quarta-feira, novembro 02, 2005

Tá difícil falar em política

Está difícil falar sobre política. Ou, está muito fácil, afinal, qualquer coisa que se fale é possível, pois todas as barreiras foram rompidas. Não há limite visível entre o real e o absurdo. O absurdo, por sinal, começa pelo real, que se mantém firmemente valorizado frente ao dólar, como se aqui fosse a Nova Suíça, uma Helvetia tropical. Isto, sem dúvida, é absurdo. Ou é simplesmente real, com trocadilho infame e tudo o mais?

De tanto lermos os realistas fantásticos latino-americanos, e seguindo nossa velha tradição de sermos mais realistas que o rei, transformamos nossa cotidiana, simples e banal realidade de outrora numa realidade fantástica. Hoje, ler alguma coisa como “Cem anos de solidão” é algo sem sentido, sem graça, sem sal, sem tempero. Um livrinho insosso. Qualquer jornal diário ou revista semanal põe García Márquez no bolso. Macondo é um território por demais convencional, certinho e quadradinho comparado ao Brasil dos dias de hoje.

Uma coisa é certa: nós conseguimos nos superar.

Seria tolo e cansativo ficar aqui listando as coisas estapafúrdias que presenciamos e vivenciamos, por força da geografia, dos negócios, das histórias de vida e dos impostos. Então, volto ao nosso hiper-realismo fantástico através de alguns personagens idem.

Marcos Valério... Que figuraça, não é mesmo? Careca total, bem falante, um símbolo, uma referência, não só pela careca, mas por tudo. Marcos Valério, criador do valerioduto.

Delúbio Soares... tenho que escrever o “d” maiúsculo e colocar o assento. Sabiamente, o Word não reconhece delubio como nome próprio, não lhe dá maiúscula e sequer o acento. Isso, todavia, não impediu o dono do nome de comprar uma fazenda em Goiás, a mesma onde foi o caminhão - pipa da prefeitura local para jogar água e refrescar os convidados do churrasco de aniversário dessa insigne figura tupiniquim , vítima das forças conservadoras. E tampouco impediu-o de comprar um Omega australiano, blindado, por sessenta e sete mil moedas, cash (prefiro falar moedas a reais, esse negócio de real pra lá e pra cá começa a causar confusão).

Silvinho, o homem que ganhou um Land Rover, o carro mais famoso dessa república tragicômica. Um erro, claro, pois o carro mais famoso, ou melhor, os carros mais famosos da república deveriam ser uma Pajero blindada, aquela do Sombra, de onde Celso Daniel saiu para a morte, e o já citado Omega blindado de delubio, minúsculo e sem acento.

Silvinho e delubio estão desempregados. Um contrassenso, gente com o gabarito profissional deles não ter um emprego decente. Algo como limpadores de latrinas na China, como vimos em “Balzac e a costureirinha chinesa” (e o Word se recusa a dar dignidade a delubio; coisa de americanos, tá na cara).

Dona Marisa é sonsa. Mas é esperta. Mandou fazer estrelas vermelhas nos jardins palacianos. Mandou decorar e redecorar as moradias presidenciais. Não perde uma viagem. Veste-se bem. Vai bem a dona Marisa. Né boba, não. E feliz, como boa mãe, com os filhos. O mais velho nem se fala, que beleza. Tão garoto e já dono de empresa milionária. E tudo graças aos joguinhos, graças aos games. E ainda vem gente me dizer que o ócio não compensa! Francamente...

Zé Dirceu sempre foi o terror. Leiam de novo e bem: sempre foi o terror, nunca o terrorista. Liderou passeatas e traçou um monte de deslumbradas futuras companheiras. Preso, foi trocado por um embaixador e passou a viver em Cuba. Deu-se bem por lá. Até ganhou um “extreme make over”, ou terá sido um “the swan” o programa pelo qual passou? Enquanto os americanos sonhavam com seus “reality shows”, nós já tínhamos terminado o nosso e o nosso transformado já tinha trocado de mulher, de filhos, de vida, de profissão e já era o homem mais poderoso da Terra de Vera Cruz, ou, pelo menos o segundo mais poderoso. Há controvérsias, pois alguns resistentes crentes seguem afirmando que o presidente sempre foi o número 1, o mais poderoso. Há controvérsias.

Toninho Palocci... Grande figura. Parece que seu lugar na história e nessa história ainda não está plenamente marcado. Há indicações de um grand finale programado para ele. Algo de arrepiar até a careca de Marcos Valério. A ver.

Nunca antes como agora legistas tiveram tanta importância nessa república. A continuar assim, esse período entrará para a história como a “república dos legistas”. Naturalmente que entrará para a história pela saída de lixo, mas cada um entra por onde consegue.

Há muitos figurantes insignificantes nessa república, alguns genuínos, outros nem tanto. Uma república cheia de trocadilhos. Estive tentado a escrever trocadalhos, mas pensei melhor e, em nome da elegância, não escrevi. Mas que pensei, pensei.

Tantos trocadilhos, que os há até para mercadejar consciências. E justo no congresso, onde consciências jamais poderiam ser mercadejadas. Mas foram. E tem mercadejante (sorry, não resisti) que ainda posa de vestal. Paulo Salim fez escola e foi superado no quesito “cara-de-pau”.

Em nome da paz, tentou-se desarmar os pacatos e preservar armados os bandidos. Quase deu certo. O povo, do alto de sua eterna vigilância, levantou-se contra tamanha barbaridade e disse não. Teria sido algo interessante e digno de registro, não vivêssemos quadra tão infausta e absurda. Foi um belo gesto perdido.

Dinheiros parecem jorrar de cornucópias desconhecidas. Muitos dinheiros. Tantos, que como as nascentes do Nilo e do Amazonas deixam dúvidas sobre qual a real fonte de tanta água, de tanta dinheirama.

Na revista que denuncia escândalos & falcatruas, uma foto sintetiza tudo: de baixo para cima, mostra o presidente do becê cochichando ao ouvido do presidente da Terra de Vera Cruz. Nessa posição, com os dentes parcialmente à mostra e um ar sonso de quem nada quer e para nada liga, a imagem do presidente de todos os tupiniquins é a de uma raposa. Uma perfeita raposa. Olhem bem. Há um que, também, de vampiro naquela cara sonsa (eu já disse isso? – é, eu já disse isso, inclusive para a primeira-esposa; droga, estou me repetindo), podem reparar. Ou talvez tudo não passe de má vontade de minha parte.

E hoje cedo, com esse texto já escrito e pronto para ser enviado e perturbar o feriado de vocês, saboreava tranqüilamente meu café-da-manhã com o Estadão de praxe à frente, quando deparei com uma nota. Pequena, discreta, perdida no Caderno 2, lá estava ela.

Muitos de vocês (pessoas finas e de muito bom gosto, sem falar de boas e honestas posses) conhecem o Depósito Santa Luzia, aqui nos Jardins. É um templo do consumo sofisticado e de extremo bom gosto. Por exemplo, se eu tivesse papado uma megassena da vida, iria até lá esses dias pra comprar trufas brancas. Sem ter papado a sena, passo pela frente e nem olho. Confesso que já fui lá duas ou três vezes, depois de ter fechado grandes contratos para produzir uns vídeos e confesso que numa delas não tive coragem e saí com as mãos abanando. Nas outras, pra não dar bandeira de pobre, saí com uma caixinha de macarrão ou outra coisa assim, custando menos de “dez real”. Tenho bom gosto, mas não sou louco.E foi lá, nesse antro do suprassumo do consumo capitalista, uma Daslu dos comes & bebes, que ontem, um personagem conhecido, fazia sua comprinha básica. Seu carrinho estava cheio de preciosidades. Literalmente. Que personagem é esse?Silvinho "Land Rover" Pereira. Lembram, né? Até citei-o logo acima.Moço pobre, salarinho básico de dirigente de partido popular, atualmente desempregado. Devia estar queimando seu suado éfe gê tê ésse naquele templo capitalista.

E com essa, só me resta concluir esse texto e ter a cara-de-pau de desejar a todos um bom feriado.


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5 comentários:

Anônimo disse...

Navalhanacanalha! Beleza de texto, rapaz. :)

Anônimo disse...

Emerson, Vc fez um feito notavel.

Associar qual raposa destroçou qual galinha.

Eu não consigo.

Sei que o galinheiro foi arrombado, muitas galinhas mortas, outras estupradas, outras compradas por 30 dinheiros.

Mas nomear as raposas uma a uma é tarefa ingloria.

Tanto quanto lembrar qual Buendia era parente de quem.

Anônimo disse...

Eu já não tenho mais ânimo sequer para escrever sobre esta corja. Não adianta. A escreve, escreve, escreve... e nada acontece, nada muda, a corrupção, a impunidade e o cinismo aumentam. Que gentalha.

Anônimo disse...

Adorei a comparação com Macondo.
Gabriel Garcia Marques perde....

Anônimo disse...

Porque você não escreve sobre ACM e a ligação dele com o Valerioduto?Ou talvez FHC e a roubalheira no governo dele.Quem sabe falar de PSDB e a ligação com o Valerioduto em Minas.