terça-feira, setembro 18, 2012

Um caronista falante sob o Sol queimante


Nesse setembro com cara de agosto, o Sol parece multiplicado, o calor maior que nunca. Claro que não é bem isso, mas é essa a nossa percepção imediata. Às dez e meia da manhã a estradinha que desce a “serra” da Conceição parecia queimar, sensação aumentada pela poeira e pela secura do ar. Mais à frente, vi um homem descer de um trator, que em seguida entrou numa propriedade. Tão logo me aproximei o homem acenou-me, pedindo carona.
Falante, ouvi-o ainda antes de parar a bravíssima Tempra 94, veterana a caminho do milhão de quilômetros. Entrou, ajeitou-se, ajeitou suas tralhas, típicas de quem deu um pulo até a cidade e agora volta para casa com algumas comprinhas. Conversa vem e conversa vem, pois com certa frequência dou descanso à minha boca e trabalho aos meus ouvidos, contou-me o básico sobre ele.
Aposentado, mora com sua “velha” no sitio do “seu” Fulano, com quem tinha um bom acordo. Já tentara morar na cidade, mas seu salário de aposentado revelou-se muito insuficiente para pagar o aluguel de uma casinha, mais as contas de luz e água. O que sobrava mal dava para a comida de meio mês e, com muito esforço, bastava para comprar os remédios. É, tem uma fase na vida de todos em que remédios são mais importantes que todo o resto.
Pois foi então que surgiu o “seu” Fulano, o dono do sítio. Meu passageiro, sabedor que o sítio do dito cujo estava sem gente, procurou-o e fizeram um acerto: ele moraria no sítio, que tem uma casa muito boa para empregado e receberia a luz sem pagar. Quanto à água, provinda de fonte própria e infinitamente melhor que a água “química” da cidade, era só uma questão de ligar a bomba elétrica.
E o acordo foi feito para a felicidade e, quem sabe, a sobrevivência do meu carona e sua “velha”.
Meu falante passageiro tem todo aquele jeito tranquilo de um cara gente boa e leva jeito de quem trabalha tão bem quanto fala.  Vi o sítio ao deixá-lo na porteira. Bem cuidado, cercas em ordem, gado tranquilo, ruminando pachorrentamente, a parabólica ao lado da casa, a casa sede (que certa vez, há alguns anos, conheci por dentro) parecendo em excelente estado.
Disse meu passageiro que a vida vai bem, obrigado. Seu salário mínimo de aposentado é o bastante para os remédios e umas comprinhas de coisas que a roça não dá. Não são muitas. Carne ele tem e não é pouca. Tem seus porquinhos, galinhas e frangos. O “seu” Fulano matou um porco outro dia e, como sempre faz, deu para ele um quarto do bicho e mais as miudezas suínas, que os povos urbanos desdenham, tal como desdenham as miudezas galináceas. Aliás, como desdenham as coisas miúdas da vida e só têm olhos para as grandes coisas, grandes somas, grandes compras... E grandes dívidas que alimentam e retroalimentam o processo e o sistema. Parece meio falso, não parece. E é, mas deixa quieto, mexe com isso não.
Agradeceu-me efusivamente, além, muito além do necessário. Gentil, claro, mas até meio chato. Embora prolixo no escrever, em certos casos e ocasiões sou amante do resumo resumido. Assim pensando e sob suas bênçãos, lá fui eu buscar mais feno para as bezerras no sítio da famosa e simpática atriz.

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