terça-feira, setembro 27, 2005

Depois do apito final

É costume dizer que o jogo só termina quando o juiz apita o final. Há controvérsias, entretanto, aproveitando o bordão da televisão. Eu lembro de um jogo que não foi bem assim.

Estava em Marilia, matando as saudades dos parentes e amigos e da cidadezinha onde passei muitos de meus melhores momentos, Padre Nóbrega, à época, ainda, um pequeno distrito de Marilia. Sábado de Carnaval, em 24 de fevereiro de 2009, sem ter o que fazer, eu e meu primo fomos para o Bento de Abreu Sampaio Vidal, o estádio da cidade, assistir ao jogo do MAC – Marilia Atlético Clube – contra a Ponte Preta, de Campinas. Jogo importante, jogo do Campeonato Paulista. Naquele ano o MAC tinha um belo time, do qual recordo bem dois jogadores: o meio-campista Jorginho, que depois foi para o Palmeiras, e um ponta chamado Ferreira, que não sei para onde foi depois que saiu do MAC. Jorginho era uma grande promessa, e ainda garoto de tudo. Tinha jogado a Taça São Paulo de juniores e se destacado. A Ponte tinha mais que um simples bom time: era quase um esquadrão, uma equipe que disputava títulos e vencia os grandes da capital em seus domínios. Seu quarto-zagueiro era o Juninho ao lado de Oscar, com quem fez uma grande dupla, e que já servira várias vezes a Seleção brasileira. Tinha Dicá e outros excelentes jogadores. Seu goleiro era o titular da Seleção brasileira, Carlos.

O jogo foi animado, bom, muito movimentado. E mais para o final tornou-se meio duro, como acontece com freqüência. A Ponte vencia por 3x2 e já nos minutos finais, o MAC empatou. Dada a saída, um contra-ataque rápido e virou o jogo: 4x3. A torcida enlouqueceu de felicidade e queria o final do jogo imediatamente, mas o juiz deu seqüência à partida. A Ponte cresceu em campo, atacou e marcou: 4x4. O jogo já estava uma loucura e a essa altura a torcida estava totalmente revoltada com a arbitragem. A gritaria era ensurdecedora, ainda mais porquê o estádio estava lotado. Como meu tio era anunciante, tinha placa na lateral do campo, tínhamos direito a duas cadeiras cobertas, onde eu estava com meu primo; também esse setor estava lotado. Os vestiários ficavam por baixo de onde estávamos e os jogadores e o trio de arbitragem entravam e saíam do campo bem à nossa frente. Todo mundo gritava e nós também, é claro.

Nesse momento presenciei uma das cenas inesquecíveis que o futebol me proporcionou. Os jogadores da Ponte comemoravam, a torcida urrava de ódio, os jogadores do MAC estavam meio atarantados, mas nem todos. Jorginho pegou a bola no gol e correu para o círculo central. O juiz apitou, o centroavante deu um toque na bola para o lado e para trás até o Jorginho. Ele parou a bola, olhou e chutou dali mesmo, um passo antes da linha de meio-campo.

Tudo isso em frações de segundo. O goleiro Carlos estava na meia-lua de sua área, lembro de vê-lo, ainda, com os braços levantados comemorando com o Polozzi. Ele viu a bola e pressentiu a tragédia. Começou a correr para trás, tentando adivinhar a trajetória correta da bola e chegar a tempo de impedir sua entrada no gol. Que parecia uma coisa líquida e certa.

A bola chegou primeiro que ele. Caprichosamente, porém, passou a reles centímetros do travessão e bateu no alto da rede. Tinha ido para fora. E o juiz apitou o final do jogo.

Então, tudo começou. Outro tio, policial militar, estava em campo e tentou proteger a saída do juiz. Foi difícil, pois chovia. Não água, até porquê o céu era azul e bonito, mas pedras, garrafas, copos, pilhas, tudo e qualquer coisa que aquele povo das cadeiras cobertas, povo de elite, tivesse à mão e pudesse atirar. Naquele momento, eu e meu primo que víamos tudo isso acontecer ao nosso redor, a poucos metros de distância do nosso tio, do trio de arbitragem e dos outros policiais, ficamos preocupados com a segurança dele. Ainda que a muito custo e protegendo as cabeças, saíram todos do gramado.

Os dois times também tinham conseguido sair e já estavam nos vestiários. Foi quando ouvimos o primeiro barulho forte, metálico. Soubemos depois, e vimos no chão, eram paralelepípedos empilhados na frente do estádio sendo jogados nas portas metálicas que davam acesso às cadeiras e também nas janelas dos banheiros e vestiários. As pancadas nas portas se misturavam com as pancadas nas janelas, vidros quebrando, aumentando a confusão. Muitas pedras, principalmente, mas também alguns tijolões, passavam pelos portões e caíam ali por perto.

Fora do estádio, centenas de pessoas, a maioria delas vindas da arquibancada do outro lado do campo, protestavam e queriam sangue. Naquela altura, acho eu, qualquer sangue. Situação clássica: quem está fora não entra, quem está dentro não sai. Nós estávamos dentro. E choviam pedras nas portas. Isso se arrastou por longos minutos, coisa de quase meia-hora, que foi o tempo necessário para a chegada de algumas viaturas policiais com reforços.

Saímos, mas talvez tivesse sido melhor ter ficado lá dentro mesmo. Eram poucos policiais para muitos torcedores. E muita gente que saiu pegou pedras e começou a atirar também. Inclusive na polícia. Eu e meu primo nos separamos no meio da confusão. O certo era aproveitar a brecha e ir embora, mas não conseguia me afastar, ficava olhando tudo. É, mas devia ter me afastado rapidinho quando pude. Em certo momento, a polícia se reorganizou (eu tinha participado de um monte de manifestações em São Paulo contra a ditadura e mais ou menos conhecia o jeitão da coisa, mas, mesmo assim...), fez uma linha e veio para cima dos torcedores, ou seja, para cima da gente, pois naquele momento eu fazia parte do mesmo pessoal que desafiava a polícia.

Pronto! Era só o que me faltava, executivo de uma revista agrícola de prestígio ser preso e acusado de sei lá o que. Sebo nas canelas. Mas eu não contava, tampouco o povo ao meu redor, com a ação policial completa. E de repente saíram vários policiais de uma rua lateral, bem à nossa frente. Presos entre dois fogos, ou entre duas cassetadas.

O pau comeu. Tive sorte. Não fui preso e só levei uma cassetada nas costas. Pernas? Para que vos quero! Corri feito seriema assustada até nosso carro. Meu primo já estava por lá e além da dor nas costas tive que ouvir o sermão, que me deixou com os ouvidos doendo. Fomos para Nóbrega. A confusão continuou. O pessoal tocou fogo em três viaturas policiais: uma Veraneio e dois Fuscas. O juiz e o time da Ponte saíram do Bento de Abreu tarde da noite, quando os ânimos serenaram. Também, pudera, tinham chegado dois ônibus de Bauru com a Tropa de Choque.

Naquela noite, Marilia apareceu no Fantástico. Eu fui dormir cheio de dores. E o jogo que começou às quatro da tarde acabou lá pela meia-noite. Muitas horas e pancadas depois do apito final.


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2 comentários:

Anônimo disse...

Ainda bem que você escapou! :)

E o Stanley? Espero que esteja recuperado.

Anônimo disse...

Adorei a história! Como a Ana, eu também quero notícias do Stanley...