência, de visão geopolítica: o Paraguai vetou, na prática, o ingresso de Chávez no Mercosul. O bufão da beira do Caribe teve de contentar-se com o rótulo de “membro em processo de adesão”.

Enquanto isso acontece por aqui, o resto do mundo cresce, o México explode, mesmo que ainda longe da China e da, pasmem, Índia.

E nós, como diz a letra (não vou adjetivá-la, pode dar cadeia) do hino, seguimos “deitados em berço esplêndido”.

Parece ser nosso destino.


.

Como está fácil reclamar!

Motivos não faltam, pelo contrário, abundam. Existem em profusão. A procura é inútil, pois não há necessidade de busca: uma simples vista d’olhos ao redor é o que basta. Nessa pequena ação, quase uma inação, já encontraremos um motivo aqui, outro acolá.

A reclamação começa pelo mais alto escalão republicano: nada e ninguém é mais fácil para ser criticado do que o presidente de plantão. Como isso, por sinal, já ficou batido – eu mesmo já reclamo das reclamações contra o presidente por óbvias demais da conta -, o melhor é passar para o escalão logo abaixo. Ah... qual é? Fala sério! Há um monte de ministros, coisa aí pra mais de metro e meio, pra mais de trinta, acho que 35. Que me lembre, nem a antiga União Soviética com suas trocentas “repúblicas”, quase 300 milhões de almas e mais de 22 milhões de quilômetros quadrados, tinha tantos ministros. E esses aqui, tirando três (dois quais um não tem caráter), se juntar todos bem juntados, bem coladinhos, ainda assim não dá um ministrinho dos bons de antigamente. Quando e quem? Sei lá, essa pergunta é chata porque é muito difícil de responder. Há gente que diz e jura de pés juntos que já tivemos, sim, bons ministros. Os exagerados, como eu, chegam a usar o plural, inclusive.

Reclamar dos burocratas federais é fácil e obrigatório.
Reclamar dos burocratas estaduais é mais fácil e mais obrigatório.
Reclamar dos burocratas municipais é absurdamente fácil e tão necessário como o ar que respiramos.

Porque a burocracia, o braço executivo do Estado, é o maior inimigo do ser humano. Um inimigo necessário à nossa sobrevivência, mas inimigo. Mas o burocrata não se enxerga como tal. Aliás, em nenhum momento nenhum burocrata se enxerga como o que realmente é: um servidor do indivíduo, palavra que prefiro à cidadão (o Word me diz que essa crase está errada, mas ela está correta, pois o vocábulo “palavra” está oculto; desculpem o pedantismo, mas acho que esses textos assim, descompromissados, aceitam colocações como essa), pois, usada em excesso por gente que revelou-se despida dos pontos básicos da – vá lá – cidadania, perdeu seu sentido e ficou conspurcada. Uma pena, sem dúvida. E, realmente, me desgosta usar esse vocábulo depois de vê-lo (ouvi-lo) em bocas célebres de próceres do partido no poder.

Cruzes! Está certo que comecei a escrever essas coisas ontem, sábado, meio chateado por estar em São Paulo e não no Rio ou no sítio, mas hoje é domingo, já choveu, agora garoa, a temperatura está como deveria ser sempre a temperatura: civilizada; poxa, com tudo isso a favor, e mais um belo café-da-manhã já saboreado, porque ficar escrevendo sobre essas coisas e essas gentes? Ainda que às gentes refira-me apenas em passant e sem citações nominais, em respeito ao domingo de cada um e de todos. Vejo, satisfeito, que não perdi de todo o pouco de educação e elegância que adquiri ao longo da vida.

Bem, como disse, está fácil reclamar. Principalmente porque ao olhar à volta, a gente olha nossos semelhantes e, querendo ou não, gostando ou não, olhamo-nos também, nem que como reflexo dos outros ou de um eventual espelho. E reclamar, mesmo, devemos reclamar é de nós mesmos. E basta para um domingão matinal.


.

sábado, dezembro 10, 2005

A salvação da juçara


A juçara é uma bela palmeira, nativa e abundante nas matas de todo o Brasil Oriental, de norte a sul. Era, porque não é mais. Sua sobrevivência, assim como a da Mata Atlântica, está seriamente ameaçada. A palmeira por um simples motivo: a qualidade de seu palmito. A Mata, por ene outros motivos, que podem ser resumidos em excesso de gente. O palmito da juçara é macio, saboroso, bom de ser comido puro, sem mais nada, sequer um santo azeite do Mediterrâneo, combinação geograficamente estranha, sem dúvida, mas de sabor absolutamente marcante. Não é à toa que diz o povo, sabiamente, que o que é bom, dura pouco. Se bobearmos, a juçara não dura muito mais tempo. Sua plantação comercial não é interessante, pois seu desenvolvimento é lento. Além disso, precisa da sombra abundante e generosa da mata, precisa da umidade e da fertilidade do solo das matas. E matas, hoje em dia, de abundante mesmo só essa forma verbal da segunda pessoa do presente do verbo matar.

Depois de falar do negativo, vamos falar do positivo. Técnica meio besta essa, mas deve ter seu valor, afinal, um monte de gente bem sucedida nas artes da escrita se utiliza dela. Por que não eu?

Alguns anos atrás, Santa Rita do Passa Quatro foi tomada pela febre da palmeira real australiana. Mais uma febre a invadir a agricultura brasileira e a enfeitiçar seus praticantes, comumente chamados de fazendeiros e não de agricultores. O ideário popular tupiniquim não concebe o fazendeiro como um trabalhador, enxerga-o apenas como o sinhozinho refestelado em eterna rede. De volta aos agricultores, enfeitiçados porque estão todos eles sempre correndo atrás de alguma lavoura, alguma criação, que lhes dê algum retorno significativo o bastante para garantir um upgrade no seu módulo de transporte individual/familiar, passando de uma Brasília 84 meia-boca para uma Belina 89 enxutinha. Isso em pleno 2005, bem entendido.

Por essas terras do sul brasileiro, do Rio Grande até o Rio Uruguai, muito se falou e mais ainda se sonhou com a tal palmeira. Muitas plantações foram feitas. Maravilhas foram ditas nas tevês, escritas nos jornais, revistas e suplementos, faladas em reuniões e dias de campo. Toda nova cultura ou criação, como a avestruz, é uma coisa curiosa: só tem vantagens, é como morar numa cidade que só tem descida, nenhuma subida. Uma beleza. Até que a vida real, meio ausente nessas horas do bem-bom, se apresenta e ocupa seu lugar de costume, meio madrasta como de hábito. Sonhos se desfazem, vidas se acabam e tudo segue em seu ritmo normal.

Naturalmente, muita gente plantou a palmeira real australiana em Santa Rita do Passa Quatro. E um bocado de palmeiras já foi pro beleléu, ou pra cucuia, por conta de não ter comprador ou pelo custo inviável do transporte. Uma pena, embora um tanto quanto previsível. Em Santa Catarina, porém, a história se desenrolou de forma um tanto diferente. Talvez pela maior tradição e presença cooperativista, as plantações foram feitas em muitas pequenas propriedades e indústrias também pequenas foram montadas no entorno das lavouras (entorno dá um ar tecnocrático para esse texto, né?). Distâncias pequenas, custos idem. As palmeiras deram-se bem em algumas partes do planalto e na planície litorânea barriga-verde. Como resultado, voltando ao começo, no sábado de manhã lá estava eu em altas conversas com o Wagner, o agrônomo que dá assistência ao Sítio, quando chegou um senhor com dois potes de palmito, um pro Wagner e outro pro Serginho, seu sócio e nosso veterinário. Entregou, recebeu e eu, curioso, perguntei o que era aquilo, além de ser um evidente monte de toletes de palmito.

- É palmito australiano.
- Australiano? – perguntei e já emendei (sou um cara sabido): Ah, da palmeira real australiana?
- Isso mesmo.
- E é daqui?
- Não, esse eu recebo de Santa Catarina, e vendo aqui pra gente ir criando o mercado, né?
- Ah, tá certo, boa idéia essa. E é bom esse palmito?
- O senhor nunca experimentou?
... ... hehehehe...
- Não, nunca. Mas já provei palmito de babaçu, de buriti e uns meses atrás provei o de macaúba, lá do sítio mesmo. E, sinceramente, bom mesmo é o da juçara e depois o da pupunha e o de açaí (sem dúvida, um bom palmito).
- Ah, mas esse daqui é bom demais, tem que comer pra ver.

Como aqui em casa todo mundo adora palmito, resolvi comprar um pote. Sete reais.

Provei-o, finalmente, ainda agorinha, pois ele foi nosso jantar de sábado, num bonito pastelão. Simplesmente maravilhoso. Nada fica a dever aos melhores palmitos de juçara. Nada, mesmo. Sobrou um tolete inteiro no pote, sobre o qual foi jogado um tantinho de azeite português... Uau! Se tivesse o pote cheio ali, tê-lo-ia comido inteiro. É bom demais.

Portanto, brasileiros e brasileiras, podem procurar pelo palmito “australiano”. Encontrando, comprem!

Povos das lavouras, plantem palmeiras reais australianas!

E vamos deixar as juçaras quietas e bonitas nas matas, produzindo coquinhos pras pacas comerem e semearem mais juçaras por toda parte.


.

Fora do mundo

Vagas recordações de dois anos de biologia, meia dúzia de leituras incompletas e, principalmente, cinco ou seis anos de doses semanais de E.R., deram-me razoável conhecimento medico e biológico. Na verdade, biológico e médico, afinal, a medicina nada mais é que um ramo, uma ferramenta, uma aplicação da biologia. Munido desse conhecimento e mais uma porção não desprezível de convencimento e auto-suficiência, entendo bem um papo médico e seus jargões. Disfunções, patologias, tromboses e termos assemelhados não me espantam, compreendo-os, avalio e concluo, o bastante para calar minha boca e guardar para mim mesmo o que ouvi, traduzi e entendi.

Tudo isso, entretanto, não me preparou para os acontecimentos, infaustos, dessa última segunda-feira. Que se prolongaram, sofridamente, pela terça, pela quarta e, nessa noite de sexta já entrando na manhã de sábado, atrevo-me a dizer que a coisa continua. O pior dela é sua incompreensibilidade para mim. Meus conhecimentos são parcos e inúteis, infinitamente mais vagos que minhas recordações biológicas.


- É grave?
- Olha, não vou enganar o senhor, é grave, sim; o sistema foi comprometido e vamos ter que abrir, além de explorar de fora ao máximo com os instrumentos de que dispomos.
- Mas não é possível, ele estava ótimo ontem a noite, nada aparentava...
- Eu entendo; é, essas coisas eu entendo, e entendo a velocidade delas em se instalarem e detonarem.
- Bom, então vai ter de abrir?
- Infelizmente.
- Ok, o que não tem remédio, remediado está, né? Mãos à obra.

E, com essa frase final, deixei meu computador na oficina (o pessoal gosta de chamar de laboratório, continuo achando que é oficina mesmo) e vim pra casa. Solitário, triste, carente, confesso que meio perdido. Desconectado do mundo e suas mudanças, incomunicável, ausente. De que adiantam as linhas telefônicas de casa, meu celular, o correio, a tv paga e as dezenas de canais? Ok, tem o jornal diário, mas sua função básica é alegrar e dar prazer maior ao meu café-da-manhã. Gosto de sentar à mesa, caneca de café-com-leite, pão com manteiga e o jornal aberto à minha frente, necessária e obrigatoriamente no caderno de esportes. Esse ritual é antigo. Se eu tenho hoje 51 anos, ele, ritual, tem lá seus bem cumpridos 42 ou 41 anos de vida. Claro, no começo não era assim, diário, até porque o jornal – se a memória não me falha – circulava de terça a domingo. Isso, de cara, me deixava sem a segunda-feira, mas como eu era garoto e pobre ainda por cima, só comprava o jornal aos domingos e um dia ou outro da semana, geralmente às quintas-feiras, afinal, jogava-se futebol nas noites de quarta, coisa que não mudou. Estabelecido na vida, casado, com endereço próprio e algum dinheiro, a primeira providência foi “virar” assinante. Grande passo, grande mudança de status. Comecei a me sentir, de fato, como “alguém” na vida. Desde então, mudou o caráter dos meus cafés-da-manhã, agora ilustrados e ampliados quase ao infinito pela presença do mundo na minha mesa, ao lado do pão e da manteiga (que já foi margarina, até perceber a tolice de comer margarina insossa ao invés da manteiga saborosa).

Com tudo isso, meu texto, pra variar, se perdeu no caminho. A muito custo me lembro que escrevia sobre o computador, ou melhor, sua ausência. E como nenhum outro meio, nenhum outro veículo consegue substituir a rede presente no computador. O meio é mais, muito mais que a mensagem.

E o que acontecera, afinal? Aparentemente, um grave conflito interno entre softwares de proteção. Pelo jeito, devoraram-se e devoraram seu protegido. Foi assim: na manhã de segunda-feira entrou na tela o aviso que a proteção do Norton expirara de vez. Estava abandonado e desprotegido perante as hordas invasoras que assolam a rede. Meio aborrecido com o Norton e a lentidão que ele provoca, pensei em instalar o AVG. Fui ao site e baixei sua última versão, com firewall e tudo, com direito a 30 dias de uso experimental. Oba!

De repente, não mais que de repente, a tela entrou em modo de segurança. E dele não mais saiu. Uma consulta telefônica levou-se à primeira descoberta: deveria ter desinstalado o Norton antes de instalar o AVG. E ao primeiro passo prático: desinstalei os dois, desinstalei tudo. O computador saiu do modo de segurança, é bem verdade, mas deixou de acessar a internet. Computador sem internet e xícara sem café são a mesma coisa, né? Coisas inúteis. Em resumo, foi isso que me levou à oficina, isso que me levou a ouvir o diagnóstico terrível, isso que me deixou fora do mundo por dois dias e meio. Claro, a oficina estava lotada. Claro, todo mundo quer seu computador funcionando pra ontem ou pra anteontem. Claro, todo mundo que tinha computador à frente do meu na oficina era cliente maior e mais assíduo (azar deles, oras!). Claro, o amigo do meu filho e fera em computador, estava viajando a serviço, longe das minhas perturbações costumeiras. Claro, portanto, que eu estava abandonado, triste, carente, incomunicável, etc e tal.

Na terça-feira, a noite chegando, feliz e satisfeito, retirei meu “Precioso”. Não cheguei ao ponto de acaricia-lo e ficar dizendo tolices para ele, mas faltou pouco (se você não sabe o porque desse “Precioso” é porque não leu ou não assistiu ao “O Senhor dos Anéis” e, sendo assim, nem adianta tentar explicar, para entender é preciso ler, ou assistir; mexa-se, na locadora perto de sua casa tem a série disponível para locação – ou “disponibilizada”, de acordo com a moderna linguagem burra e deselegante).

De volta ao lar, prestes a reentrar no mundo, começaram os problemas: não conseguia conexão, tinha de refazer todo o processo e instalar novamente os softwares de comunicação via banda-larga. E cadê os tais softwares? Apareceram, mas um dos cds não era lido ou era lido com problemas pelo novo sistema operacional. Ó, céus! Ó, vida! Ó, azar! Pois é, eu era o próprio Hardy naqueles momentos terríveis. Que viriam, muito breve, a se tornar dramáticos. (Hardy, a hiena, lembra? Companheiro de Lippy, o leão. Como não lembra? Em seu planeta não passava isso, cara-pálida? Tadinho...)

Conformado em ficar sem acesso à rede na noite triste da terça-feira, pensei em rever meus arquivos, reorganiza-los e tal e coisa. Vã ilusão. Meus arquivos, meus preciosos, maravilhosos (quem o feio ama, bonito lhe parece) arquivos, haviam sumido. Desaparecido. O backup do mecânico, o guri da oficina que operou meu micro) tinha sido incompleto ou coisa parecida. Pirei. Entrei em pânico controlado, aquele pânico que dá uma vontade louca de sair berrando e chorando e esmurrando mas que você, noblesse oblige, controla, mantém preso por trás de uma máscara de impassibilidade. Mas, por detrás da dita cuja, você está se desmanchando em ódio, tristeza e medo. Tudo justificável, afinal, meu último e único backup datava de dois anos e duas semanas. E, justamente nesse período sem backup minha produção, digamos, literária, tinha sido grande, produtiva e, no dizer de algumas generosas almas, de boa qualidade. O mundo, definitivamente, não podia ficar privado de tudo isso. Sim, mandei a modéstia às favas.

Quase não dormi de terça pra quarta. Noite terrível, noite de cão, dito popular, por sinal, incompreensível, pois os cães que conheço dormem maravilhosamente à noite. E, quando não dormem, latem, felizes da vida, em longos bate-bocas com outros insones. E os que querem manter-se à margem do bate-boca dormem profundamente, apesar do bate-boca. Se isso é noite de cão...

Quando o mecânico chegou à oficina lá estava eu, computador a tiracolo, olheiras, cansaço visível. Em poucos minutos estava reanimado. O backup estava lá. A “perca” fora pequena, nada muito significativo e 100% recuperável. Aleluia! Aleluia!

De volta à casa, consegui conexão. Fiquei mais de duas horas ao telefone com o pessoal de suporte técnico da companhia telefônica – que se chama Telefonica – e do provedor, mas, finalmente, no começo da tarde de quarta-feira eu era, novamente, um ser humano em sua plenitude, conectado ao mundo e à vida. E escrevendo tolices como essa última – “conectado ao mundo e à vida”.

E pensar que vocês gastaram tanto tempo lendo tudo isso pra chegar a essa frase final.

Sorry.

Ah, é verdade, tal como sucede depois de um grande terremoto e vem uma série de pequenos tremores, assim também está meu computador: de vez em quando tem uns peripaques, nada muito grave, apenas um pouco chatos. Mas dá pra ir levando e assim deixo a vida me levar.


.

domingo, dezembro 04, 2005

Nasce uma estrela

A mancha branca dominando a testa foi determinante: seu nome é Estrela.



Filha da Atrevida com o Safári, e irmã inteira de Mimosa, Estrela nasceu de 5a para 6a-feira. Sua chegada foi um bálsamo em vários sentidos, o mais importante, talvez, diminuir a dor provocada pela perda da Primavera. Um outro foi diminuir e até eliminar minha raiva com a atuação dos rapazes no sítio durante essa semana. Esse, aliás, é um tópico à parte, merecedor de toda uma Enciclopédia Britânica para uma análise inicial sobre como é duro, chato, irritante, desgastante e frustrante lidar com o Homo sapiens var. trabalhador rural. Os H. sapiens das muitas variedades urbanas também são complicadíssimos. Se levarmos em conta que os macacos sem pelo das variedades patronais são tais e quais, chegamos à conclusão, facílima, que esse é um bicho deveras complicado. E, dito isso, acho melhor mudar de assunto, pois a continuar nele é certo que serei obrigado a mastigar uma pastilha antiácida, coisa bem desnecessária numa bela manhã de domingo.

Se a Mimosa é muito difícil fotografar, dado o preto uniforme e brilhante que a recobre por completo, o mesmo não se pode dizer de sua recém-nascida irmã. Com a corzinha básica da raça Jersey e mais as manchas brancas na cara, rabo e virilhas, ela é bem fácil de ser fotografada. É, inclusive, fotogênica a danadinha. Sua chegada não foi de todo imprevista. Embora o parto estivesse marcado para o dia 6, eu mesmo duvidava um pouco e achava que só ocorreria em janeiro, pois a Atrevida não estava assim tão “chegada” nos últimos dias; “chegou” de repente e pariu. Mais uma vaca parindo dentro do intervalo de doze meses, meta de todo criador de gado, tida e havida como meio difícil, inda mais em vacas mestiças, como é o caso dela. Agora o próximo parto deve ser da Preta, previsto para o dia 1o de janeiro. Dela, já vieram dois machos, portanto, estatisticamente, já passou da hora de vir uma fêmea. E para manter a estatística como uma ciência verdadeira, sem enganação, a outra cria também deverá ser uma fêmea, pois aí atingiremos a média de 50% entre machos e fêmeas.

O curral está em petição de miséria, um lamaçal só, onde bosta e urina de vaca fazem parte do, digamos, piso afundável. Não precisava, claro, mas dei instruções para tirar as vacas de lá o máximo de tempo possível, dando o trato (alimento) no piquete ao lado, em terreno seco ou simplesmente úmido, em caso de chuva, mudando de lugar antes que crie lama. Coisa mais que óbvia, né, mas que precisa ser dita e falada e ordenada mais de uma vez. Bem, mais de duas vezes, até. Com isso, volto ao desagradável tema de que fugi no parágrafo dois, se não me engano, desse texto (o primeiro foi bem curtinho, eu sei, mas vale como um parágrafo, sim).

Se o curral dá nojo, das vacas não posso, felizmente, dizer o mesmo. Estão bonitas, em excelente estado. Mesmo as duas ou três Jersey que para mim estão magras e sentidas, estão em bom estado na visão do nosso veterinário. Bom, como ele realmente entende do riscado, não serei eu a contesta-lo. Mesmo assim, fui claro pro pessoal: tratem delas à parte e com mais carinho, digo, comida. Nada impede que elas fiquem melhor do que estão, né?

Essa é a terceira manhã do pós-parto da Atrevida. Ela ainda não “limpou” totalmente, o que é a primeira vez que acontece com uma vaca do sítio. Sintomaticamente, não dei para a Atrevida o remédio homeopático facilitador de parto. Falha imbecil de manejo e, pior, falha minha, exclusivamente. Mas uma conversa telefônica com o veterinário me sossegou. Nada preocupante, ainda, e por mais uns 3 dias, até, mesmo porque ela está comendo de hábito, ou seja, muitíssimo bem. Ufa! Esse é um evento extremamente comum no campo, tudo quanto é peão ou criador já diz de cara: “Ah, se não limpou aplica um ciosin nela”; pois é, mas, se é comum em toda parte, nunca tinha ocorrido no sítio, em mais de 20 partos já. Hummmmmm... Sem querer ser pretencioso, mas sendo, acho que isso diz alguma coisa sobre o jeito com que venho criando as vacas, mesmo pecando em algumas “coisinhas”.



Atrevida e Estrela já estão deitadas, esperando a chegada da noite, mais pra fria que pra fresca.

Atrevida está numa posição que corta o vento que vem do sul e do leste.
.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Vastidões

O sertão, o mar...


Gravei há tempos um episódio especial de CSI, dirigido pelo Tarantino. Tá aqui do lado, sequer mexi na fita, venho adiando o dia de assisti-lo, mas, na verdade, nem sei se vou fazer isso. Por que? Porque a história se desenvolve em torno do seqüestro de um dos personagens, que é mantido aprisionado num caixão. Sinistro, muito sinistro, e esse sinistro nada tem a ver com o uso moderno da palavra, pela rapaziada nas baladas. É o velho sentido mesmo, de tenebroso, assustador, arrepiante. Sou claustrofóbico, definitiva e completamente.

Gosto do sertão pela imensidão que apequena a gente ainda mais. Gosto da paisagem. Pode ser pequena, escondida logo adiante por uma montanha, alimentando uma permanente vontade de ir até o outro lado para ver o que tem por lá. Pode ser a paisagem do espigão onde cresci, o divisor de águas entre o Tietê e o Peixe, correndo no sentido do sol e abrindo um mundo sem fim sempre que olhava pra direita ou pra esquerda. Os altos de Santa Rita do Passa Quatro têm de tudo isso um pouco. Ora você está num vale e uma curva da estrada mais adiante, no contorno de uma montanha, revela um novo mundo pela frente. Ora você está no alto e o mundo inteiro se descortina em muitas direções.

Isso tudo é ainda maior no cerrado, nas grandes chapadas. É muito mais mundo pra olhar e você perdido nele. Há quem ache massacrante, há quem ache fascinante. É nesse time que eu jogo.

É assim, também, nos pampas. Uma lonjura imensa quebrada muito, muito distante, pela mancha escura de um capão de eucaliptos que esconde uma casa. Que protege a casa, é bem verdade, mas é como se a escondesse, para que casa nenhuma, obra nenhuma manchasse a vastidão dos campos. O pampa é um lugar para se andar a cavalo. Nem de carro e muito menos a pé. É do alto de um cavalo que temos a sensação sadia, mesmo que ilusória, de dominar a paisagem. Sem ele, somos dominados e a angústia se instala. O pampa pede um cavalo para o homem, porque só o cavalo com seu silêncio compreensivo dialoga com o homem que mais sente do que enxerga o pampa.

Se não gostasse tanto do campo, de vacas e de cavalos, de pegar fruta no pé e chupar na hora, de espantar uma perdiz de um touceirão de capim ou um teiú de seu banho de sol, de caminhar atrás de horizontes sempre mais adiante, um sucedendo o outro, eu viveria no mar. Talvez vivesse, como já sonhei viver muitas vezes, a bordo de um veleiro, ouvindo o vento e a água, fazendo festa ao avistar ou ouvir uma gaivota, um albatroz. Olhando em volta da crista de uma grande onda e enxergando o vazio aparente, só céu e mar a perder de vista, mar sem fim, céu sem fim. Talvez trabalhasse num grande cargueiro ou petroleiro, e ficaria horas e horas na ponte, olhando mar e céu, de dia e de noite, nas noites sem nuvens e sem bruma, o céu imenso que deve ser mais imenso ainda no meio do Pacífico, no meio do nada, no meio do tudo.

O mar é tudo.

O sertão é tudo.


E eu, definitivamente, sou claustrofóbico, sou “espaço-dependente”. E sou nada.


.