terça-feira, março 29, 2005

Nem tudo são flores

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Há muitas flores no campo nessa época, começo de outono, como as da paineira, por exemplo. Comida é o que não falta para beija-flores e abelhas. Com as chuvas recentes, a paisagem voltou a ficar bonita, verde, brilhante. As noites já estão mais longas um pouco. As galinhas já começaram a diminuir a postura. As vacas têm mais conforto, comem melhor, produzem mais leite. Nem tudo, porém, são flores no campo. Muitos são os espinhos.



Flores de uma jovem paineira no Macaúbas
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Espinhos...

Coisa de mês atrás, 4 bandidos invadiram um sítio. Foram para o poste com o transformador. Desligaram a corrente elétrica e começaram a “trabalhar”, para roubar relógio e fios. O sitiante, um homem de idade já um pouco avançada, estranhou a queda da energia, pegou a lanterna e foi ver se havia caído uma fase ou coisa que o valha. Não chegou ao relógio e ao poste: recebeu um tiro no peito. Gravemente ferido, conseguiu sair do local e caminhou em direção ao vizinho. Este, ouvindo o barulho de algo parecido com um tiro, saiu de sua casa e, a meio caminho, encontrou o homem ferido. Correria. Polícia, ambulância, o circo de praxe foi armado, executado, desarmado. E ficou tudo por isso mesmo. E o sitiante na UTI.

Dias depois, duas denúncias anônimas levaram a polícia aos meliantes, aos vagabundos. Somente um foi preso, morador de um distrito da cidade. Um tal de N (deixemos assim, ok?). Sua prisão foi noticiada. Em sua casa, a polícia apreendeu algumas armas. Entre elas, uma carabina com silenciador. Replay: entre elas, uma carabina com silenciador. Outro sujeito, um tal de M, não foi encontrado. Seu nome foi publicado e ele foi dado como foragido. Entretanto, findo o prazo para flagrante, ele apresentou-se à delegacia. Em sua casa a polícia também havia encontrado armamento. Sua advogada, porém, e também namorada, segundo se comenta, disse em sua defesa que as armas eram propriedade de seu pai. Bem, o tal M não chegou a ser preso.

Comenta-se a boca pequena, e não é de hoje, não, vêm de há muito, muito tempo tais comentários, que essas pessoas estão ligadas a vários, inúmeros roubos. Inclusive de animais que são abatidos e carneados. Tal como foi feito com minha novilha Jersey chamada Gisele, uma PO, registrada, prenhe de 5 meses, tirada do curral e carneada na beira do asfalto. Ao longo desses anos todos, ficou-se apenas nos comentários.

No pequeno e pobre distrito onde mora N, um grupo de 6 ou 7 moradores cotizou-se, juntou algum dinheiro e pagou sua fiança. Ele agora está em liberdade, apesar de possuir em sua casa uma carabina com silenciador.

Em alguns meses haverá um referendo nacional sobre a posse ou não de armas pelos cidadãos. O governo quer que os cidadãos não tenham direito a ter armas em suas casas. Acho muito justo, uma vez que vivemos num país maravilhoso, com forças policiais que primam pela excelência, um país que se destaca pelo seu baixo índice de violência. Coisas de primeiro mundo! Que digo? Coisas de primeiríssimo mundo! É muito justo, portanto, o desarmamento de todos os cidadãos. Vai que um deles mata um meliante dentro de sua casa... Um crime hediondo que deve, a todo custo, ser evitado.

Proponho, para a campanha do desarmamento, que o governo, a igreja (mas o que é que a igreja tem que se meter em assuntos seculares? Vou eu lá dar palpite na sucessão do papa, dos bispos, dos cardeais, e também me imiscuir em suas vidas privadas, que como bem mostram os muitos exemplos de Boston, são tudo, menos puras; combinam bem com privadas), as onguis defensoras dos direitos humanos (todos os bandidos são humanos, todas as vítimas são “aliens”) e largos setores da imprensa, adotem a máxima de Cândido Mariano da Silva Rondon:

“Morrer se preciso for, matar nunca.”

Oras, me poupem!

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O roubo do trator e um roubo maior

A fazenda do Sandro, vista do Sítio das Macaúbas - o prédio branco e comprido é o galpão para frangos em final de montagem. Mais para a direita as duas casas: a sede e a casa para funcionários. Continuando para a direita por cerca de 300 metros, tem o carreador que conduz à estrada.
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O roubo do trator e um roubo maior


A noite recém chegou. Os cachorros latem, apuro o ouvido, um carro se aproxima. Já dá pra ver a luz dos faróis por entre as árvores. Olho pra trás, todos estão atentos, os celulares ligados. Fico no gramado esperando a chegada do visitante imprevisto.

... ... ... x ... ... ...

Sentado à mesa da cozinha, avisto a sede da fazenda do Sandro. Os coqueiros jovens ladeando o carreador da estrada até a sede. A casa dele fica escondida pelas árvores, mas a casa do Gilberto e da Janete, que moram e trabalham lá, é visível. É distância pouca que nos separa, coisa de meros três mil metros, pouco mais ou menos. Mas há vinte dias atrás, num começo de noite de terça-feira, três veículos passaram por entre os coqueiros, logo depois da perua da escola ter pego o Diego, filho do casal.

Despreocupados, o Gilberto e a Janete foram receber os visitantes. A primeira imagem sob a luz do poste em frente à casa, foram as bocas dos revólveres. Além dos motores dos carros, os gritos pra ficarem quietos e não se meterem a besta. Um dos visitantes, que digo, não eram visitantes e sim bandidos, então, um dos bandidos reforçou os gritos com um tiro para o chão. Quem segura uma arma sempre tem vontade de atirar. Uma nova sessão de gritos, agora com o imbecil, o bandido imbecil, que atirou. Coisa de amador que quase apanhou dos parceiros de crime pela tolice.

Vigiado pelos olhos negros e vazios das armas, Gilberto soltou a roçadeira que estava acoplada ao trator novo, bonito, traçado e caro, alvo primeiro e mais importante dos bandidos. O galpão novo para criação de frangos, há pouco terminado, foi visitado. Vinte motores elétricos para usos diversos foram transportados para os carros. Da casa, uma tv nova, 29”, tamanho ideal para o futebol. E uma bomba d’água para poço artesiano. Uma bomba que outros bandidos tentaram roubar no outro sítio, sem conseguir. Mas deixaram que ela despencasse poço abaixo. Recuperada por uma empresa especializada a custo também especializado, foi guardada na sede da fazenda. E roubada.

A cama do casal serviu para mantê-los amarrados. Até onze horas da noite, quando Diego chegou da escola, assustou-se e soltou os pais.

Pouco depois desse horário, enquanto a polícia chegava à fazenda, a cerca de 25 km de distância, a meia-noite chegando, uma viatura da Polícia Ambiental, novo nome da Polícia Florestal, cruzou com um trator numa estrada vicinal. A princípio os policiais passaram direto. Mas, acabaram por achar estranho tal trator a tal hora em tal trecho. Deram meia-volta. Incontinenti, viram o trator parar, o tratorista descer e correr para a mata que margeia a estrada. Sumiu. Era o trator do Sandro.

Enquanto amarravam o casal à cama, os bandidos prometeram voltar para buscar o outro trator. E eles que se comportassem direitinho, pois sabiam de tudo. E sabiam e sabem mesmo! Desde então, enquanto não mudam da fazenda para a cidade, depois que a perua da escola pega o filho eles se escondem no meio da lavoura até onze horas da noite. Puro pavor.

Sexta-feira agora, feriado, cheguei ao sítio e logo fui ouvindo as novas da região. A mais quente é que tinham entrado, novamente, na fazenda do Sandro. Aí, o Gilberto e a Janete saíram correndo e gritando ao celular. Disseram que uns homens desceram de um carro e tinham dado um chute na porta. A polícia acorreu. O Sandro, que tomava uma bebida antes do banho pra relaxar de um dia de trabalho, veio também a toda velocidade. Nesse meio tempo, o casal estava abrigado embaixo da estrada, no meio da água do córrego que passa por um tubulão. Os gritos atraíram a atenção do pai do meu funcionário, que mora ali perto. Ao chegar, viu marido e mulher encharcados por inteiro, ela apavorada e chorando. Quadro triste.

Eu mesmo achei tudo muito estranho para ser um novo roubo. O Sandro e a polícia pensaram do mesmo jeito. No sábado, o mistério desfez-se: o mesmo carro chegou à sede, com um casal a bordo. Tinham ido lá procurar emprego, justamente a vaga que será aberta com a saída do Gilberto e da Janete. Não viram ninguém, a porta da casa estava aberta, acharam estranho e foram embora. O “chute” na porte era apenas o barulho da porta velha do carro velho sendo batida com força pra fechar direito.

... ... ... x ... ... ...

A luz dos faróis aumentou, em segundos já daria para ver o carro. Não adianta, há sempre um momento de tensão, há sempre uma descarga de adrenalina, há sempre um friozinho na barriga. Finalmente, o carro surgiu ao lado do bezerreiro, sob a paineira. Uma pickup... ah, era o Sandro. Relaxamos, os celulares voltam aos seus locais habituais, esperando por chamadas, se possível nunca usados para pedir socorro.

Conversamos rapidamente, ele estava a caminho da sede onde iria passar a noite, tal como vem fazendo desde o roubo. Nesses dias, com o feriado da Páscoa, sua família e um casal de amigos estavam juntos. De onde estávamos, minutos depois, avistamos os faróis da pickup entrando no carreador da fazenda.

Um pouco mais tarde fomos para lá, conversamos, falamos mal dos governos, dos bandidos, dos políticos – dizem que há diferenças entre essas categorias. Bom, dizem que há, eu mesmo não afirmo mais nada. O filho do Sandro e da Lu está enorme e já vai fazer um ano. O preço da soja está uma caca, talvez melhore, talvez não. O Sandro tem uma área de cana que pôs à minha disposição, mas a cana está nova, com pouca sacarose e não poderei usar. Pena, ele vai ter de passar o trator para plantar um novo talhão de laranja. Finalmente, uma fantástica lua cheia, a paisagem bonita toda prateada, a vista alcançando longe.

Nada disso foi assunto nessa noite. Tudo isso, e mais a paz de espírito dos trabalhadores, foi-nos roubado pelos ladrões. Um roubo pior que o trator, é o que eu penso.

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segunda-feira, março 28, 2005

Fim de tarde


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Domingo de Páscoa, final de tarde. A ordenha acabou, as vacas comeram, agora estão soltas no pasto. O sol vai sumir em poucos minutos. O céu parece com o céu daqueles cartões postais cheios de cores, flamejantes. A foto não captou todos os raios dourados que avançam sobre as nuvens escuras. É um céu bíblico.

Olhando a foto, penso que uma sinfonia faria a trilha sonora adequada, uma grande sinfonia, majestosa, grandiloquente. Bobagem, não é preciso tanto, o canto dos passarinhos foi suficiente.

A vida na roça tem seus momentos preciosos. E esse foi apenas uma introdução para mais uma noite prateada pela lua cheia.

sexta-feira, março 25, 2005

Boa Páscoa!


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Essa paineira no sítio fica cada ano mais bonita. Sua floração atingiu o auge dias atrás, final do verão. Em 5, talvez 7 anos, ela dominará a paisagem.

Esses dias foram complicados. Imaginava postar alguma coisa a partir do hotel, no Paraná, mas usar a internet por lá estava difícil. Mesmo com 6 computadores na sala, havia fila para usar. Mal e mal, ou malemá, como dizia vovó e diz ainda uma de minhas tias, dava pra ver emails e notícias.

Muita coisa pra contar, mas fica pra próxima semana. Até lá, boa Páscoa para todos.

sexta-feira, março 18, 2005

Como custa a água

Visões dumas andanças - XI

A água custa... e como custa



Faz tempo já, coisa pra mais de dez anos, talvez mais de doze. Foi um período em que viajei bastante pro sertão baiano, principalmente pra região de Guanambi. Ali é o verdadeiro sul da Bahia, mas deslocado do litoral que todo mundo conhece - ao menos pelos olhos de Gabriela (cravo e canela). Digamos, então, que Guanambi fica no centro-sul, próxima do Rio São Francisco, próxima da divisa com Minas. Terra ora agreste, ora não. Por ali passa o Rio Iuiú e é no seu vale que se plantava muito algodão. Uma enormidade. Hoje, nem tanto.

Em Guanambi fiz uma amiga, locutora da FM local. Pra chegar na emissora era meio complicado: o carro tinha de subir um morro, por estrada de terra e, lá em cima, tinha mais terra e escadas pra escalar, digo, subir. Mas valia a pena. E não era só pela paisagem, mas também pelas conversas, por poder acompanhar a vida numa pequena emissora de rádio do sertão. Foi lá que conheci uma dupla sertaneja local. Não lembro seus nomes, mas deveria, pois fizemos um trabalho muito legal. Criamos um programa de extensão rural, ensinando o pessoal a plantar e, principalmente, a usar corretamente herbicidas e proteger o ambiente. Criação coletiva, envolvendo a dupla, o agrônomo local da empresa, eu mesmo e, às vezes, até a locutora da rádio.

O programa passava os ensinamentos pela música da dupla e pela voz maviosa da locutora. Ao invés do último sucesso de Chitãozinho e Chororó, um lembrete pra nunca deixar de lavar a embalagem vazia do produto e joga-la no lixo especial. Foi um sucesso de público e de crítica. Até um prêmio de propaganda ele conquistou. Como foi entregue em São Paulo, recebi-o sozinho, sem o resto da equipe de criação. Guanambi fica muito longe de São Paulo. Em todos os sentidos.

Um dia fomos visitar uma fazenda. Meio distante, como tudo e como todas. Ali não é terreno de caatinga propriamente dita, mas é um cerradinho enfezado, nervoso, feio e seco. Secura, aliás, é o que mais abunda por ali. Quando chove, planta-se algodão. Na fazenda, moderna, bem administrada, destoando da vizinhança fazendária, andamos por todo lado com o administrador, um jovem técnico agrícola de Barbacena, terra onde há muitos morros, além de muitos tios e primos, pois é terra de boa parte da família do meu pai. Animado, ele mostrava ora uma coisa, ora outra, todas elas modernas, feitas de acordo com os preceitos da mais avançada agricultura empresarial. Assim vimos de tratores a obras para conservação do solo, passando pelo plantio, inédito na região, de árvores nativas para recompor uma matinha ciliar. Até que chegamos a um poço artesiano. Troço mais besta de ver é esse. Não há o que ver, é só um cimentado com um tubo saindo do chão dentro de uma casinha. É o poço. E ele orgulhoso:

“ -Esse é o nosso poço artesiano!” - com direito a exclamação e tudo.

E danou a falar do poço: quantos metros de profundidade, quantos litros d’água por hora, quanto isso, quanto aquilo, finalizando, satisfeito:

- E, na seca, o povo todo da vila vem pegar água aqui.

- Dessa vila aí por onde passamos?

- É, dessa mesma.

- Puxa, mas daqui até lá tem uns seis quilômetros.

- Tem sete, que é conta de mentiroso, mas nesse caso é verdadeira.

- Ué, e não tem poço lá na vila ou ali perto?

- Na vila não tem, não, mas tem numas três ou quatro fazendas ali por perto. Uma delas tá a dois quilômetros da vila, só.

- E por que o pessoal não pega água nessas fazendas?

- Ah, porque os donos não dão, não. Nem uma gota.

- Ô, louco, não dão água pra esse povo na seca?

- Dão nada.

- Mas... não acredito... como não dão? Por que?

- Porque dizem que a água custa. Aí, o pessoal pega as latas e os baldes e vem até aqui pra pegar água, porquê só a gente dá água pra eles.

Sete quilômetros pra chegar no poço. Até hoje rumino essa informação. Sete quilômetros com a lata d’água na cabeça, sob o sol (ia escrever senegalês ou escaldante, mas nem vale a pena) do sertão da Bahia, voltando pra casa.

“Lata d’água na cabeça, que agonia...” (não lembro do autor dessa música e, da letra, só esse verso)

Com certeza, da água chegava só metade, pois em tantos quilômetros ela devia cair uma parte e evaporar outra. Quatorze quilômetros, ida e volta. O que provocava engulhos, e até hoje provoca irritação, é que os negadores da água fizeram os poços com dinheiro subsidiado. Dinheiro do tesouro público. Bom, sobre isso mais não falo, esse é um texto que se pretende sério.

Sem dúvida, esse foi um bom exemplo do comportamento da elite tupiniquim. Curiosamente, uma elite que, na época, não perdia uma missa, como sói acontecer desde os idos de abril de 1500 (estou com preguiça de consultar meu Caminha e ver o dia correto). Nossas elites, as nordestinas em particular e principalmente, sempre foram tementes a Deus e ergueram muitas e belas igrejas. São ótimas para o turismo.

É bonita a região de Guanambi, mais ainda no inverno, com água no solo e nos rios e as plantas verdes, brilhantes. A gente olha para um lado e vê o paredão da chapada. Olha para o outro, pros lados do oeste, e só vê o sertão se alongando pro horizonte. Lá adiante, nesse rumo do vazio, está o Rio São Francisco e a cidade de Carinhanha. Seguindo em frente, a gente chega no espigão que divide o sertão mineiro e o baiano do sertão de Goiás e de Tocantins. É tudo sertão. Grande sertão.

Mais um retrato desse Brasil varonil sob o céu cor de anil, onde a água pode custar um quase nada pra alguns e mais de duas léguas pra muitos outros.

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quinta-feira, março 17, 2005

Vivências no sertão

Visões dumas andanças – X

Vivências no sertão de Pernambuco




Há algum tempo já não vou pros sertões do Nordeste. Outros são os sertões que tenho percorrido nessa Terra de Vera Cruz. Sertões que me são queridos, não há como negar. Cheios de água, cheios de lavouras e pastos, ainda com matas, matinhas, brejos, capoeiras. Sertões de matas e de cerrados, por onde caminho sempre atento a um encontro indesejado com algum de seus moradores rasteiros e venenosos. Sertões onde a visão de um buritizal é sempre um refresco, e não só pros olhos. Olho pra carranca que protege a entrada da minha casa. Bate a saudade e as lembranças se instalam, sem pedir licença nem nada. Simplesmente chegam, se acomodam e me vejo transportado para uma tarde domingueira em pleno Velho Chico.

O convite para o passeio no rio foi irrecusável, era aceitar ou aceitar. Aceitei. Deixamos o hotel e fomos pro Iate Clube ou algo parecido, na margem do Rio São Francisco, o Velho Chico. Não recordo o nome. Entre outras lanchas bonitas e de presença, a de nosso anfitrião logo me chamou a atenção. Bela lancha, faria bonito em Angra, Ubatuba ou Ilhabela. Éramos uns 8 a bordo. Subimos o rio até uma ilha já cercada por outras lanchas, barcos, lanchinhas, canoas e a praia ocupada por vendedores ambulantes, carrinhos, barracas e clientes. Fregueses, combina melhor. O sol do sertão castigava. Em pleno inverno, pelo menos uns trinta graus à sombra. Se sombra tivéssemos. Num caso como esse, diz a prudência e a sabedoria genética preservada de tempos menos tecnológicos, que o jeito é se enfiar dentro d’água e por ali ficar. Assim fazem porcos e búfalos, animais espertos e inteligentes. Não me considero tanto assim, e menos ainda como tal sou considerado, mas fiz o mesmo. Alguma má língua diria que eu parecia um hipopótamo num rio africano qualquer... Pura maledicência, motivada, quem sabe, por pequeno excesso de peso desse digitador.

Aquelas águas vêm de longe. Das montanhas e do planalto mineiro, das veredas do grande sertão que ocupa Minas e Bahia em boa parte, desce do planalto baiano vizinho de Tocantins, onde a soja já impera, dividindo espaço com o algodão e as lavouras sempre verdes de café. Olhando, ninguém diria, mas são águas poucas. Lentamente, ou rapidamente, dependendo do ponto de vista, seu volume vem diminuindo. Lá bem pra baixo, rio abaixo, como as águas doces diminuíram, quem tem subido mais e mais é o mar. Provavelmente, de tanto os bichos-grilos ficarem pelas praias cantando que o sertão vai virar mar e o mar virar sertão, o mar acreditou e está tentando fazer sua parte. E, se acontecer, não será um virar e sim um revirar, pois esse sertão todo já foi mar, é só escavar e encontrar os fósseis.

Almoçamos na ilha. A muito custo deixo a água e me abrigo sob um guarda-sol. Vem peixe, vem pirão, vem mais peixe, mais pirão, arroz, mais pimenta, só não sei bem pra que, acho que pra decorar a mesa, só pode ser. Cerveja não vem, simplesmente parece brotar do nada, por mágica. Ou por geração espontânea, contrariando toda a ciência oficial. E vem gelada, a danada. Não há como resistir. Mas há que resistir, sim, às muitas e belas visões em biquínis sumários, transplantados, só os biquínis, diretamente de Búzios, Guarujá e Ipanema.Em meio aos comes e bebes na beira d’água, nem lembramos que ali é Nordeste. Eitcha, vida boa! E que vai melhorando conforme o sol vai baixando no horizonte.

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Dizem que hoje mudou, está mais seguro. Dizem. Na dúvida, é sempre melhor cruzar de Petrolina pra Recife ou Cabrobó depois que o sol nasce. E chegar ao destino, qualquer que seja, antes do sol se por. Dizem que isso faz um bem danado pra saúde. E também pros bolsos dos viventes viajantes. Aquele território tem donos e não são propriamente amáveis fazendeiros, simplórios campônios ou bem sucedidos empresários de sotaque esquisito.

Saímos cedo, como manda o figurino, em demanda duma fazenda de uva a uns 100 quilômetros de Petrolina. Deixando a cidade, pequena metrópole sertaneja pra trás, tudo que se vê é a caatinga. Meio acinzentada. Muito xique-xique nas beiradas. No meio da caatinga, os pés de mandacaru se destacam. Lembram o menorah judaico (já aportuguesaram pra menorá, com acento e tudo; prefiro o original). Ou, talvez, o menorah é que lembre um mandacaru das vizinhanças do antigo Crescente Fértil. Na tradição judaica, o menorah tem sete braços, é de ouro e cheio de azeite. Por aqui, os braços são três, via de regra (desculpe, Paulo Francis, nunca esqueci que via de regra é outra coisa, mas, por que não usar via de regra uma vez ou outra? que outra chance de rebeldia me resta nesses chatos dias de hoje?), e são cheios de espinhos. Nada sei, nada sabemos de ouro e azeite. Aqui e ali, umas cabras botam as caras pra fora da proteção retorcida e espinhenta e olham a passagem do carro.

A fazenda é um oásis. Difícil descrever. As águas do São Francisco respondem por isso. Bombeadas da margem do rio, vão para um depósito e dali, por meio de grandes aspersores, molham os parreirais. Manchas verdes em meio ao cinza-caatinga. Esse método é muito gastador de água e de energia. Mas, que diabos, no momento tudo que vejo é a beleza das parreiras e dos cachos.

A colheita, em alguns talhões, segue num ritmo intenso. Dezenas de pessoas, a maioria mulheres, caminha na sombra das parreiras com uma tesoura na mão e uma sacola a tiracolo. Os grandes cachos da Red Globe rapidamente ocupam todo o espaço da sacola, forçando a descarga numa caixa. Em poucos minutos passa um trator pequeno, puxando uma carreta. Sobre ela, as caixas de uvas. No dia seguinte estarão todas embaladas e já dentro de um Boeing a caminho da
Europa, ou, talvez, do Japão. E também para os Estados Unidos e Canadá na entressafra californiana.

Escolho um cacho campeão. Deve pesar mais de dois quilos, é perfeito, as uvas estão no ponto certo. Contenho-me. Gravamos de ângulos diversos. Chamo uma das colhedoras, ela vem, corta o pedúnculo e o coloca na sacola. Assim que a câmera é desligada vou até ela e tiro o cacho perfeito de sua sacola. Esse é meu. Enquanto meu pessoal segue gravando outras cenas, encosto num tronco velho, rugoso, e fico ali, comendo uma parte dos mais de dois quilos de uvas e olhando o movimento. Lembro que ontem fomos gravar numa pequena propriedade bem ao pé da Barragem de Sobradinho. O proprietário é um cara novo, ainda. Veio de Brasília. Tem orgulho da escola que ele mesmo construiu na fazendinha. Na maior parte do Brasil e do próprio Nordeste, é uma pequena fazenda, pouco mais que um sítio: cerca de 50 hectares, coisa aí de 20 alqueires. Quase nada mesmo. Mas esse pedaço de terra sustenta o ano inteiro mais de 40 funcionários. Muitos deles já exercem funções mais especializadas, melhor remuneradas. Lentamente, o progresso começa a chegar na caatinga.

A mesma coisa acontece nessa fazenda onde estou. Só que essa é bem maior, muito maior. Em todas as casas, antenas parabólicas. Não há exceção. Sem parabólica a família sertaneja moderna já não sobrevive.

Só depois de acabar com parte do cacho, a parte mais bonita, é que penso que justamente esse cacho iria pra Nova York e eu o tirei da boca da Sarah Jessica Parker, a protagonista de Sex and the City. Como? O que tem a ver uma coisa com a outra? Nada, absolutamente nada. A doçura da uva me fez viajar. A produtora da série que procure outro cacho perfeito. Até porquê a série já saiu do ar, assim como Friends.

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Depois daquele cacho, continuamos gravando. E, ora um, ora outro, o pessoal da fazenda a cada dez, quinze minutos, vinha perguntar se a gente sabia que horas eram. Sim, sabíamos da hora, obrigado. Pelas três e meia ficaram mais insistentes e preocupados. Aí então já não era mais pergunta, era sugestão. Tá na hora de vocês pegarem estrada, hein. Certo, certo, só mais um pouco. Às quatro e meia cheguei à conclusão que, se não fôssemos embora, seríamos hospedados na fazenda. Pouco antes das cinco pegamos estrada, pra grande desasossego do pessoal da fazenda, todo mundo preocupado com nossa segurança. E era sobre isso que ia escrever, até que um perfeito cacho de uva desviou meu pensamento, minhas lembranças e minha escrita.

Estávamos no outrora famoso Polígono da Maconha, por onde não se trafega, ou não se trafegava, durante a noite, a menos que em comboios protegidos pela polícia. Mesmo assim, entretanto, houve casos de assaltos e seqüestros no meio de comboios. Ali, a bandidagem domina, ou dominava. A caatinga é vasta, os caminhos secretos muitos, a polícia pouca, mal remunerada, mal treinada e nem um pouco a fim de ficar protegendo aquele povo atrevido que cruza a estrada fora de hora. Naquelas rodovias federais, mesmo sem cancela e sem porteira, todo mundo sabe que de noite a estrada fecha.

A boca da noite se aproximava. Eu apertava o acelerador do carrinho popular tentando chegar mais depressa em Petrolina. Até que vi o mandacaru.

Já tinha reparado nele logo cedinho, quando passamos. Enorme, imponente, rodeado por um mar de xique-xique e pequenas árvores, quase arbustos, da caatinga. E agora, além de tudo isto, ele ainda estava no contraluz do por-do-sol. Naturalmente, uma imagem imperdível. Sob protestos generalizados, parei o carro.

- Vamos gravar rapidinho, gente, vamos lá. ... Cury, olha que beleza de luz! Aproveita!

- Ô, chefe, tá tarde, nem precisa gravar essa imagem, pô!

- Calma, cara, relaxa, a imagem é bonita. Fabrizio, corre aí com o tripé, monta ali, ó...

Enquanto o pessoal, olhando pros lados, pegava o equipamento, achei uma brecha na verdadeira muralha de xique-xique e entrei na caatinga. Foi a conta de entrar e tomar um susto. E sentir um frio ocupando os espaços da barriga. O chão, de um lado e de outro, estava cheio de latinhas de cerveja. Só de cerveja, e muitas latas, o bastante pra fazer a alegria de um catador por uma semana ou mais. O Cury e o Fabrizio também entraram e viram o mesmo quadro. Nunca vi os dois gravarem alguma coisa com tanta rapidez. E, conferi depois, gravaram certinho, com qualidade. Quando comecei a falar de fazer uma panorâmica, fui cortado:

- Já tá feita.

- Ah, legal. Então, faz um zoom in e um...

- Já fiz, também, chefia. Tá tudo feito: slide, zoom in, zoom out, panorâmica, till...

- Hummmmm...

- Não falta nada, só falta a gente ir embora logo.

- Tá bom, tá bom, vamos embora.

Apesar da pose, eu também estava assustado. Não precisávamos ser experts em nada, bastava olhar: o longo trecho reto de estrada, a caatinga a perder de vista em todas as direções, o alto e imponente mandacaru se destacando na paisagem, o chão coalhadinho de latas de cerveja... Tínhamos parado bem no point, no meeting point da bandidagem. Realmente, era mais que hora de ir embora. E ainda dizem que hoje tá tudo seguro. Sei. Aquele sertão tem donos e não éramos nós, não mesmo.

Em algum momento do dia seguinte, as uvas com destino a Nova York e à boca da Sarah Jssica Parker, passariam por ali. Nova York não sabe nada do que acontece no caminho de seus mimos.

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Pois é, estou com saudades, vontade de voltar a esses sertões onde a caatinga domina e as cabras sobrevivem. Dizem que a estrada não é mais propriedade da bandidagem, mas informações colhidas à boca miúda apontam noutra direção. Parece que nada mudou. Assim como tampouco mudou nas vidas das muitas pessoas da região. O dinheiro continua curto, insuficiente para tudo. E os preços cada vez mais altos, afinal, uma cidade em linha direta com Noviorque e outras mais não pode ser lá muito barata, né? A renda, não a das mulé rendeiras, mas a financeira, mesmo, continua concentrada. E a culpa não é dos empresários e produtores rurais. A maior parte, pelo menos. A culpa é muito mais ampla, é muito antiga, é muito disseminada. Começa no Planalto Central e se espalha por toda a república tupiniquim. Muita coisa mudou por lá, coisas boas. E nada mudou por lá.


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quarta-feira, março 16, 2005

Pelas cercanias do Velho Chico


Visões dumas andanças – IX

Pelas cercanias do Velho Chico


Essa viagem já tem alguns anos. Poucos, em números, muitos, todavia, para minha percepção e vontade. Pudesse, estaria sempre por lá, andando, olhando, sentindo e, talvez, quem sabe, plantando uvas e melões e criando vacas e cabras no meio da caatinga. Porquê, pode não parecer, mas a caatinga fascina.


Petrolina fica em Pernambuco, na margem esquerda do São Francisco. Juazeiro fica em frente, na Bahia. A separa-las, o rio. A uni-las, uma ponte. Embora vizinhas siamesas, são diferentes. E as pessoas são, também, diferentes. O rio separa e une, faz uma história comum, gera o progresso e traz apreensões. Se nem sempre o futuro é muito claro, agora está muito barrento, como as águas do Velho Chico na cheia. A gente olha e nada enxerga. Esse futuro sem nitidez já vinha de longe, com as barragens, com o assoreamento, com o desmatamento, com a extinção de tantos rios sertanejos no planalto baiano e até no mineiro. Com os planos e o próximo início das obras do canal que vai fazer a transposição das águas do São Francisco para os sertões de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Piauí, o que era pouco nítido ficou turvo de vez. O futuro, não se enxerga.

Na estrada, voltando pra Petrolina, nossa guia, uma agrônoma paulistana radicada ali desde que se formou, o que já tem algum tempo, avisou:
Se preparem, porque a gente vai atravessar pra Juazeiro e almoçar na Dona Maria. E vocês vão ficar maravilhados.



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Pela manhã tínhamos rodado um trecho próximo de Petrolina, gravando numa pequena fazenda de uvas pertinho da barragem de Sobradinho. Logo cedo, ao lado mesmo da barragem, subimos num morrote, um daqueles muitos que povoam a caatinga, e lá de cima, entre xique-xiques e mandacarus com espinhos respeitáveis, tivemos uma bela visão da região toda. Aqui e ali o verde intenso dos parreirais irrigados quebrava o acinzentado mirrado da caatinga. Aqui e ali, também, algumas manchas de terra vazia, branca, nada por cima, pura areia. Marcas perigosas que aumentam em número e tamanho. Se estendendo pro horizonte, no rumo do oeste e sudoeste, o grande rio represado. Daquele ponto até o seu início, a represa tem mais de 450 km de extensão. Cobre uma área de 4 mil quilômetros quadrados. Não sei se ainda é o maior reservatório do mundo ou se é o de Três Gargantas, na China. Não importa, parece e é muito grande, e é muita água. Mas, também não é, não. É água pouca e cada vez menos água. Os folhetos turísticos, os sites na internet, os agentes de viagem, todos prometem esportes aquáticos e as emoções da pesca do surubim. Tá certo, os esportes aquáticos são praticados mesmo. Já a pesca do surubim...

Cruzamos a ponte. É bonitona, impressiona de longe. E estamos em Juazeiro. Não sei se o restaurante da Dona Maria ainda existe. O Brasil muda muito depressa, o mundo também e o pior é que as coisas já não mudam como costumavam mudar (obrigado, Camões). Contudo, espero que ele continue como era quando o conheci: um puxado sobre a garagem na frente de uma casa simples num bairro de Juazeiro. Uma mesa comprida, algumas menores, bancos de madeira. A comida é a que Dona Maria faz. E serve. Tal como nos melhores, mais finos e reservados restaurantes de grandes chefs, na França, Espanha e Itália, entre outros lugares menos votados. A comida, geralmente, é surubim. Mas não é o mesmo surubim que conhecemos aqui no Sul ou na Amazônia. É o surubim do São Francisco. Parece igual, mas é diferente. A carne é clara, menos gorda que a dos outros surubins, um quase nada de gordura. Carne bonita, firme, gostosa, realmente saborosa. Carne de peixe de rio, que nada em busca da piabinha de todo dia. A altura do filé é generosa o bastante pra gente enfiar os dentes com vontade, sentir a textura com a boca preenchida como se deve. Desculpem, não é muito fino mas foi assim que comecei a comer em criança, é assim que a gente come no sertão, é assim que dá prazer comer.

O calor do meio do dia é brabo em Juazeiro. Lá fora o ar tremelica todo em toda direção. Lá dentro, sob o puxado, tá quente, também. Mas dá pra agüentar. Um ventilador ajuda. O refrigerante gelado colabora. A cervejinha também. O jeito aqui é quebrar a regra da cerveja só à noite. Mas pouco, nada de quebrar muito. E lá vem feijão-de-corda, vem arroz e vem pirão, vem moqueca de surubim, vem surubim grelhado, vem surubim frito, de todos o meu preferido. Tem pimenta comprida, compridinha e redondinha. Pimenta também pra todo gosto. Nada mais simples, nada mais brasileiro, nada mais gostoso.

Dona Maria vem à nossa mesa. Cumprimenta, pergunta da comida. Com a boca cheia digo que está maravilhosa. Rapaz educado, não paro de comer para dar-lhe atenção. Fazer o contrário, para uma cozinheira, seria prova de má educação. E um indício de que a comida não está boa. Essa racionalização toda nem passou por minha cabeça naquele momento. Impossível. Meu cérebro deslocara-se em peso para o conjunto mãos e boca, e ocupado com o intenso tráfego de garfadas de postas de surubim no trajeto prato/boca, definitivamente não tinha como ocupar-se com respostas e salamaleques. Felizmente, os ouvidos estavam livres, operando em outra sinfonia, e assim pude ouvir e aprender algumas coisas.

A horas tantas, e já sabedor que surubim no Velho Chico hoje era coisa rara, consegui uma pausa no trânsito de postas e perguntei pra Dona Maria se os surubins vinham dali mesmo, da barragem, ou de rio abaixo.

- Nem de um lugar e nem de outro, moço. Surubim pra mim, hoje, vem lá do Piauí, do Parnaíba. A gente anuncia o surubim do São Francisco, mas é o surubim do Parnaíba.

Boca ocupada, meio cheia, disparo a pergunta:

- Mas por que, o que houve?

- Olhe, a barragem foi um problema, depois dela começou a diminuir o número de peixes. E tem a pesca, também, né. É muito povo pescando e mandando peixe pra fora. E por aí afora, rio acima, as pessoas dizem que tem rio secando, a água diminui, a gente não vê mais mata na beira do rio. E não é só o número de peixes, não. É o tamanho, também. Diminuiu tudo, só tem peixinho pequeno, dá até dó. Nem vale a pena fazer a maioria, só frito mesmo.

Felizmente essa conversa já aconteceu no final do almoço. Felizmente, também, meus espaços disponíveis estavam ocupados e não sobrou nadinha pra algum sentimento de culpa. Xô! Minha digestão não foi estragada, tampouco. Tenho, por hábito, sempre dar um desconto em todas as histórias e estórias que ouço em minhas andanças. Desconto variável, pode ser de 10%, pode chegar a 90%. Naquela hora, dei um desconto duns 30% pra gravidade do causo. A passagem do tempo tem me mostrado o quão tolo fui: ao invés de desconto, eu devia mesmo era ter aumentado a gravidade da história ouvida. Até porquê o Parnaíba já começa a ficar super-explorado, também. A sobremesa eu comi durante o prato principal mesmo. E foi simples: apenas um pouco mais do que já estava comendo. Até parece que eu iria trocar mais uma posta de surubim do Parnaíba por um doce qualquer! E com isso, satisfeitos e felizes, deixamos o puxado e enfrentamos o calorão brabo da tarde de Juazeiro, em busca de novos parreirais e plantações de melão e manga.

Em outras viagens andei pelas regiões do Médio e Alto-São Francisco, no sertão baiano de Barreiras, Mimoso – hoje Luiz Eduardo – e Guanambi. E nos sertões mineiros, desde Januária e Porteirinha, passando por Bocaiúva, até os espigões divisores das águas do São Francisco com as águas do Tocantins e do Paranaíba. Pedaços dos grandes sertões roseanos. Por toda parte vi as mesmas cenas: o cerrado substituído pelas lavouras e pelos pastos. Coisa bonita de se ver, sem dúvida. Mas exagerado demais da conta. As veredas espremidas. E muito pivô central molhando muita terra. Do alto, nos sobrevôos, a visão mais clara: os arredondados escuros das áreas de pivôs, formando grandes colares de contas e o cinza-cerrado cada vez menor. Em dois lugares, sem planejamento, apenas de passagem, cruzamos dois cursos d’água secos. Ex-rios. Como eles, muitos outros. Muita gente diz que é culpa dos pivôs centrais e dos poços artesianos, que puxam toda a água e jogam-na sobre o feijão, sobre a cenoura, sobre a soja, sobre o café. Não sei. Não me aprofundei na questão, fiquei só na superfície. E na superfície, tudo que a gente vê é o leito seco de um córrego.

Desde então, exceto por muitos discursos oficiais, nada foi feito em prol do Velho Chico, suas águas e seus surubins. Pena que discurso oficial nada mais produz além de sono ou dor de cabeça. Pena maior é que, dessa vez, os discursos estão indo além das palavras: estão conduzindo para as obras de transposição das águas do São Francisco pros sertões.

Que história estará contando a Dona Maria hoje?

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terça-feira, março 15, 2005

Chuva, seca, Kyoto...

Começava a dormir quando a chuva começou. E veio forte, em rajadas violentas, até um pouco mais longas do que normalmente acontece com as rajadas. O sono foi embora. Liguei a luz de cabeceira e retomei a leitura interrompida pelo sono fujão. Nem mesmo a trama policial numa Boston invernal me prendeu a atenção. A intensidade da chuva passou a me preocupar. Desci, liguei as luzes de fora e verifiquei se não havia nenhum ralo entupido. Preocupação besta, inda mais à uma da manhã, mas ela tem lá suas razões de ser. Sem sinal de água empoçada, sosseguei e voltei pra cama.

Devia estar chovendo também no sítio. Ótimo! O sorgo continua carente de umidade, só espero que não chova desse jeito. Esse é o problema de fazer plantio convencional: a gente torce pela chuva e pela intensidade da chuva. Com o plantio direto a gente só quer a chuva, não se preocupando com sua intensidade, já que a palhada vai proteger o solo.

De todas as calamidades naturais, acho que a seca é a pior. As mais apavorantes, com certeza, são a inundação e a tromba-d’água. São, porém, menos daninhas que a seca. A inundação é localizada, sempre. E boa parte das áreas inundadas existem apenas com essa função: serem inundadas. Pelo menos na natureza. Quando o homem invade tudo, asfalta tudo, constrói em tudo, inclusive nas áreas de inundação, bom, aí já não dá pra ficar reclamando e nem listando inundação como uma coisa terrível. A tromba-d’água é braba, aterroriza a tudo e a todos, mas dura minutos e é, também, localizada.

Então, se os eventos ligados ao excesso d’água aterrorizam, o evento ligado à sua ausência faz sofrer, um pouco a cada dia, e esse pouco vai crescendo, crescendo, crescendo... Deixa de ser pouco e se transforma em muito. Para um agricultor não há nada pior. Nada mais triste. Nada mais destruidor. E a seca nunca é localizada, ah, não... Ela vai longe, toma regiões imensas, entristecendo a natureza a perder de vista. Chega a seca e vai-se o verde, vai-se o frescor, vai-se o perfume e fica o pó, fica a sensação ruim de folhas sem viço que se esfarinham na mão. Vai-se o brilho do pelo das vacas, vai-se a gordura de cobertura e proteção, as costelas assomam, sempre feias, sempre sinalizadoras de carência. É triste para um agricultor olhar as plantas definhando, matando a esperança que toda colheita traz. Muitas vezes não dá sequer para encarar o olhar de uma vaca, de um cavalo. Não cobram, não são disso, mas seus olhares trazem uma tristeza que cala fundo no peito da gente. E a gente impotente contra esse desmando da natureza.
As secas existem desde sempre. Difícil dizer até que ponto a atividade humana realmente está alterando o clima no planeta, intensificando a freqüência e duração dos veranicos. Apesar de toda nossa fantástica capacidade de intervenção sobre ecossistemas diversos, ainda creio que a natureza não se amola muito conosco. Pode ser. Mas, pode ser que não, pode ser que ela já esteja se amolando com nossas perturbações da ordem planetária. Pode ser que a perda da neve no Kilimanjaro e a redução de 15 metros por ano nas geleiras do Himalaia já sejam sinais de alerta para nós. Na dúvida, não ultrapasse, não coloque em risco sua vida. Na dúvida, gostaria que Estados Unidos e China assinassem o Protocolo de Kyoto. Gostaria que americanos e chineses se civilizassem de fato. Nesse momento, tenho-os em conta de selvagens ignorantes do próprio poder e dos estragos que causam.



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Essa foto foi tirada no Rio Grande do Sul. Em pleno planalto, região de belas coxilhas, sempre cobertas pelo verde da soja, do milho, do trigo, da aveia, dos pastos. Mas não agora. O sul do Brasil padece, ainda, sob forte seca. Os prejuízos financeiros se avolumam. A desesperança se instala nos corações e mentes de todos que moram nessa região. A seca é sempre triste. Agora está chovendo em muitas áreas do sul. Tanto que impediu minha viagem, marcada para ontem. Foi bom. O motivo foi justo. E agora, quando eu fizer a viagem e começar a gravar, terei cenas mais bonitas no visor da câmera. Cores mais vivas, frescas, brilhantes. Com a chuva, volta a vida. E volta a esperança.

Finalmente o sono chegou e dormi. A chuva da madrugada agora era chuvinha. Daquelas que embalam o sono. Já não era sem tempo.


No sítio, a chuva noturna foi de 8 milímetros. Ótimo! Chuva boa, sem provocar estragos. O sorgo e o capim agradecem. As vacas agradecem. Eu também agradeço. Não sei bem a que ou a quem, mas essa é uma coisa interessante: ao plantar e criar e ao voltarmos a ser tão dependentes da natureza, sentimos, com freqüência, uma necessidade de agradecer. Qualquer dia escrevo sobre isso.

sábado, março 12, 2005

Chuva-de-ouro na fábrica

Num dia quente, o trabalho dentro de uma fábrica é massacrante.
Grandes áreas concretadas, outro tanto asfaltado, construções e, claro, máquinas
dos mais diversos tipos, todas com um ponto em comum: geração de calor.
É inerente a qualquer máquina em funcionamento.

Ainda hoje, em muitas plantas industriais, o interior é um deserto, triste de ver,
chato de sentir, desconfortável. Em outras, porém, a modernidade e o cuidado com o
ambiente são boas realidades. Nada como sair de um galpão quente, tirar a máscara
que protege da poeira fina do material que está sendo processado e deparar com essa
pequena chuva-de-ouro, uma das várias espécies com esse mesmo nome.

O vento forte e fresco massacra o foco automático da câmera, mas dá mais vida e traz
frescor pra gente. Ajuda a dar uma enxugada na roupa banhada de suor.

Mas, o melhor, mesmo, é ver essa chuva-de-ouro.



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terça-feira, março 08, 2005

Free Arash!

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Enquanto a vida segue seu curso, o engenheiro brasileiro João José, se vivo, continua seqüestrado em poder de bandidos iraquianos.

Enquanto a vida segue seu curso, a senadora colombiana Ingrid Betancourt segue, se viva, seqüestrada pelos bandidos narcotraficantes das FARC. Relatório divulgado recentemente, indica que as FARC faturaram US$ 783,000,000.00 – hum hum, isso mesmo: setecentos e oitenta e três milhões de dólares, apenas durante o ano de 2004. Toda essa dinheirama veio do tráfico de drogas e da proteção a traficantes e produtores.

Enquanto a vida segue seu curso, o blogueiro e jornalista iraniano Arash Sigarshi, o blogueiro também iraniano Mojtaba e muitos outros, continuam aprisionados. Arash, já “julgado”, foi condenado a 14 anos de reclusão pelo regime ditatorial e atrasado dos aiatolás. Seu crime, nunca é demais lembrar: usar seu blog para denunciar arbitrariedades, denunciar prisões, promover discussões políticas e culturais.







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Comentários esparsos

- Como escrevi no comentário em resposta ao Helio, no post sobre o Severino, a ação dele na votação da Lei de Biossegurança, algumas leituras nos jornais – Estadão, Folha, O Globo – e, principalmente, sua entrevista para a Veja, estão fazendo com que eu revise minha opinião inicial sobre ele. Não totalmente, mas em parte. Gostei dele ouvir a voz da razão, no caso soprada ao seu ouvido por sua filha, e mudar de comportamento na votação da Lei de Biossegurança. Como dizem alguns colunistas políticos, os “ruralistas” (detesto esse rótulo) incluíram a questão das células-tronco na lei para aumentar as chances de aprovação ao uso dos OGMs – organismos geneticamente modificados – ou, popularmente, transgênicos. Passou um e passou o outro. Palmas, na minha visão de vida e mundo, para a Câmara dos Deputados. Aparentemente, Severino ficou mais pobre com a política. Isto, na Terra de Vera Cruz, tem valor infinitamente superior a qualquer atestado de honestidade emitido por quem que seja. Diz Severino que vai devolver independência à Câmara. Que o faça. Os poderes republicanos devem trabalhar em harmonia, sim, mas com independência. Enfim, a ver.


- Dei uma vista-d’olhos pelo blog Sociocracia - http://sociocracia.blogspot.com/ - um blog extremamente interessante, feito pelo Biranta, em Lisboa. A estarrecer: a grande coincidência de mazelas entre nossos políticos e os deles. Realmente, somos países-irmãos, temos o mesmo DNA.


- Chico-chiadeira; o cantor-compositor dos olhos verdes, xodó de 12 em cada 10 mulheres tupiniquins, chiou uma barbaridade, via assessorias, contra a publicação de fotos de seu namorico de sexta à tarde na praia. Ora, neguinho é mais público que nota de um real. Ou quase. Pega uma boa praia no Leblon, à vista de tudo e de todos. Acompanhado por bela morena, com idade, digamos, hummm, muito inferior. Beijam-se. Saem d’água de mãos dadas. Ora, ora, ora... Prato cheio para a imprensa. Fotografar e publicar, nesse caso, não é invasão de privacidade, já que tudo ocorreu em local público. Ser celebridade é uma coisa boa, geralmente associada a bons ganhos e bom padrão de vida, o que permite, entre outras merecidíssimas coisas, apê em Paris e praia de sexta-feira. Mas, como tudo o mais na vida, tem lá seus custos. Esse é um deles. Paciência que a moça seja casada e mãe. Quem tá na chuva é pra se molhar.


- Um vizinho, e amigo, passa pelo sítio e deixa recado com o Ismael. É para eu ligar pra ele. Ligo à noite. Ele tem um pedaço de cana no sítio ao lado e precisa se desfazer dele, pois vai plantar uma nova variedade. Oferece-me a cana. Agradecido e feliz, aceito. E as vaquinhas, penhoradas, agradecem. Se o brasileira desiste nunca não sei, mas que o brasileiro segue sendo um bom povo, disso eu sei. Ainda no sítio: é capaz que nesse próximo fim de semana eu já não veja as 200 goiabeiras. Sobrarão apenas 9 ou 10. No lugar das outras 190 vou plantar um belo pasto. A vista do meu quarto vai ficar muito, muito mais bonita. Árvores, pasto, profundidade e, breve, as vacas e bezerros pastando por ali. Coisa de pintura. Brega, sim, mas bonito pra burro.

- Um cantor famoso, chamado Chorão, membro de um conjunto também famoso cujo nome me escapa – não faço parte do target do pessoal, logo, nem cantor, nem conjunto, são famosos pra mim – é abalroado por outro veículo. O outro motorista e 3 pedestres ficam feridos. O cantor famoso – Chorão – desce do carro, socorre todo mundo, chama o socorro, fica no local. Tudo normal, né? Sim. Normalíssimo. Mas não nessa república tupiniquim. Portanto, meus parabéns ao Chorão, da banda Charlie Brown Jr. Uma de minhas próximas compras será pelo menos um CD dessa rapaziada. Não sei se vou gostar da música, mas faço questão de homenagear atitude tão normal e tão incomum entre nossos famosos.

- A jornalista italiana Giuliana Sgrena voltou pra Itália. Ferida no ombro por um tiro americano. Um agente secreto morreu, protegendo-a. Ela acusou as tropas americanas de tentarem mata-la propositalmente, para impedir que ela falasse sabe-se lá o que sobre seu seqüestro por bandidos iraquianos. Os mesmos que mantém seqüestrado, espera-se que vivo, o engenheiro brasileiro João José Vasconcellos Jr. A princípio, isso soa como um exagero ou fruto de uma mente perturbada pelo cativeiro prolongado e o medo de ser decapitada frente às câmeras. Numa zona de guerra, vivendo em clima de conflagração e seguidos ataques terroristas, a aproximação de um carro em alta velocidade desperta suspeitas. Se esse carro não para apesar da sinalização, uma coisa é certa: haverá alguma ação. E houve. Soldados com os dedos leves e rápidos no gatilho encheram o carro de balas. Mais um incidente infeliz e dramático de mais uma guerra. E aqui reside o problema: a própria guerra. Que continua, essa é a verdade. Os iraquianos foram às urnas, votaram, foi tudo bonito e esperançoso, mas a guerra continua. Bem sabemos que Saddam e seus acólitos não são, nunca foram flores que se cheirassem. Todavia, George Walker foi à guerra baseado em premissas falsas, talvez mentirosas. Com ele foram Blair, Berlusconi, o bigodudo espanhol cujo nome me escapa, e alguns outros. Entrar foi fácil, já sair... Saindo as forças de ocupação, ficarão os iraquianos xiítas (maioria da população) à mercê dos sunitas organizados e esmagadoramente pró-Saddam? E os curdos? E quem garante que, em nome da proteção aos xiítas iraquianos, agora não seja o Irã a invadir o Iraque, invertendo os acontecimentos da guerra criminosa e horripilantes de anos atrás (em que armas químicas foram usadas e populações civis massacradas)?

O Iraque é um grande imbróglio, areia demais pro caminhãozinho de George Walker.

- Peguei agora na edição on line do Estadão:

"China propõe lei autorizando ação militar contra Taiwan

Pequim - O governo chinês encaminhou hoje à sessão anual do Parlamento projeto de lei que autoriza a realização de ações militares contra Taiwan, mas, assinalou, "apenas quando fracassar o diálogo com a ilha". Os dirigentes chineses disseram que a lei tem o objetivo de "inibir os esforços de Taiwan em obter a independência permanente". O governo da ilha reagiu afirmando que a nova legislação "representa mais uma tentativa e dominação por parte dos comunistas chineses". A proposta deve aumentar a tensão na região e irritar os EUA. A votação da lei está prevista para acontecer na semana que vem."


Essa é uma notícia terrível. Não gosto do governo da República Popular da China. Serei mais claro, mesmo que desgoste a alguns: os chineses me assustam. E essa lei não está sendo proposta e criada - pois será aprovada, bem o sabemos - à toa. Eles nada fazem à toa.

- Bom, pra não ficar só com essas coisas tétricas no final, uma boa notícia: a Iowa (eta nomezinho...) acabou de parir. E é mais uma fêmea, mais uma bezerra Jersey no Sítio das Macaúbas. O bezerreiro está a ficar cada vez mais bonito, inda mais agora com a paineira em flor sobre ele.

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segunda-feira, março 07, 2005

Severino fala. E esclarece.


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SEVERINO FALA DEMAIS

Empolgado com a recepção em sua cidade natal, o presidente da Câmara lembrou favores a eleitores e momentos em que acobertou situações irregulares. Citou até a vez em que, por telefone, pediu a um policial que soltasse conterrâneo com carteira de motorista vencida. “Não vá me cutucar. Vou contar”, disse à filha, que tentava contê-lo”


Essa pequena pérola da realidade tupiniquim está na edição on line de O Globo agora cedo. Não há seqüência ou link associado, sinal que a informação chegou em cima da hora e o pessoal, provavelmente, ainda está trabalhando em cima.

Mas, obviamente, eu acredito nela. Porquê é assim que é, é assim que agem nossas otoridades. Sem tirar nem por. Estou começando a gostar do Severino. Realmente, estou começando a gostar dele. Porquê ele desnuda meandros e comportamentos de nossa classe política.

Ao fazer isso, ele só confirma uma velha máxima: cozinha de restaurante, fábrica de salsicha e bastidores do congresso – 3 coisas que não vale a pena conhecer.

Agora, pensando bem, taí um parlamentar que faz alguma coisa por seus eleitores. Provavelmente ele, com isso, está fazendo muito mais do que a maioria dos outros fazem. A menos que todos façam a mesma coisa. Mas eu, morando e votando aqui em São Paulo a vida toda, nunca soube de nada parecido. E já tive minha carteira cassada 60 dias por excesso de velocidade.

Hummmmmmm...

Estou pensando em transferir minha CNH. Qual é mesmo o estado que Severino representa?
Pernambuco? Xi, meu irmão agora mora no Maranhão. Mas tenho amigos que moram em Olinda. Ótimo! Sempre posso pedir-lhes o empréstimo do endereço e, assim, transferir minha carteira de habilitação. Beleza!

Ah, sim, vou aproveitar a ensancha e transferir meu carro pro Paraná, tenho parentes por lá que podem emprestar-me o endereço. Assim pagarei um menor valor de IPVA. O fato de rodar nas ruas e estradas de São Paulo é mero detalhe. Importante é economizar no imposto.

Sou brasileiro, não desisto nunca.

. :o(

domingo, março 06, 2005

O sorgo aparece...


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Essas coisinhas verdes, minúsculas, são as plantinhas de sorgo emergindo.

Não reparem na terra arada e gradeada. Não teve jeito.
Não gosto de arado e grade, prefiro mil vezes o plantio direto, mas nesse
caso não deu, tratou-se de uma emergência.
O sorgo foi plantado em áreas de pasto de braquiária, pasto já meio antigo,
com muito capim. O jeito foi apelar pro convencional. Pena... Mas às vezes
a gente tem de retroceder um passo pra avançar dois.

Pra quem não é ligado em agricultura: no plantio convencional, tal como esse, a gente ara e gradeia a terra, geralmente com 3, 4 e até mais passagens de trator. Depois planta. Com isso, a terra fica exposta ao sol, às chuvas, ao vento... Tudo isso pode levar à erosão, ou seja, provocar um prejuízo ambiental e um prejuízo econômico para o agricultor, já que a erosão leva embora o trabalho das máquinas, os fertilizantes, as sementes e, pior, o solo. E leva para os rios. (As minhas áreas estão bem protegidas, apesar do plantio convencional.)

No plantio direto nada disso ocorre. O plantio da nova safra é feito sobre a palhada da safra anterior, ou sobre a palhada do mato ou pasto. As plantas são mortas com herbicida (o mais famoso e melhor é o glyphosate, ou glifosate, princípio ativo do Roundup), ao invés dos discos dos arados e grades. A palhada protege o solo das chuvas, sol, ventos. Impede a erosão. Melhora o próprio teor de matéria orgânica do solo, funcionando como um adubo natural. Plantio direto é do bem. Uma coisa maravilhosa que, na verdade, nada mais é do que um retorno a um jeito primitivo de fazer agricultura.

Bom, resumi demais da conta, mas em essência é isso.

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"Querido diário..."


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Uma das áreas em que o sorgo foi plantado


“Querido diário...”


hahahaha...

Calma, gente, calma, muita calma nessa hora. Não é por aí, não. Mas um pouco de “diário” tem lá suas virtudes.

Saí tarde de São Paulo ontem. Peguei a roçadeira na oficina. Parei num posto de gasolina boa e barata – um dos postos em supermercados “Extra” (Sr. Diniz, entre em contato pelo meu e-mail e eu te passo os dados de minha conta bancária – em terra e banco tupiniquim, mesmo, pois sou pobre e careta – para receber o jabaculê por esse merchandising, ok?) - e enchi bem o tanque. Aí, entrei na região do Ceasa, onde há várias lojas de produtos agropecuários. Comprei papel-toalha pra secar as tetas das vacas (pela velocidade de consumo desse item... sei não, mas nem vou investigar o porquê dessa velocidade de consumo, afinal, posso ser bobo mas não sou besta) (e tenho nariz delicado... hehehe), “silver tape” pra consertar a lona plástica que recobre o silo de cana, sementes de capim Tanzânia, mais uma coisa e outra pro sítio.

- Olha, calça jeans em promoção. Putz, preciso comprar duas, tô sem calças.

Humpf... É mais fácil comprar fraldas pra bezerros do que calças pra mim. Coisas da vida. E, não, não existem fraldas pra bezerros, felizmente. Pro sítio e pras vacas, tudo. Pra mim, bom, uns livros de vez em quando e dúzias de minerais com gás. Afinal, ninguém é de ferro.

O tempo nublado me anima. Sobre o sítio, 260 km depois, mais nuvens escuras. Animador.

O sorgo plantado na 4a-feira já tá pondo a cara pra fora da terra. Beleza. Mas uma chuva entre hoje e depois de amanhã é fundamental. O jeito é torcer.

A tarde de sábado não dá pra ver e fazer um décimo do que é necessário. Paciência. Em compensação, enquanto conversávamos com o Tião e a Daisy, na sede da bela fazenda deles, as seriemas chegaram. São 4, andam duas a duas, mas, talvez por serem jovens, ainda não formaram casais. Macho com macho, fêmea com fêmea. Tudo bem, tá na moda e tá no direito delas, apesar do Severino. A Daisy joga pedaços de queijo que por algum motivo não passou pelo teste de qualidade na queijaria. Comem com avidez. Antes delas aparecerem, ouvimos seu canto. Hummm... Bom, canto é bondade minha, mas que seja. Nunca tinha visto seriemas tão confiantes no bicho homem como essas. Um dos machos irritou-se ou ficou curioso com sua imagem refletida no paralama do meu carro. E começou a bicar o “outro”. Coisa que os tico-ticos costumam fazer enlouquecidamente no espelho retrovisor externo. Esses bichos são quase humanos pelo jeito. :o)

No sítio, as bezerras e bezerros já alimentados e presos no bezerreiro correm, parecem ora cachorros, ora cabritos. Se divertem. Não gosto desse modismo besta de prender bezerro em coleira, isolado dos outros, com 3 ou 4 metros, se tanto, para se movimentar. São mais felizes assim, soltos no piquete, convivendo, brincando e tendo contato com as mães duas vezes por dia. Melhor que nada pra eles. De minha parte, se for pra produzir leite ou qualquer outra coisa em esquema de indústria ou modelito tecnocrático, tô fora! Vendo o sítio e vou pra praia beber cerveja, coca diet, comer churrasco e ver televisão. Bom, talvez compre um veleiro. Quem sabe... Afinal, tem certos dias em que a tv mesmo paga é um pé no saco.

Com isso o sol desce, a ordenha termina, meu vizinho e amigo César chega pra um ou dois dedos de prosa, e chega o Toninho Simões pra falar da casa em construção que já avançou bem. No espaço e no céu e, ai, no meu bolso. Pobre e combalido bolso. A noite cai e a gente já tá atrasado pra jantar na chácara dos meus sogros, na cidade. O jeito é tomar banho na volta. Depois de terminado o jantar, percebo que tô cheirando a bosta de vaca. Disfarço, tiro a botina e deixo lá fora. Mas o estrago, temo, já foi feito. Ô, vida!

Antes de entrar no chuveiro, vou ao bezerreiro. Tudo em paz. Tudo tranqüilo. Noite gostosa, fresca. A Via Láctea domina o céu. Ó céus, ó vida! Sou o próprio Hardy, a hiena, nesse momento. As nuvens escuras, abençoadas nuvens escuras cheias d’água, foram embora. Ai, meu sorgo pra silagem...

:o(

É, o jeito é torcer por chuva já.
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sábado, março 05, 2005

Balas x Blindagem


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A blindagem é feita por uma chapa metálica de aço especial.

Por baixo dela, é colocada uma manta, que constitui, em termos leigos,
uma segunda linha de blindagem.

A bala da esquerda foi disparada a cerca de 4 metros ou pouco menos
contra a manta. A bala achatou-se. A maioria delas ficou presa à manta.
Essa foi uma das que caíram no chão, sem ricochete, apenas um pulinho de
metro ou metro e meio.

A bala da direita foi disparada contra a placa metálica, a blindagem propriamente
dita, na nossa visão leiga. Abriu-se como uma flor.

Pra não dizer que não falei de flores, ou não mostrei flores, pronto, falei.
E mostrei.

A blindagem funciona, sem dúvida.

Mas, e o país? Funciona?

Se tanta gente vai atrás de blindagem, gente relativamente comum, apenas
com um tanto a mais de $$$ que os outros... não, acho que o país não
funciona.

Bom fim de semana pra todo mundo.

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sexta-feira, março 04, 2005

Blindagem!

Sexta-feira corrida, assim como a quinta-feira. Ainda bem, já estava mais que na hora de um pouco de bom movimento por aqui. Ontem, em meio ao lufa-lufa de edições, reuniões com clientes, telefonemas e mais telefonemas, não pude montar. Minha barriga, penhorada, agradeceu. E quase perdi a sessão de shiatsu, fundamental para espantar de vez a tendinite que me aporrinhou e ainda aporrinha.

Hoje estive em contato com outro Brasil. Gravamos uma oficina de blindagem de veículos. Naturalmente, a parte melhor e mais atraente foi a gravação dos disparos contra um parabrisa e contra uma chapa metálica usada na blindagem das portas.

Colocamos a câmera, uma gracinha de US$ 22,000.00 usada, no estado, atrás do parabrisa. Ainda perguntei ao Ulisses se não dava pra coloca-la meio enviesada, mas não. Ela ficou mesmo bem frontal à boca de um poderoso .357. Câmera ligada, gravando, vieram os tiros: 3 e mais 2, em rápida seqüência, formando o que chamam de norma. E o parabrisa lá, impávido. Tiramos a câmera detrás do vidro – ufa! – e colocamo-la ao lado do atirador. Tudo isso num stand de tiro protegido, acusticamente, inclusive. E com parede transparente à prova de estilhaços. Tudo nos trinques. Novos tiros, o parabrisa ficou todo marcado e nenhuma bala perfurou-o.

Depois, a chapa metálica. Tiros e mais tiros. Aproveitei, pedi mais tiros, mudei a posição de câmera, um pouco mais ia começar a me achar o Clint dos velhos tempos. E tome tiro. A chapa ficou toda afundada com os impactos, de um lado, e estufada dos outros. E só.

Olhei pra cara dos carros, a maioria vans e pickups. Máquinas poderosas, blindagens poderosas. E pensei. Pensei nesse país tão cheio de boas coisas, tão maneiro, tão legal, tão isso e aquilo. País de povo bom, prestativo, gente que gosta de ajudar. Pode até não gostar de associativismo, de trabalhar em cooperativa, mas bastou dizer que precisa de ajuda e... pronto! Mesmo assim, blindar veículos é, hoje, excelente negócio. Tão bom quanto montar uma empresa de segurança, ou de escolta armada de caminhões. Ou, ainda, uma empresa de vigilância eletrônica de veículos, caminhões, principalmente. Negócio bom no Brasil de hoje é aquele que lida com nossos medos, nossas fobias, nossas
“certezas”. Brasil, o país das grandes histórias ou estórias, é só escolher, tem pra todo gosto e todo bolso.

Por coincidência, uma dessas histórias brasileiras teve hoje mais um episódio: foi aberto processo criminal contra Sergio Gomes da Silva, o “Sombra”, acusado de ser o mandante da morte de Celso Daniel – lembram dele, o prefeito de Santo André? Só que, hoje, a abertura do processo foi referente à extorsão, formação de quadrilha e outros itens sobre os quais não quero perder tempo e nem agredir meu ombro dolorido escrevendo a respeito.

E o que tem a ver alhos com bugalhos, o “Sombra” com minha gravação e meu cliente? Ora, ali na oficina/fábrica, vendo a blindagem, vendo a força dos motores, fica ainda mais difícil acreditar na incrível história contada por nosso réu, instalado com Celso Daniel a bordo de uma poderosíssima Pajero blindada. Dentro de um carro desse, você fica quieto, olhando a bandidagem atirar e nada acontecer. Claro que dá medo, com certeza dá muito medo, mas a blindagem está lá para isso: proteger. Mas não, o réu, bem sucedido empresário, se apavora, abre as portas e, assim, os bandidos pegam o prefeito e levam-no embora, levam-no para a morte.

É, olhando tudo que gravei, revisando cenas, chego à conclusão, como se preciso fosse e como se a justiça já não tivesse há muito chegado à mesma conclusão, que essa historinha tá muito, muito, mas muito mal contada mesmo.

Olho o chão do stand de tiro. Recolho duas balas: uma, aberta em forma de flor, chocou-se contra a placa metálica. A outra, que se chocou contra a manta que vai por baixo da blindagem, está menos estragada, mas traz impressa no chumbo a trama dos fios da manta. Chocante.

Seu carro podia ser blindado, mas sua história, de blindada tem é nada. É cheia, cheinha de furos. Ainda acho que muita coisa virá à tona. E o circo vai pegar fogo, ô, se vai!

O Brasil é chocante e a gente já não mais se choca com coisa alguma.

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Notícias...

Começa bem a sexta-feira: as edições on line do New York Times e do Washington Post trazem, como principal manchete, a pressão saudita pela retirada das tropas sírias do Líbano. Uma pressão da Arábia Saudita, maior fornecedora de fundos públicos e não-públicos pra todo aquele pessoal, é alguma coisa bem séria. Costuma ser levada a sério. Tomara.

E já não era sem tempo mesmo. O Líbano sempre foi, ao nosso ocidental olhar, uma espécie de ilha cultural no Oriente Médio. Um país onde diferentes religiões historicamente convivem em relativa harmonia e respeito. Um país onde o germe da democracia ocidental "meio que pegou". Se comparado a seus vizinhos e primos, sem dúvida, o Líbano é um exemplo de democracia, que sobreviveu mesmo em meio aos escombros da guerra, à destruição provocada pelas milícias religiosas, pelas tropas sírias, pelas forças israelenses, pelas milícias palestinas.

É bom que a Síria deixe o Líbano e os libaneses livres de sua soldadesca incômoda. Vão e não voltem.

Um dia, ainda, gostaria de ver a pressão internacional para que a China saia do Tibet. Mas esse dia não veremos. Infelizmente. Projeções realistas, ou seja, com uma certa dose de pessimismo, dão conta que a China será a 3a. potência econômica do mundo já em 2013. Ou seja, amanhã ou depois.

O Tibet continuará sob o jugo chinês. :o(

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quinta-feira, março 03, 2005

Pra quem gosta de futebol...

Transcrevo abaixo a coluna de hoje do Nando Reis no Estadão. O Nando, para quem não sabe ou não lembra, é um dos Titãs. Assim como foi Marcelo Fromer, que morreu atropelado por uma moto há alguns anos. Ambos torcedores do São Paulo. Grandes torcedores.

"Energia para iluminar a cidade

NANDO REISnandoreis@estadao.com.br

Querido amigo Marcelo: No domingo estive com seus filhos. Como cresceram! Havia falado com a Tina durante a semana e por coincidência haveria um jogo magnífico para assistirmos. Há algum tempo já tinha prometido ao Max que iria levá-lo ao estádio para que ele pudesse fazer sua estréia, já que é um torcedor daqueles que, como você e eu, arde de paixão quando fala do São Paulo.Tinha um esquema bacana para podermos ir à campo, afinal de contas um clássico como São Paulo e Corinthians mexe com os nervos, traz uma tensão que, nos tempos de hoje, pode se chamar de prenúncio de uma guerra.Andei lembrando dos tempos que escrevíamos juntos, daquelas milhares de idéias que você, principalmente, sempre trazia, buscando uma forma de inovar essa relação arcaica que há entre o futebol e suas extensões, sejam elas profissionais ou apenas leigas, como nós, no fundo, simples torcedores.E me deu uma vontade louca de ser mais atuante, de aproveitar um pouco da notoriedade, dessa ridícula forma de aparecer cuja expressão 'visibilidade' passou a significar tanto hoje em dia. Pensei em insistir na tese que defende a volta dos torcedores ao estádio, combater um pouco da inércia que nos imobiliza tanto pelo conforto que dá a transmissão pela televisão, mas que de jeito nenhum substitui a emoção de ver o jogo onde ele acontece de verdade. Sei que estou certo.E não tenho exemplo melhor para comprovar essa tese do que a narrativa do que se passou nesse fim de semana. Como você bem sabe, desde que você se mudou e as crianças voltaram pra cá, o Max ainda não tinha conseguido ir a um jogo. Ele me contou que assistiu a alguns jogos do Benfica, mas pelo jeito, parecia mais como ir a uma partida de dominó. Pois bem, lá fomos nós ao Cícero Pompeu de Toledo: o Rodrigo estava com o Teodoro e eu com seu filho e o meu, Sebastião. Todos os três pequenos foram uniformizados. Entramos pelo portão 1 e ficamos ali em baixo para ver a delegação chegar, os jogadores descerem do ônibus. Depois chegou o alvinegro e vimos o Tevez de perto. Os combatentes chegavam a seus postos.Subimos de elevador e caímos no salão principal. Na sala de troféus estava acontecendo alguma cerimônia, portanto fomos direto buscar os nossos lugares. Que impressão contrastante! Parecia que ali haveria um baile imperial, a qualquer momento entrariam moçoilas rodopiando seus frufrus em uma valsa. Quando vimos o campo a imagem era bem outra.A princípio os três entrariam como mascotes no campo, mas houve um imprevisto e isso acabou ficando para uma outra oportunidade. Assim que o jogo começou senti que os noventa minutos consumiriam uma energia que poderia iluminar uma pequena cidade.Vi as crianças vibrando. Senti que eles estavam percebendo a complexidade do evento e tendo uma lição importante: o que se passa dentro de campo se comunica com o que está a sua volta. Jogo vibrante, platéia eletrizada, olhos fixos, coração palpitante. Como explicar isso através da tela plana de uma 29 polegadas? Aconteceu de tudo. Cartões amarelos, empurrões, um único gol salvador - a vitória deveria fazer parte dessa estréia tão aguardada - até mesmo um pênalti defendido pelo Rogério nos últimos minutos marcado com muita coragem pela juíza (o trio de arbitragem inteiro era feminino). Quando trilou o apito final me senti exaurido como se tivesse jogado pelos 22 o tempo inteiro, tal o meu contentamento e desgaste.Mas ainda havia mais. Descemos ao vestiário para que os guris preenchessem suas camisas com as assinaturas dos guerreiros que aquela festa protagonizaram. O que mais poderia querer uma criança que gosta de futebol? Como ela poderia conhecer o que tanto apaixona nesse esporte se não indo ao campo sem saber se voltaria com a alegria da vitória ou a frustração da derrota? Só sei que ao levar teu filho comigo me certifiquei de uma grande verdade. A cultura do futebol estará morrendo definitivamente se além de vendermos os craques deixarmos de ir ao estádio. É o que podemos fazer. É o que devemos fazer. É o que eu fiz por você, que faz tanta falta! Um grande abraço, Nando (Carta fictícia enviada a Marcelo Fromer)."

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