segunda-feira, dezembro 11, 2006

Mangas & mangueiras


O pé de manga-coquinho carregou pouco esse ano. Mesmo esse pouco, porém, é muito, é muita manga. Curiosamente, ao contrário das nobres Haden, Tommy Atkins e Bourbon, a coquinho pode ser comida por um budista sem medo de ingerir o bichinho que talvez seja a avó reencarnada. E antes que me acusem de insensível ou coisa que o valha, peço desculpas pela brincadeira e nem sei se é o caso disso, pois já li e ouvi budistas falando a mesma coisa, em tons diferentes, claro, mas com o mesmo significado. Por sinal, um belo significado.

Voltando às coquinhos, elas raramente apresentam bichos e mesmo as doenças fúngicas são pouco comuns. É manga pra comer sem olhar pro caroço.

Contudo, manga, mesmo, boa de verdade, é a rainha das mangas, e que não por acaso tem nome de família real: a bourbon. Que maravilha! Que manga boa. Comer uma bourbon diretamente do pé é um dos grandes prazeres dos dezembros da vida, ao lado do chocotone e mais uma coisinha e outra. Os dois pés de bourbon estão bem, mas não com muita carga. A relativa raridade só aumenta o prazer de comer uma manga no ponto. E nesse ponto, pra falar em ponto, sou chato, pois gosto de manga quase madura, ou madura, mas não muito. Gosto de manga que permite a passagem da faca. Quando era moleque pegava as bourbon e espadas que abundavam na fazenda, já maduras, e chupava mesmo, de lambuzar mãos, braços e toda a cara, além de deixar a roupa em petição de miséria. Crescido, abdiquei de tamanha selvageria e passei a preferir o comodismo luxuoso da faquinha.

Das outras mangas nem falo, apesar ou justamente por serem abundantes em frutos, e bichos, e fungos. Nesse ponto não mudei uma vírgula desde os tempos de garoto: quero distância de fruta com bicho. Bem que me diziam pra largar a mão de ser nojento, mas não larguei. Deixo tais prazeres para outros.

Os pés de manga-espada são imponentes, majestosos. Nos dias de calor senegalesco, a visão de uma velha mangueira e sua generosa sombra já são o bastante para refrescar. O diabo é que quanto maior a mangueira, menos manga a gente pega e mais mangas caem diretamente no chão, onde apodrecem e fazem a festa da bicharada. São sombras boas, portanto, fora do tempo de manga. Quando moleque, deixava-me ficar nessa sombra por muito tempo. Às vezes de mistura com o gado todo. Hoje o tempo me falta para tanto, mas a vista continua bonita e prazerosa.

As vacas gostam da sombra das mangueiras no carreador.

E deixam as árvores "podadas" até onde suas línguas alcançam.



No sítio as mangas se perdem. As vacas gostam de comer todas as que podem pegar, coisa que me preocupa por causa do bendito caroço. Mas vai dizer a uma vaca que ela não pode comer a manga caída do céu bem à sua frente? Os passarinhos se divertem, fazem festa nas muitas mangueiras, além de trocentas ou mais espécies de insetos. Uma mangueira carregada é o centro de um amplo universo. Temos muita manga pra comer e quase nada para, de fato, produzir e entrar no mercado. O planejamento foi meio falho. De bom grado eu trocaria 90% das mangueiras por pés de lichia (eu não gosto, mas todo mundo gosta), abio, fruta-do-conde, pecã, abacate, etc, etc.

– Ué, se quer tanto assim, por que não planta outras frutas?

E quem disse que não plantei? Foram muitas e muitas mudas plantadas. Por mistérios insondáveis, de todas só meia dúzia ou pouco mais foram para a frente, inclusive um pé de genipapo que já está enorme e um dia ficará gigante. Além das secas, das formigas, das brocas, onde tem gado é difícil ter árvores, a menos que se erga verdadeira muralha ao redor de cada muda. As vacas adoram comer as folhas de quase tudo. Quando um pouco maiores, adoram se coçar nos caules, geralmente quebrando tudo e matando a planta, além de se privarem da confortável sombra futura.

Vacas não poupam, buscam o prazer presente.

Parecem-se com muita gente que conheço, a começar de certo escriba metido a cronista.

E paro por aqui, antes que desande a falar mal de gentes e coisas.

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Um comentário:

Roger disse...

Adorei o texto. Li por acaso, pois estava procurando informações sobre lichieiras e vim parar logo no blog de quem não gosta delas. É a primeira pessoa que vejo que não gosta, uma raridade. Quanto às mangasm adoro a espada e carlotinha, que nunca encontrei bicho.
Achei o desenrolar do texto uma delícia e o final hilário, fui lendo e rindo.
Um abraço e continue escrevendo bem.