sexta-feira, junho 09, 2006

Safári

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Safári em outubro de 2005, com algumas das Jersey


A primeira vez que vi o Safári foi meio de assustar. Ele estava em seu piquete, uma área com cerca de quinhentos metros quadrados, de onde não saía. Ao alcance de seu focinho, não fossem as cercas, passavam mais de 50 vacas e novilhas todo dia, no mínimo duas vezes por dia. Estatisticamente, pelo menos uma ou duas estariam no cio. Todo dia, duas vezes por dia. Era um touro nervoso, irritadiço, que só se acalmava um pouco quando falhavam duas ou três tentativas de inseminar alguma vaca e ela era, então, repassada para ele. Isso quando não ia para seu colega Star, morador do piquete ao lado.

Ao ver um estranho se aproximar de seu pequeno reino, Safári bufava e escavava o chão. Um espetáculo à parte. Touros Jersey têm uma certa fama de bravos. Aliás, touros de raças de leite acabam sendo mais perigosos que touros de raças de corte, criados a campo. Por que? Simples: o touro criado a campo é naturalmente temido, é mais arisco e bravo mesmo, pois seu contato com o homem é mais reduzido. Já os animais das raças leiteiras são criados tendo contato direto e diário com o homem. Como as vacas são dóceis, há uma tendência inconsciente a não temer os touros. Triste engano que já quebrou muita gente.

O que mais me impressionou nessa visita, quando eu ainda não sabia que iria comprá-lo, foi o tamanho dos buracos que ele escavava. Eram tão fundos que, nas águas, com o capim mais alto, ele desaparecia quando entrava num deles. Não sei se voltarei a ver algo assim. E espero que não, na verdade. Era o jeito dele descarregar sua frustração, sua raiva, sua impotência por nada fazer diante de tantas fêmeas no cio a desfilar à sua frente.

O mais incrível foi que ninguém me falou nada sobre isso, apenas intuí olhando o local e o movimento. Quando comprei-o, algumas pessoas disseram que eu estava fazendo uma besteira, que aquele animal era perigoso, que eu não tinha boas cercas para segura-lo e não sei o que mais. Bobagens.

No sítio, Safári escavou o chão uma só vez que eu saiba e foi logo ao descer do caminhão e entrar em seu novo – e até então – desconhecido domínio. As seis novilhas aproximaram-se, curiosas, e eu também. Ao me ver, bufou e escavou o chão. Dei-lhe uma bronca, algo como que estava na hora de parar com gracinhas, que ali ele não precisaria daquilo. Funcionou. Solto pelo pasto, sempre acompanhado das novilhas e depois vacas, tornou-se um animal extremamente calmo. Uma única vez varou uma cerca e foi para o pasto dos vizinhos, onde um outro touro e, creio, vaca no cio, chamaram sua atenção. Fui busca-lo com as mãos vazias e para traze-lo de volta bastaram um pouco de paciência e um graveto mais comprido. A maior prova de docilidade tivemos quando ele teve uma bicheira bem no prepúcio, local delicado e dolorido. O veterinário ficou meio receoso de trata-lo sem um tronco de contenção, mas disse-lhe, cheio de confiança, que não seria necessário. E não foi: preso por uma simples corda a um mourão, deixou-se tratar sem grandes reclamações. Todo dia, na hora de pulverizar o mata-bicheira sobre a ferida, ele reagia. Não o prendia e, com a lata do spray na mão, aproximava-se pela sua esquerda, tendo antes o cuidado de por um pouco de ração num cocho plástico, coisa pela qual ele era apaixonado. Enquanto comia, pulverizava o produto. No primeiro jato, sua perna do mesmo lado desferia um chute, do qual era fácil desviar. Depois, aplicava mais dois ou três jatos sem nenhuma reação. Do outro lado a mesma coisa, um chute e mais nada. A vacinação era fácil, também, e “batia” a pistola de um lado e depois do outro com ele solto, tal como com o mata-bicheira.

No sitio ele viveu bem, embora sem a comida boa e chique de onde veio. Mas tinha liberdade e tinha seu harém. Acho que era feliz, e sua tranqüilidade era a prova disso.

Nos últimos tempos, com o crescimento do Minuto, ele às vezes ficava afastado do rebanho. E creio que a idade começou a pesar um pouco, também.

Hoje, ou ontem já, tivemos de sacrificá-lo. O veterinário aplicou-lhe uma injeção, escapou da marretada ignominiosa na cabeça. Não acompanhei, estava em São Paulo. Terei saudades dele.


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