Normalmente, ele passa despercebido na cidade. Sua presença é sentida, mas não é percebida como tal; os povos urbanos não verbalizam sua existência, digamos. Embora isso pareça um começo de texto antropológico, estou falando de um visitante chato, irritante, cuja visita traz prejuízos e renova a amargura da seca. Estou falando do veranico.
Como é triste o veranico...
Passei pelo milharal de um vizinho, bom agricultor e bom criador de vacas, também. Capitalizado por boa renda urbana, investe o que precisa no sítio, que é um primor de organização, beleza, funcionalidade e até produtividade, por que não? Em off, porém, ele confessa que a renda mal e mal cobre o que se gasta. Mas, esperançoso – coisa que tenho em comum com ele, talvez a única, infelizmente – acredita que ainda vai ganhar dinheiro com o leite, a laranja e os frangos. Tomara, vizinho, tomara.
O sol quente das duas da tarde queima. Não chove há quase vinte dias.
Os pés de milho estão com as folhas um pouco enroladas, sentindo o calor e a falta de umidade, mesmo nessa lavoura, que foi feita pelo sistema de plantio direto: o mato foi dessecado com um herbicida e ficou depositado sobre o solo. A plantadeira passou por ali e seus discos cortaram a palha e a terra, colocando as sementes na terra coberta pela palhada, que conserva a umidade por mais tempo na falta de chuva, além de manter a temperatura mais fresca também, favorecendo a microfauna e flora que vive nos primeiros centímetros de solo.
O sítio vizinho pertence ao avô e ao tio de um rapaz que presta alguns serviços para mim ocasionalmente. Nele, o milho está plantado pelo sistema convencional. As plantas pequenas estão muito mais sentidas que as da lavoura vizinha e o mato aparece no meio das linhas de plantio. A terra foi arada e gradeada e as sementes depositadas no solo nu, sem a cobertura da vegetação que existia antes sobre o solo. Desprotegido, exposto à ação inclemente do sol e do vento, o solo fica seco. Sua camada mais superficial nada tem de vivo, muito menos de umidade. As pequeninas raízes superficiais das plantas, as radículas, já morreram. Quando chover, as gotas baterão nessa superfície e desagregarão as partículas de solo, escorrendo em seguida, carregadas pela água que vira enxurrada, até o córrego mais próximo. A camada de solo que ficou exposta, por sua vez, é uma camada mais dura, menos permeável à água e ao ar. Sim, o solo precisa de ar em seu interior, também. E a lavoura que ali cresce sente muito mais as intempéries e é menos produtiva. Pior que isso, para os dias de hoje, ela será menos eficiente na transformação de energia em alimento.
O veranico deixa suas marcas nas duas lavouras, mas uma já está bem prejudicada, enquanto a outra, tão logo chova, se recupera sem perdas, praticamente.
No final da tarde a chuva chega, finalmente. Mesmo perdendo meu precioso sinal de satélite na tv, com as imagens da festa da conquista do título pelo meu time, fico satisfeito. Nem dou bola para tão importante perda. Como de hábito, essa chuva chega pesada e traz com ela, ou é trazida por ventos fortes. Em certo momento cai um pouco de granizo. Felizmente, muito pouco, mas o bastante para que o Brioso deixasse o meio do curral e procurasse, rapidamente, o abrigo da paineira. As vacas não chegaram a se incomodar, mas cavalos são mais sensíveis.
Depois da chuvarada inicial forte, veio a garoa ou a chuvinha intermitente. Aproveitei e fui com o Ismael à casa do Toninho Simões, num sítio a pouco menos de três quilômetros. Na entrada, um eucalipto toma conta de toda a largura da estradinha, derrubado pelo vento que, pelo jeito, aqui foi bem mais forte que no Sítio das Macaúbas. Consigo passar com o carro, raspando um barranco e a ponta da árvore tombada. Do Toninho, nem sinal, viagem perdida.
Voltamos ao sítio, onde a noite já está prontinha pra tomar conta de tudo, até um pouco mais cedo, graças ao sol poente escondido pelas nuvens escuras. Melhor que isso, só dois disso, como diria um amigo. E a chuva prosseguiu parte da noite, ora fortinha, ora fraquinha, mas boa, muito boa, muito bem-vinda. Nada melhor para dormir que o barulho da água no telhado e caindo dos beirais, uma verdadeira sinfonia clássica.
Mas não basta essa chuva. Outras são necessárias, com regularidade. Porque assim exigem as plantas, porque assim exige a vida. Ao fim e ao cabo, somos todos completamente dependentes desse ciclo maravilhoso da água. E de outros ciclos, como o do carbono e o do oxigênio, mas esses dois a gente não vê, ao contrário da chuva. Que estamos vendo, mas parece que menos que outrora, ou pelo menos, pior distribuída.
Essa região é incrível por conta de sua posição onde vários biomas vegetais se misturam, e já teve araucárias nativas num passado não muito remoto, apresentando os majestosos jacarandás, entre eles o jacarandá-rosa do Parque da Vaçununga, considerado como o mais antigo ser vivo do Brasil. E um de seus biomas é o cerrado, onde encontramos pequizeiros nativos. Ainda restam algumas flores, mas os pequeninos frutos tomam conta das árvores. Em pouco tempo estarão grandes, bonitos e gostosos, bons para cozinhar no arroz. Perto da chácara de meus sogros tem uma área de preservação com vários pés de pequi. Pena que os frutos são arrancados antes de amadurecerem. Não sobra um nem pra remédio. E todo ano tocam fogo na reserva, onde meia dúzia de vacas fica zanzando entre as árvores comendo o que encontra pela frente. O cerrado e sua fauna e flora são adaptados ao fogo, que chega a ser benéfico e importante, mas não com a incidência anual que o bicho-homem instalou.
Enfim, apesar de tudo, os pequizeiros resistem.
A gente também.
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Um comentário:
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………*Bom*
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