Um Olhar Crônico sobre os dias de hoje e alguns de ontem. Um Olhar Crônico sobre a vida nas cidades, a vida na megalópole, a vida na roça, quando é dura, e no campo, quando é lírica. Textos, Idéias & Coisas diversas, aquelas que passam pela cabeça e a gente acaba registrando, sabe-se lá pra que ou mesmo porquê.
terça-feira, julho 05, 2005
Reflexões numa manhã de 2a-feira
É manhã de 2a-feira, o sol vai nascer em minutos, o oriente não é vermelho, mas alaranjado. Os galos ainda cantam. Todas as vacas estão deitadas, curtindo os últimos minutos de sossego antes da chegada de quem vai tirar-lhes o leite. E também dar comida. Algumas bezerras já estão de pé, comendo feno ou olhando pras mães, esperando a hora do leite. A passarinhada já está alvoroçada e começando a voar, conforme a luz vai ficando mais intensa. Essa manhã não tem névoa, o céu está limpo, escuro ainda e estrelado pro ocidente. Faz frio ainda, não tanto como na semana passada, mas o bastante pra exigir camiseta sob a camisa um blusão por cima de tudo.
Ontem, pleno domingão, meio cansado deixei para hoje a coleta de solo do pomar de laranja-lima para análise. Com preguiça de ir ao barracão buscar a “sete léguas” preta, saio com a minha botina de todo dia/toda hora mesmo.
É poético isso, sair de casa ao raiar do dia (que felizmente está raiando num horário civilizado, por volta de seis e meia) e ir pra roça. Balde com a sonda, saquinhos plásticos e um pedaço de caibro pra bater na sonda, até que penetre os vinte centímetros de praxe no solo. Se bater com marreta de ferro a sonda se parte, batendo com a madeira não tem risco. Tem que bater um monte de vezes, é verdade, mas a sonda não estoura.
O capim mais alto, apesar de pastado, as plantas daninhas que se multiplicam e surgem como moscas em churrasco, e as próprias laranjeiras, vão me encharcando. O orvalho acumulado escorre das folhas. Encosto sem querer num galho, agachado, e uma pequena chuva molha minha cabeça e pescoço. Gelada. No pomar, vou caminhando num ziguezague imaginário, parando aqui e ali pra coletar amostras. O ruído chato e agudo da madeira batendo na sonda metálica se espalha. Tivesse, ainda, alguma araponga por aqui, com certeza responderia às minhas batidas, imaginando ser o canto de uma companheira desafinada.
Sinto meus pés encharcados. O couro da botinha funcionou como uma esponja. A calça jeans pode ser torcida na horta. Tem água bastante pra irrigar uns pés de alface. Além dessa água do orvalho, tem minha própria água, pois já estou transpirando.
Alguém falou em poesia da manhã? Alguém falou em como é poético sair de casa ao raiar do sol para ir trabalhar na roça? Pois sim... Poesia mesmo, da boa, seria ficar na cozinha aquecido pelo fogão a lenha tomando café quentinho e vendo o nascer do sol, os passarinhos voando e cantando, etc e tal. O resto é trabalheira mesmo, nada poética.
Volto pra casa com as amostras de solo. Misturo-as e coloco em saquinhos plásticos. O laboratório vai dizer como está o solo do pomar de laranja-lima em termos de macro e micronutrientes. E vai determinar quanto e qual adubo deverei comprar. E comprar depressa, enquanto o dólar está baixo e o pessoal da soja não começou a fazer suas compras.
A cozinha está como eu sonhava no meio do pomar: quentinha, cheirosa e gostosa. Pego uma caneca de café e faço uma besteira: ligo a tv. Bem na hora do “Bom dia, Brasil”. Pior impossível. O imbróglio dessa manhã de 2a é sobre a matéria de capa da Veja que me espera em São Paulo desde sábado. O presidente do PT assinou um empréstimo bancário cujo avalista é o publicitário que manipula dezenas de milhões de reais pra comprar gado. Gado parlamentar, bem entendido. Penso em desligar a tv, mas... bobagem, desligar pra que? Enquanto como meu café da manhã, vou ouvindo. E pensando. Pego o carro e vou pra cidade, levar as amostras, devolver a sonda, comprar uma coisa e outra, usar o cheque do leite pra pagar a madeira usada na casa nova. E vou pensando, não na morte da bezerra – toc toc toc... ô citação besta! – mas em Genoíno e Delúbio (saco, o word não conhece Delúbio, tenho de voltar e acentuar; mais uma canseira que dá esse sujeito!). Penso em Willy Brandt. Nobel da Paz, um dos mais importantes e melhores políticos da segunda metade do século XX, Brandt, chanceler alemão, renunciou ao ser descoberto que seu assessor traía o país. Ele nada tinha a ver com isso, exceto pelo fato do sujeito ser seu assessor, mas foi o que lhe bastou. Renunciou. Genoíno, Lula, Zé Dirceu e outros muitos, dentro e fora do PT, em todos os partidos a bem da verdade, são pequenos, subdesenvolvidos moralmente. Não têm nenhuma grandeza.
Por um acaso, sábado li mais que a edição de esportes do jornal. Foi um descuido. E lá descobri que eu sou barato. Sou um produtor de vídeos barato e baratos. Eu sou barato. Meus produtos são baratos. Como cheguei a essa conclusão em pleno sábado no sítio? Simples: segundo investigações, uma produtora de vídeo do Mato Grosso do Sul fez um “áudio-visual institucional” de 3’ de duração e cobrou por ele a bagatela de R$ 252.000,00 através de uma nota fiscal bonitinha e certinha. Isso mesmo: duzentos e cinqüenta e dois mil reais. Ora, com esse dinheiro eu faria uns 20 desses “áudio-visuais” e daria risadas de março a dezembro, só cuidando do sítio. Leitura vai, leitura vem, muito instrutiva como se vê, descubro o pulo do gato: junto com outra nota no valor de quarenta e oito mil, totalizando, portanto, a bela quantia de trezentos mil reais, era a sexta parte de um pagamento total de um milhão e oitocentos mil reais a serem pagos por uma empresa do grupo Peralta para o PT de Mauá, na Grande São Paulo. O negociador da peraltice foi o tal de Garreta, ex-secretário de dona Marta Suplicy e já envolvido em outras denúncias aqui na megalópole. Oficialmente (pode-se dizer isso de algo feito por baixo dos panos?), o dinheiro destinar-se-ia à eleição de Marta e à reeleição do prefeito de Mauá. Em troca de tão agradável mimo, a administração petista da pujante Mauá facilitaria a vida dos peraltas Peralta, num projeto de grande porte na cidade. Além, é claro, de alguns benefícios e isenções fiscais. Bom, isso explica a nota, é claro, pois um “áudio-visual de 3’ de duração” por toda essa grana... só de brincadeira ou corrupção pura.
E assim fui pra cidade, pensando nessas coisas. Paguei a conta da madeira com o cheque do leite e a ajuda de algumas cédulas, pois o leite não bastou. Peguei mais farelo, pra aproveitar o preço só meio alto, conversei com o veterinário sobre um dos “peitos” da Alba, cujo colostro tá meio avermelhado (coisa simples, basta uma injeção de vitamina K e pronto), namorei uma pickup pequenininha mas ajeitada, que cairia como uma luva pros meus vai-e-vem megalópole/sítio, mas que tá fora do alcance do meu bolso, mesmo usada, e fui embora, pensando em como seria bom trabalhar pra esse povo que paga bem sem reclamar que tá caro, sem pedir pra reduzir os custos. Ah, esses meus clientes muquiranas! Bom mesmo é trabalhar pra bom pagador como o Marcos Valério.
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2 comentários:
ta alto o sol nessa tua foto, hein? se voce acordou com esse sol... :o)
Bem observado, anônimo observador. Coloquei essa foto só pra ter uma foto, nada mais. Qualquer manhã dessas preciso fazer uma boa foto da alvorada - eu disse da e não do, ok? no momento, do Alvorada quero mais é distância - pra colocar aqui. Mas minha câmera digital peca um pouco nessas fotos.
Essa é a represa São Valentim, pertinho do sítio. A área clara antes dela estava ocupada com cana, a cana que foi queimada e motivou o post de dias atrás.
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