segunda-feira, maio 30, 2005

Do velho Portugal para o novo Brasil


Novo Brasil? ...

Há quem não goste de textos antigos. Romances de outras eras. Poesias... Há quem não goste de nada que não tenha sido escrito ontem ou anteontem, com as idéias cheirando a tinta de impressão. Nos dias que correm, há quem ache o texto digitado e enviado velho e ultrapassado já ao simples toque em “send” ou “enviar”.

Eu mesmo já não gosto mais de textos antigos. Ou textos novos sobre tempos velhos. Em vão tentei evitá-los. Todavia, eles me perseguem. E não gosto porquê descubro em antigos textos a atualidade do país em que vivo. E não gosto.


"Estamos perdidos há muito tempo... O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte, o país está perdido!"

Brasil 2005? Não, Portugal em 1871. O texto é uma citação de trabalho do Eça de Queiroz, ninguém mais, ninguém menos. Tudo a ver com o que vivemos hoje, não? Copiei esse trecho do blog da Tereza Cruvinel, colunista política do jornal O Globo. Um blog onde, vira e mexe, apareço comentando uma coisa e outra. Aliás, recomendo:
http://oglobo.globo.com/online/blogs/tereza/

Nesses últimos dias comecei a ler “Equador”, do Miguel Souza Tavares. Português, ele é colunista de política num jornal lisboeta e um senhor escritor. Já terminei ontem mesmo a leitura do livro. Apaixonante, para dizer o mínimo. Luiz Bernardo de Valença somos nós. Todos nós que levamos nossas vidas normais e pensamos. E, às vezes, escrevemos. O retrato de Portugal da virada do século é vívido e em muitas coisas idêntico ao nosso retrato de hoje. O que mostra nossa origem e nosso atraso.

Muito pior, porém, é quando a história se transfere para a colônia de São Tomé e Príncipe – por coincidência, há pouco visitada pelo presidente. Nesse momento, os muitos pontos de contato com a realidade de hoje da Terra de Vera Cruz geram-nos uma angústia, uma tristeza, um certo sentimento de desesperança. Mas não vale a pena alongar essa conversa, o que vale a pena, mesmo, é ler “Equador”.

Certa feita, disse um poeta:

“Ai, essa terra ainda vai cumprir seu ideal,
ainda vai tornar-se um imenso Portugal.”

Estamos a caminho ou já chegamos lá.
Pena que não ao Portugal de hoje e sim ao do passado.

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2 comentários:

Anônimo disse...

"O retrato de Portugal da virada do século é vívido e em muitas coisas idêntico ao nosso retrato de hoje. O que mostra nossa origem e nosso atraso."

Um reparo: é sempre a solução mais fácil (e infantil) dizer: a culpa é de outrém. Mas o Brasil ainda é uma nação jovem, certo? ;-)

Emerson disse...

Sim, Jorge, uma nação jovem mas velha em seus vícios. Talvez não tenha deixado claro no texto, mas a culpa pelo nosso atraso é nossa culpa. Há mais de século e meio nos guiamos por nossas próprias pernas e narizes. Nossas elites são acomodadas, burras e atrasadas. As elites econômicas - são sempre muitas as elites - poderiam ser mais ricas e poderosas se tivessem tido a visão de se tornarem capitalistas há cem ou mais anos. Um ou outro tentou, como Irineu Evangelista, o Barão de Mauá. Outro aqui, outro lá. Vozes e ações vencidas.