Notícias de
um abacateiro
A safra de abacate se encaminha para o final aqui no Sítio
das Macaúbas. Na verdade, é a safra de um solitário abacateiro, por enquanto. A
árvore já tem uns par de anos e desenvolveu-se
a partir de uma muda nascida do próprio caroço de um fruto colhido e há muito
saboreado. Provavelmente por cavalos, pois ela veio de um haras lá longe, em
Itapecerica da Serra, onde montei durante algum tempo sob o olhar atento da
amiga e instrutora Claudia. E por lá ficou a minha velha sela, modelo de
adestramento, que já comprei bastante experiente, para não dizer velha. Coisas
da vida e suas mudanças, quando sempre deixamos coisas para trás, inclusive
coisas queridas.
Mudas de pé franco, ou seja, de semente, são lentas no
crescimento e no frutificar, mas sai estação, entra estação, uma hora elas
frutificam, até porque isso aqui ô ô, é a Terra de Vera Cruz, na qual, segundo
a crença luso-tupiniquim, em se plantando tudo dá. Coisa que o abacateiro e a
democracia provam ser verdade, embora essa última deixe muito a desejar, talvez
porque verdolenga, ainda.
Mas há de frutificar, como esse abacateiro, cujos frutos
continuam caindo, grandes, compridos, pescoçudos, verdadeiras girafas entre os
abacates, de sabor mais do que razoável, tanto adocicado como salgado. As
bezerras, Jersey e mestiças, não perdem um. Comem todos, chegando mesmo a ter
um ou outro bate-boca, até algum barraco,
como se a novela das nove ora em cartaz tivesse se mudado do Divino para esse
Sítio das Macaúbas. O Tufão é, com certeza, o Negão, nome do filho da Lindoia.
Carminha não deve ter, afinal, né por
nada, não, mas minhas bezerras têm boa educação. Ia dizer, também, que elas têm
berço, mas, sei lá, alguém pode reclamar e dizer que isso é uma barbaridade
preconceituosa e nem um pouco politicamente correta. Então, temente que sou às
línguas ferinas, desisti.
Bom, nessa altura os leitores que não me conhecem e os que
me conhecem, mas já esqueceram de meu prolixismo, estão se perguntando: E daí?
Ora, daí nada, apenas estou escrevendo e jogando essas
palavras aos ventos, porque ao olhar o abacateiro lembro-me que há muito não
cavalgo e ando com uma baita saudade de sair galopando ou troteando mundo
afora. Poucas coisas há tão boas como simplesmente montar e olhar os arredores
com a visão de cavaleiro, mais ampla que a do motorista, sempre focada,
estreita, como se cerceada por uma viseira. Mais ampla, também, que a do
pedestre, embora não tão rica em detalhes só perceptíveis quando as pernas
param e contemplamos alguma coisa. Quem caminha e olha sabe que o mundo está
cheio de coisas interessantes, não importa por onde caminhemos. As caminhadas
também estão cheias de cercas, pelo que vejo, pois os caminhantes estão tão
concentrados em seus fones de ouvido ou na contagem de passos dados, metros
percorridos, calorias perdidas, que é como se seus olhos, todos eles, os reais
e os da imaginação, estivessem contidos por cercas.
Enfim, não é mais possível trotear e galopar como nos tempos
d’eu ainda menino, pois a cada meia dúzia de passos encontramos uma cerca, uma
porteira, um mata-burro, todos e cada um me matando de raiva.
Tem gente demais, tem cerca demais nesse mundo de hoje, tem
liberdade de menos.
Em compensação tem internet, um mundo sem cerca, que me
permite contar a quem conheço e a quem não conheço que o abacateiro que ganhei
no haras em Itapecirica vai bem, obrigado.
Acho que compensa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário