sábado, agosto 16, 2008

...as flores

Para ninguém dizer que no post anterior prometi flores e não falei, tampouco mostrei-as, substituindo-as pelos bezerros, aqui vão muitas, inúmeras flores.




Nessa época do ano a Via Anhanguera pode ser chamada, quase literalmente, de Rodovia dos Ipês, principalmente de Araras em diante. É uma festa para os olhos, que começa com a florada dos ipês-roxos, seguidos pelos diversos ipês-amarelos, que florescem desde final de junho e começo de julho, até meados de setembro. Seu auge, porém, parece dar-se nesse momento. À medida que os quilômetros se sucedem, os borrões amarelos fortes, vivos, quentes, contrastam com o verde dos pomares de laranja e com o tom cinzento que recobre os horizontes, típico desse período seco. Até choveu bem nos últimos dias, se pensarmos que estamos em pleno agosto, mas não o suficiente para limpar o horizonte.

Agosto é o mês em que florescem os mais belos de todos os ipês, os brancos. Há poucos ao longo da rodovia e o primeiro que aparece é o que fica na entrada de Leme. Há alguns anos vejo esse ipê e penso em fotografá-lo, sem nunca conseguir. Sua florada tem uma duração curta e sua beleza é passageira, fugaz, dura poucos dias e depois fica somente a árvore esperando a nova folhagem para a primavera.

Ontem, finalmente, consegui fotografá-lo, mas não no melhor ângulo e tampouco no melhor horário. Não importa, já foi bom, muito bom.



Esse ipê em particular não é alto, é até meio baixo, embora já tenha uma boa idade. Mais adiante, depois de Santa Rita do Passa Quatro, há vários ipês-brancos do lado direito da estrada, como esse, mas numa área rural, sem fiação elétrica e sem defensas ou construções a poluir os arredores. O tempo sempre apertado nem me permitiu lembrar dessas outras árvores e, quem sabe, estimular-me a esticar minha viagem mais uns 40 quilômetros entre ir e vir, e fazer umas fotos mais bonitas, numa paisagem mais agradável. Quem sabe no próximo ano?


Como não poderia deixar de ser, mesmo aqui, ao seu lado, um ipê-amarelo mostra suas flores.


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Espinhos e flores


Reparem na foto abaixo. É final de tarde, o Sol ainda está no horizonte, mas a Aleluia já dorme, depois de passar o dia com a mãe e com os primos. Escolheu como cama o chão embaixo da paineira que está dentro do bezerreiro. Como ela é agitada e brincalhona, o cansaço e a barriga cheia são ótimos indutores do sono.




Indutores do sono...

Quanta poesia... Mas, desde quando este texto é para ser poético?

Tem nada a ver, como vocês verão a seguir.

Pensando bem, nem precisa reparar muito, basta olhar para a foto do tronco da paineira em detalhe.


Viram quantos espinhos?

Pois é. Nem por isso, contudo, a paineira deixa de ser bonita e, ao seu jeito, aconchegante.

Assim, ou mais ou menos assim, é a vida no campo.

Que é, sim, bucólica, agradável, confortável, romântica, poética, que tem lá seus momentos, raríssimos, de sombra e água fresca, mas, que em contrapartida dessas coisas todas, tem também muitos senões.

Muitos espinhos, como a paineira, que é linda e gostosa no verão, com sua sombra generosa, bonita toda vida na primavera, coberta de flores, útil no inverno com suas painas que, como no sítio do Tião, cobrem o chão e dão a impressão passageira e falsa de uma nevasca em pleno interior paulista.

Na paineira, os espinhos têm função protetora.

Na vida campestre, os espinhos têm tudo, menos qualquer função útil. Principalmente quando esses espinhos são humanos e roubam.

Roubam leite e roubam galinhas, como fizeram conosco na semana passada, roubam televisões, geladeiras e aparelhos de som.

Roubam carros, motos e tratores, roubam vacas e carneiam as coitadas em qualquer beirada de asfalto, tirando meio quilo de carne e deixando o resto para os urubus, cachorros, gatos e outros comensais de carnes abandonadas; esse foi o destino da coitada da Gisele, uma das minhas Jersey PO, registrada e tudo, há alguns anos.

Essa semana mesmo, meu amigo A. e sua esposa L., chamemo-los assim, chegou em sua casa, no sítio, e deparou com bandidos fugindo em duas pickups pequenas e uma moto. A porta estava arrombada, mas os vagabundos nada levaram. Não tiveram tempo, felizmente. Mais felizmente ainda, fugiram, sem enfrentamento e as funestas conseqüências que disso poderiam vir.

Não por coincidência, uma semana antes os bandidos, com toda certeza, jogaram um pedaço de carne envenenada e mataram a cachorra que tomava conta da casa do A e da L.

Bom, a polícia foi chamada e compareceu, mas, naturalmente, nada fez, nada fará. Santa Rita do Passa Quatro tem apenas duas viaturas policiais para atender à cidade, à zona rural e ao distrito de Santa Cruz da Estrela. Nem é preciso dizer qual é a prioridade dos policiais, né? Até porque, ir pra zona rural implica em gastar combustível, pegar estradas de terra, ora com lama, ora com poeirão brabo, abrir porteira, passar por mata-burros, essas coisas todas que produtores rurais, e bandidos, são obrigados a fazer, mas que policiais e outras autoridades não gostam de fazer. Exceto, naturalmente, em período eleitoral, como agora.

Nos sítios e fazendas estamos isolados e, literalmente, sem proteção das forças de segurança, cuja existência tem por finalidade a proteção e segurança dos cidadãos.

Ao mesmo tempo, as autoridades e as leis, impedem-nos ou restringem terrivelmente, a possibilidade de auto-defesa. Ter armas em casa, por exemplo, é pedir pra arrumar chifre em cabeça de cavalo. É crime, do qual, naturalmente, estão isentos os bandidos, mas não os moradores da zona rural.




Apesar disso tudo, a vida no campo tem seus atrativos, ao menos para mim.

Como já disse mais de uma vez, o entardecer é um momento meio mágico.

A luz do Sol já baixo no horizonte dá um tom dourado a tudo. Os bezerros mais novos aproveitam o restinho de calor e antecipam a noite, caindo no sono ainda com claridade. Os mais erados ainda ficam zanzando por aqui e por ali, mastigam um pouco de feno, comem um bocadinho de grama, antes de se deitarem.

As noites com a Lua cheia, esplêndida e luminosa, ainda mais nesse céu limpo de inverno, são realmente lindas e despertam as melhores e, geralmente, as piores veias poéticas de muita gente. Gato escaldado que sou, para sorte de vocês fico quieto no meu canto e limito-me a essas mal traçadas linhas. Melhor dizendo, mal digitadas.

No fim, deixei para trás os espinhos da paineira e fiquei com suas flores e painas.


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quarta-feira, agosto 13, 2008

Coisas estranhas no Macaúbas



- E aí, tá tudo em ordem?

- Tudo bem, tudo certo.

- Ótimo. A Aleluia tá boa, desenvolvendo bem?

- Ah, tá, é a mais esperta dos bezerros, tá bem bonitinha.

- Legal, bom mesmo.

- Ah, tem uma coisa meio estranha...

Pronto!

Frio na barriga, o temor toma conta de mim.

Essa frase é sinal de coisa ruim, conheço-a muito bem, assim como o tom de voz.

- Então, o motorista do caminhão do leite trouxe um relatório e disse que o leite da segunda-feira tava sem gordura.

- Como assim sem gordura? Que loucura é essa? Justo as Jersey?

- É, eu achei bem estranho.

- Mas como o leite pode ter ido sem gordura? Não tem lógica.

- É, foi o que eu pensei, também.

...

...

Silêncio da minha parte, silêncio da dele, e a operadora do celular contando o dinheirinho pra sua conta enquanto isso.

- O motorista não falou nada, só isso?

- Só isso.

Conversei mais uma coisinha ou outra com o I. e desliguei, encafifado com a informação: como o ‘meu’ leite não tinha gordura?

Ora, pílulas, leite de Jersey só tem gordura! É riquíssimo, a ponto do próprio Jamie Oliver dizer em seus programas que o melhor creme de leite é o de leite de vacas Jersey! O que só mostra como ele é bom e entende mesmo de gastronomia. Já éramos seus fãs, aqui em casa. Depois disso, então...

Um pouco mais tarde, peguei o telefone e liguei pro Guto, tirador de leite há muito mais tempo, que mora no sítio e vive do leite. Alguém, portanto, que sabe das coisas, tanto as boas como as ruins.

Conversa vai, conversa vem e a bomba explode na minha cara ingênua:

- Emerson, leite sem gordura é leite com água. Roubaram teu leite e colocaram água no lugar.

Fico quieto... Estou pasmo, incrédulo, revoltado, desacorçoado.

- Oi, você ouviu?

- Desculpe, ouvi sim. Duro é acreditar.

- Eu sei como você está se sentindo. Onde você deixa o leite?

- Dentro do resfriador, mas o resfriador fica na varanda, exposto.

- E você não passou uma tranca nele, né?

- Nem pensei nisso.

- Pois então, pode pensar e fazer.

Pronto.

Aqui estou eu às voltas com mais uma das delícias da vida campestre.

Alguém, sabe-se lá quem, embora desconfiemos de alguém, ao invés de pedir, roubou.

Pior que isso, deu-me um duplo prejuízo: roubou o ‘meu’ leite e, em seu lugar, colocou água, afetando assim minha ficha e minha credibilidade junto ao laticínio.

Não bastava o roubo, teve também a sacanagem do prejuízo ao meu nome.

Por que o vagabundo simplesmente não deixou o latão com menos leite, flutuando na água?

Porque além de bandido e vagabundo é burro. Fez isso achando que ninguém iria descobrir e assim ele poderia continuar mamando no meu resfriador.

Só não sei para fazer o que com o leite, pois quem roubou não tem criança pequena na casa e, bem sabemos, tem leite à vontade do próprio local.

Claro, sabemos quem foi, mas não temos provas.

É o mesmo ladrão que levou as galinhas e foi visto por um morador próximo descendo de seu cavalo e levando um monte de sacos vazios na mão.

Agora o resfriador está envolvido por uma corrente, fechada com cadeado. Não que vá impedir, caso a vontade de roubar seja grande, mas atrapalha e atrasa muito o “serviço”, coisa que vagabundo nenhum gosta.

Não vale a pena avisar a polícia, é só perda de tempo, mas assim mesmo eu vou avisar, pois quem rouba um tostão rouba um milhão.

Hoje, galinhas, o galo vermelho que a Rosa adora e leite. Amanhã... Sabe-se lá o que.

Por isso, já tenho visita programada à delegacia tão logo chegue na cidade.

Tem nada, não, a vida no campo, mesmo assim, é gostosa, e é meu sonho e meu destino.

Não, hoje não vou falar sobre as galinhas e o galo vermelho. Lamento.

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sábado, agosto 09, 2008

Vistas do Macaúbas

Antes de falar e mostrar algumas vistas que o Macaúbas proporciona, essa aqui embaixo é uma das que mais gosto. No final da tarde, prontos para passar a noite, Florinda (deitada) e o filho da Rikinha, nascido no final de maio.

Ela já comeu um bom bocado de feno, assim que entrou no piquete 'dormitório', e agora só espera a chegada da noite. Mais tarde vai comer de novo, assim como ele, que ainda mama durante algumas horas.




Final de tarde sempre dá imagens bonitas, cores quentes, sensações gostosas.

Lá no fundo ergue-se um morrote, rodeado por cana. A casinha da beira do asfalto, que nesse final de semana começa a ser habitada pelo Tadeu, Fabiana e seus dois filhos, compõe a paisagem com a macaubeira elegante no meio do nosso canavial.

Tadeu saiu do sítio e foi morar na cidade, sonhando com o salário vistoso numa fábrica de embalagens. Só de aluguel passou a pagar mais de duzentos reais, por uma edícula minúscula, sem privacidade. A compra do leite para as crianças passou a consumir cem reais por mês. Mais a conta de água, a de luz e todos os custos que a cidade, mesmo pequena, acarreta para quem nela mora.

Agora vai morar no Macaúbas, de volta pra roça, de volta pra perto de onde moram os pais da Fabiana. A casa é simples, mas bem maior que a da cidade. A água e a luz vão no pacote, além do leite pras crianças. Em troca, ele olhará pelo sítio, simplesmente com sua presença ali. E dará alguns dias de serviço em finais de semana, permitindo folga ao Ismael e ao meu bolso, claro.

Um bom negócio, principalmente para ele, que continuará trabalhando na fábrica de segunda a sexta e um final de semana por mês, com o salário 'de cidade', mas morando na roça, com as economias que a roça proporciona.

De minha parte fico satisfeito, também, por ver a casa ocupada, cumprindo seu papel de ser a base para um lar.





A mesma vista com o morrote, sem a casa, no mesmo fim de tarde, a luz do sol já dourada e comprida.




De alguns lugares do sítio a gente avista, meio longe, o girassol que a usina plantou para fazer rotação com a cana. A vista, ainda que distante, é bonita, mas fica mais bonita com a aproximação da zoom.

No primeiro plano, o verde escuro do laranjal pontilhado pelo amarelo das laranjas. Depois o girassol, e depois milho e cana.

Esse é o verde-amarelo que eu gosto.
Pátria, para mim, é isso.


Posted by Picasa

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quarta-feira, agosto 06, 2008

Aleluias!


Dez dias passados no sítio.

Dá pra dizer que começamos, de fato, a preparar nossa ida para lá.

Já não é sem tempo.

Esse período pode ser chamado como o primeiro fato

digno de um ‘aleluia’.

Felizmente, não foi o único.

À parição da Morena, seguiu-se no sábado, dia em que

chegamos, a parição da Albinha. Mais um machinho... O terceiro em seguida (o primeiro foi o da Rikinha).

As duas em suas primeiras crias, ambas sem problemas, felizmente. Essa é uma das grandes vantagens do sangue Jersey: crias pequenininhas, miudinhas, de acordo com

o tamanho futuro dos adultos, e isso é sinônimo, geralmente, de partos tranqüilos. Pena que as três pariram machos, mas, faz parte.

A manhã de segunda-feira corria tranqüila quando, de repente, o Leandro apareceu no curral com uma coisinha nos braços:

a cria da Vitorinha. Sorridente, disse para mim:

- É uma ‘feminha’!

- Aleluia! – exclamei de pronto.

Finalmente, uma bezerra, depois de tantos machos (que até justificaram um post a respeito, para quem está lembrado: “Machismo no Sítio das Macaúbas”). Nos dias que se seguiram ela ficou sem nome, o que não impediu que começasse a se desenvolver como seus irmãos e primos. Pedi sugestão de nome ao Leandro, afinal, foi ele que “achou-a” e deu uma ajudazinha para achar as tetas da mãe e começar a mamar o colostro. Isso nem sempre é necessário, mas quando os bichinhos ficam próximos da gente, a tendência é ficarmos meio apavorados e acabamos por querer apressar a natureza. Tímido, ficou sem jeito e acabou não batizando a bezerrinha no primeiro dia. alguns dias depois, peguei-me olhando a bichinha e pensando em seu batismo. Matuta daqui, matuta dali, de tanto matutar concluí que ela deveria chamar-se Manchinha (por motivos explícitos) ou – sim, por que não? – Aleluia. Todos optaram por Aleluia, e assim tivemos um batizado democrático no Macaúbas. Afinal, democracia é boa e eu gosto.


Outro motivo para um aleluia: desde essa segunda-feira, o Laticínio Nilza, de Ribeirão Preto, está recolhendo nosso leite, dia sim, dia não. O caminhão entra no sítio (tivemos que serrar uns galhos de três árvores... paciência, é o preço do progresso), encosta perto do curral e uma mangueira suga o leite dos galões. O próximo passo, tão logo mais vacas entrem em produção e ultrapassemos de forma consistente os cem litros por dia, será a instalação de um tanque de expansão, que receberá o leite ao invés dos galões plásticos, que ficam armazenados num resfriador de água.




A ‘máquina’ da prefeitura, uma retroescavadeira, foi ao sítio e fez uma senhora curva para retenção das águas das chuvas do próximo verão, impedindo que elas desçam e assoreiem a mina. Eu achei a curva grande demais, roubando-me boa fatia de pasto já escasso, mas alguns vizinhos acharam-na pequena e vaticinaram que as águas irão sobrepujá-la. Bom, o jeito é esperar para ver.

Eu também queria fazer uma lagoa seca, com a esperança que viesse a transformar-se numa lagoa ‘molhada’, cheia d’água o ano inteiro, mas a máquina começou a vazar óleo e o operador foi embora com ela. Pena. Mas ainda espero pela lagoa, assim como as garças que ficaram muito tempo olhando o serviço da grande pá que arrancava blocos de terra, revelando insetos e larvas diversos para a diversão e, principalmente, refeição das alvas espectadoras.

Outro motivo para um sonoro aleluia: choveu!

Depois de longo período, uma chuvinha. Miúda, no domingo, o bastante apenas para jogar fora a poeira e limpar as folhas das árvores. Mas nem tão miúda, pois já deu para observar montículos de terra em alguns pontos, indicando o trabalho de formigas, besouros e outros insetos, limpando suas tocas e túneis, sinalizando que a água, ainda que pouca, penetrou um bocadinho no solo sedento ocupado por plantas idem.

Já na terça-feira, e disso só soube por telefone, choveu bem, chuva de respeito: 12 milímetros. Claro, de respeito considerando que estamos em pleno agosto, um mês sempre muito seco. Portanto, doze maravilhosos milímetros que vieram somar-se a outros três ou quatro do domingo.


A chuva é, literalmente, uma dádiva do céu.



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