sábado, dezembro 10, 2005

A salvação da juçara


A juçara é uma bela palmeira, nativa e abundante nas matas de todo o Brasil Oriental, de norte a sul. Era, porque não é mais. Sua sobrevivência, assim como a da Mata Atlântica, está seriamente ameaçada. A palmeira por um simples motivo: a qualidade de seu palmito. A Mata, por ene outros motivos, que podem ser resumidos em excesso de gente. O palmito da juçara é macio, saboroso, bom de ser comido puro, sem mais nada, sequer um santo azeite do Mediterrâneo, combinação geograficamente estranha, sem dúvida, mas de sabor absolutamente marcante. Não é à toa que diz o povo, sabiamente, que o que é bom, dura pouco. Se bobearmos, a juçara não dura muito mais tempo. Sua plantação comercial não é interessante, pois seu desenvolvimento é lento. Além disso, precisa da sombra abundante e generosa da mata, precisa da umidade e da fertilidade do solo das matas. E matas, hoje em dia, de abundante mesmo só essa forma verbal da segunda pessoa do presente do verbo matar.

Depois de falar do negativo, vamos falar do positivo. Técnica meio besta essa, mas deve ter seu valor, afinal, um monte de gente bem sucedida nas artes da escrita se utiliza dela. Por que não eu?

Alguns anos atrás, Santa Rita do Passa Quatro foi tomada pela febre da palmeira real australiana. Mais uma febre a invadir a agricultura brasileira e a enfeitiçar seus praticantes, comumente chamados de fazendeiros e não de agricultores. O ideário popular tupiniquim não concebe o fazendeiro como um trabalhador, enxerga-o apenas como o sinhozinho refestelado em eterna rede. De volta aos agricultores, enfeitiçados porque estão todos eles sempre correndo atrás de alguma lavoura, alguma criação, que lhes dê algum retorno significativo o bastante para garantir um upgrade no seu módulo de transporte individual/familiar, passando de uma Brasília 84 meia-boca para uma Belina 89 enxutinha. Isso em pleno 2005, bem entendido.

Por essas terras do sul brasileiro, do Rio Grande até o Rio Uruguai, muito se falou e mais ainda se sonhou com a tal palmeira. Muitas plantações foram feitas. Maravilhas foram ditas nas tevês, escritas nos jornais, revistas e suplementos, faladas em reuniões e dias de campo. Toda nova cultura ou criação, como a avestruz, é uma coisa curiosa: só tem vantagens, é como morar numa cidade que só tem descida, nenhuma subida. Uma beleza. Até que a vida real, meio ausente nessas horas do bem-bom, se apresenta e ocupa seu lugar de costume, meio madrasta como de hábito. Sonhos se desfazem, vidas se acabam e tudo segue em seu ritmo normal.

Naturalmente, muita gente plantou a palmeira real australiana em Santa Rita do Passa Quatro. E um bocado de palmeiras já foi pro beleléu, ou pra cucuia, por conta de não ter comprador ou pelo custo inviável do transporte. Uma pena, embora um tanto quanto previsível. Em Santa Catarina, porém, a história se desenrolou de forma um tanto diferente. Talvez pela maior tradição e presença cooperativista, as plantações foram feitas em muitas pequenas propriedades e indústrias também pequenas foram montadas no entorno das lavouras (entorno dá um ar tecnocrático para esse texto, né?). Distâncias pequenas, custos idem. As palmeiras deram-se bem em algumas partes do planalto e na planície litorânea barriga-verde. Como resultado, voltando ao começo, no sábado de manhã lá estava eu em altas conversas com o Wagner, o agrônomo que dá assistência ao Sítio, quando chegou um senhor com dois potes de palmito, um pro Wagner e outro pro Serginho, seu sócio e nosso veterinário. Entregou, recebeu e eu, curioso, perguntei o que era aquilo, além de ser um evidente monte de toletes de palmito.

- É palmito australiano.
- Australiano? – perguntei e já emendei (sou um cara sabido): Ah, da palmeira real australiana?
- Isso mesmo.
- E é daqui?
- Não, esse eu recebo de Santa Catarina, e vendo aqui pra gente ir criando o mercado, né?
- Ah, tá certo, boa idéia essa. E é bom esse palmito?
- O senhor nunca experimentou?
... ... hehehehe...
- Não, nunca. Mas já provei palmito de babaçu, de buriti e uns meses atrás provei o de macaúba, lá do sítio mesmo. E, sinceramente, bom mesmo é o da juçara e depois o da pupunha e o de açaí (sem dúvida, um bom palmito).
- Ah, mas esse daqui é bom demais, tem que comer pra ver.

Como aqui em casa todo mundo adora palmito, resolvi comprar um pote. Sete reais.

Provei-o, finalmente, ainda agorinha, pois ele foi nosso jantar de sábado, num bonito pastelão. Simplesmente maravilhoso. Nada fica a dever aos melhores palmitos de juçara. Nada, mesmo. Sobrou um tolete inteiro no pote, sobre o qual foi jogado um tantinho de azeite português... Uau! Se tivesse o pote cheio ali, tê-lo-ia comido inteiro. É bom demais.

Portanto, brasileiros e brasileiras, podem procurar pelo palmito “australiano”. Encontrando, comprem!

Povos das lavouras, plantem palmeiras reais australianas!

E vamos deixar as juçaras quietas e bonitas nas matas, produzindo coquinhos pras pacas comerem e semearem mais juçaras por toda parte.


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