domingo, dezembro 02, 2012

O “Rosegate” avança



Nunca antes na história dessa república se viu coisa parecida. Pelo menos é o que eu acho.

Não bastasse o Mensalão, do qual um bando de gente bem e poderosa sai direto para as cadeias, além de outros casos e causos, alguns não explicados, alguns inimagináveis (eu continuo considerando inacreditável que dois prefeitos de duas das 20 mais ricas cidades do país pertencendo ambos a um mesmo partido sejam assassinados a tiros num período de poucos meses ou semanas e ainda hoje pouco ou nada se saiba sobre tudo isso) (sem vírgulas, sem pausas), temos agora o “Rosegate”.

Não vou entrar em detalhes, os órgãos de imprensa os têm aos montes, mas algumas coisas são curiosas. Por exemplo, a moçoila apresentar-se como “namorada” do ex-presidente, segundo a revista Época que recém-chegou às bancas e à internet.

Ter participado de grande número de viagens ao exterior, sempre a bordo do nosso "Air Force One", mas só quando a primeira-dama, a oficial, não estava presente.

Bom, aí tem toda aquela lista de apadrinhados, empresas com negócios com o maridão (o oficial nesse caso), etc, etc, reproduzindo as coisas & causos ao redor de Done Erenice, lembram dela? Na verdade, por uma questão de antiguidade e importância, o certo é dizer que as coisas & causos de Dona Erenice, seu maridão e afilhados diversos é que reproduziram as de Dona Rose.

Dona Rose e o ex-presidente relacionam-se (por favor, críticos, consultem no dicionário o verbo relacionar e verão que eu aqui o emprego dentro da mais cândida inocência), afinal de contas, desde o distante ano de 1993.


Como diria um ex-presidente desse imenso bananal, o qual, segundo Chico, tornar-se-ia um “imenso canavial”, nunca antes na história dessa república (...queta?) viu-se coisas tão assombrosas e despudoradas.
Ou não diria? 


Falando em diria ou não diria, o que dirá a respeito de tudo isto a Dona Marisa? Lembram dela? É aquela que foi a primeira-dama, oficial, durante oito anos.

Convém lembrar que Dona Marisa e pimpolhos todos conseguiram cidadania italiana e, por supuesto, passaportes idem. Não esquecendo, claro, que os mimos foram conseguidos durante o governo do maridão. 

Outro importante lembrete: todos tinham passaportes diplomáticos tupiniquins. Bom, tupiniquim ou não, passaporte diplomático é sempre passaporte diplomático, ? Parece que foram todos devolvidos. Parece. Mas... Para que devolver? Não seria mais prático e imediato simplesmente torná-los inválidos e com ordem de apreensão em caso de apresentação?
Deixa quieto.

Pelo sim, pelo não, permaneço curioso: o que dirá Dona Marisa sobre tudo isso?
Há um dito popular sobre o quão terrível é a fúria de uma mulher traída, mas, naturalmente, não é o caso aqui, felizmente. Né?

Enquanto isso, o “Rosegate” avança.

domingo, novembro 18, 2012



Domingão de manhã no Sítio das Macaúbas

O Sol está alto, quase 10 horas, embora os relógios apontem quase 9 horas. É o horário do Estado. Estou correndo o risco de virar anarquista depois de velho, é só o que falta.
O dia começou antes das seis, como de hábito, depois de uma noite excelente de muita prosa e comida boa na casa do Rubens, Dedé, Renato e Luíza, no Sítio dos Pomares, onde mora um bando de vaquinhas Jersey, como aqui. Quando entrei no carro para vir embora, o susto: quase meia-noite. Depois de alguns quilômetros, fechar a porteira, olhar o tanque de refrigeração e passar os olhos nas bezerras, meio de longe pra não sujar o sapato, entrei em casa meia-noite passada. Até vir o sono... Mas valeu muito a pena.
Descobri ontem, pelo Rubens, que o nosso fornecedor de sal mineral e outros produtos essenciais à atividade galactopoética (termo que aprendi em antiga crônica do amigo Eduardo Almeida Reis, ex-emérito produtor de leite e hoje, como sempre, grande e emérito produtor de textos e livros), que vem a ser a produção do leite pela vaca, é também criador de carneiros, dos quais vende kits prontos para churrasco, com ou sem tempero, com pedaços diversos a dedo escolhidos. Ontem comemos do carneiro temperado, na verdade borrego, pois carneiro tem carne dura, e fiquei fã de bate-pronto. Mais um item a ser acrescentado à lista de compras do mês.
Ao atento – e desconfiado – leitor que já correu ao dicionário: também é usado galactopoiética, mas por uma questão de prosa poética eu redundantemente fico com o primeiro, que combina melhor.
O caminhão do leite já veio, pegou a produção de dois dias e se foi. Agora o marmitão aqui vai preparar água e detergente para lavar o componente fundamental para a qualidade do leite: o tanque de expansão ou de refrigeração do leite.
A água está esquentando para a lavagem. Espero chegar a 85 graus centigrados, pois até chegar ao tanque e jogá-la na parede interna e no piso, a temperatura já caiu para a faixa ideal, de 70 a 75 graus. Nessa faixa, a gordura grudada no aço é retirada. Abaixo disso a gordura não sai, acima disso ela “plastifica”. Claro que a água já vai com o detergente alcalino-clorado, essencial para a higienização do tanque.
...
Shit happens...
Parei e fui lavar o tanque. Ao pegar a vasilha do fogão, pela primeira vez caiu um mundo d’água quente, felizmente só em minhas mãos, sem pegar as coxas e os pés, já protegidos pela bota de cano alto, dinamarquesa, chique à bessa (ou à beça, como quer a Academia), que eu já calçava. Imediatamente, sem me preocupar com a água e a vasilha em que foi esquentada já tombada no chão, coloquei as mãos embaixo  de água escorrendo da torneira da pia e ali fiquei uns cinco minutos e sei lá quantos litros d’água. Foi muito bom! Minhas mãos estão ótimas, sem queimaduras, sem bolhas. Devo essa ao Dr. Drausio Varella e ao “Fantástico”, que mostrou uma matéria sobre queimaduras e seus primeiros socorros com o Dr. Dráusio. Valeu, doutor, obrigado.
...
Ok, de volta ao texto, agora com o Sol bem mais alto, bem mais quente, o dia brilhante, ventinho moderado, gostoso, do tipo que não causa prejuízo e nem resseca o solo. Um bom dia, sem dúvida, digno de ser apreciado, o que parece estar sendo feito pela passarinhada.
...
Mais uma parada no texto. Uma gralha gritou, foi o alerta para levantar-me e ir à caça dos ovos já botados. Gralhas, seriemas e teiús, os grandes lagartões carijós, são sócios na produção de ovos. Nós entramos com as galinhas e o milho, eles entram com bicos e bocas para comer os ovos. Não deixa de ser divertido ver uma seriema correndo desajeitada com um ovo no bico. Divertido, mas não deixa de ser um prejuízo.
Assim vai seguindo o domingão, dia de futebol, o que vai obrigar-me a correr com as tarefas da tarde, inclusive as mamadeiras das bezerras, para poder ver o jogo e terminar o serviço depois do apito final do juiz, lavando os equipamentos depois das sete horas da tarde, no horário besta do Estado.
Bom domingo.


sexta-feira, outubro 05, 2012

Last Resort... or the unthinkable



O segundo episódio já foi ao ar nessa semana, por enquanto só nos Estados Unidos.

O USS Colorado, submarino nuclear com 18 mísseis Trident em seus silos, é a estrela por trás das ações de seus tripulantes e do pessoal em terra.

Não posso falar muito a respeito para não estragar expectativas, mas essa série tem tudo para ser fantástica. É um pouco aterrorizante, o que é bom, pois há muito tempo o terror nuclear parece ter sido banido de nossas mentes, o que não é muito bom.


Talvez não por coincidência, ela vai ao ar no momento em que transcorre o 50º aniversário da Crise dos Mísseis, envolvendo Estados Unidos e União Soviética, Kennedy e Krushev. No meio, perdidos e tratados como joguete, Cuba e Fidel, para imensa raiva do dirigente cubano, que não queria esse papel... ignorando que nunca teria outro papel que não fosse esse.
Como o próprio Kennedy reconheceu, o mundo esteve às portas de uma guerra nuclear. Não teria sido o fim da humanidade, mas estaríamos hoje em uma situação econômica global catastrófica, com pequenos governos ditatoriais por toda parte, pouco comércio e mínimo intercâmbio de pessoas e ideias. Que, como de hábito, seriam severamente punidas se não estivessem de acordo com o dono do poder local.



Voltando à série: para quem assistir, recomendo a máxima atenção num diálogo entre o capitão e seu imediato, pouco depois de iniciado o episódio, quando Ronald Reagan é citado. Ela é a chave para entender uma ação extrema do capitão do USS Colorado.

terça-feira, outubro 02, 2012

Um filme que vale a pena




Salmon fishing in the Yemen” – esse é o nome do filme, cujo título em português ficou como “Amor impossível”... É, fala sério, ?



“Salmon fishing” tem muitas qualidades. A história de amor, que existe, sim, se dá em torno de uma história maior, mais envolvente, diferente do habitual. Os árabes, nesse caso iemenitas, são retratados de forma mais natural, mais realista e nada maniqueísta. O sheik não é anedótico, embora miliardário, longe disso. É uma pessoa que tem uma visão para seu povo e seu país. Mas o filme não cai no panfletismo, muito pelo contrário, thank’s God.



E há o humor britânico, delicioso, principalmente quando colocado na boca e nas expressões de uma atriz como Kristin Scott Thomas, com um papel marcante, como assessora de imprensa do primeiro-ministro britânico, embora com poucas aparições. Os burocratas de Sua Majestade maquinam, maquinam e arrancam risadas, talvez amarelas, já que as maquinações são muito realistas.

O par central é formado por Ewan McGregor e Emily Blunt, de quem gosto cada vez mais. Completa o elenco central o ótimo Amr Waked no papel do Sheikh Muhammaed.


Estou com uma dúvida: será mesmo que dá para ter salmões em pleno Yemen? Não só em açudes, mas nos rios, migrando e desovando? Assistam e depois me contem e não se limitem aos peixes, pois o filme oferece muito mais para pensarmos, sem que isso seja forçado ou no maldito tom didático, com cara de cartilha, tão comum entre o pessoal que gosta de “passar mensagens”.

Mesmo dando o que pensar, “Salmon fishing” é diversão da melhor qualidade.

sábado, setembro 29, 2012

Chegou o fim de ano - é o que diz o chocotone




Opa, mas é 29 de setembro ainda! – já sei que tem gente falando, até consigo ouvir. Sim, ainda estamos no mês de começo da primavera (com uma cara de inverno atrasado depois de um final de inverno com cara de verão antecipado), mas há pouco, no sacrossanto café da manhã já passei da metade do primeiro chocotone dessa temporada.
Isso mesmo, para mim chocotone é sinônimo de fim de ano, mesmo chegando ao mercado em pleno setembro, apenas para reforçar o caixa da empresa com o dinheiro dos gulosos impacientes. Obviamente, estou mais que dentro dessa categoria, como já foi possível perceber.
Apesar do acepipe natalino achocolatado, ainda faz frio, ainda restam 12 rodadas para o Campeonato Brasileiro acabar, meu bolso e minhas contas ainda não estão assustados com a necessidade de caixa para o 13º e nada mais distante de Papai Noel e suas gastanças do que minha cabeça... E meu bolso, é claro.
Opa, opa, falei de bolso duas vezes num único e mísero parágrafo... Preocupante. Mas hei de sobreviver, porque sobreviver, mais que verbo da moda, é a saída melhor.
Mais uns trinta ou quarenta dias e já poderemos desmamar as últimas bezerras: Carminha, Menina, Teimosa e Valentina. Estou relutando muito em fazer uma permuta de todas as bezerras por algumas novilhas que estão por parir agora em outubro. Embora um reforço no leite fosse muito bem-vindo, a verdade é que será muito agradável passar quatro meses inteiros sem a necessidade de cuidar de bezerras novas duas vezes por dia, todo dia. Além disso, mais dia, menos dia, as chuvas voltarão para valer. Com elas, o barro e os mosquitos e os carrapatos e o calorão e mais um monte de coisas que mais atrapalham do que ajudam quem cria vacas e bezerras e produz leite. Portanto, não ter bezerras novas tem um forte lado positivo.
As chuvas e o calorão têm, entretanto, um maravilhoso lado positivo: os pastos voltam a ser pastos. O capim cresce aceleradamente, o volume de massa verde enche os olhos da gente e o rúmen das vacas, a produção de leite sobe um pouco... E o preço cai um bocado.
Com as chuvas vêm as tempestades e com essas vêm as quedas no fornecimento de energia.
Como os dias já estão ficando mais longos, o Sol nascendo mais cedo e se pondo mais tarde, teremos a volta do tenebroso horário de verão.
Ó, céus... – diria Hardy, a hiena. Quando morava na grande cidade eu gostava, todos nós gostávamos imensamente do horário transtornado, digo, mudado. Era uma delícia ver o dia de serviço acabar tão cedo, passava uma sensação gostosa de férias ou antecipação das ditas cujas. Hoje, morando na roça e dependente mais do que nunca dos ciclos e tempos da natureza, acho esse horário besta uma tremenda amolação, um atraso de vida.
E paro por aqui, começando, mais que uma sentença, todo um parágrafo com uma conjunção aditiva. Paciência.

terça-feira, setembro 25, 2012

Declaração de voto e posição




Há muitos anos uma frase marcou época e marcou também a mim:
“Bandido é bandido, polícia é polícia.”
Seu autor foi um dos mais famosos bandidos da época, ainda nos anos 70, Lucio Flavio, referindo-se ao fato de que devem manter-se separados e quando se misturam coisa boa não sai.
Estado é Estado, Igreja é Igreja.
Não devem, não podem sob hipótese alguma misturar-se.
Sempre que isso ocorreu os resultados foram péssimos, nos casos mais leves, e trágicos na maioria das vezes.
Religião é questão de foro íntimo, nada é mais pessoa que a fé e a prática religiosa de uma pessoa.
Estado é o braço operacional da sociedade. De toda a sociedade, nunca de uma parte dela.  Seus membros devem obediência e lealdade à constituição, vale dizer, portanto, ao povo, a cada um dos cidadãos.
Claro que o Estado extrapola, por meio de seus funcionários, mormente em países atrasados cultural, política e socialmente, como é o caso dessa Terra de Vera Cruz. Mas corrigir os desmandos do Estado é muito menos difícil que corrigir os desmandos de uma instituição religiosa.
No que me diz respeito, igrejas não devem possuir meios de comunicação de massa. A doutrinação e a pregação são individuais ou em grupos de quem pensa e sente de forma semelhante.
O alcance da Igreja, qualquer que seja ela, deve dar-se somente em relação às pessoas, jamais à sociedade em seu conjunto.
Por tudo isso e muito mais, não consigo enxergar nada de bom na candidatura Russomano na cidade de São Paulo, independentemente até da qualidade do candidato – que deixa muito a desejar.
Penso da mesma forma em relação a candidato que represente qualquer religião, qualquer uma.
Se ainda morasse em São Paulo meu voto seria, uma vez mais, do PSDB e de José Serra. No mais, que Chalita crie juízo e mude sua prática partidária. É um bom candidato perdido pelas más, pelas péssimas companhias.

terça-feira, setembro 18, 2012

Um caronista falante sob o Sol queimante


Nesse setembro com cara de agosto, o Sol parece multiplicado, o calor maior que nunca. Claro que não é bem isso, mas é essa a nossa percepção imediata. Às dez e meia da manhã a estradinha que desce a “serra” da Conceição parecia queimar, sensação aumentada pela poeira e pela secura do ar. Mais à frente, vi um homem descer de um trator, que em seguida entrou numa propriedade. Tão logo me aproximei o homem acenou-me, pedindo carona.
Falante, ouvi-o ainda antes de parar a bravíssima Tempra 94, veterana a caminho do milhão de quilômetros. Entrou, ajeitou-se, ajeitou suas tralhas, típicas de quem deu um pulo até a cidade e agora volta para casa com algumas comprinhas. Conversa vem e conversa vem, pois com certa frequência dou descanso à minha boca e trabalho aos meus ouvidos, contou-me o básico sobre ele.
Aposentado, mora com sua “velha” no sitio do “seu” Fulano, com quem tinha um bom acordo. Já tentara morar na cidade, mas seu salário de aposentado revelou-se muito insuficiente para pagar o aluguel de uma casinha, mais as contas de luz e água. O que sobrava mal dava para a comida de meio mês e, com muito esforço, bastava para comprar os remédios. É, tem uma fase na vida de todos em que remédios são mais importantes que todo o resto.
Pois foi então que surgiu o “seu” Fulano, o dono do sítio. Meu passageiro, sabedor que o sítio do dito cujo estava sem gente, procurou-o e fizeram um acerto: ele moraria no sítio, que tem uma casa muito boa para empregado e receberia a luz sem pagar. Quanto à água, provinda de fonte própria e infinitamente melhor que a água “química” da cidade, era só uma questão de ligar a bomba elétrica.
E o acordo foi feito para a felicidade e, quem sabe, a sobrevivência do meu carona e sua “velha”.
Meu falante passageiro tem todo aquele jeito tranquilo de um cara gente boa e leva jeito de quem trabalha tão bem quanto fala.  Vi o sítio ao deixá-lo na porteira. Bem cuidado, cercas em ordem, gado tranquilo, ruminando pachorrentamente, a parabólica ao lado da casa, a casa sede (que certa vez, há alguns anos, conheci por dentro) parecendo em excelente estado.
Disse meu passageiro que a vida vai bem, obrigado. Seu salário mínimo de aposentado é o bastante para os remédios e umas comprinhas de coisas que a roça não dá. Não são muitas. Carne ele tem e não é pouca. Tem seus porquinhos, galinhas e frangos. O “seu” Fulano matou um porco outro dia e, como sempre faz, deu para ele um quarto do bicho e mais as miudezas suínas, que os povos urbanos desdenham, tal como desdenham as miudezas galináceas. Aliás, como desdenham as coisas miúdas da vida e só têm olhos para as grandes coisas, grandes somas, grandes compras... E grandes dívidas que alimentam e retroalimentam o processo e o sistema. Parece meio falso, não parece. E é, mas deixa quieto, mexe com isso não.
Agradeceu-me efusivamente, além, muito além do necessário. Gentil, claro, mas até meio chato. Embora prolixo no escrever, em certos casos e ocasiões sou amante do resumo resumido. Assim pensando e sob suas bênçãos, lá fui eu buscar mais feno para as bezerras no sítio da famosa e simpática atriz.

sexta-feira, agosto 31, 2012

Luar, Gonzaga e Armstrong


Uma das bezerras novas começou a berrar à meia-noite, praticamente em ponto. Sei lá, parece coisa de lobisomem, ainda mais que foi no momento que o dia mudou de quinta pra sexta-feira e num mês de agosto. Só faltava ser dia 13...
Calcei a bota, coloquei uma blusa e fui lá fora dar uma olhada. Sem lanterna, coisa totalmente desnecessária.
Depois de amanhã, oficialmente, teremos Lua cheia, a última desse inverno, mas há algo errado nessa história. No final da tarde ao levar o Dito reparamos que ela, Jaci, já estava alta sobre o horizonte, um disco prateado perfeito com as manchas de sempre – lembram que diziam que as manchas eram um dragão? E o seu brilho depois que a noite caiu de vez estava intenso. Talvez, que sei eu, sejam as luzes da rave (existe rave ainda?) realizada para receber Neil Armstrong, com todos os holofotes ligados.

E quando vejo um luar assim, não deixo de lembrar da poesia de Luar do Sertão, de Luiz Gonzaga:

"Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão"

Oh! que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção é a Lua Cheia a nos nascer do coração

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Mas como é lindo ver depois pro entre o mato
Deslizar calmo regato transparente como um véu
No leito azul das suas águas murmurando
E por sua vez roubando as estrelas lá do céu

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

quinta-feira, agosto 23, 2012

As laranjeiras em flor e o brilho da noite enluarada




Ontem voltei a sentir um perfume que está se tornando raro: a florada das laranjeiras. Quando levei o Dito para casa senti-o ao passar pelo laranjal vizinho, um dos poucos que restam em bom estado, às custas de tratos intensivos. O aroma cítrico entrou pelas janelas do carro e reduzi a velocidade, saboreando o momento.
Mais tarde, na casa da Rose e do Cesar, todos nós lamentando a situação atual, ficamos muitos minutos conversando fora da casa, a poucos metros do pomar do “seu” Antonio, pai do Cesar, deixando o perfume das flores de suas laranjeiras conduzir a conversa. Que já não era sobre os graves problemas que, principalmente eles, estão enfrentando. Não lembro mais sobre o que falamos, mas uma parte foi sobre a minha “habilidade” saladeira. Tenho devorado pés e pés de alface americana, devidamente regada a azeite e, mandatório e condição básica, aceto balsâmico. Sem aceto, sem salada. Sou radical (também nesse ponto).
Anteontem os caminhões levaram mais uma partida de frangos dos dois galpões do Cesar. Apesar disso, ele ainda não recebeu a partida anterior, cujo pagamento está atrasado mais de sessenta dias. E entregou a nova. Enquanto isso, as despesas correm e comem o dinheiro pouco que possuem (com dois filhos novos, estudando, os custos são muito altos). Só a despesa com eletricidade atinge valores enormes e a “dona” Elektro não quer saber se o produtor recebeu ou não o que lhe é devido. O que não a impede de manter sua rede sucateada, acarretando-nos prejuízos e aborrecimentos.
E os laranjais vão desaparecendo. Em seu lugar, canaviais. É o custo das doenças, principalmente o greening. A bactéria que o causa já teve seu DNA desvendado genoma por genoma pelos pesquisadores do Biológico, em São Paulo. Mesmo assim não se conseguiu, até agora, a cura ou a prevenção dessa verdadeira maldição, cuja aparição é retardada, mas nunca evitada, por sucessivas pulverizações de inseticidas para controle das cigarrinhas que transmitem as bactérias para as árvores.
Não é somente o perfume gostoso dessas tardes quentes de inverno que corre o risco de desaparecer, mas toda uma imensa e essencial atividade econômica que sustenta uma grande cadeia produtiva com empregos na casa de centenas de milhares de pessoas.
Nessa altura, bom, nessa altura do campeonato não vou falar de meus próprios problemas como produtor de leite.
Ao fim e ao cabo, o perfume das laranjeiras em flor foi sucedido pela visão de um céu absurdamente estrelado, apesar do brilho forte de uma Lua Nova a duas noites de virar Crescente, devidamente observado enquanto aguardava, com resignação cansada, o retorno da luz artificial, cara e falha. Felizmente a luz do luar derreteu a raiva e comer à luz de velas, ainda que sozinho, teve lá seu sabor especial.
Desculpem pelo título enganador. Ao invés de cálida poesia, para a qual não tenho nem o gosto e nem a capacidade, relatos de dramas econômicos. Creio que pratiquei o que se chama de propaganda enganosa. Sorry...

domingo, agosto 19, 2012

A infra podre e o fim de semana perdido



Aviso aos navegantes I: o céu é de brigadeiro, mas o meu humor é cinza-chumbo.
Aviso aos navegantes II: não acreditem nas maravilhas que os políticos entoam sobre nossa infraestrutura e sobre nossa economia. É tudo fake.

Temos tido esses céus tenebrosos céus de brigadeiro há algumas semanas, o tipo de tempo que faz a alegria dos cidadãos urbanos, especialmente nos finais de semana. Não faz a minha alegria, embora as noites sejam espetaculares. Noites de inverno, noites de dias secos, noites estreladas, noites sem orvalho. No final da madrugada, ao ir de um lado para outro aqui no sítio, o calçado não fica molhado, as pernas das calças não ficam encharcadas e geladas. Bom para começar o dia de trabalho, mas, uma chuvinha viria a calhar, nem que fosse só para tirar a poeira de tudo.
Em tempo de chuva temos tempestades, algumas muito pesadas (e diz minha percepção, que pode estar enganada já que é só percepção, que essas tempestades terríveis vêm aumentando na quantidade e na intensidade; e meu bolso concorda com minha percepção), com os inevitáveis problemas no abastecimento de energia. Já nesses dias secos...

Também temos interrupções no fornecimento de eletricidade. Foi assim na sexta-feira, repetiu-se ontem e, acreditem, tornou a acontecer hoje. E o que deveria ser uma plácida manhã dominical, viu-me enfurecido ao celular, perigosamente perto de romper o famoso limite da irresponsabilidade. Não rompi, controlei a fúria e o vocabulário e disse ao atendente da concessionária de energia que se era o caso deles cortarem a luz, que cortassem de uma vez por todas e não ficassem com aquele nhenhenhém destrutivo de luz pisca-pisca. Porque esse vai e vem energético destrói tudo quanto é equipamento eletrônico e motores elétricos.

Nos últimos catorze ou quinze meses tivemos três problemas com o tanque de refrigeração do leite, duas vezes com o sensor de temperatura e uma com o ventilador, provocados por sobrecarga ou oscilação forte na corrente ou. Posso dizer que tive sorte, já que o compressor nada sofreu. Naturalmente, como sói acontecer em Pindorama, a concessionária nada ressarciu.

O pisca-pisca de anteontem varou a noite e começou o sábado. Nessa altura, já tinha levantado em plena alta madrugada para desligar tanque na tomada. Por volta de cinco e meia da manhã religuei-o e comecei a preparar o trato das bezerras, que tão logo estivesse terminado seria o sinal de largada para começar minha viagem para São Sebastião, onde o aniversário de três anos de meu neto, o primeiro aniversário que terá um significado maior para ele, teve lugar. Não somente isso, pois também já havia marcado uma conversa com um amigo, talvez até em meio ao Canal, com a Ilhabela de um lado e a Serra do Mar do outro, todos os sentidos ligados ao drapejar das velas e às batidas ritmadas das marolas no casco do Eleonora.

Não aconteceu nada disso, pois quando a luz voltou Inês era morta, no caso, a minha viagem.

Minhas conversas foram com a concessionária de energia. Num primeiro momento pareceu que o sensor do tanque havia pifado novamente, e lá fui eu, em pleno sábado – tudo acontece nos finais de semana ou feriados – a correr atrás de sensor. Que revelou-se desnecessário  felizmente.

E o domingão amanheceu como o sábado: céu de brigadeiro e seco.

E como no sábado a luz piscou e piscou e piscou... Dali a pouco piscou, piscou, piscou e...
Acabou.

E assim (há quem diga ser deselegante iniciar frase com a conjunção e; é mesmo?), ao invés de cantar Parabéns a Você para o meu neto, repeti a cantilena de reclamações para os atendentes da concessionária.

O que deve ter sido apenas um exagero de minha parte, já que todos sabem que nossa infraestrutura, até no fornecimento de energia, é o “bicho”.

Não é. É pobre, insuficiente, de má qualidade, eleva custos, maximiza perdas, destrói vidas, além de sonhos e esperanças.
Está longe de ser meramente digna de ser chamada de infraestrutura, mas há quem acredite nela, assim como se acredita que céu bonito e bom é o céu de brigadeiro.

Paciência.

sexta-feira, agosto 10, 2012

O poluente poder público - I



                                                
O Tanque do Hugo era um local meio sagrado nos tempos de infância e começo de adolescência, especialmente nos tórridos dias do verão da Alta Paulista. Ficava próximo de Padre Nóbrega, pequeno distrito de Marília onde passei boa parte de meus melhores momentos da primeira parte da vida. Íamos lá para nadar, melhor dizendo, “nadar”, pois tanto seu tamanho quanto a profundidade não permitiam mais que meia dúzia de braçadas. Além disso, só dois ou três da turma sabiam dar umas braçadas mambembes, aceitáveis somente no velho e gostoso Tanque.

O local em si era apenas um trecho alargado do pequeno córrego que descia da divisa da Fazenda das Amoreiras e ganhava mais uns tantos litros d’água depois de passar pelo “asfalto”, como todos se referiam à estrada que saía de Bauru e terminava na mítica Panorama, na margem do Rio Paraná ou, simplesmente, Paranazão, esse sim, nosso ambicionado sonho de consumo, onde iríamos algum dia para fazer as mais fantásticas pescarias que alguém pudesse imaginar.

Por falar em pescaria, era esse o nosso objetivo em muitas das vezes que íamos para o Tanque. Tudo que pegávamos eram lambaris e acarás, mas ouvi muita gente arrotando grandezas de traíras e bagres. Pois sim...

O tempo passou, Nóbrega cresceu, o Tanque ainda foi se mantendo mais ou menos como era e deveria ser, até que o Estado chegou e construiu um presídio bem na cabeceira do Córrego do Hugo. O presídio meio que destruiu o distrito, que ao invés de crescer, inchou. E de maneira nem um pouco agradável ou saudável, é bom que se diga, embora isso seja mais verdadeiro para a metade “de baixo” da pequena vila.

Ainda antes da abertura de suas instalações, o tenebroso monstrengo já emporcalhava o Córrego e o Tanque, naturalmente.

Em pouco tempo mais, também o ar estava emporcalhado, especialmente naqueles já citados dias de verão; agora tórridos como sempre e mal cheirosos como nunca antes haviam sido. 

Porque, naturalmente, o poder público, o Estado, esse ente que 
deveria ser nosso e amigável, mas cujo melhor adjetivo é tenebroso, como a sua obra, fez do Córrego do Hugo o esgoto do presídio. Assim acabou o Tanque do Hugo, assim acabaram as brincadeiras e as grandes pescarias.

Fim da história.

sábado, agosto 04, 2012

Pequenas complexidades da vida simples



A vida aqui no sítio é relativamente simples, um tanto quanto às antigas a um primeiro olhar, mas nem tanto a uma segunda olhadela, mesmo que ligeira. 
Meu notebook fica conectado cerca de dezoito das vinte e quatro horas do dia, às vezes mais, dependendo dos gigabytes a serem baixados. Assisto algumas séries quase que no mesmo dia em que vão ao ar nos Estados Unidos.  A miniparabólica traz não sei quantos canais de televisão, daqui e de outros países, mas a rigor nada vejo, exceto o futebol e a novela, esta assistida pela Rosa e por mim, dia sim, outro não. Pois é, apesar da gritaria, a Carminha nos pegou. Mas, confesso: meu herói é o Cadinho (e... não, não quero ser como ele; nunca teria tanta energia e paciência, sem falar do dinheiro). O celular recebe chamadas e eu mesmo as faço vez ou outra, pois prefiro as ligações pela internet, muitas com mais de 50 minutos e custo quase zero (viva o Skype!).
Sim, é roça, com as coisas da roça, mas também com alguns teretetês da grande cidade, exceto o pão italiano. 

Esses teretetês, todavia, não invalidam o que falei sobre vida simples, querem ver?
Alguém que lê essas mal digitadas faz compra no mercadinho com caderneta?
Ah, sei, só com cartão de crédito ou com cheque ou com dinheiro.
Sei, sei, sei...

Bom, eu também não faço compra com caderneta, mas por mera preguiça e comodismo. O dono do armazém do pequeno distrito vizinho marca num cadernão dele e me dá um pedacinho de papel da calculadora com o valor da compra do dia, sempre um final de tarde, aproveitando quando levo o Dito de volta para sua casa. E assim vou pegando o gás de cozinha para nós e pro Zé e sua família, a sacrossanta mussarela para o lanche de quase toda noite, que só troco por uma pratada de cereais, com banana e leite ou por uma pizza... de mussarela, claro, parte dela com atum impregnado de ômega 3 (coisa herdada da grande cidade).
Aí, no começo do mês, pego a comprinha do dia, peço pra somar com todas as outras e pago com cédulas e moedas de real. No dia seguinte ou no outro o ciclo recomeça e já terei mais umas coisinhas marcadas.

É a velha caderneta de crédito, menos chique que os cartões, mas infinitamente mais prática e humana, como provam os habituais dois, às vezes três, dedos de prosa, quando trocamos novidades sobre os arredores ou comentamos alguma coisa do distante grande mundo cheio de luzes, trânsito e barulhos.

Então, atrevo-me a dizer que ninguém mais com os olhos nessas telinhas faz compras com caderneta de crédito. 
Sim, eu sei, seria meio complicado pro “seu” Diniz ou pro “monsieur” Carrefour marcar nossas comprinhas nas cadernetinhas. 
E se com as caixas-registradoras metamorfoseadas em potentes computadores (on line full time com tudo quanto é banco e cartão) as filas já são quilométricas e demoradas o bastante para algum condenado ouvir de cabo a rabo um discurso de Chávez ou Fidel, imaginem se as meninas dos caixas tivessem que escrever numa cadernetinha item por item, com os nomes complicados das coisas de hoje em dia e seus valores estratosféricos?

Não, não imaginem, a menos que já tenham uma aspirina ao lado, pronta para ser engolida, pois a simples imaginação de tal hipótese é o bastante para bela enxaqueca – herança, presumo, da minha vida pregressa na grande cidade.

Observação: a foto é apenas o registro de bucólico e corriqueiro momento aqui no Sítio das Macaúbas; por sinal, foto já meio velha; dizem os técnicos que textos precisam de fotos para ficarem mais atraentes, despertando o interesse do leitor; então tá, taí a foto.

sexta-feira, agosto 03, 2012

Noites de luar sobre o Macaúbas




O nascimento da Lua ontem foi perfeito. O céu invernal estava limpo e o brilho de Jaci apareceu no horizonte muito antes que ela mesma surgisse, luminosa, intensa, puxando para o vermelho ao “rés do chão”, antes de tornar-se prata pura já alta no céu.

Não vi o nascimento da Lua cheia hoje, mas há poucos minutos saí e caminhei um pouco, tomando um “banho de lua”, como dizia antiga canção dos tempos d’eu menino.

Essas noites de luar pleno são mágicas. A palavra é meio batida, reconheço, mas ela readquire seu significado original quando caminhamos silenciosamente pela estradinha de acesso à casa, saindo da sombra de uma das mangueiras ou da paineira para a luz do luar e entrando em outra sombra de outra mangueira ou da mamica-de-cadela, nome meio feioso para árvore muito bonita. E cheia de espinhos, que com um pouco de boa vontade lembram as maminhas de uma cadela ou de uma porca, outro nome para ela.

A luminosidade é intensa a ponto de gerar sombras muito bem definidas. A vista alcança longe e apesar de enxergarmos tudo, muito mais fica apenas num vislumbre tão passageiro quanto enganador.

Um velho pedaço de tronco poderia parecer um capanga de outros tempos, emboscado, à espera do incauto viajante ou do alvo para cujo fim foi contratado. A luz do luar engana e do engano nascem histórias as mais incríveis.

As cachorras aproveitam a noite fresca, quase fria, e dormem sobre seus panos quentes e aconchegantes. Mal e mal abrem uns olhos curiosos para mim e tornam a fechá-los, já estão acostumadas com minhas andanças noturnas.

O citadino perdeu essas noites, desconhece essa magia. 
Ignora o falso silêncio das noites sertanejas, das noites na roça, desde que não haja mais colheita de cana nas proximidades. 
Perdeu, também, outra magia, a das noites escuras, enganadoramente escuras, pois é só questão de tempo para os olhos se acostumarem à claridade tênue, difusa, proporcionada pela luz das estrelas. 
Em noites assim, a estradinha em solo de areião facilita a vida. Enxergamos tudo e caminhamos sem risco de um tropeço ou de um pisão numa pedra.

Nessas noites parece que o Universo está mais presente.
Não sinto nossa insignificância, mas sinto que há muito a conhecer, a entender.


sábado, julho 28, 2012

Pensamentos ao léu na beira do caminho




A saca do farelo de soja chegou a oitenta reais. Inacreditável.
O milho sobe, não dá para saber o quanto mais subirá.
Milho e soja respondem por quase um terço dos custos de produção, em média. Não há fuga, têm que ser usados. Eventuais ou possíveis substitutos têm custos parelhos, ligeiramente menores, mas com qualidade inferior. Melhor pagar um pouco mais e ficar com o que é bom.

Voltando para o sítio depois de ter levado o Dito para sua casa, no pequeno distrito de Santa Cruz da Estrela, antiga Jacirendi, tive o Sol bem à minha frente. Mas não ofuscou e nem estava com óculos escuros. A linha do horizonte escondia a maior parte de seu disco e deixava somente um semicírculo alaranjado, puxando para o vermelho. 
No alto do morro antes de chegar no sítio do Sandro, parei o carro por alguns minutos, enquanto o Sol “descia” e escondia-se no horizonte. Nenhum carro passou, as vacas num pasto próximo não se dignaram a perder mais tempo que o suficiente para um rápido olhar de avaliação. 

Um final de dia gostoso, a temperatura em confortáveis vinte e quatro graus e a vista tomada por sítios e fazendas, lavouras de cana e um pouco de laranja, pastos e eucaliptos, aqui e ali manchas do que já foi mata nativa. Com jequitibás e pau-d’alhos imponentes, muitas vezes centenários, hoje reduzidos a um aqui, outro muito longe. 

Na outra encosta, em meio ao canavial recém-brotado, uma velha e retorcida copaíba, que ficou solitária quando a mata foi derrubada. Foi cercada pelo café e depois pelo pasto. Que cedeu lugar a grande pomar de laranja, até que as doenças chegaram e o pomar se foi, doente, degradado, ocupado por dezenas de vacas em busca do que comer. 
Não faz muito tempo os esqueletos que um dia perfumaram o ar nas floradas e carregaram-se de amarelo na safra, foram reunidos e empilhados em montes pelas lâminas dos tratores e a fumaça das fogueiras tomou conta de parte do céu. 
As vacas foram embora, prefiro não saber para onde, e a cana, mais cana, cerca agora a solitária copaíba, que a tudo isso sobreviveu.

O Sol sumiu no horizonte, ficou somente sua claridade morna e suave de um fim de tarde invernal.

Voltei para o carro e o preço da soja reocupou seu lugar perdido enquanto dirigia os três quilômetros finais até chegar em casa. 
E apesar de parar, descer, fechar a porteira, voltar para o carro e dirigir mais trezentos metros ou pouco mais que isso, como todo dia útil, tive a consciência de que vivera um momento único. 
Como todo momento que vivemos. 
Banal, simplesmente único.

domingo, julho 08, 2012

Chuvas, inverno e pastos


Chuvas, inverno e pastos

À guisa de introdução e escrito para um amigo que anda pensando em saltar de São Paulo para a roça: essa história de deixar Sampa e vir pro sítio, bom, só digo uma coisa: ainda bem que arrependimento não mata, pois já estaria mortinho, tão grande é meu arrependimento ao pensar nos muitos anos que fiquei em SP adiando a vinda para cá. Enquanto escrevo, termina a ordenha, dá pra ouvir a Prata FM com sua programação sertaneja, as angolas aporrinhando de tanto dizer que “tão” fracas, passarinhada cantando pelas árvores e outros clichês, todos eles bons demais. O dinheiro é curto e o trabalho é muito, mas é “bão” demais.

Acordei no meio da madrugada com o barulho da chuva. Mais pra chuvinha do que pra chuva, uma garoa metida a besta, digamos. Depois de um junho com várias chuvas dignas desse nome, devidamente acompanhadas pelo barro, esse garoão de início de julho é outra bênção dos céus para nós. Não para todos nós, como sempre, pois, mesmo fraco, irá atrapalhar um pouco o final da colheita do café de muitos produtores, bem como dos talhões de milho que ainda restam. Mas os nossos pastos continuarão verdinhos, bonitos de ver e... quase sem utilidade real, pois não terão massa, não terão volume suficiente de capim para as vacas se alimentarem.
Tudo seria diferente se eu tivesse feito uma sobressemeadura de aveia e azevém, porém, como era de se esperar e de acordo com as Leis de Murphy, não fiz. E choveu. Se tivesse feito... não teria chovido e teria perdido o dindim das sementes, caras pra burro. É assim que é e o jeito é navegarmos de acordo com essas verdades imutáveis.
Aqui cabe uma explicação: nossos pastos, como a maior parte dos pastos brasileiros, são formados por capins tropicais: mombaça e tanzânia, que são varietais do famoso colonião, e braquiária. Ora, capins tropicais precisam de muita luz, muita água e muito calor para crescerem. Os coloniões diversos precisam, também, de muita fertilidade no solo. Na verdade isso é falso, é lenda urbana, pois todo e qualquer capim precisa de solo fértil para render alguma coisa, seja colonião, elefante, gordura ou braquiária. Baixa fertilidade, pouco capim. Alta fertilidade, muito capim. Falando ou escrevendo é simples, mas na vida real é diferente. Muita gente ainda hoje acha que pasto é pasto, basta pôr a vacada em cima e tchau. Triste, cara e empobrecedora ilusão.
Voltando ao tema: como disse, tivemos chuvas em junho e agora esse garoão julino e o capim tá verdinho que dá gosto, mas sem massa. Porque faz frio. Não importam os vinte e tantos graus do meio do dia, o que importa é a mínima, que nessas Terras Altas Paulistas anda na faixa dos doze aos catorze, às vezes quinze graus. Ora, com uma mínima de dezoito graus os capins tropicais diminuem o ritmo de crescimento. Com uma mínima de quinze eles, muito simplesmente, param de crescer.
Aveia e azevém são gramíneas de climas temperados, pouco suscetíveis a esse friozinho tupiniquim. Se tiverem fertilidade, luz e água crescerão, mesmo com o frio. Daí a tal sobressemeadura, que nada mais é que botar um balde com calcário e sementes das duas gramíneas, tudo bem misturado, e todo dia, antes de abrir um piquete para a entrada de suas senhorias, as vacas, botar o balde aninhado junto ao sovaco esquerdo e caminhar pelo piquete, jogando a mistura calcário/sementes com as mãos.
Esqueçam as luvas, elas não funcionam, o serviço tem que ser feito com as mãos nuas, mesmo. O diabo é a brisa que sopra bem na hora em que estamos arremessando as sementes em  gracioso arco (muito bonito em slow motion, nos documentários agrícolas, apesar do pó), o que acaba trazendo um mundo de calcário direto para o nariz e a boca, aberta a troco de nada. Mania mais besta essa, sô!
O calcário é para facilitar a mistura, a pegada e o arremesso, além de marcar onde já jogamos. E fazer o serviço todo dia, antes de abrir o piquete, é para que as vacas pisoteiem as sementes e completem o serviço.
Teria que ter feito a sobrressemeadura em abril, comecinho de maio. Não fiz, pois pensei que as chuvas parariam como pareciam que iam parar. Coisas da roça e da vida.
Seja como for, é muito bom ser acordado no meio da madrugada pelo barulhinho gostoso da chuva. Nem se compara ao acordar com câimbras ou a maldita coceira da psoríase. Ouvi um pouco, o suficiente para perceber que era mansinha, sem ventos e, principalmente, sem raios e trovões, o que teria me obrigado a levantar para ir desligar o tanque de refrigeração do leite. Embalado por essa cantiga tão antiga como o mundo voltei a dormir, pensando, com uma pontinha de amargura, no azevém e na aveia que não sobressemeei. Ano que vem será diferente.
Ou não... Afinal, quem já ouviu falar em dois anos seguidos com invernos chuvosos nesses tempos de aquecimento global e previsões acuradissimas?
Eu é que não.

sábado, junho 23, 2012

Notícias de um abacateiro


Notícias de um abacateiro

A safra de abacate se encaminha para o final aqui no Sítio das Macaúbas. Na verdade, é a safra de um solitário abacateiro, por enquanto. A árvore já tem uns par de anos e desenvolveu-se a partir de uma muda nascida do próprio caroço de um fruto colhido e há muito saboreado. Provavelmente por cavalos, pois ela veio de um haras lá longe, em Itapecerica da Serra, onde montei durante algum tempo sob o olhar atento da amiga e instrutora Claudia. E por lá ficou a minha velha sela, modelo de adestramento, que já comprei bastante experiente, para não dizer velha. Coisas da vida e suas mudanças, quando sempre deixamos coisas para trás, inclusive coisas queridas.
Mudas de pé franco, ou seja, de semente, são lentas no crescimento e no frutificar, mas sai estação, entra estação, uma hora elas frutificam, até porque isso aqui ô ô, é a Terra de Vera Cruz, na qual, segundo a crença luso-tupiniquim, em se plantando tudo dá. Coisa que o abacateiro e a democracia provam ser verdade, embora essa última deixe muito a desejar, talvez porque verdolenga, ainda. 
Mas há de frutificar, como esse abacateiro, cujos frutos continuam caindo, grandes, compridos, pescoçudos, verdadeiras girafas entre os abacates, de sabor mais do que razoável, tanto adocicado como salgado. As bezerras, Jersey e mestiças, não perdem um. Comem todos, chegando mesmo a ter um ou outro bate-boca, até algum barraco, como se a novela das nove ora em cartaz tivesse se mudado do Divino para esse Sítio das Macaúbas. O Tufão é, com certeza, o Negão, nome do filho da Lindoia. Carminha não deve ter, afinal, por nada, não, mas minhas bezerras têm boa educação. Ia dizer, também, que elas têm berço, mas, sei lá, alguém pode reclamar e dizer que isso é uma barbaridade preconceituosa e nem um pouco politicamente correta. Então, temente que sou às línguas ferinas, desisti.
Bom, nessa altura os leitores que não me conhecem e os que me conhecem, mas já esqueceram de meu prolixismo, estão se perguntando: E daí?
Ora, daí nada, apenas estou escrevendo e jogando essas palavras aos ventos, porque ao olhar o abacateiro lembro-me que há muito não cavalgo e ando com uma baita saudade de sair galopando ou troteando mundo afora. Poucas coisas há tão boas como simplesmente montar e olhar os arredores com a visão de cavaleiro, mais ampla que a do motorista, sempre focada, estreita, como se cerceada por uma viseira. Mais ampla, também, que a do pedestre, embora não tão rica em detalhes só perceptíveis quando as pernas param e contemplamos alguma coisa. Quem caminha e olha sabe que o mundo está cheio de coisas interessantes, não importa por onde caminhemos. As caminhadas também estão cheias de cercas, pelo que vejo, pois os caminhantes estão tão concentrados em seus fones de ouvido ou na contagem de passos dados, metros percorridos, calorias perdidas, que é como se seus olhos, todos eles, os reais e os da imaginação, estivessem contidos por cercas.
Enfim, não é mais possível trotear e galopar como nos tempos d’eu ainda menino, pois a cada meia dúzia de passos encontramos uma cerca, uma porteira, um mata-burro, todos e cada um me matando de raiva.
Tem gente demais, tem cerca demais nesse mundo de hoje, tem liberdade de menos.
Em compensação tem internet, um mundo sem cerca, que me permite contar a quem conheço e a quem não conheço que o abacateiro que ganhei no haras em Itapecirica vai bem, obrigado.
Acho que compensa.

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Mangas para dar e vender, mangas para vacas e gentes

A manga, grande e amarela, bonita, destacou-se facilmente na frente do carro, no meio da estradinha que dá acesso à nossa casa. Há muitas mangas nesse ano, em alguns dias o trajeto do carro fica cheio delas, derrubadas pelos ventos fortes das tempestades de verão, em parte.
As mangueiras ladeiam a pequena estrada, dos dois lados, cresceram, em alguns pontos formaram um túnel. O caminhão do leite, com seu tanque alto e as guardas para proteger o operador no alto do tanque, faz e refaz um verdadeiro túnel a cada entrada que faz por aqui, sempre depois das chuvas que impedem seu acesso pela outra entrada. Ao formar o túnel, quebrando galhos, derrubando folhas, também joga no chão enorme quantidade de grandes frutas. É o responsável pela outra parte das frutas caídas.
Dá dó, a perda é grande. Essa é uma das coisas que ainda existem no Brasil rural, mas não mais em todo, já que boa parte das propriedades não tem mais essas alamedas formadas por árvores frutíferas. Quando árvores existem, são eucaliptos, pinheiros, grevíleas... Sem graça, mas comportadas. Não atraem muitos pássaros, assim como tampouco atraem marimbondos, vespas, moscas e toda a passarada que gosta de insetos e frutas. É uma escolha, típica dos novos tempos.
Paro o carro, desço e pego a grande manga amarela. Já está com dois ou três buracos onde insetos diversos fazem a festa depois que os passarinhos começaram e deixaram para trás. É pesada, tem muito mais de meio quilo, deve estar próxima do quilo cheio. A poucos metros, do outro lado do cordão eletrificado, a Bonita e a Alvorada observam. As vacas estão viciadas em mangas nessa temporada. Algumas delas ficam com os focinhos amarelados quando pastam na sombra das mangueiras. Não pastam, chupam mangas. Ponho a pesada fruta no chão, ao alcance da boca da Bonita que não perde tempo. Perto tem outra, menor, que pego e dou para a Alvorada. Pronto. Justiça social feita, acepipes distribuídos igualmente, volto para o carro e vou para casa. O dia termina.

As variedades de mangas são muitas. De nome, conheço somente a borbon, a velha rainha das mangas. As outras são das variedades modernas, com nomes ingleses: Keith, Palmer, Haden (não é americano esse) e outras. Ignoro quem seja quem, não peço identidade na hora de saboreá-las. Com tanta manga dando sopa, é comum termos travessas cheias de gordos pedaços amarelos dessa fruta tão gostosa. Gosto dela firme, madura, mas não muito. Algumas até prefiro na passagem inicial de verde para maduras. Questão de gosto. Alguns minutos na geladeira são o suficiente para deixar os pedaços no ponto exato. Prazer puro que refresca e alimenta. Parece frase de propaganda, mas é o que saiu da minha cabeça.
Paro por aqui, afinal, a barriga está cheia, satisfeita e, depois dessa frase publicitária, sei lá o que sairá dessa cabeça.