Um Olhar Crônico sobre os dias de hoje e alguns de ontem. Um Olhar Crônico sobre a vida nas cidades, a vida na megalópole, a vida na roça, quando é dura, e no campo, quando é lírica. Textos, Idéias & Coisas diversas, aquelas que passam pela cabeça e a gente acaba registrando, sabe-se lá pra que ou mesmo porquê.
terça-feira, junho 28, 2005
Receituário para o tupiniquim bem pensante bem informado
Informação é tudo. Provavelmente Sun Tzu, autor do primoroso “A arte da guerra” que não li tampouco pretendo, deve falar isso ou algo parecido. Von Clausewitz disse, com palavras diferentes mas o mesmo sentido. John Le Carré ficou rico escrevendo sobre a conquista de informações e suas contrapartidas na Guerra Fria. Aliás, está excelente, embora curta, sua entrevista nas páginas amarelas da Veja dessa semana. Recomendo. Informação é importante também para nós, tupiniquins de bom nível e boas cabeças. Não que a gente vá à guerra. Não precisamos. A guerra há muito está entre nós. Por parte do Estado contra nós é uma guerra perene, começou no Brasil Colônia e nunca cessou, pelo contrário, só recrudesceu. Seus Caxias não são duques, costumam ser secretários da receita. Os estados-maiores são formados por todos os ocupantes de cadeiras executivas e legislativas. Curiosamente, é grande o número de não-combatentes ou desertores. Há outras guerras. Não ligo, não dou bola. A que me incomoda de fato é essa. As outras são fichinha perto dela. Mas fugi do assunto, volto a ele. Aqui vai uma pequena receita para você, leitor tupiniquim como eu, manter-se bem informado sem, ao mesmo tempo, morrer de raiva e ódio e preocupação.
Assine um bom jornal. Recomendo o Estadão, O Globo e a Folha de São Paulo. Com qualquer um deles você estará bem servido e bem informado. Eu prefiro o Estadão. Não esqueça da Veja. Já é quase tão boa quanto um bom plano de saúde. Com a vantagem de ser mais divertida e barata.
Ao receber o jornal, diariamente, passe os olhos pela primeira página. Dê uma olhada mais atenta caso tenha alguma foto bonita, não de tragédia (sim, é difícil, eu sei, mas às vezes até tem uma foto assim) (um dia nossos jornais evoluirão e farão como os jornais alemães, enfeitando suas capas com beldades tal como vieram ao mundo, mas com fotos feitas 18, 20, 24 anos depois dessa chegada ao mundo, o que força o pessoal na cobertura da seleção tupiniquim na Germânia a cobrir as fotos tão bonitas como reveladoras com o papelzinho mágico que contém a pauta das matérias). Feito isso, abra imediatamente o caderno de esportes. Leia as críticas ao Parreira. Comente, devidamente escandalizado, os salários “dos jogadores” de futebol (nem tente pensar que esses salários são de uma elite, uma pequena elite – claro, cróvis, elite já é pequena ou não seria elite, seria massa, turba, choldra, etc; mas, em alguns casos, a elite é pequena, tal como nesse e tal como a elite dos bem-pensantes tupiniquins – hummmm... essa nem pequena é, é minúscula; parece ter alguns membros, deles, porém, só conheço dois – eu, que escrevo, e você que consegue ler isso aqui... hehehehehehehe). Comente, também, os salários anuais do Schumacher e do Rubinho. Peça o sal, contrarie o médico e o bom senso, salpique-o sobre a salada ou o que quer que seja que você come no café da manhã. Lembre-se que ao fazer isso você estará salpicando sobre sua comida o salário de um legionário romano. Aproveite e comente esse fato tão interessante, essa discrepância tão monumental entre um salário às antigas e um salário em euros. Até mesmo na terra dos legionários de outrora.
Saboreie o caderno de esportes. Acredite: será a única coisa saboreável no noticiário. Mesmo que seu time tenha perdido. O futebol é tão perfeito que mesmo quando o seu time perde, pode apostar, geralmente o time do seu chefe ou do seu sogro também perde. E sabendo o quão putos da vida eles estarão, você fica feliz e em paz com a vida. O futebol é genial.
Terminada a leitura dos esportes, caso você ainda tenha tempo ou seja um leitor dinâmico, encare o “segundo caderno”. No Estadão é fácil de achar: o nome dele é Caderno 2. Melhor, impossível. Vá direto ao horóscopo. Regozije-se. Mas não caia na besteira de lê-lo para seu cônjuge. Ela ou ele não verá graça alguma no promissor e maravilhoso encontro prometido pelos astros. Leia a coluna social. É de bom tom. Pra disfarçar a insignificância dos escritos e das socialites (exceto a Luma, sempre muito significante), os colunistas pós-modernos recheiam as sociais com notas irônicas bem legais sobre o governo. Qualquer governo. E também sobre grandes empresas. É cool, e permite a você, no meio do almoço, sair-se com uma informação de cocheira ou simplesmente um causo bem divertido, posando de insider nas coisas do governo e das grandes empresas. Como ninguém sério lê tais colunas, ninguém do teu círculo mais próximo de almoço e happy hour saberá que você bebeu nas fontes deixadas por Tavares de Miranda e Ibrahim Sued.
Pensando no teu lado sério, preocupado com a realidade nacional e com o futuro, passe os olhos pela primeira página. Tudo que interessa está lá (menos a foto de uma beldade em trajes de Eva), condensado. Leia. Instrua-se. Antes de regurgitar violentamente o sacrossanto café da manhã, a refeição mais importante e gostosa do dia, pule, no Estadão, pra página 3. Os editoriais dar-te-ão o tom certo de indignação e repulsa a “tudo isso que está aí.” Na Folha é a página 2. N’O Globo acho que a 4. Calma, não pense que são chatas peças de escrita indefensável. Pelo contrário, estão cada vez melhores. Foi num editorial do Estadão que vi e conheci a palavra sevandija. De vez em quando eu a utilizo. É preciosa demais pra cair no esquecimento.
Pronto, dever cumprido. Você está bem informado e ligado nas coisas que contam. Você é um tupiniquim de elite. Provavelmente você não faz parte da elite tupiniquim que conta, aquela que é formada por 98.000 nhambiquaras com 1 milhão ou mais de dólares para investir. Eu não faço parte dessa elite, garanto. Mas, e daí? Duvido que esses caras sejam tão bem pensantes como somos nós.
Agora, em dia com o Brasil e o mundo, pegue a Caras da mãe, da sogra ou da empregada e dê uma passadinha básica pelo toilette. Você já está pronto para ir à luta, bem informado, bem abastecido, bem pensante. Vá trabalhar e ganhar dinheiro pra poder pagar por tanta informação, sabendo, já que você é um ser bem informado além de pensante, que seu trabalho só servirá pra manter “tudo isso que está aí”, o Stedile inclusive, por mais um monte de tempo.
E não esqueça de pagar o boleto da renovação de Caras, senão eles cortam a revista.
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5 comentários:
Seria bom ter uma Caras das cadeias. Não ia ter muita gente boa ho je, apesar do filho do Pelé, do juiz Nicolau, de uns outros, mas dqui a pouco vai ter um monte de gente atrás das grades. Vai dar pra fazer uma Caras Enjauladas. Essa eu assino.
vc tem andado meio devagar, meu amigo... que passa? é culpa do lula?
Seguindo tua dica, Emerson, comprei o "Equador". Vou começar a lê-lo esta semana.
Valeu a dica!
Boa, Ricardo! É um belo livro, sem dúvida. No momento leio "Crimes imperceptíveis", um policial com longas discussões sobre lógica e matemática, ambientado em Oxford e escrito por um argentino, jovem, muito promissor. Seu nome me foge, agora.
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