domingo, novembro 12, 2006

Bom dia, poste


Algumas semanas atrás quando começava minha caminhada aqui pela Granja, nos arredores de casa, deparei com um rapaz pintando um dos postes da rua de casa. Caminhava devagar, por estar ainda no começo e por ser subida, mas assim mesmo engatei uma reduzida e diminuí um pouco mais a velocidade, podendo, dessa forma, acompanhar um pouco mais o que aquele cara fazia sem, ao mesmo tempo, me intrometer. Passei por ele e segui adiante. Pouco mais de uma hora depois, retornando, lá estava ele, com a obra bastante adiantada. Já não era um “cara” ou um “rapaz”, era um artista.

Ele pintou, ou grafitou, alguns de nossos postes. Os mais bonitos, sem dúvida, são os postes de madeira, dos quais ainda temos alguns e que, a meu ver, combinam melhor com nossa rua ainda em terra, ora estreita, ora larga, com árvores fazendo sombra em parte dela. Um dos postes é mais sombrio, não tem as cores vivas e alegres dos outros. Fica numa esquina sombreada na maior parte do dia e sua visão, por algum motivo, me incomoda um pouco.

Caminhar pela Granja é gostoso, mas aos domingos precisa ser feito no horário certo, que é o começo da manhã, quando a “zelite” que aqui vive fica na cama e não vai pras ruas, um carro atrás do outro. Isso é bom porque quase não tem carro passando perto da gente, quase não tem barulho de motores, quase não se vê vivalma por essas ruas.

Nas manhãs de sábado cruzamos com muita gente a serviço do trabalho. São domésticas, jardineiros, pintores, pedreiros, cozinheiras, babás, todo um universo que se encaminha para as belas casas dos inúmeros condomínios da Fazendinha. A rotina nos faz conhecidos de algumas dessas pessoas e bons-dias são trocados. Com outras, o bom dia trocado não nasce do conhecimento e sim da educação, apenas e tão somente. Confesso que é um pouco estranho. Há muito tempo deixei de ser educado desse jeito, desejando um bom dia ou boa tarde ou boa noite para um perfeito desconhecido. Em que pese meu espanto, pessoas bem educadas e gentis ainda mantêm esse hábito. Curiosamente, e não vai aqui um juízo de valor, essa gentileza é mais presente entre as pessoas do “povo” do que entre as pessoas da “zelite”. E é quase uma excluvisividade de gente com mais de quarenta. Que me lembre, nunca recebi cumprimento do povo com menos de trinta, tanto do “povo” como da “zelite”.

Timidamente, ando cumprimentando desconhecidos e desconhecidas. Seco, muitas vezes opto por um curto aceno com a cabeça. Meu pai e meu avô eram diferentes, eram pessoas mais civilizadas e afáveis. Em algum momento ao longo da minha evolução para coisa alguma perdi essa afabilidade. Não me incomodo muito, verdade seja dita, pois me reconheço na maioria dos outros, sou apenas mais um. Só me diferencio quando minha boca esboça um sorriso e um bom dia descompromissado ganha os ares em busca de ouvidos desconhecidos.

Curiosamente, talvez seja minha modesta contribuição, tal e qual, embora muito menos, à do artista que pintou os postes e coloriu ainda mais a rua.

A troco apenas do prazer em pintar e, quem sabe, do prazer em saber que outras pessoas estão tendo prazer ao ver sua obra. Acho que é o que se pode chamar de civilização.

Bom dia, poste.

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