Um Olhar Crônico sobre os dias de hoje e alguns de ontem. Um Olhar Crônico sobre a vida nas cidades, a vida na megalópole, a vida na roça, quando é dura, e no campo, quando é lírica. Textos, Idéias & Coisas diversas, aquelas que passam pela cabeça e a gente acaba registrando, sabe-se lá pra que ou mesmo porquê.
quinta-feira, dezembro 15, 2005
Palavras de outrora
Gosto de escrever, sobretudo quando surge a oportunidade para usar uma palavra não mais usada, esquecida nos fundos dos baús mentais. Como essa “sobretudo”, por exemplo, logo aí atrás. Confesse, há quanto tempo você não ouve alguém falar “sobretudo”? E “mormente”, seu sinônimo? É bem verdade que mormente já é uma palavra de outras eras, tempos distantes, há muito vividos e hoje sequer lembrados. Algo assim como aquela inflação de 80% ao mês, lembram? Não? Pois é, quase ninguém mais lembra.
Quando criança, tínhamos nossas brincadeiras de rua, como esconde-esconde (é verdade, brincava-se nas ruas, sem os olhares atentos e censores de pais, mães e adultos diversos, agregados ou não) e na hora de escolher quem faria o que, quem ficaria onde, quem iria procurar os escondidos, a chave era gritar - “Chiniqueiro!” O autor do grito escondia uma pedrinha ou palito numa das mãos, e apresentava-as ao primeiro – ao primeirão, pois depois do chiniqueiro, o grito seguinte era “Primeirão!” - significando que seu autor era o primeiro a bater na mão do chiniqueiro e isso, geralmente, significava ficar livre do castigo que era procurar o pessoal, correndo o risco de um espertinho qualquer sair correndo de seu esconderijo até a lata, dar-lhe portentoso chute, salvando a todos e obrigando o coitado a seguir procurando mais uma rodada.
Guris ainda, tínhamos regras que eram respeitadas. Ética, para nós, naquela longíngua idade, era palavra desconhecida, mas rotina de vida. Desrespeitar o chiniqueiro ou o primeirão era tão impensável como desafiar o pai ou xingar a mãe, eram coisas que não faziam parte de nossos universos teóricos. Se naquela época ética era desconhecida, mas praticada, dá-se hoje o contrário: muitos falam dela e muitos mais ignoram-na solenemente, sobretudo (epa! – olha ela aqui novamente, e agora melhor colocada, melhor inserida no contexto – por sinal, essa é uma expressão do tempo em que sobretudo era usado, tanto nos textos e conversas como nas ruas da garoenta e fria São Paulo) quando investidos de altos cargos. Há até uma lei a respeito: quanto mais alto o cargo, menor o respeito à ética. E essa é uma daquelas leis que “pegaram”. Coisa que me deixa encafifado: leis que pegam e leis que não pegam. Mas, tal como o verbo encafifar, é melhor passar ao largo desse tema hoje.
Enfim, devo ser um cara muito chato e bitolado, pois só falo sobre os mesmos assuntos: política e futebol, e, no interior, vacas e capins. Felizmente, nesse texto consegui escapar do futebol, mas, viciado, resvalei, esbarrei, bati de frente com a maledeta política. E isso, logo depois de lauto almoço, seguido por generosa colher de sopa de doce-de-leite de leite condensado, é garantia de indigestão.
Meus sais, por favor!
P.s.: pelo menos a 1ª edição do Houaiss, não apresenta chiniqueiro e encafifar entre seus vocábulos.
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4 comentários:
Encafifante...
Adorei o texto e encafifar é de tirar o chapéu. Voltei à infância.
"...devo ser um cara muito chato e bitolado, pois só falo sobre os mesmos assuntos: política e futebol, e, no interior, vacas e capins."
Tem escritor genial que é cego. ;)
Quando eu era criança pequena em terra fria, eu usava sobretudo para ir à escola protegido, onde não poucas vezes usava sobretudo nas redações que era obrigado a fazer...
Inflaçao de 85% eu lembro,sim! Sobretudo naquilo que resultou quando o Sr.Collor assumiu e botou a mão no meu bolso!
Um bom Natal
Nelsinho
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