terça-feira, março 21, 2006

Discrepâncias & Dicotomias



Aprendi muito cedo na vida que há uma discrepância significativa entre o discurso e a prática das pessoas que pregam, acirradamente, algum preceito moral ou correlato. Aprendi, também, que essa discrepância nem sempre é aparente, e geralmente, até, fica mascarada ou submersa ou escondida ou aprisionada nos desvãos da mente. Freud deu nomes a todos esses bois, mas quem sou eu pra entendê-los e reproduzi-los por aqui? De nomes de bois, melhor ainda, de vacas, só conheço mesmo aqueles que batizam minha meia dúzia de vaquinhas, sempre melhores e mais simpáticas que os bois.

Se não me falha a memória, a tomada de consciência dessa discrepância teve lugar na saída da infância e entrada na adolescência. Foi quando percebi que uma coisa era o discurso puro, moralista e piedoso perante o altar, o padre e a comunidade. Outra coisa, bem distinta e menos bonita, era o comportamento pouco piedoso e menos ainda moralista. Vale dizer que o pouco piedoso ocorria em praças públicas, e o nada moralista tinha lugar no aconchego avermelhado de pequenas casas em determinada zona da cidade. Por economia de palavra e muito pudor, essa região era chamada por todos simplesmente de zona mesmo. Talvez com maiúscula, já que, na prática, era um bairro: Zona.

Essa dicotomia discurso/prática é muito interessante e, acredito eu, talvez seja ela que nos distingue dos animais tidos como irracionais. Nesses, eu pelo menos, nunca percebi essa diferenciação esquizofrênica, muito comum, por sinal, em chefias de todo tipo.

O povo, aliás, há muito captou essa verdade, a ponto de ter para ela um ditado próprio: Faça o que eu falo, não faça o que eu faço. Esse é o lema de todo chefe. E se não o é de algum, deveria ser.

Já vi essa discrepância na vida sentimental e na vida conjugal (coisas que não são, necessariamente, sinônimos). “Eu te amo, vou passar minha vida contigo” – fala a doce voz, masculina ou feminina, enquanto num escaninho da mente qualquer outra figura toma o lugar daquela para quem as palavras, tão doces como falsas, são dirigidas. Acontece, felizmente, pois sem isso não teríamos 99,78% das obras de ficção, tanto as péssimas como as premiadas com o Nobel e assemelhados.

Todavia, em nenhum outro segmento humano essa discrepância se faz tão nítida e tão presente como no reino da política. Vou mais longe: em nenhum outro grupamento de humanos, humanóides e hominídeos dedicados à política, essa dicotomia é tão grave, tão severa, tão grande que chega a ser patológica como no caso do PT – Partido dos Trambiqueiros – née Partido dos Trabalhadores. Aqui ela floresceu em terreno fértil, adubada religiosamente por um bando de jardineiros da melhor qualidade, cujo chefe nunca foi jardineiro, mas sim metalúrgico e depois sindicalista, antes de se tornar presidente de partido e, finalmente, presidente da república. Uma bela carreira.

O último grande e discrepante ato desse pessoal foi desvendar o dinheiro na conta de Francenildo. Enquanto o corajoso caseiro contava as verdades sobre a famigerada República de Ribeirão e seu mais ilustre freqüentador, seus documentos eram copiados por solícito agente federal. Entre eles, o cartão do banco com seu número de conta. Numa prova inequívoca da qualidade de nosso serviço policial, isso foi o bastante para que do nada surgisse um extrato de sua conta bancária. E ainda tem gente que diz que nossas polícias não são eficientes e muito menos científicas! Oras, pois sim.

Que ação mais sórdida e sem vergonha foi essa! Que baixeza! Algo como convidar a você, distinta leitora, distinto leitor, a tomar um café em minha casa e, enquanto você educadamente lava suas mãos no lavabo, eu e meus familiares assaltamos sua bolsa, ingenuamente deixada sob nossa guarda. Como se pode ver, um ato de gente desqualificada, não é mesmo?

Calhou de Francenildo ter dinheiro na conta. E por conta disso, sua história de vida, sua paternidade e a juventude de sua mãe vieram a público.

Talvez sabedora do drama vivido pela família Daniel, sua mãe, ingênua ou espertamente, muito sabiamente, pediu ao próprio presidente da república que não façam nada com seu filho.

Mães são sábias.

E eu, vira e mexe, tenho vergonha de ser brasileiro. Como agora. Inda bem que a Copa tá logo aí.



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