segunda-feira, setembro 12, 2005

Os deuses cruéis

(Esse é um texto antigo, já vai fazer cinco anos, mas tem sua atualidade. É, também, muito mais um texto pra quem gosta de futebol, pra quem vai aos estádios mais ainda.)


Acho que sou ateu. O mais correto é que eu seja simplesmente “à toa”. Ou, mais chique e menos agressivo, digamos que eu seja agnóstico. Mas qualquer que seja o adjetivo, há divindades em que acredito: são os deuses dos estádios. E esses deuses estão mais para os mitológicos deuses gregos, com seus humores, raivas, invejas, amores, intrigas e tudo o mais. Deuses gozadores, e o diabo (opa !) é que, por serem divinos, fica meio complicado até entender esse senso de humor.

Provavelmente nessa altura do campeonato quase tudo já foi dito sobre os Jogos Olímpicos de Sydney. Espero que quase tudo e não tudo, senão fico sem meu assunto. E nesse quase tudo, vou botar minha colherzinha. Pretensiosa, claro, mas é como dizia um amigo: pretensão e água benta, cada um tem o quanto agüenta.

Cabeça fria, passado o estupor – nem raiva deu, aquilo foi estupor mesmo – causado pelo fatídico Brasil x Camarões, quero falar do personagem do jogo.

Ele esteve perto, pertíssimo de ser consagrado como o Herói. Um verdadeiro herói olímpico, digno descendente dos atletas e guerreiros gregos que faziam acontecer os primeiros jogos. Mas os deuses resolveram que ele não seria herói. Nem ele nem ninguém do time do Wanderley (ou devo dizer Vanderlei?). Deixaram essa glória praqueles “meninos” camaroneses.

Ao invés de herói, “dramatis personnae”. Ou, preferirem, vítima. Vítima dos humores divinos.

Ele participou do primeiro gol de Camarões. A bola cruzada pelo camaronês foi interceptada por seu peito, não tão suavemente, mas com a categoria possível no calor daquela luta, no calor daquele momento. Incontinenti, um camaronês levanta a mão e grita. Um ou mais, não sei. Tampouco ouvi os gritos, mas é claro que gritaram. E o juiz – marquem bem esse personagem – apitou. Falta. Inexistente, mas falta.

Gol.

E assim se arrastou o jogo. Eles na frente, a gente atrás. A horas tantas, nosso personagem dramático ganha as cores do drama. Um soco no supercílio (mas como são fortes esses “meninos” camaroneses!), sangue, médico, e nosso herói – ops ... ato falho – nosso personagem volta a campo, cabeça enfaixada. Parecia usar um capacete.

No melhor estilo do Fiori Gigliotti : “O tempo passa, torcida brasileira ... 48 minutos do segundo tempo, 1 para Camarões, 0 para o Brasil. É a última chance do Brasil ...” Aí, os deuses gozadores, pegaram o Ronaldinho que nada fizera durante o torneio inteiro, colocaram-no lá e ... gol.

Agora virá a redenção. Foi o que pensamos nós, brasileiros.

Começa a prorrogação, poucos segundos de jogo, bola cruzada na área, Fabiano fura ... perde o “gol de ouro”. Perde nossa redenção, perde a chance, primeira, de ser o herói.

Minutos depois, Fabiano troca bola na entrada da área, penetra entre a zaga, recebe limpamente e ... GOL !!!!!!!!!!!!!!!! E É DE OUUUUUUUUUURO torcida brasileira.

Mas a bandeira levantada do assistente (nome besta, melhor bandeirinha mesmo) é vista pelo juiz. Tolamente ele desacredita em seus olhos e acredita nos olhos – míopes ? fechados ? – do assistente. Anula o gol de Fabiano.

A glória lhe escapou ali, no gesto errado, tolo, destruidor de um juiz e de um bandeirinha. O herói olímpico do Brasil – autor do gol de ouro com a cabeça enfaixada, jogando no sacrifício – não se realizava como herói. Simplesmente, alguns minutos depois, virou mais um mercenário, mais um perna-de-pau, mais um incompetente jogador de futebol que perdeu o ouro olímpico. Nem perdeu, pois ninguém garante que chegaríamos lá. Mas é como se diz. Perdemos o ouro olímpico, o ouro que nunca ganhamos. O ouro ausente que desmente nossa arrogância enganosa de melhores do mundo. Somos bons, mas nem tanto.

Agora Fabiano volta ao Brasil. Não sei se ele já caiu na realidade da perda. Não sei como ele irá lidar com ela. Mas como ele esteve perto de entrar para a história ! Como esteve próximo da glória, tão próximo que a teve nas mãos ! Por segundos, na verdade, por mágicos segundos. Ele que seria cantado em prosa e verso como nosso maior Herói Olímpico.

Nós também tivemos a glória em nossas mãos. Pelos mesmos segundos (dois, três ?) maravilhosos. Pena que nos foram tirados.

E para Fabiano restou a lembrança súbita na mente de todo mundo: ele é namorado da filha do deus.

Os deuses são cruéis.


São Paulo, 29/9/00


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Um comentário:

Anônimo disse...

Boa, Emerson! Valeu pela força, como vc sabe, eu tb tento escrever... mas ainda estou looonge de conseguir alguma coisa!
[]s
Ricardo CRF