segunda-feira, março 24, 2008

Volta pra tua terra


Essa frase, dita por crianças de escolas paulistanas e transcrita em matéria do Estadão de ontem, despertou-me a lembrança de outros tempos já perdidos na memória e idêntica situação.

“Volta pra tua terra” é frase simples, eloqüente, fácil de ser falada e mais ainda de ser compreendida por quem a ouve. Quatro décadas atrás era ouvida por garotos coreanos, árabes e portugueses, cujos pais imigravam para o Brasil em busca de oportunidade de uma vida melhor ou, simplesmente, em busca de paz. Durante um ano um coreano esteve na mesma classe que eu, em processo de adaptação. Mais velho, era um gênio em matemática e ciências, e sofria com a gramática e a história da Terra de Vera Cruz. Sofria, também, com alguns dos colegas de classe. Além de ser o estranho no ninho, atraindo a curiosidade, sempre, a amizade, raramente, era vítima, também, do preconceito de jovens adolescentes que manifestavam sua maldade com frases cortantes como essa.

Creio que tudo era mais cruel com os portugueses, tanto os que vieram da metrópole como os que vieram das colônias africanas. Entendiam a língua e, portanto, além de sentir, também entendiam as frases que eram proferidas contra eles. Uma adolescente, porém, era menos mal tratada que os outros, a “Turquinha”. Nunca soube se ela era turca mesmo ou se era síria, libanesa, palestina. Naquela época, as pessoas referiam-se a qualquer um vindo do Oriente Médio e arredores como “turco”. A diferença em relação à “Turquinha” era o dinheiro de seu pai, que tinha um carrão, um Aero Willys, e morava numa casa grande e bonita. O preconceito é sempre maior, quando não único, contra a pobreza.

A matéria do Estadão entristeceu-me.

São Paulo é terra de migrantes e imigrantes. Meus bisavós maternos desembarcaram em Santos vindos da Calábria. Meu avô materno veio das Minas Gerais para o interior de São Paulo, onde conheceu minha avó italianinha. Meu pai, mesmo, ainda adolescente deixou o cerradão mineiro e veio para São Paulo. Os bisavós de minha esposa vieram da Espanha e da Itália. Cresci comendo macarrão e quibe, charutinho e lasagna, além do arroz com feijão e da feijoada de lei. A diversidade cultural sempre esteve presente na vida paulistana a partir do século XIX.

Hoje, bolivianos, colombianos, argentinos, uruguaios, peruanos, ao lado de angolanos, nigerianos, moçambicanos, árabes de pátrias diversas, chineses, entre pessoas de muitas outras origens, vivem e trabalham nessa cidade. Nas escolas, seus filhos ouvem a mesma coisa que muitos deles também ouvem em seus locais de trabalho:

- Volta pra tua terra.

- Aqui não é teu lugar.

- Não gostamos de você.

Nas escolas, as frases são muitas vezes seguidas pelo roubo puro e simples do dinheiro para o lanche. Há quatro décadas o preconceito era o mesmo e as frases eram as mesmas, mas o roubo não existia.

O preconceito não se revela só contra pessoas de outras nacionalidades. Seria cômico, se não fosse trágico e profundamente triste, saber que as mesmas frases são usadas contra crianças vindas de outros estados. Dessas a matéria não fala, mas os casos existem e não são diferentes. Da mesma forma, ele revela-se mais contra os pobre do que contra os remediados ou ricos. Aliás, é difícil haver preconceito contra ricos, e quando existe fica escondido, exceto nos momentos de conflagração.

Nem tudo é tristeza e dor, entretanto. O artigo fala também das crianças integradas, como um menino e sua irmã, bolivianos, tão bem aceitos ao ponto de expressões em castelhano já fazerem parte do dia-a-dia dos colegas na escola. Nesse caso, todos estão ganhando, conhecendo-se, aprendendo e crescendo como seres humanos.

Essa matéria está disponível no site do Estado de S.Paulo mesmo para quem não é assinante: http://txt.estado.com.br/editorias/2008/03/23/ger-1.93.7.20080323.3.1.xml

Vale a leitura.

Sempre é bom conhecer um pouco mais sobre nós mesmos, os brasileiros.

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quarta-feira, março 19, 2008

Domenica matina in San Paolo



Manhã de domingo no Mercado Municipal e depois na Padaria 14 de Julho deixa com vontade de falar e escrever em italiano. Pena que o meu italiano não dá para tanto, muito pelo contrário, apesar da vontade da minha Nona.

La domenica matina in San Paolo é particularmente gostosa porque não tem trânsito. Ou melhor, tem e até muito, mas ele flui que é uma beleza. A gente redescobre nas grandes avenidas a “onda verde”, passando sorridente por um, dois, três, vários sinais no verde. Que coisa boa! O ar também é mais gostoso, a paisagem é mais clara, tudo é mais bonito. A cidade está mais bonita, agora livre da poluição visual de cartazes, placas, fachadas de lojas, paredes e muros com propaganda, outdoors, faixas, etc. Parabéns, Prefeito Gilberto Kassab! Valeu a sua briga e que prazer é poder elogiar um homem público, coisa extremamente rara nesse Brasil varonil, nessa manhã com céu de anil, combinando com as muitas cores à minha espera.


O Mercado Municipal de São Paulo é um local de cores em profusão. Até mesmo sua estrutura do início do Século XX, devid
amente limpa e mantida em ordem, é bonita.

Tem cor de solidez antiga.


Mas é em seu interior que as cores brilham e brincam, começando pelos vitrais.



À explosão de cores dos vitrais, corresponde a multiplicidade de cores das frutas.

Brilhantes, refletindo a luz filtrada pelos vitrais e pela comprida clarabóia que ilumina o grande interior de ponta a ponta.


Frutas de todas as partes do mundo, a maioria, por

mais incrível que pareça, já cultivadas aqui mesmo.




Inúmeros tipos, alguns desconhecidos, outros surpreendentes.


Desconhecida, por exemplo, é

a achachaia boliviana.


Sua presença é explicada pela existência de colônia boliviana em São Paulo.


Como surpreendente é o nosso selvagem e nativo jatobá.


Tanto desconhecido como surpreendente é o jamelón, que o fruteiro diz ser um tipo de melão caipira, mas...


Sei não, nunca vi assim.



E esse tal de zarbão?

Pergunto ao dono da banca se é um tipo de grapefruit, que é o que parece, e minha pergunta cai no vazio.

Como surdo ele não é, pois ouviu outras, concluo que é apenas grosseiro, uma vez que estou apenas fotografando. Faz parte...

Encontro até abio, quem diria!


Mas o Mercado oferece muito mais, e já falei dele em outro post ou, quem sabe, posts. Visitá-lo e nada escrever a respeito é difícil.


Tem as azeitonas.

Da Grécia, de Portugal, Espanha, Itália...



Do Chile, temperadas...


É o paraíso dos amantes do bacalhau, como eu.

Do Porto, da Noruega, do Pacífico, vários tipos.

No Empório Chiapetta vem tudo explicado: origem, tipo, características...

A boca enche-se d’água, reflexo pavloviano básico, e o jeito é parar novamente num dos bares espalhados em seu interior.

A primeira parada, logo à chegada, foi para um rápido café-da-manhã básico. Afinal, dia de Mercado é dia de sair de casa em jejum.

Essa parada de agora é diferente, não é para matar a fome e sim a vontade, a permanente vontade de comer bacalhau, que vem em forma de enorme e saboroso, muito saboroso bolinho.

Mais um expresso e uma mineral com gás.

Bom demais...

A comida, o ambiente, os ruídos, os cheiros, as imagens, o vai-e-vem das pessoas, o espresso quente e forte, de fato, ir ao Mercado Municipal é um exercício de prazer.

Mas só nas manhãs de domingo.

Com o trânsito livre, é obrigatório parar na velha 14 de Julho na volta. Abri mão de comer um canoli na hora, preferi a sardinha escabeche com cebola. Uau! E pedaços de pão italiano, o verdadeiro pão italiano, recém-saido do forno, quente, cheiroso e delicioso.

Como diz aquele filme, e para terminar no mesmo idioma do começo, pois simetria é importante, la vitta è bella!


Mas só nas manhãs de domingo.


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Universidade para o povo (?)


Esse título foi, também, uma das palavras de ordem de Maio 68 em Paris.

É, também, a idéia básica que norteou a criação de universidades públicas por todo o Brasil.

É, também e finalmente, uma decorrência lógica de uma universidade ser daqueles que a sustentam, ou seja, o povo.

Bom, com relação à Universidade de São Paulo, a USP, a primeira frase é mera utopia.

A segunda frase é tão somente retórica política.

A terceira frase é uma manifestação de idiotia de quem acredita que o contribuinte, o povo, tenha direito a algo que faça parte da estrutura do Estado tupiniquim. Aqui, o Estado é para si próprio e seus apaniguados e funcionários, jamais para o povo.

E por que toda essa discurseira raivosa contra uma instituição tão fantástica como a USP? Sim, porque é tão somente da USP que estou tratando, embora, com toda certeza, tudo que vem a seguir aplica-se a todas as demais universidades públicas dessa Terra de Vera Cruz.

Criada para ser popular, a USP tornou-se elitista, pois o acesso a seus cursos depende de excelente pontuação no vestibular, o que só é conseguido, basicamente, por quem vem de boas escolas e estudou bem e bastante. Pobres, portanto, estão excluídos, até porque as escolas que os pobres freqüentam, gratuitamente, pois da rede municipal ou estadual, não passam de depósitos de jovens e centros de má-formação.

Criada para servir, ela mais serve a si própria que à comunidade que a sustenta.

Finalmente, há pouco mais de dez anos, a USP fechou-se, fisicamente, para a população. O passeio de fim-de-semana de milhares de pessoas, em boa parte famílias inteiras com crianças e idosos, inclusive, acabou. A Universidade fechou seus portões ao povo, com medo dos estupros, roubos e assaltos.

Numa típica solução autoritária, comodista e voltada para o próprio umbigo, proibiu-se o acesso das pessoas sob a desculpa esfarrapada da segurança. Houve, sem dúvida, uma diminuição nos números de casos, mas não a extinção dos problemas.

Em nenhum momento a Universidade pensou em trabalhar em conjunto com a Polícia Militar. Ah, não, isso jamais, onde já se viu permitir a entrada das forças repressoras do Estado no solo sagrado onde o saber é gerado?

Em momento algum a Universidade pensou em algo como ser policiada pelos cadetes da Academia da Polícia Militar e por soldados em fase de treinamento. Ambas as categorias – cadetes e soldados – começariam suas vidas de policiais trabalhando com uma elite intelectual e ciosa de seus direitos e prerrogativas. Poderia, quem sabe, ser um excelente começo para que depois fossem para as ruas onde vive o povo real, a população que sustenta a Universidade.

Foi mais fácil fechar os portões.

Há duas semanas, num fim de tarde de sábado, fui à USP para assistir “Antígone”, no Teatro da ECA – Escola de Comunicações e Artes. Para entrar no campus demorou cerca de cinco minutos, aguardando a segurança liberar um carro de cada vez. Quando chegou a minha vez disse “Teatro” e fui liberado. Como sou cidadão de bons bofes e hábitos, e seguidor das leis, fui para o teatro, bonitinho. Assim como poderia ter ido para qualquer outro lugar. Como fizeram alguns visitantes no sábado e no domingo anteriores. Em dois roubos, levaram mais de 120 mil reais de caixas automáticos, fizeram reféns, bateram, aterrorizaram e saíram incólumes, sem nenhum problema, inclusive os ladrões do dia seguinte.

Na USP é assim: o cidadão não pode passear com sua família, mas os ladrões podem fazer a festa à vontade. Afinal, no solo sagrado da geração do saber é proibida, também, a entrada da polícia. Exceto para recolher as sobras dos roubos e, qualquer dia, os corpos das vítimas.

A Universidade cria e é criada pelo monstro que é o Estado brasileiro e sua burocracia.

Definitivamente, a universidade não é do povo e não é para o povo.


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domingo, março 16, 2008

Blablablá glamoroso e os OGM

Bom dia, boa tarde, boa noite, boa madrugada, quem sabe.

Ando em falta com esse Olhar Crônico, lamento e peço desculpas.

Vida atribulada é a melhor e também a pior resposta, mas verdadeira.

Dia 8 último, o Dia Internacional da Mulher, um grupo de “companheiras”, grávidas à frente, empunhando foices e enxadas invadiram a estação da Monsanto em Santa Cruz das Palmeiras, pertinho do Sítio das Macaúbas, e local onde já gravei inúmeras vezes para a Monsanto. O motivo da invasão: depredar instalações e áreas de testes com variedades de milho transgênico.

Muita gente, principalmente entre os “companheiros e companheiras”, mas também fora do mundinho deles, é contrária aos organismos geneticamente modificados, ou, popularmente, plantas transgênicas. Curiosamente, isso é, para mim, uma enorme contradição, tanto em termos presentes como futuros. Uma variedade modificada geneticamente apresenta grandes vantagens em relação a variedades comuns. No caso das plantas de milho e algodão, por exemplo, resistentes a alguns insetos (lagartas), elas permitem a não aplicação de muitos milhares de litros ou quilos de venenos diversos destinados ao combate dessas pragas. Ora, ao evitar essas pulverizações, o ambiente, chamado no Brasil de meio ambiente, é preservado, deixa de ser atingido por agentes poluidores. Esse é apenas um exemplo entre muitos.

Em todo o mundo a população rural diminui a olhos vistos e em velocidade acelerada. Trabalhar no campo, glamour à parte, é muito ruim, é muito cansativo, é totalmente desprovido de charme e de valor.

Essa é a verdade. Raras são as pessoas urbanas que dão valor de fato às lides agrícolas. A maioria enxerga nelas uma condição de atraso de vida, uma atividade destinada a pessoas sem capacidade ou habilitação para “vencerem” e ganharem dinheiro nas cidades. Pior: grande parte dos rurícolas se enxerga da mesma forma, o que é muito triste. Além disso e muito pior que isso, a cidade desvaloriza o produto do campo e super-valoriza seus próprios produtos. As relações de troca campo-cidade sempre foram e estão cada vez mais desequilibradas.

Há uma falsa ilusão, propagandeada principalmente por urbanóides que nunca pegaram no cabo de uma enxada, que felicidade é ir pro campo e produzir alguma coisa, às custas da reforma agrária governamental, e, naturalmente, sem usar venenos e produtos químicos.

Triste ilusão na qual milhões acreditam. Pior ainda, acreditam que a humanidade, a caminho de seu sétimo-bilionésimo habitante, pode ser alimentada, vestida, abrigada, protegida, dessa forma. Lamento, mas tal coisa é impossível. Só seria possível se ao invés de sete bilhões, fôssemos apenas uns quinhentos milhões, no máximo, bem distribuídos por todas as terras agricultáveis do mundo. Mesmo assim... Sei não, acho que duzentos milhões seria um número mais factível.

É nesse cenário que surgem as plantas transgênicas, os “ogm” – organismos geneticamente modificados.

Eles permitem e permitirão cada vez mais, a produção de mais alimentos com menores dispêndios de energia. Nossa sobrevivência, e isso é uma certeza minha, está atrelada aos avanços genéticos aplicados à produção de alimentos. Refiro-me, claro, à nossa sobrevivência com um mínimo de dignidade e barriga cheia.

É contra isso que as pobres “companheiras” grávidas foram levadas, iludidas, a empunhar foices e enxadas para invadir e destruir mais uma estação de pesquisas. Infelizmente, temos também nossos fundamentalistas, tão toscos e ignorantes quanto os fundamentalistas muçulmanos e os fundamentalistas de Bush.

Para mim, e desculpem o termo, é tudo da mesma laia, é tudo a mesma corja.

Nosso futuro depende da preservação dos recursos naturais fundamentais, como ar, água e terra, ao lado da produção de mais e melhores alimentos em abundância, suficientes para todos. Plantas transgênicas e preservação da natureza não são antagônicas, muito antes pelo contrário.


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sexta-feira, março 14, 2008

Ética ou liberdade?


“Não há moral, ética, nada”, disse o diretor da Federação Cubana de Futebol, Antonio Garcés, em relação à fuga de sete atletas da seleção cubana sub-23 que disputava o Pré-Olímpico em Tampa, na Florida.

Primeiro foram 5 atletas de uma só vez, incluindo o capitão da equipe. Depois de brilhante empate em 1x1 com a seleção americana, comemorado efusivamente na ilha (ainda) de Fidel, os jogadores, durante a madrugada, abandonaram o hotel. Na madrugada de ontem mais dois atletas fugiram e, comenta-se, ainda sem confirmação, que o mesmo fez um membro da comissão técnica cubana.

Com isso, o grupo de 18 atletas viu-se reduzido a 11, mas com um deles suspenso, Cuba entrou em campo para jogar contra Honduras com apenas 10 jogadores em campo e nenhum no banco. O jogo terminou em2x0 para Honduras, para alegria da delegação cubana que temia uma goleada retumbante e ainda mais desmoralizante.

A regra permite que uma equipe entre em campo com um mínimo de 7 jogadores – a mesma regra que já levou jogos ao final prematuro por conta de expulsões e contusões.

Os primeiros atletas a desertar estão negociando a ida para o Miami FC, que disputa a MLS – Major League Soccer e tem um grande contingente de torcedores cubanos em sua base.

Então, volta a pergunta: falta de ética ou desejo de liberdade?

A liberdade, para quem a tem, é algo vago, difuso, nunca considerado para nada na vida, afinal, como considerar algo “inexistente”?

A falta dela, todavia, é “existente”, é concreta, é dura, é pesada, é triste.

Ao ser humano, quase tudo é permitido na luta pela liberdade. Antigamente, tudo era permitido e aceito. Hoje, com atentados terroristas que matam inocentes, essa aceitação já é mais restrita, mas, certamente, a fuga de um regime ditatorial não é condenada. Exceto por aqueles que nada enxergam da realidade sem as lentes fortes da ideologia.

Já durante o Pan Americano, no Rio de Janeiro, três atletas e um treinador cubanos desertaram. Dois permaneceram no Brasil, já tinham tudo planejado. Dois atletas, porém, foram capturados pela Polícia Federal – mesmo sem nenhum crime ter sido cometido – e entregues ao governo cubano, que mandou um avião especialmente para levá-los de volta à ilha. Os atletas não tiveram tempo e apoio para pensar, para raciocinar sem pressões. Poucas vezes tive tanta vergonha do governo brasileiro como dessa feita. Negamos nossa história, para dizer o mínimo. Esse risco, pelo menos, os atletas que fugiram nos Estados Unidos não correrão.

Que sejam felizes no novo lar, em liberdade, ainda e sempre nosso bem mais precioso.

Pois não há agressão à ética nesse caso, há, tão somente, a fuga para a liberdade.

Mesmo porque, na visão do dirigente cubano, ético seria retornar à virtual prisão que é a ilha de Fidel e de Raul. E isso, convenhamos, nada tem de ético.


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quarta-feira, março 05, 2008

Pela Colômbia, contra o cerco “bolivariano”

A primeira reação de Rafael Correa ao ataque colombiano dentro de seu território foi calma e ponderada. Horas depois, e não por coincidência depois de ter conversado com Hugo Chávez, Correa partiu para o ataque, inclusive ordenando o deslocamento imediato de quase quatro mil soldados para a fronteira com a Colômbia. Agora está fazendo um périplo sul-americano, pedindo aos presidentes visitados que condenem a Colômbia. Enquanto isso, Chávez deita e rola e se diverte. Mandou dez mil soldados, com apoio de tanques, para a fronteira colombiana. Fala pelos cotovelos, ofendendo Álvaro Uribe e, de quebra, atacando os Estados Unidos. Com tanto barulho, é de duvidar que algum presidente tenha a coragem política de fazer a coisa certa e apoiar a Colômbia, ou, ao menos, recusar-se a condená-la, exceto no aspecto formal e legal de condenação à invasão de território. A idéia de fundo é isolar a Colômbia politicamente e, depois disso, sabe-se lá o que poderá acontecer. Chávez já recebeu dinheiro das FARC quando esteve preso. Documentos capturados na ação militar dão conta que ele teria entregue 300 milhões de dólares aos terroristas recentemente, “comprando” a libertação de reféns como parte de sua campanha publicitária de grande líder. Correa não combate os aquartelamentos terroristas em sua terra e há indícios que, mais que isso, dar-lhes-ia mais que apoio político. Tudo se explica quando se sabe que as FARC começam a considerar-se “bolivarianas”.

Preocupa-me, como de hábito, a posição brasileira, que já foi vergonhosa e covarde na questão de Darfur, quando o Brasil absteve-se de condenar o regime assassino do Sudão, e agora corremos o risco de ver nosso país condenar uma clara ação de defesa da Colômbia contra terroristas e narcotraficantes que partem de bases em santuários equatorianos e venezuelanos, para atacar, matar e sequestrar cidadãos colombianos e de outros países que estão trabalhando no país. Lembrando que a Colômbia é uma nação que, mesmo submetida às atrocidades dos terroristas e narcotraficantes, vive sob regime democrático há décadas. Nada impediria que esses supostos “guerrilheiros” defendessem seus ideais (?) pela via democrática do voto livre. Não o fazem, todavia, preferem o terror, gostam do lucro fácil e assassino dos narcóticos.

Terroristas são inimigos da humanidade.

Narcotraficantes são inimigos da humanidade.

Caçá-los e eliminá-los é tarefa necessária a todo estado, a toda sociedade organizada.

Simplesmente não pode haver meios-termos.

Que o Brasil condene, sim, como é de protocolo, a invasão, mas que condene também, e duramente, a leniência dos governos do Equador e Venezuela com a presença de assassinos que se abrigam em seus territórios. Essa é a posição correta, é a única posição possível a uma nação democrática e amante da paz. Historicamente, o Brasil é assim. Que não mude agora.

Peço desculpas pelo tom desse post, mas entendo que há assuntos que exigem a tomada de posição clara e inequívoca. Esse é um deles.


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terça-feira, março 04, 2008

Grandes loucuras, grandes cidades


Esse post é, em parte, uma resposta aos comentários – muito interessantes – do Carlos Emerson Jr. e do Guido Cavalcante.

Caro tocaio (descobri esse termo gaúcho para xará no imperdível “Os Varões Assinalados”, o romance da Guerra dos Farrapos escrito por Tabajara Ruas, autor também, entre outros, de “Netto Perde Sua Alma”), à São Paulo não basta ter a montanha de gente que comentamos em post anterior. No último dia 21 de fevereiro a cidade atingiu a marca de 6 milhões de veículos registrados, fora a frota dos demais municípios da região metropolitana e mais os itinerantes. Sem falar na enorme quantidade de veículos registrados no Paraná e agora também em Tocantins, para pagar IPVA de menor valor.

E, não por coincidência, o caderno Metrópole do Estadão de hoje, traz como manchete o aumento no congestionamento matinal, sempre pior que o vespertino. Realmente, já há alguns meses a gente percebe uma demora ainda maior para ir a qualquer lugar entre as seis e quinze e dez horas da manhã. Isso não é exagero. Depois das seis e meia, todas as vias paulistanas de alguma importância já estão com trânsito parado.

Há 20 anos, digamos, quando o número de veículos girava ao redor de dois milhões ou pouco menos, o total de quilômetros de avenidas, vias expressas e ruas de grande circulação era pouca coisa menor que o número atual, quase o mesmo, na verdade.

Como os carros, ônibus e caminhões multiplicaram-se por três, temos congestionamentos que não se sucedem, já são permanentes.

Dirigir em São Paulo nas manhãs e tardes de sábado é certeza de irritação. Imaginamos um dia tranqüilo, sossegado, trânsito fluindo e... Nada. Tudo quase igual a um dia útil. Hoje, o único bom momento que resta para se dirigir com prazer em São Paulo é a manhã de domingo. Pelo menos por enquanto.

E, como você disse, xará, a insanidade move-se para as cidades pequenas. A própria Santa Rita do Passa Quatro tem lá seus “congestionamentos” também.

Guido, de um lado você é pessimista, com viés para realista.

Por outro, porém, é extremamente otimista. Não acredito que consigamos dominar nenhuma forma de transporte em algo próximo à velocidade da luz em menos de dois, quem sabe três séculos. Mas, sei lá... Tudo parece possível ao engenho e arte do moderno macaco-sem-pelo.

Apesar de todos os pesares, encaro, ainda, com relativo otimismo o futuro.

Acredito, ainda, que conseguiremos contornar ou amenizar os problemas mais graves e tenebrosos, exceto, muito provavelmente, a corrupção tupiniquim, algo que persistirá mesmo depois de árabes e israelenses andarem de braços dados – sem algemas – pelas ruas livres de uma futura Jerusalém.

Apesar da crueza, gostei do poema. Dê mais informações a respeito, por favor.

Abraços a ambos.


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segunda-feira, março 03, 2008

Ficção virando realidade?


Há alguns meses escrevi uma minúscula peça de ficção política aqui nesse Olhar Crônico (“Reunião de Cúpula em Washington, postado em 9 de novembro de 2007).

Ela contava a chegada a Washington da Presidente Marisa Letícia para uma reunião de cúpula com as presidentes Hillary Clinton e Cristina Kirchner. Desde então, Hillary parece ter sucumbido ao furacão democrata Obama, Cristina foi eleita, como já era sabido que seria, e Dona Marisa Letícia continua papagaio-pirateando o maridão por toda parte, até na Antártida, mas, sei lá, hoje eu já acho mais provável Dona Dilma, por sinal o nome da minha progenitora, do que Dona Marisa Letícia, a italiana com passaporte brasileiro – ou é o contrário? –, na presidência desse imenso bananal.

O motivo ficcional que gerava essa cúpula americana, todavia, parece próximo de tornar-se realidade, o que, felizmente, não acontecerá: a invasão da Colômbia por tropas venezuelanas de Hugo Chávez.

Pois é...

Ontem, ao regressar do sítio e ligar o computador à noite, fui surpreendido com a notícia da morte do número 2 das chamadas FARC – grupo de bandidos com formação paramilitar – pelas tropas colombianas. Hoje, com mais detalhes, sabe-se que o indivíduo em questão foi morto pela explosão de bomba teleguiada, dois quilômetros dentro de território equatoriano, disparada a partir de um Super-Tucano T-27, fabricado em São José dos Campos e vendido para a FAC – Fuerza Aérea Colombiana. Esse detalhe com dois quilômetros de comprimento – essa era a distância a que o alvo estava da divisa entre Equador e Colômbia – provocou um protesto ensandecido de Chávez, que fechou sua embaixada em Bogotá e mandou dez batalhões de seu exército para a divisa da Venezuela com a Colômbia. Não satisfeito com tão fantástica demonstração de machismo, digo, poder e indignação, foi além, e chamou o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, de “cachorro americano” e “assassino”.

Chávez é um poltrão que gosta falar alto e contar vantagem, sendo ouvido porque senta-se sobre um monte de barris de petróleo. Não o chamo de palhaço porque palhaços não têm poder de vida e morte, somente o de fazer rir ou chorar. Chávez faz rir por conta de muitos de seus atos e pretensões megalomaníacas, faz chorar, e chorar muito, a milhões de pessoas, e tem, sim, o poder de matar, agora multiplicado e em velocidade supersônica, graças aos caças Sukhoy comprados da Rússia e que já ameaçou – como ele gosta de ameaçar – enviar contra os aviões colombianos.

Analistas políticos acreditam que tiro nenhum será disparado por conta dessa movimentação de tropas chaviztas, mas, sabe-se lá, às vezes um espirro fora de hora e lugar dá início a um tiroteio e um tiroteio...

Rafael Correa, que pode ser chamado de “cachorro chavizta”, reagiu protocolarmente ao ataque colombiano, chamando seu embaixador para consultas e exigindo desculpas públicas da Colômbia. Corretíssimo nas duas ações, estritamente dentro do protocolo e do que determinam as boas relações internacionais. O porta-voz de Uribe já adiantou que o país irá desculpar-se pela ação. Isso seria o bastante para encerrar o incidente, mas fica, agora, a ameaça criada pelas tropas venezuelanas.

O número 2 das tais FARC era apenas um bandido a mais. Lamento se alguém dá a esse pessoal o peso de combatentes por alguma causa, mas eu não creio nisso. Não passa, para mim, de movimento formado por grupos paramilitares, que ganham dinheiro com o narcotráfico e o seqüestro e encarceramento em condições degradantes de centenas, até milhares de pessoas. Não há porque lamentar.

Esse é um ano de eleições estaduais e municipais na Venezuela, e o partido de Chávez está muito mal nas pesquisas. Em novembro, Uribe afastou o venezuelano das negociações para a libertação de reféns em poder das FARC, quando sua ânsia por publicidade a qualquer custo ficou mais que evidente, ao ponto de atropelar as autoridades colombianas no processo de discussão. O brilho fácil do falatório demagógico e as manchetes igualmente fáceis proporcionadas por suas ações, eram importantes para continuar passando ao povo venezuelano uma imagem de grande líder que ele não é. O presente fuzuê parece ser apenas um sucedâneo para a ação frustrada de conduzir a libertação dos reféns.

Tiranos e tiranetes, mesmo que eleitos pelo voto popular, adoram esse tipo de coisas. Nossa história, infelizmente, está cheia de exemplos do tipo, como o de um ditador que mandou jovens despreparados para a invasão de um remoto arquipélago no Atlântico
Sul, provocando a morte de centenas e centenas de vidas.

Que Hugo Chávez limite-se à sua poltronice verborrágica.


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