segunda-feira, setembro 26, 2005

É primavera - 2005

Sintonize seu cérebro.
Ligue aquela rádio imaginária ou o toca-discos, lembra dele? A gente chamava de vitrola, quando era grande e imóvel num móvel, ou de sonata, quando pequena, e a gente levava pra cima e pra baixo.
Ah, você não lembra mais e só vê tv?
Ok, sintonize, então, o player de CD. Hummm... Coisa ultrapassada? Tá grave, hein? Então, tá. Acesse seu aipoud (é assim mesmo?)...

Vamos lá, “É primavera” – Tim Maia – primeira gravação num ano qualquer do terço final do século XX. Achou? Excelente, play it, Sam. Ops, essa fala é de outro roteiro e só vale para “As time goes by”. Bom, toque logo a música do Tim Maia em background, é a trilha sonora desse texto que, fosse ele bom, não precisaria dessa frescura. Ou alguém já viu alguma coisa do Verissimo com esse nhenhenhém? Ao texto, pois. E à foto da Primavera.






Opa, opa! Você acha que errei de foto? Esperava flores com abelhas e beija-flores? Céu azul, nuvens brancas, dia brilhante? Ihhhh, então errou de texto. Essa é a mais bonita e esperada imagem da Primavera: o céu cinzento em todos os quadrantes e a chuva caindo, ora mansa, ora nem tanto, sem chegar a extremos de violência, sem virar temporal. Só chuva e chuvinha.

O curral vira um lamaçal – coisa que um dia corrigirei. A cozinha fica com o chão marcado o tempo todo. As galinhas zanzam menos e vira e mexe se abrigam numa das varandas. Onde deixam sinais inequívocos da estadia. Aumento o número de idas ao fogão a lenha. Aumento o número de doses de café gostoso, doce e forte. Café de sítio, coado no pano, ao contrário da cidade grande, onde bebo o café que passa pelo papel sem açúcar, sem adoçante. Aqui, bebo café gostoso. É diferente.

Verdade seja dita: é ruim trabalhar na roça embaixo de chuva. Pior: é péssimo. O que salva a gente é a bota de borracha de cano alto. Com ela, dá pra pisar na lama – não, lama não, lama é exclusividade de políticos, na roça a gente pisa é no barro – e dá pra passar incólume pelos montinhos de bosta de vaca meio que flutuando no barro, tarefa assaz facilitada pelos litros de urina que as simpáticas moçoilas de 400 kg – as Jersey – ou 600 – as mestiças – costumam despejar por toda parte. Aí, bom, aí o jeito é dar uma fugidinha pra cozinha, mergulhar a bota num balde d’água, entrar, tomar mais um café e sair novamente.

Outra coisa detestável nesses dias é choque na cerca elétrica. Claro que ela é bem feita, isolada, e coisa e tal, mas é nos dias úmidos que algo sai errado e – záz – tome choque. Choque e palavrões, combinação impossível de ser evitada. Quanto mais forte e surpreendente for o choque, mais cabeludos serão os palavrões. Nenhum ouvido escapa, nem mesmo os das bezerrinhas e jovens vacas. Algumas coisas – como o balaio com cana picada – ficam mais pesadas. Muito mais pesadas. Muito mais desagradáveis de pegar e carregar, inda mais chapinhando no barro. Sempre ele, o barro.

Já falei e repito: a chegada das chuvas tem o dom de nos mostrar como estamos atrasados com tudo. Ou quase tudo. Mais um cafezinho quente ao lado da quentura do fogão a lenha (numa de minhas raras crises de previdência, mandei os rapazes juntarem uns tantos pés de guandu seco e deixar tudo na varanda; temos lenha, aleluia!). Esse, certamente, não está atrasado.

As chuvas provocam o sumiço dos tratores: todos, de repente, ficam super-ocupados. E não sobra mais um tempinho pra vir até aqui fazer alguma tarefa. Claro que a necessidade não atendida gera mais atraso e gera algo pior: desejo. Como uma guria de primeira cria, me encho de desejos: trator, pulverizador, espalhadeira de calcário e adubo, plantadeira, carreta...


A grandeza, dificuldade e diversidade dos pequenos problemas e percalços teve uma coisa boa: sossegou minha vontade de comprar mais um pedaço de terra ao lado. É um sossego temporário, bem sei, por isso mesmo é bom aproveita-lo. Comprar um trator usado e muito velho é um bom substituto. Até porquê esse objeto de desejo conquistado irá gerar novos e diferentes problemas, substituindo, com ampla vantagem, o elenco de problemas que ele solucionou. Ou seja, mesmo com trator no sítio a vida continuará interessante.

Ah, a primavera... Estação linda... Tem flores, sim. As ficheiras estão carregadinhas, algumas muito bonitas no meio de pedaços de mata. Mas o tempo disponível para olha-las é suficiente apenas para um rápido olhar. Na primavera, corre-se. Atrás de tudo, mas, principalmente, atrás de mais tempo para fazer as coisas que o tempo não permite fazer.

O calor está trazendo velhas conhecidas de volta. Essa semana o Rael surpreendeu uma jibóia na beirada do pomar. Interrompida em seu jiboiar tranqüilo, afastou-se no rumo da mata. E sábado à tarde, uma representante do gênero Bothrops – provavelmente uma jararacuçu ou jararaca – picou o Stanley na perna dianteira direita. O Scarpa, pai do Ismael, meu funcionário, demorou para nos avisar. Só chegamos ao veterinário quase 3 horas depois do acidente. Agora, a torcida pela recuperação do Stanley, nosso guarda permanente, assustador com os estranhos e brincalhão com a gente.

Tudo isso é Primavera.

Desliga o aipôudi, a música do Tim Maia já acabou. Mas a estação, finalmente, comecou.


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P.s. - a Imagem pariu uma bezerrinha Jersey PO logo depois que vim embora; criativo como sou, acho que vou batizá-la de ... Primavera.

:o)

Um comentário:

Anônimo disse...

Emerson,
Estou na torcida pelo Stanley!
Abraços,
Carolina.