terça-feira, março 15, 2005

Chuva, seca, Kyoto...

Começava a dormir quando a chuva começou. E veio forte, em rajadas violentas, até um pouco mais longas do que normalmente acontece com as rajadas. O sono foi embora. Liguei a luz de cabeceira e retomei a leitura interrompida pelo sono fujão. Nem mesmo a trama policial numa Boston invernal me prendeu a atenção. A intensidade da chuva passou a me preocupar. Desci, liguei as luzes de fora e verifiquei se não havia nenhum ralo entupido. Preocupação besta, inda mais à uma da manhã, mas ela tem lá suas razões de ser. Sem sinal de água empoçada, sosseguei e voltei pra cama.

Devia estar chovendo também no sítio. Ótimo! O sorgo continua carente de umidade, só espero que não chova desse jeito. Esse é o problema de fazer plantio convencional: a gente torce pela chuva e pela intensidade da chuva. Com o plantio direto a gente só quer a chuva, não se preocupando com sua intensidade, já que a palhada vai proteger o solo.

De todas as calamidades naturais, acho que a seca é a pior. As mais apavorantes, com certeza, são a inundação e a tromba-d’água. São, porém, menos daninhas que a seca. A inundação é localizada, sempre. E boa parte das áreas inundadas existem apenas com essa função: serem inundadas. Pelo menos na natureza. Quando o homem invade tudo, asfalta tudo, constrói em tudo, inclusive nas áreas de inundação, bom, aí já não dá pra ficar reclamando e nem listando inundação como uma coisa terrível. A tromba-d’água é braba, aterroriza a tudo e a todos, mas dura minutos e é, também, localizada.

Então, se os eventos ligados ao excesso d’água aterrorizam, o evento ligado à sua ausência faz sofrer, um pouco a cada dia, e esse pouco vai crescendo, crescendo, crescendo... Deixa de ser pouco e se transforma em muito. Para um agricultor não há nada pior. Nada mais triste. Nada mais destruidor. E a seca nunca é localizada, ah, não... Ela vai longe, toma regiões imensas, entristecendo a natureza a perder de vista. Chega a seca e vai-se o verde, vai-se o frescor, vai-se o perfume e fica o pó, fica a sensação ruim de folhas sem viço que se esfarinham na mão. Vai-se o brilho do pelo das vacas, vai-se a gordura de cobertura e proteção, as costelas assomam, sempre feias, sempre sinalizadoras de carência. É triste para um agricultor olhar as plantas definhando, matando a esperança que toda colheita traz. Muitas vezes não dá sequer para encarar o olhar de uma vaca, de um cavalo. Não cobram, não são disso, mas seus olhares trazem uma tristeza que cala fundo no peito da gente. E a gente impotente contra esse desmando da natureza.
As secas existem desde sempre. Difícil dizer até que ponto a atividade humana realmente está alterando o clima no planeta, intensificando a freqüência e duração dos veranicos. Apesar de toda nossa fantástica capacidade de intervenção sobre ecossistemas diversos, ainda creio que a natureza não se amola muito conosco. Pode ser. Mas, pode ser que não, pode ser que ela já esteja se amolando com nossas perturbações da ordem planetária. Pode ser que a perda da neve no Kilimanjaro e a redução de 15 metros por ano nas geleiras do Himalaia já sejam sinais de alerta para nós. Na dúvida, não ultrapasse, não coloque em risco sua vida. Na dúvida, gostaria que Estados Unidos e China assinassem o Protocolo de Kyoto. Gostaria que americanos e chineses se civilizassem de fato. Nesse momento, tenho-os em conta de selvagens ignorantes do próprio poder e dos estragos que causam.



file:///C:/Documents%20and%20Settings/Cia% Posted by Hello

Essa foto foi tirada no Rio Grande do Sul. Em pleno planalto, região de belas coxilhas, sempre cobertas pelo verde da soja, do milho, do trigo, da aveia, dos pastos. Mas não agora. O sul do Brasil padece, ainda, sob forte seca. Os prejuízos financeiros se avolumam. A desesperança se instala nos corações e mentes de todos que moram nessa região. A seca é sempre triste. Agora está chovendo em muitas áreas do sul. Tanto que impediu minha viagem, marcada para ontem. Foi bom. O motivo foi justo. E agora, quando eu fizer a viagem e começar a gravar, terei cenas mais bonitas no visor da câmera. Cores mais vivas, frescas, brilhantes. Com a chuva, volta a vida. E volta a esperança.

Finalmente o sono chegou e dormi. A chuva da madrugada agora era chuvinha. Daquelas que embalam o sono. Já não era sem tempo.


No sítio, a chuva noturna foi de 8 milímetros. Ótimo! Chuva boa, sem provocar estragos. O sorgo e o capim agradecem. As vacas agradecem. Eu também agradeço. Não sei bem a que ou a quem, mas essa é uma coisa interessante: ao plantar e criar e ao voltarmos a ser tão dependentes da natureza, sentimos, com freqüência, uma necessidade de agradecer. Qualquer dia escrevo sobre isso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nesse ponto, Uberlândia e o Triângulo andam, atualmente, muito bem servidos. Chove quase que diariamente, pelo menos uma meia-hora.

Os rios correm caudalosos e a mata ciliar, verdinha, verdinha...

Tinha visto essa foto na matéria de Veja. Aliás...

Que beleza, o envolvimento de empresários ligados ao PT com as FARC, hein? Mas peraí, o que diabos faz um representante das FARC no Brasil? Será que eles agora também têm embaixada :) ? Quem deu asilo político a esse cidadão?!