(Crônicas do sítio 4)
Às vezes, na chegada, somos recebidos pelos urubus. Os macambúzios senhores, eternamente trajados de preto - menos o rei, raro como todo rei e, como alguns reis, todo colorido - ficam perfilados, um em cada moirão da cerca, alguns com as asas abertas, quem sabe bronzeando as axilas, outros apenas quietos, dormitando, talvez. Tem quem não goste, mas não é meu caso. São bichos muito simpáticos, fora a utilidade. Se com eles já é meio ruim agüentar os maus-cheiros que abundam nesse país, sem eles, então, seria simplesmente impossível. Mas, como dizia, são simpáticos, sim. Que nem aquelas pessoas feias, muito feias, tão feias que se tornam simpáticas por obra e graça duma simpatia natural ou simplesmente por acharmos que o são.
Bom gourmet, não posso dizer que inveje o cardápio dos urubus (quem sabe os franceses e suas carnes “descansadas”?), mas invejo a capacidade deles de pairarem acima de tudo e de todos, aproveitando as correntes ascendentes de ar quente e subindo, volteando, subindo, sem fazer esforço. E lá no alto se deixam ficar por muito tempo. Dependendo de onde habitem, caso dos arredores de São Paulo, ou Rio, ou Brasília, ou Londrina, ou muitas outras cidades brasileiras, devem ficar lá por cima porque, provavelmente, nem eles aguentam o perfume podre que cerca essas nossas cidades, emanados de elites (eu disse elites ?) políticas putrefatas e descaradas.
Outro dia na chegada, a atenção foi despertada por um grupinho alegre e barulhento, uns passarinhos vestidos todos com roupagem de grife: corpo amarelo vivo, peito preto, cabeça idem, dorso amarelo e escuro. Vivazes, pulavam dum pé de milho para um de goiaba, e de volta para o milho, ou outra goiabeira, gritando uns, cantando outros. Uma festa. Na verdade é um bando de chopins-do-brejo que habitam um brejo próximo, e saem nessas excursões, tipo picnic, um verdadeiro grupo de alegres farofeiros. Com uma vantagem: sem farofa e sem a pinga, logo, sem as discussões regulamentares de tais grupos e seus acompanhamentos líquidos.
O mais comum é ouvirmos as seriemas cantando. Vez que outra elas se deixam enxergar. A cada nota do canto, o longo pescoço sobe e desce. Uma cena cômica, apesar da seriedade com que uma canta daqui e a outra responde dali. Andam sempre em casal, só falta se darem as pontinhas das asas. De certa forma, ouví-las dá uma sensação de tranqüilidade. Tudo está em ordem. E, provavelmente, não veremos nem rastro de cobra nas proximidades. Diz o povo de norte a sul, leste a oeste, que elas comem as cobras. Já pesquisei sobre isso, e o máximo que vi foram referências a filhotes comidos, mas ... vox populi vox dei. A verdade é que há muito não vejo cobras por esses sertões afora. Mas emas e seriemas tenho visto de monte.
Coisa meio triste essa: sujeito vê uma cobra e desanda a procurar pedra porrete facão enxada espingarda. Os dias da pobre estão contados. Tanto faz que não seja venenosa, é cobra, logo, tem de morrer. Um bicho tão útil, e tão maravilhosamente evoluído e adaptado. O que me espanta é que essa mesma sanha assassina vingativa justiceira preventiva, não seja exercida (dentro dos limites da lei) contra os verdadeiros répteis assassinos e venenosos, que por vias diretas e indiretas, matam, espoliam, aleijam, embrutecem, poluem, saqueiam, entristecem esse pobre país.
Quanta energia mal direcionada !
(Há muito escrevi esse texto, coisa de quase 5 anos. A podridão mudou. Agora cheira pior. Haja urubu pra tanta carniça.)
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