terça-feira, maio 31, 2005

Chuvas, fossa, a teoria e a prática, etc


Uau!

Choveu!

E como choveu!

Se não tivesse acompanhado e vivido a loucura das chuvas de terça, quarta – principalmente – e quinta, bastar-me-ia ver o Mogi-Guaçu no caminho do sítio: de novo cheio, as altas águas roçando os galhos de árvores debruçadas sobre elas, tal como as comadres de outrora nas janelas sobre o movimento nas ruas.

(Se eu não usar mesóclise aqui, vou usar onde?)

No Sítio das Macaúbas choveu bem e fartamente. No domingo, 3 dias completos após o fim da chuvarada, o solo estava úmido, bem molhado mesmo. De útil mesmo, assim de imediato, só o sorgo e o napiê que vão ganhar um ânimo novo e crescer mais um pouco. O que já é bom demais. Mas esse aguaceiro fez bem pro lençol freático. Fez bem pros pomares. Fez bem pros bichos. Fez bem pra alma. Acabou a poeira e as estradas de terra estão deliciosas. Melhores que 95% dos “asfaltos ‘fora de São Paulo, mesmo que pedagiados.

“Pedagiados...” Palavrão mais feio esse! O mais curioso é que as rodovias onde encontramos essa palavra e algumas de sua família são, igualmente, horrorosas. Há que ter péssimo gosto pra “pedagiar”.

... Nesse momento a casa está uma verdadeira zona, tremendo alvoroço. Motivo: visita da veterinária. As cachorras mais esclarecidas e combativas sabem que com ela vêm seringas, agulhas, dores e coisas até piores. Já a festeira Penélope salta e corre alegremente, achando, talvez, que vai passear de carro com a veterinária. O Bilbo cumpriu seu dever, latiu bastante e recolheu-se. Como quase todo cachorro, também ele não gosta dos bípedes veterinários. Hummmm... Desculpem-me Alma, Cláudia, Raquel e outras amigas e amigos vets, mas se eu fosse cachorro faria igual. Ou pior. :o)

Se de fato o diabo pisa, amassa, espezinha algum pão, então eu tenho comido dele. Sim, digo com tranqüilidade que tenho comido o pão que o diabo amassou. Tudo por conta do sítio, das vacas, da seca, do pessoal, da inexperiência, da auto-suficiência, da distância incomensurável que existe entre a teoria e a prática, entre o saber livresco e o saber fazer no dia-a-dia.

Minhas vacas estão sem comida. Calma, nada tão dramático assim, estão sem comida bastante para produzir leite em abundância. O napiê acabou e a rebrota, sem chuva e com o frio e os dias curtos, se arrasta feito uma lesma lerda. O sorgo desenvolveu-se, felizmente, mas menos que o esperado em metade da área sobrevivente. Sim, sobrevivente, pois a área maior, coisa de 60% ou pouco mais do que foi plantado, foi literalmente devorada pelas vacas e bezerros em sucessivas invasões. Desconfio que uma das vacas, talvez a Preta, quem sabe a Malhada, cresceu em algum acampamento messetista. Vai ver até fez um dos cursos de formação política e ideológica que os companheiros ministram. E aqui, no sítio, a danada exerce sua liderança e leva as demais a fazer belíssimas e bem coordenadas invasões do talhão de sorgo que deveria alimentá-las na seca. Pelo andar da carruagem já vi tudo: no auge da secura de agosto, deparar-me-ei um belo dia com um piquete na entrada do sítio. À frente, a nova geração: Luna, Milu, Rikinha, Mimosa, Maga, usando e abusando de sua inocência e ingenuidade bezerral, tendo por trás as matronas e as lideranças, todas e todos a mugir e exigir cestas básicas. Tô frito.

Pra evitar tamanho vexame tenho ido atrás de cana. Não aquela pra beber, que quando vem de Salinas, lá nas Geraes, é de primeiríssima e deliciosa, mas aquela de cortar e picar e guardar. Cana pra silo. Onde chego, chego tarde, alguém chegou primeiro e levou toda a cana. O jeito, então, é perguntar onde tem e ir atrás, na esperança de chegar primeiro. Precavido, arrumei uns tantos fardos de feno. Preço por preço não tá ruim, mas tá longe de estar bom. Contudo, será uma importante reserva pros momentos de grande apuro. É um feno bom, de tifton, formado em piquete bem adubado, cheiroso. Tá um pouco seco pro gosto dos cavalos chiques, mas excelente pro gosto proletário das minhas mestiças e do Brioso. E mesmo as Jersey, sangue azul do Canal da Mancha, gostam dele, enfiam as caras por entre as “pastilhas” e comem com prazer, as bocas cheias. Coisa boa é isso: ver animal comendo com gosto.

Pois então, com essa e mais aquela desviei do meu assunto principal: a distância entre teoria e prática. A coisa chega a ser assustadora, mesmo porquê eu, na minha sapiência livresca, sabia dessa distância. Oras, pois que sabia! Nada sabia e desconfio que nada sei ainda. Cada novo dia traz um novo problema e um novo aprendizado. Traz, também, repetições infindáveis do mesmo tema velho e batido: os problemas de toda ordem e monta com mão-de-obra.

Pois não é que hoje a Preta me cai na fossa em construção da casa nova? Só me faltava. E como o buraco lá está, bem no caminho da invasão noturna do sorgo, o risco de nova ou novas quedas era grande. Felizmente, o I me ligou e perguntou se podia deixar as vacas presas nessa noite. Irritação passada e com dois neurônios funcionando a custo, disse que sim, mas para isso deveria jogar uns fardos de feno para elas terem o que comer durante a madrugada. Desconfio que o leite vai até aumentar amanhã.

O bom dessa ligação foi saber que a fossa está em construção. Vai ficar barata essa fossa. Ao invés de usar os anéis de concreto, caros pra burro, o Toninho Simões sugeriu fazê-la com tambores metálicos. Vai usar 4 tambores, um soldado no outro, sem fundos, claro, vazados, com exceção do primeiro, que vai ficar no fundo. Os tambores são furados em toda a volta. Montes de furos. Cava-se o buraco da fossa, os tambores são colocados no centro e, em toda a volta, entre os tambores e a parede de terra, são colocadas dezenas de estacas de bambu. Elas fazem uma parede intermediaria entre os tambores e a terra. Feito isso, os espaços vazios são preenchidos com terra, vai uma tampa e o encanamento. Pronto! Fossa feita. Há 15 anos ele faz fossas por esse sistema. A fossa nunca chega a ficar completamente cheia pois vai vazando pelos furos e penetrando no terreno vizinho. Como é construída longe de pontos de abastecimento d’água, não compromete nem contamina as águas. O bom disso é que fica barata. E funciona. Mais alguns dias a casa estará pronta, farei um churrasco comemorativo, como reza a tradição, e poderei, finalmente, contratar um retireiro residente. Então, novos e nada fascinantes problemas começarão a ocupar meu tempo e minha cabeça.

Como a casa está na beira da estrada, ficarei livre de ver as caras dos muitos parentes que todo Homo sapiens v. retireiro tem. Como ela foi construída justamente sobre a rota de acesso dos vagabundos à casa-sede (muito chique isso de casa-sede, se bobear acabo chamando de casa-grande), estimo que vá coibir os roubos. Como se vê, apesar de não ter votado nesse presidente, eu sou um cara cheio de esperança.

As noites estão frias, pedindo por fogão a lenha, sopa, pão italiano e vinho tinto. Podem chamar a isso de civilização. A verdade é mais ou menos por aí. E assim vamos caminhando, entre agruras e alegrias.
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