Um Olhar Crônico sobre os dias de hoje e alguns de ontem. Um Olhar Crônico sobre a vida nas cidades, a vida na megalópole, a vida na roça, quando é dura, e no campo, quando é lírica. Textos, Idéias & Coisas diversas, aquelas que passam pela cabeça e a gente acaba registrando, sabe-se lá pra que ou mesmo porquê.
terça-feira, dezembro 27, 2005
Retrospectando...
Sabem que, pensando bem, 2005 não foi das piores coisas?
Louco, eu? Ainda não, embora as despesas com o sítio apontem, claramente, nessa direção.
Entretanto, vamos por partes (e resisti à vontade besta de completar a frase com o maledeto “como dizia Jack, etc”; estou evoluindo). Politicamente, esse ano foi terrível, essa é a grande verdade, certo? Errado, por mais incrível que possa parecer. Tudo que aconteceu, tudo que vivemos desde o momento em que um certo deputado de memória e atuação nada saudosas abriu a boca, parecia conduzir ao caos absoluto, à anarquia – não como sistema político-ideológico, mas como sinônimo de bagunça mesmo. Todavia, o país manteve-se tranqüilo, sereno, a Bolsa negociando a todo vapor, as prateleiras dos mercados abarrotadas de produtos os mais diversos, o dólar – ah, o dólar... –em queda continuada, pasmem, uma queda sem fim, a ponto de irritar e preocupar e até mesmo prejudicar alguns setores da economia. Para quem, como eu, tem mais de 50 anos, não deixou de ser alvissareiro ver os quartéis e somente isso: ver, ver e nada ouvir como tanto se ouvia outrora por muito menos. Se bem que se usássemos um bom microfone direcional, ouviríamos incontáveis e justíssimos resmungos contra a contenção salarial e contra a não-reposição e modernização de equipamentos. Quem diria! Melhor ainda, as famosas vivandeiras de quartel parecem ter se aposentado todas. Devem estar a tomar chá toda tarde, falando mal de deus e o mundo e lamentando o passado já passado mesmo.
E mais: antes do ano terminar, esse mesmo governo responsável por “tudo isso que está aí”, anunciou que vai quitar, antecipadamente, nossa dívida com o famigerado FMI. É, há algo de novo no reino da Dinamarca.
A essa altura vocês já estão pensando que virei a camisa, deixei de ser o tucano que nunca fui de fato para ser o petista que fui ainda menos. Bobagem, nada disso. Apenas resolvi pensar com calma enquanto me esfalfava no sítio, enxada na mão, bolhas estouradas também, ouvindo tico-ticos e sabiás e outros pássaros que não recordo ou não conheço. Se de pensar morreu um burro é um dito verdadeiro, já há, no mínimo, controvérsia, posto que eu mesmo sobrevivi ao processo de pensar, como vocês estão vendo. E enquanto labutava ao cabo da enxada sob o olhar ora admirado, ora debochado, ora piedoso das vacas, essas coisas todas foram desfilando pela minha cabeça.
Já estou acostumado, pois sou brasileiro, a nunca desistir. Eu sou assim: não desisto nunca de esperar um ano melhor, de esperar um governo melhor. Sou um brasileiro legítimo, com meus sangues italiano, caboclo e índio (o índio redundando, já que o caboclo tem, até por definição histórica, sangue índio em sua formação, e às vezes sangue negro também), um sujeito eternamente decepcionado com o atual governo e eternamente esperançoso no próximo.
No decorrer desses anos de vida consciente da política e seus descaminhos, habituei-me a caçar aqui e ali migalhas com algum sabor em meio ao lixo de praxe e, a partir dessas miseras migalhas, sonhar banquetes inenarráveis.
E foi isso que fiz. Peguei uma migalha de Palocci – da parte boa, aquela que parece séria e dedicada – e juntei com uma migalha do Amorim. Minúscula, catada à custa de muito sacrifício em meio a um monte de abobrinhas terceiro e quarto-mundistas. Parece que essa migalha... hummmmm... olhando com a lupa vejo que essa migalha veio de Hong-Kong, da discussão sobre comércio e subsídios. Ok, juntei e reservei. Ah, Roberto Rodrigues e Furlan, puxa, quantas fatias inteiras desses dois! Dava pra escolher, mas o melhor foi pegar todas e reservar também. E, curioso, todas as fatias rodriguianas e furlanescas vieram envolvidas em papel de presente verde, verde-dólar. ... ... ... ... Hummmmmm... deixa ver... hummm... não, não presta (era uma migalha de ótima aparência mas, vista sob a lupa, revelou-se de má catadura, tinha até marcas de golpes que pareciam feitos por bengala, mas isso é bobagem, quem vai usar bengala pra bater em alguém hoje em dia?). Vi uma migalha verde, toda decorada com folhas, flores e miçangas, parecia uma coisa bem legal, mas quando peguei-a, tinha por baixo uma tal de transposição mal explicada, mal arrumada; era uma migalha podre, joguei-a de volta no lixo não-reciclável. Junto com ela, para o mesmo lixo, foi todo o resto do pacote.
Acabou, não achei nada mais que prestasse. Penso, contudo, que dá pra fazer uma festa com essas míseras migalhas em mãos, mais as generosas fatias dos dois citados. Não enxergo lautos banquetes no horizonte, mas essa economia, essa agricultura, essas exportações, essas coisas juntas permitem sonhar com um banquetinho. Já é alguma coisa, né?
Há muito mais coisas para retrospectar, mas, com certeza, esse negócio de política tem forte impacto sobre todas as outras, acaba meio que esgotando os retrospectos.
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2 comentários:
Isso é otimismo demais para o meu gosto.
Cuidado, ao invés de otimismo pode ser ingenuidade. Quem avisa amigo é.
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