quinta-feira, julho 24, 2008

Do tempo de Cristo




Há algumas semanas esperávamos pelo jantar na casa do César e da Rose, nossos vizinhos de sítio, papeando, eu e Cesar, sobre futebol ou sobre vacas, meus assuntos prediletos, e agora também os dele. Conversa vai, conversa vem, veio uma bela salada de alface para a mesa. A Rose disse que aquela alface era ‘velha’, era alface plantada pela dona Terezinha, usando sementes que veio guardando ano após ano desde há muito tempo. Ao comer, reparei que o sabor era mais intenso, era um sabor que eu conhecia de outros tempos, o gosto de alface era mais pronunciado. De fato, estava comendo uma alface de outros e velhos tempos.

Lembrei-me, como sempre lembro, de uma passagem de “Fazenda Malabar”, hoje e sempre meu livro de cabeceira sobre ser agricultor e criador, escrito por Louis Bromfield, romancista e agricultor americano, que viveu toda a primeira metade do século XX e poucos, pouquíssimos anos da sua segunda metade. Mais de uma vez Bromfield fala de velhas variedades de frutas e vegetais, desenvolvidas muito antes dos modernos tempos das grandes cidades, grandes populações e grandes distâncias a serem percorridas pelos produtos que vão à mesa dos citadinos, exigindo a produção em larga escala, a baixo custo, de produtos desenvolvidos para suportarem transporte e armazenamento sem perda da qualidade aparente. Aparente, sim, pois nesses produtos, já naquela época, era mais importante uma boa aparência para os incautos consumidores urbanos do que, propriamente, qualidades como sabor e textura.

Já nos anos quarenta, quando “Fazenda Malabar” foi escrito, ou seja, há pouco mais de cinqüenta anos, o mercado consumidor começava orientar o produtor para receber produtos mais bonitos, mais vistosos, que antes de irem à boca enchessem os olhos, que por sua vez iriam cuidar de aguçar o desejo em nossos primitivos cérebros.

Os pêssegos estavam na linha de frente das frutas modificadas. Já eram grandes e bonitos, suculentos, sem dúvida, mas de sabor ausente ou quase nulo. As maçãs tampouco haviam escapado à sina do modernismo agrícola, e por essa rota podíamos seguir enumerando outros produtos. Uma coisa era certa: as maçãs Golden Delicious que os americanos comiam estavam a anos-luz da fruta que a serpente deu para Eva, segundo o relato bíblico.

Isso me leva a pensar: tinha tâmaras na Última Ceia?

É provável que sim, é bem provável, pois a tâmara era alimento de grande importância no Oriente Médio da época de Cristo. E aqui vem o porquê dessa crônica hoje.

Entre 1963 e 1965, arqueólogos descobriram diversas sementes numa escavação na fortaleza de Massada, às margens do Mar Morto, que foi destruído pelos romanos no ano 73 de nossa era. Em 2005, algumas das sementes foram identificadas como sendo de tâmaras e foram datadas pelo Carbono 14 como coletadas no período entre 200 a.C. e 25 d.C. São, portanto, sementes de uma tâmara que não mais existe há muitos séculos.

Três delas foram plantadas em vasos e uma germinou, dois mil anos depois de ter sido colhida.

É a planta cuja foto ilustra esse post. A partir de material genético retirado dela, pesquisadores descobriram que ela é diferente de todas as modernas tamareiras existentes. As mais parecidas são as cultivadas no Iraque, e as mais distantes em termos genéticos são, também, as mais distantes geograficamente, cultivadas no Marrocos.

Restam, ainda, alguns anos para essa tamareira atingir sua maturidade – bom, não deixa de ser meio divertido escrever isso sobre uma planta cuja semente já tinha 2.000 anos – e só então os pesquisadores saberão se essa planta é macho ou fêmea. Se for do sexo feminino, será menos difícil conseguir polinizar suas flores com pólen de tamareiras modernas, gerando frutos com características dos antigos, mas não exatamente iguais. O ideal, para a pesquisa, para o conhecimento e – por que não? – para o paladar e o mercado, seria o plantio das outras sementes, obtendo-se mais plantas, entre as quais, com certeza, machos e fêmeas, possibilitando a produção de frutos com dois mil anos de idade.

Possivelmente, frutos idênticos aos que foram consumidos na Última Ceia.

Mas...

Sempre há um ‘mas’, até para produzir tâmaras do tempo de Cristo.

A objeção, nesse caso, parece vir dos arqueólogos que, pelo que pude entender da matéria, não estariam muito dispostos a ceder outras sementes para plantio e precisariam ser convencidos da grandeza desse gesto. Várias grandezas, desde a biológica, agronômica e genética, até a gastronômica, sem falar do valor religioso.

Que “São” Indiana Jones ilumine as mentes dos arqueólogos guardiões das sementes.


Enquanto isso acontece em terras d’além-mar, em breve estarei na casa da dona Terezinha e do seu Alcindo, para uma visita, um café, uns ‘par’ de dedos de prosa e, quem sabe, meia dúzia de sementes de alface das antigas.



A horta do sítio, agora em processo de reconstrução, agradecerá.


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terça-feira, julho 22, 2008

Kazumba, Luar, Macaúbas & outras...

... fotos, textos e coisas da roça, no Sítio das Macaúbas.

Onde os dias continuam ensolarados e quentes, mas só ao sol, pois na sombra logo dá frio.
Se os dias são quentes, as noites têm sido ora frias, ora geladas.
Ótimo para as vacas, bezerros inclusive.
Pela manhã, com sete graus cravadinhos, fica difícil levantar do chão quentinho e começar o dia.






Kazumba, ganhando seu primeiro 'banho', minutos depois de vir ao mundo, na manhã de segunda-feira, dia 21 de julho.
Sua mãe é a Morena, filha da Malhada.
Seu pai é o Minuto, cada dia mais imponente e mais Jersey.





O beija-flor-tesoura, morador permanente do Macaúbas, na flor da eritrina, ou eritrina-candelabro, ou, ainda, mulungu.









Luar sobre o Macaúbas...
A cheia já começou a minguar, mas a Lua ainda é imponente, brilhante, iluminando as noites geladas.




Esse montinho embaixo da mangueira não é bem um montinho, é uma porção de capim tifton bem desenvolvido, bem bonito.
Como não foi comido pelas vacas?
Por que está tão grande e viçoso em meio ao rapado geral do restante?

Simples: algumas galinhas dormem nos galhos sobre ele, que recebe, noite após noite, boa carga de esterco que é o melhor adubo que o capim pode querer.
Como toda noite tem mais esterco fresco, as vacas vêm, cheiram e vão embora.
O capim fica, felizmente, pois vamos aproveitá-lo para fazer alguns replantios nas proximidades.






Eis um belo cacho de macaúbas.

O brilho vem da luz do Sol que está se pondo, uma luz dourada, que combina à perfeição com os pequenos cocos.

Logo mais eles estarão no ponto para as maritacas e tucanos comerem.







Florinda, em sua primeira entrada no Olhar Crônico.
Um olhar mais atento verá que ela está com sua pelagem de inverno, mais grossa e quente, necessária para as madrugadas na base de cinco a sete graus.



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quinta-feira, julho 10, 2008

Notícias do 5º e do 1º mundo – aqui mesmo




Formado com 5 tiros

A realidade brasileira é cruel, mas é também irônica e só não é unicamente cômica porque ela é, acima de tudo, trágica.

O soldado da polícia carioca que disparou alguns dos tiros que mataram o garoto João Roberto há alguns dias, na Tijuca, disparou 5 – cinco – tiros durante seu aprendizado. O curso tem a duração de oito meses, apenas, e, segundo alguns policiais, passa-se mais tempo marchando e estudando legislação do que em tarefas relacionadas ao trabalho policial propriamente dito.

Esqueçam tudo que se vê em filmes americanos. Nossa realidade é outra. Nada de disparar centenas de tiros em stands e em cenários simulados, para aprimorar a pontaria e os reflexos, diferenciando a velhinha de oitenta anos de bengala do traficante com um AK 47, não confundindo o garoto correndo atrás da bola com um ladrão de banco com uma 7.65 na mão correndo agachado. Esse tipo de coisa, entre nós, só mesmo nas telinhas dos filmes e séries americanos.

O policial brasileiro não sabe atirar. Não é só o governo carioca que não dá dinheiro para a compra de munição para treinamento. Isso é geral, de norte a sul, do Oiapoque ao Chuí. Um soldado deveria passar dois anos em aprendizado antes de ir para as ruas, na opinião de especialistas. Oito meses, como o caso citado, é exatamente um terço desse período.

Tudo isso sem falar nos salários dos policiais.

Despreparados, no mínimo, os dois policiais dispararam 16 tiros contra o carro em que estava a família de João Roberto.

Quem é mais criminoso? Quem disparou os tiros ou quem manda para as ruas pessoas armadas e dotadas de autoridade sem que tenham a menor condição, seja prática, seja psicológica, de usar uma arma?

Nesse ponto, somos, ainda, 5º mundo.




Segurança de 1º Mundo

O padrão de segurança aceito internacionalmente nos metrôs é de 1,5 ocorrência policial para cada milhão de passageiros. O Metrô de São Paulo atingiu esse índice no primeiro semestre desse ano.

Essa conquista é fruto do trabalho que vem sendo desenvolvido pela operadora do metrô e autoridades policiais nos últimos dez anos. Em 1998 foram registradas 6.500 ocorrências policiais, equivalentes a 9,7 por milhão de passageiros. O ano de 2007 fechou com 1.600 registros, que corresponderam a um índice de 1,9. A continuidade e aprimoramento do trabalho levaram ao índice de 1,5 no primeiro semestre. É bom frisar que no decorrer desses dez anos o número de estações e passageiros aumentou bastante.

Hoje, o maior problema nessa área são os furtos e roubos, que respondem por 48% das ocorrências. Esse tipo de atividade é facilitada pelo grande afluxo de pessoas nas estações-chave: Sé, Barra Funda, Tatuapé, República e Paraíso. Essas cinco estações concentram 42% das ocorrências, deixando o restante para as demais 53 estações do sistema de transporte metropolitano.

Entre as grandes vitórias do pessoal encarregado, está a virtual eliminação de brigas entre torcedores adversários em dias de jogos na Capital. Dias antes de jogos considerados críticos, o pessoal do Metrô e da polícia organiza um verdadeiro “esquema de guerra”, que inclui, além do reforço no policiamento, o monitoramento de sites de relacionamento, como o Orkut, em busca de informações sobre pontos de encontro ou mesmo marcação de brigas. Até mesmo os trens são controlados para que não se encontrem numa estação colocando frente a frente os adversários.

A última ocorrência grave envolvendo torcidas em estações do metrô paulista ocorreu em 2005. O resultado desse trabalho preventivo é considerado tão bom que o exemplo será apresentado em congressos internacionais.

De vez em quando é bom ter alguma coisa boa para melhorar nosso humor e mostrar que com vontade, planejamento e trabalho sério pode-se conseguir melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Até mesmo na área de segurança, mostrando-nos que muitas coisas do 1º mundo não são apenas sonhos impossíveis.



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quinta-feira, julho 03, 2008

Aleluia! Ingrid Bettancourt está livre



Essa era a notícia que milhões de pessoas em todo o mundo, não somente na Colômbia, aguardavam. Finalmente, depois de 6 anos de cativeiro em condições desumanas, a Senadora e candidata à presidência do país quando foi capturada pelos bandidos das chamadas FARCs, foi libertada por uma ação militar do exército colombiano com suporte de inteligência dos Estados Unidos.



O drama, porém, ainda não acabou. Outras 25 pessoas permanecem em poder dos bandidos, duas delas desde 1997, sendo 3 civis e 22 militares. Juntamente com a senadora, outros 14 reféns foram igualmente libertados.

Essa notícia alegrou meu final de noite, ontem, fui dormir com a alma mais leve.

Não sou colombiano, não sou parente de Ingrid, mas seu cativeiro atingia-me como ser humano e como alguém que acredita na democracia e nos direitos que devem contemplar todo ser humano. Abomino de forma particularmente intensa todos que, em nome dos direitos humanos, da justiça e da democracia, atacam, justamente, os direitos de outras pessoas, destroem a democracia e a justiça, ou fazem desta, quando no poder, uma caricatura trágica cujo objetivo é dar suporte formal a governos ditatoriais. São duplamente criminosos, assim como o é o policial que a sociedade paga para defendê-la e que adota a criminalidade como seu meio de vida.

Não chamo os bandidos das tais FARCs de guerrilheiros porque não o são. Não passam de meros bandidos, seqüestradores e traficantes de drogas. Chamá-los de guerrilheiros é conspurcar a memória de muitos que foram, efetivamente, combatentes em prol de um estado mais digno em muitos pontos do mundo. Que também cometeram erros e em diversos momentos fizeram tudo que condenavam nas forças que combatiam, mas nunca fizeram disso seu meio de vida e de luta, sua verdadeira razão de ser, como ocorre com os narcotraficantes e seqüestradores colombianos.

Mostrei a fotografia da felicíssima Ingrid hoje cedo para minha mulher e comentei o quanto ela envelheceu nesses seis anos de cativeiro, que ela própria descreveu como “Voltei de uma viagem à pré-história” – uma descrição sucinta e perfeita não só de seu tempo de sofrimento e privação da liberdade e confortos mínimos, inclusive higiênicos, como também do nível mental de seus captores.

Um 'detalhe': quando foi capturada, seu filho tinha 13 anos de idade. Hoje tem 20 anos. Quantas perdas...


O jornal de hoje foi um companheiro muito agradável no café da manhã.

Como há muito tempo não acontecia.



(A pane nos serviços de internet da Telefônica impediu a publicação desse post na manhã de 3 de julho. Depois de 21 horas sem internet, o que atrapalhou meu trabalho e obrigou-me à terrível tarefa de entrar numa agencia bancária, além de impedir parte do lazer do dia, espero que a Telefônica dê um desconto em meu próximo pagamento. É o mínimo que a companhia pode e deve fazer.)


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