Gostaria de fazer uma elegia pro companheiro Valter Rocha, mas a tanto não dá meu engenho e arte. Vou colocar umas palavras aqui e ali, do mesmo jeito que falei no passado e ele gostou de ouvir.
Conheci o Valter no Partido, o velho Partidão. Maranhense, baixinho, de bigode grande, lembrava meu pai pelo porte, pela amizade fácil, pelo riso e pelas histórias sempre prontas a sair de sua boca. Simples, talvez em excesso na visão de alguns companheiros da direção que, veladamente, não gostavam muito dele. Era simples demais, me atrevo a dizer, era povo demais. Uma pena. Lembro que meu amigo Marcos, o Marcão, gostava do Valter. Divertia-se com seus causos. Admirava sua dedicação e sua crença no socialismo. Esse também era gente boa, gente da melhor qualidade, outro que se foi cedo demais da conta.
O Valter estava sempre pronto para o trabalho, sempre pronto para ajudar. Reuniões em favelas, ou em associações de bairros, ou num sindicato, não importa, lá estava ele. Festeiro, como todo bom brasileiro desses sertões afora, não perdia uma só das festas que organizávamos, festas algumas meio bobas, meio chochas, coisa de marxistas-leninistas com pouca intimidade com a alegria mais simples e despojada, festas de gente sempre preocupada em tirar das festas “algos” a mais em prol da revolução, esquecendo que festa é para se divertir e que não há revolução melhor, mais bonita e mais eficiente do que a revolução que festeja e é festejada. Naturalmente, perto dele eu passava por intelectual, quando, na verdade, o correto talvez fosse o inverso, pois das coisas importantes ele sabia mais do que eu.
Com o país vivendo sua democracia, ao menos política, depois de muitos anos de luta e de medo, Valter achou que era chegada a hora de dizer adeus à Paulicéia que o acolhera e onde constituiu sua família. Voltou pro seu Maranhão.
Depois disso não soube mais dele, só que estava em Imperatriz e lá vendia seus trens, tal como meu pai fez, por sinal, em boa parte de sua vida. Vendia coisas simples para pessoas simples. Gente do povo.
Não sei se ele seguiu fazendo política, embora um antigo companheiro já esquecido tenha dito que sim. Estava em seu sangue.
O mais chato nisso tudo é que, justo o companheiro Valter, veio a morrer por esclerose múltipla. Um pecado, um grande pecado para alguém como ele. Mirta, sua companheira, sofreu muito, assim como a linda Valéria e o esperto Glauber, seus filhos. A notícia chegou ontem, mas já é velha. Pouco sei deles todos, espero saber mais em breve. Com certeza, porém, o companheiro morreu sem tomar conhecimento disso tudo que está aí. Ele, sem a menor dúvida, seria capaz de morrer de tristeza com tanta desilusão.
É, companheiro, o mundo mudou muito desde que deixamos de “politicar” juntos. Mas não quero falar dessas mudanças, nem das boas, pois as há, nem das ruins, a maioria. Bom, sei lá, se você encontrar o Marcão por aí, sei lá onde, diga a ele que tenho saudades dos papos, das risadas e das feijoadas de sábado naqueles botecos do centro que ele conhecia. Não falem muito mal de mim, não. Mas aproveitem pra descer o cacete nesse povo besta que desiludiu tanta gente.
Um abraço saudoso do companheiro de militância política.
Emerson
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Um comentário:
Assim é feita a parte boa da vida, com a lembrança peneirando o ouro dos sentimentos.
Grande homenagem. :)
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