quarta-feira, agosto 03, 2005

Não-memórias de uma caçada

Passeando pelo arquivo de textos não publicados (todos) e/ou não enviados (um monte), deparo com um que escrevi há tão somente 14 meses. Nada mais que 14 meses. Um nadica de tempo, não é mesmo? O interessante nesse texto é fazer sua leitura hoje. Ele parece ter sido escrito em outra era, em outra dimensão, em outra terra, em outra qualquer coisa, menos aqui, no Brasil, há apenas 14 meses.

Puxa, 14 meses...


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Adeus, fui à caça


Prezados amigos,

...dependendo do desenrolar de certas coisas nos próximos dias, este será, para alívio de muitos, meu último texto.

Sim, é verdade, talvez vocês estejam lendo meu último texto.

Desde já sou muito grato a todos que me elogiaram e, mais ainda, aos raros que me criticaram (mas que ingratidão, né?).

O que me leva a isto é minha mais nova empreitada. Aliás, se for este meu último texto, terei feito dias atrás minha última visita ao meu querido Sítio das Macaúbas e às minhas vaquinhas (falando nisso, a Ally está pra parir hoje ou amanhã).

Calma, gente, calma, nada de morte no horizonte, cruz credo!

Toc toc toc...

Depois de amanhã, quarta-feira, dia de São Patrício e Santo Aquiles, segundo meu amigo e fonte Roberto Barreto de Catende, o Dr. Paulo vai tornar pública e legal sua doação de todo e qualquer dinheiro encontrado em conta sua no exterior. Ora, sabedor pela revista Veja desde a tarde de sábado que só em uma das contas repousou a nada módica quantia de 345 milhões de dólares, resolvi lançar-me à empreitada. Sigo em busca do dinheiro perdido.

Para alguma coisa há de me valer agora a leitura atenta dos trocentos livros do Paul Erdman e outros autores de thrillers financeiros – que corri a tirar do meu sebo virtual - e dos trocentos mil livros do Rex Stout, Agatha Christie, P D James e outros autores menos votados da nobre literatura policial, inclusive o patrício Ivan Santana.

É recheado com essa cultura ímpar, por muitos tida como inútil, que vou à caça.

Estou, desde já, preocupado com o fisco tupiniquim. Apesar de nutrir nobilíssimas intenções, tipo doar metade para instituições de caridade, criar um lar para os cavalos desamparados, outro para os cachorros e gatos abandonados, e nada para os companheiros sem-terra, pois minha babaquice não chega a tanto, estou pensando seriamente na possibilidade de vir a ser vizinho dos pilotos de F 1 e dos tenistas nível Grand Slam, morando no aprazível Principado de Mônaco. Sorry, mas ver o fisco me tomar 172,5 milhões dos 345 é dose! Sem falar que nada impede que um desses procuradores do MP louco por uma manchete, quiçá o próprio Luiz Francisco (inda mais se este um vier a saber que sempre fui eleitor do PSDB), venha pra cima de mim com um processo alegando origem ilegal do dinheiro e resolva confiscar tudo! É ruim, hein! Depois de tanta trabalheira entregar tudo de mão beijada ao fisco é de doer. Diante disso, é isso: penso em morar em Mônaco. Quem sabe eu compre uma fazendinha na Suíça? Estou certo que, como um digno produtor de leite local, serei devidamente protegido pelas autoridades do cantão de minha escolha, livrando-me do risco da extradição, eu e os meus, digo, os dólares do Dr. Paulo.

Vai ser chato deixar meu sítio pra trás, mas... fala sério, pô! 345 milhões de dólares! Dá pra eu comprar um apartamento de frente pro Central Park, a meros 100 ou 200 metros do Metropolitan. Com direito a mordomo inglês. Uma fazenda em Vermont – posso até levar minhas vacas pra lá, de avião. Um G IV usado (sou modesto, aceito um usado mas bem decorado) (ok, ok, desculpem, G IV é o Gulfstream IV, que já foi o top dos jatos executivos... mas, como eu disse, sou modesto, me contento com ele). Uma Ferrari, claro, Testarossa. Vai ficar na casa de Baden-Baden, e de lá poderei voar baixo pela autobahn pra Munique ou Berlim. Posso ir a um leilão da Sotheby´s, em Londres, mas só pra assistir. Não me vejo gastando um terço do meu, digo, do dinheiro do Dr. Paulo pra comprar um Picasso. Não sou esse tipo de rico, entendem? Quero dizer, não serei. Até porque, bonzinho e diferente que sou, iria tratar de doá-lo ainda em vida pro MASP. Não, não, não... não vou a leilão nenhum.

Agora com licença que estou relendo toda a obra do Paul Erdman. Estou certo que lá, no meio das aventuras financeiras dos grandes escroques e trambiqueiros, hei de achar a pista pra me levar aos 345.

Fui.


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Escrevi esso sonho duma noite de outono ha apenas 14 meses.
Alguém lembra que Dr. Paulo é esse?
Maluf, Dr. Paulo Maluf, lembraram agora?
Pois é.

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4 comentários:

Anônimo disse...

Eu também gostaria de sonhar e escrever assim!

Anônimo disse...

Substituindo as cifras e os nomes, esse sobho poderia ser da hora. A sensação que tenho é de estancamento: a gente não sai da lama.

valério, concordo em gênero, número e grau quanto ao talento do nosso amigo. :)

Anônimo disse...

Ah, sim: bem que você poderia contar-nos sobre a indignação da mama antes de saber que o "achante honesto" ganhara algum pelo achado. :)

Anônimo disse...

Venho aqui no seu blog a pouquíssimo tempo e quando comecei a ler o post dizendo que poderia ser o último fiquei triste. Gosto muito daqui, principalmente do " diário da vida no campo" me lembra tantas coisas boas.
Obrigado por essas lembranças e egoísticamente estou feliz por vc não ter achado a grana perdida.
abraço