segunda-feira, dezembro 18, 2006

Cidade Limpa



.

Essa história de que todo mundo gosta de viver num lugar bonito, atraente, gostoso de olhar, bem sinalizado, é balela. Pelo menos por aqui, nessa grande, pobre e feia megalópole. Já estamos acostumados a isso.

E, de tão acostumados, nem demos muita bola para uma medida proposta pela prefeitura e aprovada – inacreditavelmente, acreditem – pela Câmara Municipal dessa cidade. Medida simples, que surpreendeu-me ao ponto de não acreditar no que lia. Era a lei Cidade Limpa, que combate a poluição visual na cidade e obriga a retirada de todo tipo de anúncio externo na cidade a partir do próximo 1º de janeiro. E os anúncios de fachadas – fatídicos, horríveis, agressivos, chatos – terão de ser enquadrados aos ditames da lei até 31 de março.

Coisa de primeiro mundo. Que digo? – coisa de primeiríssimo mundo. Uma das raras medidas inteligentes, justas, visando ao bem comum dos cidadãos e não ao bem comum de meia dúzia.

...

Tarde de sábado, estou numa loja pensativo, gastando neurônios com a questão comprar ou não comprar. O dono da loja, que também é dono da loma do outro lado da rua, conversa com alguém que me parece ser o gerente dessa unidade, que está contando da visita de um fiscal da prefeitura.

- Ah, é, o fiscal passou por aqui, é?

- Veio falar da placa da fachada. Com a nova lei a gente vai ter que mudar o tamanho dela.

- Pombas, esses caras não têm o que fazer e aí ficam inventando moda. Deviam era cuidar do que é importante, como combater as enchentes, e não ficar amolando quem está trabalhando. E aí, o que vamos ter que fazer.

- Jogar fora as placas atuais e trocar por outras, de acordo com o tamanho da fachada. Ele deixou as medidas aqui... Dá uma olhada.

Enquanto olhava as medidas marcadas no papel, o dono da loja resmungava e xingava, do prefeito ao presidente, que, por sinal, nada tem a ver com esse caso. E o gerente da loja em que eu estava contou do impacto que a lei provocou, tão grande que até o New York Times publicou uma matéria a respeito.

- Vamos ter que aprontar tudo até o dia 1º agora?

- Não, a gente tem até o dia 31 de março pra fazer a troca, sem multa.

- Essa multa é muito alta, um absurdo.

...

- Até 31 de março a gente não é multado, mesmo deixando a placa?

- É isso.

- Então vamos deixar até o dia 31. Antes disso a gente derruba essa palhaçada, você vai ver só. Essa lei vai ter vida curta, vamos ver quem é que vence essa parada, com ou sem o New York Times ficar falando abobrinha.

Bom, diante de tamanho desprendimento cívico desisti da minha compra. Recoloquei o livro na estante e fui embora.

Ah, é mesmo, eu estava numa livraria, num sebo, pra ser mais preciso. E o cidadão com tão alto espírito cívico tratava-se do dono de uma livraria, alguém, supostamente, ligado à cultura, à difusão do saber, um ser com alguma ligação, ainda que mínima, com a arte, com algum conhecimento de estética. Qual! Nada mais que outro troglodita tupiniquim.

O mais curioso é que suas lojas não precisam das placas enormes e feias que berram que ali se vende livros usados. Além das outras, anunciando que compram livros usados. Não precisa porque aquele trecho da avenida é conhecido por ser o trecho dos sebos. São 9 ou 10 lojas, uma quase colada à outra, facilitando o trabalho e reduzindo a queima de calorias de quem está à procura de livros de todo e qualquer tipo, dos raros aos baratinhos.

A reação desse livreiro é a mesma de outros milhares de comerciantes, sem falar nos donos de empresas de out-doors e agências de publicidade. Parece que uma empresa de out-door já conseguiu uma liminar garantindo a manutenção de seus monstrengos à beira da Marginal Pinheiros. E a Associação Comercial, zelosa e pressurosa em defender os direitos dos associados (pelo menos esses direitos, muito mais fáceis de serem defendidos do que os mais importantes), sem cobrar com a mesma força pelas contrapartidas aos direitos, vive em permanente atividade desde a aprovação da lei e anunciou que nos próximos dias entrará com medida judicial contra a implantação da lei. Diz a Associação que a cidade não pode ficar como está – oh, aleluia! -, mas que não pode aceitar o caráter proibitivo da lei.

Nessa altura do campeonato, temo por sua aprovação. Mas esse prefeito já se mostrou um bom brigador e com vontade de acertar. O problema será se a Justiça conceder a liminar e o processo arrastar-se por décadas, como sói acontecer. A cidade continuará emporcalhada e muito, muito feia.

Todavia, quem sabe?

Estou na torcida pelo prefeito e pela implantação da lei Cidade Limpa.

São Paulo merece.


.

2 comentários:

leila disse...

Oi Emerson! Ouvi dizer que essa lei da prefeitura visa usar e lucrar com os espaços urbanos que a ela pertencem. tipo, só pontos de onibus e outros podem ter anuncios. por mim nada contra, desde que esse $$$ seja bem usado!

Feliz natal e um 2007 bem melhor que 2006 para você, sua família e toda a fazenda!

Cora disse...

Vocês é que são felizes. O nosso prefeito é o primeiro a autorizar as piores barbaridades em nome da "contrapartida comercial" das ppp, três letrinhas que servem para encobrir as mais sórdidas negociatas.

Mudando radicalmente de assunto (e de estado de espírito) desejo a você e aos seus, querido Emerson, tudo de bom. Uma das grandes vantagens da internet é que a gente descobre, aqui e ali, pessoas como você, que fazem com que o mundo pareça mais bem frequentado do que é.