sexta-feira, março 04, 2005

Blindagem!

Sexta-feira corrida, assim como a quinta-feira. Ainda bem, já estava mais que na hora de um pouco de bom movimento por aqui. Ontem, em meio ao lufa-lufa de edições, reuniões com clientes, telefonemas e mais telefonemas, não pude montar. Minha barriga, penhorada, agradeceu. E quase perdi a sessão de shiatsu, fundamental para espantar de vez a tendinite que me aporrinhou e ainda aporrinha.

Hoje estive em contato com outro Brasil. Gravamos uma oficina de blindagem de veículos. Naturalmente, a parte melhor e mais atraente foi a gravação dos disparos contra um parabrisa e contra uma chapa metálica usada na blindagem das portas.

Colocamos a câmera, uma gracinha de US$ 22,000.00 usada, no estado, atrás do parabrisa. Ainda perguntei ao Ulisses se não dava pra coloca-la meio enviesada, mas não. Ela ficou mesmo bem frontal à boca de um poderoso .357. Câmera ligada, gravando, vieram os tiros: 3 e mais 2, em rápida seqüência, formando o que chamam de norma. E o parabrisa lá, impávido. Tiramos a câmera detrás do vidro – ufa! – e colocamo-la ao lado do atirador. Tudo isso num stand de tiro protegido, acusticamente, inclusive. E com parede transparente à prova de estilhaços. Tudo nos trinques. Novos tiros, o parabrisa ficou todo marcado e nenhuma bala perfurou-o.

Depois, a chapa metálica. Tiros e mais tiros. Aproveitei, pedi mais tiros, mudei a posição de câmera, um pouco mais ia começar a me achar o Clint dos velhos tempos. E tome tiro. A chapa ficou toda afundada com os impactos, de um lado, e estufada dos outros. E só.

Olhei pra cara dos carros, a maioria vans e pickups. Máquinas poderosas, blindagens poderosas. E pensei. Pensei nesse país tão cheio de boas coisas, tão maneiro, tão legal, tão isso e aquilo. País de povo bom, prestativo, gente que gosta de ajudar. Pode até não gostar de associativismo, de trabalhar em cooperativa, mas bastou dizer que precisa de ajuda e... pronto! Mesmo assim, blindar veículos é, hoje, excelente negócio. Tão bom quanto montar uma empresa de segurança, ou de escolta armada de caminhões. Ou, ainda, uma empresa de vigilância eletrônica de veículos, caminhões, principalmente. Negócio bom no Brasil de hoje é aquele que lida com nossos medos, nossas fobias, nossas
“certezas”. Brasil, o país das grandes histórias ou estórias, é só escolher, tem pra todo gosto e todo bolso.

Por coincidência, uma dessas histórias brasileiras teve hoje mais um episódio: foi aberto processo criminal contra Sergio Gomes da Silva, o “Sombra”, acusado de ser o mandante da morte de Celso Daniel – lembram dele, o prefeito de Santo André? Só que, hoje, a abertura do processo foi referente à extorsão, formação de quadrilha e outros itens sobre os quais não quero perder tempo e nem agredir meu ombro dolorido escrevendo a respeito.

E o que tem a ver alhos com bugalhos, o “Sombra” com minha gravação e meu cliente? Ora, ali na oficina/fábrica, vendo a blindagem, vendo a força dos motores, fica ainda mais difícil acreditar na incrível história contada por nosso réu, instalado com Celso Daniel a bordo de uma poderosíssima Pajero blindada. Dentro de um carro desse, você fica quieto, olhando a bandidagem atirar e nada acontecer. Claro que dá medo, com certeza dá muito medo, mas a blindagem está lá para isso: proteger. Mas não, o réu, bem sucedido empresário, se apavora, abre as portas e, assim, os bandidos pegam o prefeito e levam-no embora, levam-no para a morte.

É, olhando tudo que gravei, revisando cenas, chego à conclusão, como se preciso fosse e como se a justiça já não tivesse há muito chegado à mesma conclusão, que essa historinha tá muito, muito, mas muito mal contada mesmo.

Olho o chão do stand de tiro. Recolho duas balas: uma, aberta em forma de flor, chocou-se contra a placa metálica. A outra, que se chocou contra a manta que vai por baixo da blindagem, está menos estragada, mas traz impressa no chumbo a trama dos fios da manta. Chocante.

Seu carro podia ser blindado, mas sua história, de blindada tem é nada. É cheia, cheinha de furos. Ainda acho que muita coisa virá à tona. E o circo vai pegar fogo, ô, se vai!

O Brasil é chocante e a gente já não mais se choca com coisa alguma.

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