domingo, julho 10, 2005

Um homem simples de Aracati

Congonhas tem os detetores com raios X sempre funcionando, ao contrário de outros aeroportos tupiniquins onde a única coisa que funciona sempre é a obrigação ditatorial de um documento de identidade. E passando por um desses detetores, um sertanejo simples da cearense Aracati foi detido para averiguações. Sua maleta continha um montão de pacotes com jeito de ser dinheiro. Era. Aberta, revelou duzentos mil reais, o bastante para enquadrar o portador em dois artigos ligados a crimes contra o sistema financeiro. Isso, porquê o portador não tinha uma explicação ou documentação razoável e convincente para tal quantia.

Detido, o sertanejo simples – embora Aracati esteja à beira-mar plantada – revelou ter na cueca nada menos que cem mil dólares. Epa! Cadê a polícia federal que ainda não chegou?

Notícia no Brasil e talvez em parte do mundo dada a bizarrice de tantos dólares em local tão, digamos, inapropriado, nosso sertanejo de beira-mar tornou-se celebridade. Ontem vi pela tv cenas da simples cidade de Aracati, Ceará. Cenas da simples vida de seu simples povo. A tv gravou imagens, externas apenas, da simples casa do simples sertanejo. E gravou alguns simples depoimentos da simples gente do lugar.

Coitado... Pegaram esse sujeito e botaram numa fria, né?

Pois é, bota fria nisso.

Mas ele não é tão simples assim, é Secretário de Organização do PT do Ceará.

Ah, isso não quer dizer muita coisa, tá cheio de gente por aí com cargo de grande sonoridade mas que é gente simples, com uma história de vida simples.

É verdade, sim. Veja só o Delúbio, por exemplo. Cara simples, mais simples que ele...

Peraí, o Delúbio simples? Qual é? O cara vivia fumando charutos Cohiba! Sabe quanto custa um só Cohiba? Uma puta grana!

Ora, você como sempre exagerando. Porra, todo mundo só exagera quando fala de algum problema com o PT ou do PT. Isso é perseguição.

Ah, não, faça-me o favor, vai querer me dizer que você acha que “tudo isso que está aí” é perseguição, armação e má vontade para com o PT?

Não, não foi isso que eu disse, mas que todo mundo exagera, ah, isso exagera mesmo.

Aquela casa simples num bairro simples de uma cidade simples habitada por gente simples não me saiu da cabeça. Como tem gente que usa e abusa da simplicidade dos simples, fiquei cá a pensar redundantemente.

Até ler o jornal hoje cedo, bem cedinho. Como de hábito, primeiro o futebol, uma espécie de antídoto para o resto do jornal (ainda mais que o São Paulo ganhou do Flamengo ontem).

Leitura finda e café tomado, passei ao primeiro caderno. E com sua abertura e leitura caiu por terra a minha suposição de simplicidade para o portador dos dólares e reais. O cara pode ser tudo, pode até, quem sabe, ter vendido umas tantas mil toneladas de repolhos pra receber toda aquela grana. Digamos que isto não seja impossível. Improvave, com certeza, impossível nunca. O que é impossível e foi tornado bem claro pra mim, é o tal sujeito ser um simples alguma coisa. Não é. A prova é evidente: demonstrando frieza, inteligência, argúcia e um profundo conhecimento do mundo das coisas do mal, nosso nada simples sertanejo apagou as memórias de chamadas de seu celular.

O cara não é simples, tá mais que na cara, simples ou simplória é a polícia federal. Em filme americano esse tipo de coisa nunca acontece e os detetives, com toda a facilidade e tranqüilidade do mundo, acessam todo o histórico das conversas do individuo detido graças à memória de seu celular. É tiro e queda.

Mas que rapaz mais esperto esse nosso secretário de organização do PT cearense, hein?

Pra espanto do povo simples da simples Aracati.

A falsa simplicidade do PT e dos petistas começa a ruir. Temo pela hora em que o MST mostrar sua cara.


Até porquê esse "simples sertanejo" revelou-se um bem treinado agente. Só não sei ainda de que ou para que. Acho que vou pedir ajuda a Le Carré e Forsyth.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Puxa vida, então o cara ainda apagou as memórias de chamadas do celular? Simples, simples...

Olha, Emerson, eu lembro de quando descobriram aquela maracutaia do Banco do Brasil patrocinando -- carissima-íssima-issimamente -- um show de conhecida dupla sertaneja. A enjoada dupla se apresentara em festa do PT. Portanto, o BB, além de pagar, indevidamente, celebrações do referido partido, ainda superfaturou o cachê.

Se tivessem apurado como devido, talvez desde lá descobrissem essas complexas "simplicidades" de agora.

Abraço,

Ana (dabahia@gmx.net)