Ontem voltei a sentir um perfume que está se tornando raro:
a florada das laranjeiras. Quando levei o Dito para casa senti-o ao passar pelo
laranjal vizinho, um dos poucos que restam em bom estado, às custas de tratos
intensivos. O aroma cítrico entrou pelas janelas do carro e reduzi a
velocidade, saboreando o momento.
Mais tarde, na casa da Rose e do Cesar, todos nós lamentando
a situação atual, ficamos muitos minutos conversando fora da casa, a poucos
metros do pomar do “seu” Antonio, pai do Cesar, deixando o perfume das flores
de suas laranjeiras conduzir a conversa. Que já não era sobre os graves problemas
que, principalmente eles, estão enfrentando. Não lembro mais sobre o que
falamos, mas uma parte foi sobre a minha “habilidade” saladeira. Tenho devorado
pés e pés de alface americana, devidamente regada a azeite e, mandatório e
condição básica, aceto balsâmico. Sem aceto, sem salada. Sou radical (também
nesse ponto).
Anteontem os caminhões levaram mais uma partida de frangos
dos dois galpões do Cesar. Apesar disso, ele ainda não recebeu a partida
anterior, cujo pagamento está atrasado mais de sessenta dias. E entregou a
nova. Enquanto isso, as despesas correm e comem o dinheiro pouco que possuem
(com dois filhos novos, estudando, os custos são muito altos). Só a despesa com
eletricidade atinge valores enormes e a “dona” Elektro não quer saber se o
produtor recebeu ou não o que lhe é devido. O que não a impede de manter sua
rede sucateada, acarretando-nos prejuízos e aborrecimentos.
E os laranjais vão desaparecendo. Em seu lugar, canaviais. É
o custo das doenças, principalmente o greening. A bactéria que o causa já teve
seu DNA desvendado genoma por genoma pelos pesquisadores do Biológico, em São Paulo.
Mesmo assim não se conseguiu, até agora, a cura ou a prevenção dessa verdadeira
maldição, cuja aparição é retardada, mas nunca evitada, por sucessivas
pulverizações de inseticidas para controle das cigarrinhas que transmitem as
bactérias para as árvores.
Não é somente o perfume gostoso dessas tardes quentes de
inverno que corre o risco de desaparecer, mas toda uma imensa e essencial
atividade econômica que sustenta uma grande cadeia produtiva com empregos na
casa de centenas de milhares de pessoas.
Nessa altura, bom, nessa altura do campeonato não vou falar
de meus próprios problemas como produtor de leite.
Ao fim e ao cabo, o perfume das laranjeiras em flor foi
sucedido pela visão de um céu absurdamente estrelado, apesar do brilho forte de
uma Lua Nova a duas noites de virar Crescente, devidamente observado enquanto
aguardava, com resignação cansada, o retorno da luz artificial, cara e falha. Felizmente
a luz do luar derreteu a raiva e comer à luz de velas, ainda que sozinho, teve
lá seu sabor especial.
Desculpem pelo título enganador. Ao invés de cálida poesia,
para a qual não tenho nem o gosto e nem a capacidade, relatos de dramas econômicos.
Creio que pratiquei o que se chama de propaganda enganosa. Sorry...
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