O leite abaixou novamente. O Gilberto reclamou, dizendo que seu cheque do leite veio com cinco mil reais a menos em relação ao mês anterior. Ele está tirando mil litros por dia, e chegou a receber oitenta e cinco centavos por litro, e agora está com pouco mais de sessenta. É, faz sentido e a conta bate. Dizem alguns que essa queda é por conta das chuvas que chegam e da produção que aumenta. Balela! Essa queda tem que ser debitada aos imbecis e criminosos que – não confundir com criminosos imbecis – que tascaram água oxigenada e soda cáustica no leitinho “longa vida” que as donas-de-casa adoram comprar. Fosse eu o Gilberto e tentaria cobrar os cinco mil desses vagabundos. Com essa história de baixa, ele acabou pagando menos por umas vacas que precisei vender.
Que dor no coração! Quem cria não pode ter dó de vender, de se desfazer de seus animais. Já me questiono se posso ser criador. Vida que segue, mas fiquei triste com a venda e nem por isso mais rico ou menos pobre. Do dinheiro não vi e nem verei a cor e a cara. A parte maior já foi pra pagar a conta atrasada de farelos e adubos, e a parte menor, que vai entrar na conta em alguns dias... bom, o máximo que posso dizer a respeito é que já está comprometida. Vou ver se tiro uns “dez real” só pra ver a cara da cédula e comprar alguma coisa com ela, talvez uma revista, que a gente lê e vai pra reciclagem ou pro lixo. É, tem a ver mesmo, tudo a ver.
Mas falei em notícias alvissareiras e começo com esses parágrafos, triste um, desanimador o outro. Coisas da vida, em especial de quem cria e produz leite.
Mas, vamos às alvissareiras.
As chuvas chegaram, a princípio mansas, comportadas, molhadeiras, até surpreendentes pela mansidão. Anteontem à tarde, porém, enquanto um pé-d’água violentíssimo com ventos idem, deixava-me com cinco ou seis metros de visibilidade em plena Anhanguera e, claro, devidamente apavorado, apesar do ar blasé para não assustar a Rosa e minha mãe, outro igualmente forte e com ventos violentos, chegava ao sítio e, além de mais uma ou outra árvore derrubada, destelhou parte da casa em que mora o Almir. Como já é o terceiro ou quarto destelhamento entre a casa dele e a nossa, as telhas mantidas na reserva foram pra cucuia.
Hummmmmmmmmm...
Sim, eu sei, prometi alvissareiras novas e até agora...
As vacas vão bem, umas mais que as outras, que sentiram mais a seca e a falta de pasto, de comida volumosa de boa qualidade. O pasto de tanzânia está bonito, pena que seja pouco para todas as vacas que nele comem. Creio que, finalmente, encontrei alguém para cortar as laranjeiras do pomar velho, em boa parte já mortas ou perto disso. Se dessa vez tudo der certo, terei a área livre no dia 15 de dezembro, podendo entrar com uma grade e, em seguida, plantar o capim com um “cheirinho” de adubo.
Estou em déficit com minha consciência e com a natureza: já deveria ter começado o plantio de parte das 500 árvores que prometi a mim mesmo. Até agora foram plantadas somente 14, das quais duas morreram. Com um pouco de sorte, ainda conseguirei plantar, digamos, 88 árvores. O ideal é fazer isso até o reveillon, pois assim as plantas aproveitam bem a estação das águas e chegam fortes e bem enraizadas na entrada do inverno e da seca.
Dessas árvores, 200 serão, necessariamente, eucaliptos. As demais serão de espécies variadas, a maioria das quais nativas. Sobre elas pretendo escrever um post específico, pois é um tema fascinante.
O Decon (Conrad), filho de meu vizinho de cerca, Miro, e expert em informática, colocou o sítio deles na internet:
http://www.sitiomandarim.com.br/
O site está bonito e muito bem feito, valendo a visita.
Na página de abertura tem duas fotos. Na segunda, as árvores ao fundo já são do Sítio das Macaúbas.
É a roça na internet, sinal inequívoco das mudanças intensas e rápidas dos últimos vinte anos.
Outro vizinho, o César, voltou para os braços da Seara. Ele produz frangos pelo sistema “integrado”, que é bem descrito pelo Decon no site do Sítio Mandarim. A Seara é extremamente exigente com seus integrados em todos os aspectos, da sanidade aos cuidados ambientais, da higiene à proteção dos galpões, tudo integrado num grande guarda-chuva chamado biossegurança. Mesmo a ração que a empresa fornece é diferente, com maior qualidade e sem o menor traço de produtos animais
A Rose, sua esposa e grande amiga, virou uma queijeira de mão cheia. Os queijos estão ótimos, artesanais, saborosos, produzidos com todos os cuidados de higiene. Dá gosto comer. O coitado do César já está ordenhando duas vaquinhas, uma delas, a melhor, uma mestiça jersey. Já falei pra ele que não demora muito e os frangos dos dois galpões serão apenas um complemento de renda. Ele dá risada e descrê. Sei não...
Fomos à casa da Raquel e do Henrique, e também da Gabriela e do Pedrinho, para comprar mel. O Henrique produz mel e a Raquel cria sites, morando num sítio. Roça mais hightech que essa tô pra ver, até porque, na casa do César e da Rose, enquanto comia um pedaço do queijo “da casa” seguro numa mão, usava a outra para dedilhar o teclado e navegar pela internet.
Voltando ao mel: o Henrique abre a torneira do tonel cheio e o mel desce em ondas dentro dos vidros. Mel bonito, claro, perfumado, bem suave, mel de flores de laranjeiras. Olho os vidros contra a luz e as ondas criadas na queda do mel são visíveis.
Fico sabendo pelo Henrique que nem todas as abelhas norte-americanas sumiram do mapa. Ele participa de algumas listas de discussão com apicultores do Canadá e Estados Unidos. Na nossa roça até as abelhas são hightech e pós-modernas. Mas o que aconteceu com as abelhas do Grande Norte parece-me, ainda, ser um mistério, já que nenhuma das hipóteses formuladas até agora foi confirmada.
A grande voçoroca numa fazenda próxima foi corrigida pela usina que arrendou a terra, mas sobre isso fiz um post à parte. Ficou mais bonita a paisagem, sem a cicatriz feia e assustadora da grande voçoroca.
Os gatos parecem nem sentir nossa ausência prolongada. Tão logo chegamos já se aproximam e ocupam a cozinha. Sabem que vão ganhar peixe, e ganham. Sabem que vão ganhar mais leite, mais ração, mais comidinhas diversas, mais mimos. E ganham. De barriga cheia, uma fica no sol matinal dentro da cozinha. Outra, prefere a varanda da frente. Em comum, os olhos fechados e o sono leve, de ouvidos ligados na passarinhada.
O Stanley acuou um quati perto da matinha e levou bela patada no focinho.
O quati fugiu e ele ficou com o focinho e o peito machucados. Como pena, tem que agüentar o spray do mata-bicheiras e conviver com o cheiro do dito cujo.
E assim vai seguindo a vida nesse começo de estação de chuvas.
Pastos verdes, telhados destelhados, lavouras bonitas, erosões querendo aparecer, sol forte, tropicalíssimo, seguido por ventos de respeito.
Entre prós e contras, vida que segue.
.
Um comentário:
Oi Emerson, nem vou perguntar como vai, dá pra saber pelo blog.
Você é Feliz, é uma delícia ler esses seus posts "roceiros", me faz viajar, que delícia.
Postar um comentário