sexta-feira, setembro 16, 2005

Síndrome da Crise Não-Resolvida



Como tenho andado meio desarvorado, meio desanimado nos últimos dias, ora radical de um lado, ora de outro, ou seja, ora querendo tocar fogo em tudo, ora querendo conduzir tudo com civilidade, consultei um daqueles livros gigantes que os médicos consultam escondidos da gente e depois nos dizem tudo que temos. Esse que consultei não foi o manual das doenças do corpo, foi o manual das doenças da alma, ou da psique, algo assim.

Seria mais fácil se fosse via micro, pois eu digitaria os sintomas e não teria de procurar. Mas, apesar disso, consegui.

Síndrome da crise não-resolvida” – esse é o nome da fera que me tomou a alma. Ou a psique.

Toda crise é dividida por etapas, como dizem, unanimemente os especialistas em crise, também conhecidos por criseologistas (não conhece esse termo? - então, atualize-se) e elas são as seguintes:

- começo
- meio
- enrolação
- encerramento - a) final
- b) final aberto

Segundo os especialistas, essa síndrome manifesta-se, principalmente, na fase “enrolação” e na fase “final aberto”. É bom frisar que aqui, nesse ponto, há um conflito visível entre duas correntes de pensamento dos criseologistas: uma diz que esse final é, na verdade, final inconcluso, e relacionam-no, freudianamente, ao coitus interruptus. A outra corrente, menos freudiana e menos sexista, considera que o correto é falso final, ou seja, algo que parece ter acabado, mas não acabou, algo que parece ser, mas não é. Essa corrente abriga uma subcorrente que considera o “parece ter acabado sem acabar” semelhante ao quadro vivido por parceiros amorosos que vão e vêm, vão e vêm, vão e vêm e nunca se resolvem. Há controvérsias a respeito das reais influências dessa corrente, que se diz lacaniana, mas, desconfiam os membros da ala freudiana, nada mais são que freudianos reprimidos por traumas infantis, até porquê Lacan nada tem a ver com isso. Bom, cada uma dessas correntes e subcorrentes divide-se em duas alas ideologicamente distintas: uma, que se coloca mais à direita, identificada claramente com sexistas mecanicistas, e outra, mais à esquerda, é identificada, um tanto quanto jocosamente, com palradores ininterruptos (pensei que tivesse algo a ver com o coitus interruptus, mas me asseguraram que não, essa ala das correntes e subcorrentes nada tem a ver com sexo, seja em teoria, seja na prática; são, simplesmente, adeptos do discurso). Bom, é isso, entenderam?
Ótimo, vamos em frente.

Como? Não entenderam? Ah, ótimo, vamos em frente. (Eu também não entendi, mas segui em frente, segui até aqui já.)

Trocando em miúdos, finalmente, a crise está na fase enrolação (em inglês – enrolation; em espanhol – enrolación). É uma fase, ou etapa, meio chata. Nada acontece, a atenção se dispersa, os personagens da crise entram em estados semi-catatônicos, novos personagens são chamados à cena, falta entrosamento, falta ritmo, os novos, geralmente, deixam a desejar, ficamos com saudades dos velhos protagonistas, já habituados aos palcos e às luzes. Sentimos a perda de ritmo. O velho nos seduz, o presente nos entedia, o futuro é incerto e é futuro, o que não é e talvez nem venha a ser.

Resultado: pegamos a Síndrome da Crise Não-Resolvida.

Damos pouca importância ao presente. Chegamos a desdenhar o passado. E o futuro... Ah, o futuro... Como o futuro a Deus pertence, lavamos nossas mãos, passamos manteiga no pão e lemos o jornal. Alguns, só a seção de esportes. Algumas, só os segundos cadernos, aqueles da frescura toda. Um ou outro lê o primeiro caderno. Desconfie. Não está lendo, está procurando seu nome na seção de cartas dos leitores.

Embora importante, essa fase enrolación é importante, pois é justamente em sua vigência que as crises se resolvem, têm seus caminhos definidos e bem marcados. É nesse momento que os bastidores mais fervem sem levantar fervura. Ferve-se nos bastidores.

Voltando à primeira e humilde pessoa, estou com a Síndrome. Na bula do livro, descobri que não há remédio para ela, exceto aquele que de todos é o melhor, o tempo. Associado a uma certa dose de alienação, algo muito saudável em muitas ocasiões. É dessa forma, semi-alienada, semi-antenada, que pretendo deixar passar o tempo e revelarem-se as ações dos personagens da crise. Ações que serão determinadas pelas conversas que agitam os bastidores e das quais nada sabemos.

Sonhei com isso essa noite: fui a uma festa da crise e um dos personagens deixou cair uma carteira que trouxe para casa por motivos não sabidos. Lembro de olhar a carteira, abrir, ver o conteúdo. O resto do sonho me fugiu, como a água do mar na praia se esvaindo por entre os dedos. Fiquei sem saber se devolvi ou não a carteira. Espero que tenha devolvido, mas não sei, não. Nem sei o que é que eu fazia numa festa da crise...

É, essa crise pega mesmo! Até em sonho. Vade retro.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Mas não poderia ser:"embromation"? ;)
Ou o estado "macanbúzio" de ser?
Achei bacana! :)

Emerson disse...

Sem dúvida, Nuvem Lilás, "embromation" é boa demais e muito bonita, tem uma sonoridade toda especial. É uma palavra que tem a cara e o som do Brasil XXI.