terça-feira, novembro 20, 2007

Voçoroca – um antes triste e um depois feliz


Decididamente não morro de amores pela lavoura de cana e pelas usinas de açúcar e álcool. São industriais demais para o meu gosto, mecanizadas demais para minha mentalidade pré-Revolução Industrial (às vezes, nem sempre). Apesar dessa postura, não critico a expansão da lavoura canavieira e das usinas, pelo contrário, defendo ardorosamente por motivos muitos e variados. A começar pelo emprego de bons contingentes de mão-de-obra em troca de salários e condições de trabalho mais gratificantes uns e saudáveis outras do que existe nesse imenso – ainda – bananal.

Trabalho escravo? Trabalho excessivo? Trabalho em más condições?

Sim, os dois últimos até podem existir, o primeiro já é coisa diferente e dá-se o nome de trabalho “escravo” com muita facilidade. Curiosamente, quando as denúncias, inúmeras, de trabalho dito “escravo” chegam aos tribunais e provas são julgadas, de fato, nenhuma condenação aparece, apenas multas por situações em desacordo com legislação trabalhista. Aliás, pela concepção de trabalho “escravo” que é aplicada no campo, o popular instituto de pesquisas “DataCrônico”, órgão estreitamente ligado a esse blog e ao blog Um Olhar Crônico Esportivo, constatou que nada menos que 98,63% das domésticas brasileiras podem ser enquadradas como trabalhadoras “escravas”.

Uma usina de cana é investimento de porte monstruoso no tamanho e na quantidade de dinheiro envolvida. Não dá para brincar com isso ou, pior ainda, fazer uma administração incompetente e perdulária. Se na vida política e na administração pública coisas desse tipo conduzem ao sucesso, ao estrelado, a inúmeras vitórias eleitorais, na vida real conduzem tão somente à bancarrota, à falência, ao desemprego e opróbrio de quem mal administrou.

Agricultor nenhum, pequeno ou gigante, pode dar-se ao luxo de ver seu adubo pago a preço de petróleo (ouro é bobagem, petróleo é mais valioso) escorrer enxurrada abaixo por conta de agricultura mal feita. Existe, claro, mas não nos grandes projetos. Até pelos valores envolvidos, ou somente por conta disso, os cuidados com o solo são grandes e bons, o que já é muito bom, fantástico, mesmo, pois cuidar bem do solo é proteger a natureza. Bem ao lado do sítio, a coisa de dois ou três mil metros de distância, apenas, pude acompanhar a recuperação de um pedaço de terra condenado à erosão. Como vocês poderão ver, as próprias fotos falarão por si próprias.

A voçoroca, no final de janeiro/2007 - reparem nas vacas em sua beirada, dão uma boa idéia de seu tamanho


Essa enorme voçoroca crescia a olhos vistos chuva após chuva. Toda a terra tirada do enorme buracão era carregada para o coitado do Rio Clarinho, já muito assoreado. Os muitos poços de outrora, cheios de lambaris graúdos, carás, bagres, piaus e traíras, deixaram de existir, pois a água foi trocada pela areia e os peixes foram expulsos, perderam seu habitat e desapareceram. Historinha típica do interior do Brasil, com casos infinitamente maiores e mais graves, de uma tristeza imensa, como o Rio Taquari, uma das principais calhas pantaneiras. Muito, muito triste, mesmo.


Há poucos dias, uma das usinas que operam na região, plantando cana em terras arrendadas, chegou nesse pasto com seu exército de máquinas: tratores de esteiras, motoniveladoras, tratores pesados de pneus, grades, adubadeiras, carretas com adubos, caminhão-oficina, etc. Um pequeno corpo de exército, mesmo, só faltando os fuzis e metralhadoras para deixar de ser metáfora e virar realidade.

A mesma área em meados de novembro/2007, já recomposta, sem o buracão criado pelas águas graças à incúria humana


Em poucos dias de serviço os estragos provocados pela péssima gestão de proprietários anteriores da área, foram corrigidos, a um custo impossível de ser pago por um produtor rural comum e inviável para uma prefeitura (algumas até têm, em teoria, serviços parecidos... mas, quem consegue usá-los?).

A voçoroca foi eliminada, a área está recuperada e em cerca de sessenta dias o tom claro do solo pobre e arenoso estará transformado no verde-esmeralda de um canavial bem plantado e cultivado, que vai produzir, por baixo, 90 toneladas de cana por hectare, com o número mais para cima de 100 toneladas do que para baixo. Em termos de massa verde, esse valor deverá ser ainda maior (na conta da produtividade não entram as partes verde e a que já está seca da planta, mas que são importantes em termos de seqüestro de carbono atmosférico), algo, talvez, como até 120 toneladas de massa total por hectare. Desse número, a maior parte da massa seca, ou seja, sem a água, será constituída por carbono. E o destino final dessa produção será, com certeza, a produção de etanol, aliviando duplamente o ambiente e colaborando duplamente na questão do aquecimento global.

Ao mesmo tempo, a chuva passará a se infiltrar no solo, deixando de escorrer pela superfície, arrastando terra para o curso dos rios.

Verdade seja dita: o ambiente agradece.

A paisagem volta ao normal, sem buraco, e em breve estará coberta pelo verde da cana


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