quarta-feira, outubro 21, 2015

Chuva de presente com direito a efeitos especiais



A chuva chegou. Tarde, atrasada, em pleno dia 20 de outubro, mas chegou.

Depois de um setembro atípico, com 125,0 mm até o dia 13, parou de chover. Para o resto do mês já estava bom, afinal, outubro estava logo ali e com ele boas chuvas.

As previsões e as esperanças não se concretizaram. Essa chuva, com muita pirotecnia e efeitos sonoros assustadores, começou tão logo caiu a noite. Nesse momento, completávamos 37 longos e tenebrosos dias sem uma gota de chuva aqui no sítio. 

Novamente, não estaria tão ruim graças às chuvas de setembro, mas o calor foi excessivo, absurdo, por toda parte. Há poucos dias, o Rio de Janeiro registrou 43,8 graus centígrados, o terceiro dia mais quente em 100 anos. Nesse mesmo dia, tivemos aqui assustadores 40,0 graus. 


Como tudo que está ruim pode ficar ainda pior, os ventos dos últimos dias secaram tudo que ainda restava de umidade nas camadas superiores do solo. Ventos secos, quentes, provocando enorme desconforto, fisicamente depressores e espiritualmente deprimentes.

Muitos vizinhos plantaram milho para produzir silagem logo no início do mês, alguns, corajosos, até no final de setembro. As previsões dos institutos prometiam chuvas dentro dos primeiros dez dias do mês. Não vieram. 
O milho nasceu bonito, vistoso e encheu a todos de esperança. 
Sem chuvas e com as altas temperaturas, a lavoura começou a sentir. 
Pelas manhãs, nas primeiras horas de cada dia, as pequenas plantas estavam viçosas, as folhas brilhando ao Sol. Já no meio do dia, porém, o cenário mudava e ao começar a tarde, o viço já estava perdido e as plantas murchavam. 
No dia seguinte, porém, novamente amanheciam bonitas, novamente davam esperança, para logo depois definharem. 
Enquanto as plantas se recuperam, a lavoura está viva e é viável, mas, chega um momento em que elas amanhecem murchas. 
É o triste sinal de que a lavoura está morta, não tem mais salvação, um novo plantio precisa ser feito. 
Novas despesas, grandes prejuízos.


Vivemos nosso drama aqui no sítio na mesma linha. 
Os piquetes de capins Mombaça e Tanzânia começaram a crescer com as chuvas de setembro. Já sem comida, tomei a decisão de soltar as vacas nos piquetes, economizando dinheiro e, principalmente, economizando feno. 
Porque, finalmente, o feno de nosso fornecedor acabara. 
Porque também lá o capim que era para ser fenado... acabara.


As vacas entraram em piquetes com um terço ou menos da altura ideal para pastejo. Para aumentar a oferta de comida, abrimos dois piquetes por noite ao invés de um.
Assim se passarem cerca de 10 dias, quando novamente bateu o desespero da falta de comida e a corrida ao feno.


À espera dessas chuvas fiz uma loucura necessária, loucura financeira, bem entendido, e comprei adubos. Desde ontem (agora anteontem) estamos adubando os piquetes, confiantes que com alguma sorte choveria amanhã, que já é hoje, e depois de amanhã, ou simplesmente amanhã.  

A chuva nos surpreendeu agradavelmente e chegou hoje, na verdade ontem, como vocês entenderão logo mais.

Durante a noite a luz piscou uma, duas, três vezes, e já num horário bem adiantado as piscadas se somaram aos relâmpagos cada vez mais fortes e com menor intervalo entre um e outro. 
Parecia claro, tinha  toda a pinta que a luz cairia de vez. 

Coloquei uma camiseta já usada, calção, uma blusa sobre a camiseta apesar do calor (para prevenir nova safra de dores dos músculos próximos aos pulmões) e calcei a bota de cano longo, sem meia, só de calção. 
Chique. 
Jeito de modelo, mas não me convidem para o ridículo desfile com o pessoal se trocando em frente ao público. Tô fora.


Fui para o barracão da ordenha para desligar o tanque de refrigeração na tomada, mas a temperatura do leite estava alta, com 4,7 graus, próximo de iniciar um novo ciclo de resfriamento até levar o leite a 2,9 graus.
Cocei a cabeça, pensei e liguei o tanque no manual – agitador e refrigerador. Para passar o tempo fui ver o pluviômetro e as vacas.
O pluviômetro só não foi decepcionante porque já esperava mesmo pouco volume de água – apenas 2,5 mm. Joguei fora essa água e deixei-o zerado. Barulho demais, chuva de menos. Vamos ver amanhã.

O lote das Jersey estava na pista de alimentação, sob o abrigo do teto. No cocho mais nada, já tinham comido todo o feno. 
Os olhares compridos e pidões me deixaram com dó e passei alguns minutos desfiando e colocando mais feno, ao qual se atiraram com uma vontade que, para vacas leiteiras, pode ser chamada de voracidade.

Ao voltar para o barracão a temperatura do leite já estava em 0,9 grau e um pouco mais ia virar picolé de leite. Desliguei tudo, retirei o conector da tomada trifásica e voltei pra casa.

Molhado e suado ou molhado e molhado. Depois de me enxugar e recolocar a bermuda e camiseta de dormir, liguei o notebook e comecei a escrever.

O dia 21 de outubro já começara há algum tempo.
Há algum tempo eu já estava um ano mais velho.

Entrei em meu 61º aniversário embaixo de chuva, ventos e relâmpagos,  desligando tanque e dando feno para as vacas.

A chuva foi meu presente. Um presentão muito bem-vindo.

Agora só falta o sono chegar. Deve estar perdido lá pra cima, no meio do pasto.

Coisa rara em minha vida, fui à geladeira peguei uma Bud estupidamente gelada e bebi. Na garrafa. Gostosamente. Ainda tem um restinho, ainda bem gelado e acho que antes desse restinho acabar o sono vai aparecer para tomar um golinho. 
Aí eu pego ele. E levo pra cama.




Tarde do dia 21 – com toda a pirotecnia que avançou madrugada adentro, com todo o exagero celeste dos efeitos sonoros, tivemos só mais 2,5 mm de chuva. Totalizou 5,0. 

Tá bom. 
Tem promessa de mais para esses dias. 

E hoje o resto dos piquetes foi adubado. Agora, é esperar pelo capim. 

Junto com o Kindle que a Rosa me deu hoje cedo, essa chuvinha de cinco milímetros foi meu melhor presente. 

Tá bom. Tô bem de presentes. Que continue assim.