quarta-feira, abril 19, 2006

Jatinhos... e outros gostos


Temos algumas coisas em comum, eu e o companheiro Zé Dirceu. Gostamos de bons vinhos, embora ele beba os Romanée Conti e eu dessa seara só conheça o rótulo. Gostamos, também, de viajar na primeira classe. Definitivamente, nada mais gostoso. Pena que minha vivência tenha se dado em velhos trens da Cia. Paulista, mesmo assim em duas ou três raríssimas oportunidades há algumas décadas, no trajeto São Paulo/Marília, enquanto o companheiro usufrui dessa delícia em aprazíveis vôos São Paulo/Europa/São Paulo. Temos em comum, também, o fato de já termos sido de esquerda. E, finalmente, pelo menos para esse texto, temos em comum o gosto por jatinhos.

Realmente, viajar é muito bom, mas só se for na primeira classe ou, muito melhor, num jatinho todo nosso. Não importa que não sejamos o dono, uma grande bobagem, por sinal, já que o dono tem que se preocupar com revisões, garantias, pagamentos e salários de pilotos & agregados aeronáuticos. Já como passageiros, desconhecemos todos esses abacaxis e ainda cobramos pelo refrigerante diet, cerveja gelada e uísque - no mínimo 12 anos. E, fundamental, castanhas de caju e macadâmia.

Para quem ainda não teve essa experiência, recomendo. Vale mui to a pena. A minha primeira vez já data de muito, muito tempo. Estava placidamente sentado na sala de espera do Salgado Filho, em Porto Alegre, esperando a chamada para meu vôo de volta para São Paulo. Enquanto esperava, mergulhei na leitura de um policial ou de um thriller. Tão fundo mergulhei que, quando dei por mim, o povo do meu vôo não mais estava na sala de embarque. Corri para o balcão da companhia aérea e perguntei pelo meu vôo. A guria a quem fiz a pergunta espantou-se. Perguntou onde eu estava, se não tinha ouvido a chamada, essas coisas meio óbvias. Mostrei-lhe o livro e acho que ela entendeu. Sacou o walkie-talkie e falou com alguém. Preocupado que ela fizesse alguma besteira, já fui dizendo que não, jamais embarcaria no avião se ele parasse e abrisse a porta para mim. Hoje, seguindo o exemplo do bravo comandante do Exército, vejo que tal atitude mal nenhum me faria, afinal, o que são vaias de desconhecidos para um ego saudável? Naquela época, contudo, meu senso de ridículo, minha vergonha, meu apego ao “fazer tudo certinho”, impediram-me de dizer as palavras mágicas.: “Pode parar o avião que eu embarco!”

Depois de trocar meia dúzia de inaudíveis palavras no aparelhinho, ela pediu-me para segui-la. Felizmente, não tinha bagagem despachada e o que eu levara para Porto Alegre estava pendurado em meu ombro. Embarcamos numa Kombi – pela segunda vez na vida, uma Kombi do Salgado Filho levou-me para uma viagem inesquecível; qualquer hora conto sobre a primeira vez, que envolveu um ex-ministro da agricultura e uma glamorosa, famosa, linda, maravilhosa, chic e rica atriz européia – e, minutos depois, extasiado, vi o meu destino: um reluzente jatinho da TAM, um Learjet, com tapete vermelho e tudo.

O próprio comandante recepcionou-me, como se eu fosse o dono ou presidente de algum grande banco, tal como o passageiro anterior que desembarcara pouco tempo antes. A bordo, apresentou-me o co-piloto e, tão importante quanto, o frigobar, tanto na seção “molhados gelados”, como na “secos & molhados sem gelo”. Aqueles foram bons momentos para serem vividos e agora relembrados.

Taxiamos e, de repente, tome empuxo das turbinas. O bicho disparou e danou a subir num ângulo fechado. Uau! Mal percebi a passagem pela camada compacta de nuvens de uma frente fria e já avistava um maravilhoso por-de-sol na direção dos Andes. Apesar de meu encantamento com o jatinho, dali a pouco, abastecido por macadamias – um luxo meio raro naquele tempo – e coca diet, estava de novo mergulhado na leitura do best seller há muito esquecido. Mas a viagem, as sensações e até mesmo o por-de-sol continuam vívidos em minha lembrança. Como diz a propaganda, a primeira viagem de jatinho a gente nunca esquece.

De lá pra cá foram muitos os vôos em jatinhos. Nos últimos 3 anos, então, foram vários, até mesmo fazendo São Paulo/Porto Velho/Itacoatiara, num belo estirão.

Tirando a primeira vez, quando voei por cortesia do inesquecível Comandante Rolim, que sabia como tratar seus clientes, em todas as outras vezes eu viajei a bordo de jatinhos de meus clientes. E várias vezes fiz isso como caronista. Sem problemas, porém, não sou de olhar os dentes a cavalos dados. Cada viagem, mesmo sabendo que estou perdendo uma “perna” nas minhas milhas ou pontos, é uma delícia. A passagem direta pelos saguões de aeroportos, o embarque sem espera, o vôo gostoso com espaço, enfim, tudo muito gostoso.

Por tudo isso e muito mais, eu entendo o companheiro Zé Dirceu. Nada melhor que pegar um jatinho e dar um pulo até Juiz de Fora, voltando logo depois pro aeroporto e dormindo em casa logo em seguida. Ah... Que coisa boa! O fato de vôos em jatinhos custarem os olhos da cara é irrelevante. Pelo jeito, o companheiro não paga por esses vôos, alguém, um alguém qualquer, paga. O que é bom, também. Ai de mim se eu tivesse de pagar! Estaria tri-falido. O companheiro tá mais é certo, pois a vida é curta e temos de aproveitá-la ao máximo. E, cá entre nós, sair do Rio para ir até Juiz de Fora conversar com o ex-presidente de topete, aquele que foi companheiro da moça sem calcinha com as partes à mostra em rede planetária, é o fim da picada. E bota fim da picada nisso. Portanto, nada como um jatinho para reduzir o tempo perdido e aplacar as dores e desconfortos que encontros desse tipo trazem.

Quanto ao pagamento, oras, alguém cuidará disso. Afinal, não passa de mero detalhe.

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