terça-feira, maio 29, 2007

... e até numa fazenda


Carlos Alberto é um desses brasileiros igualzinho a outros 120 ou 130 milhões. De origem pobre, paupérrima, no caso dele, nasceu e cresceu no interior do estado do Rio de Janeiro. Como outros milhões de brasileiros, gosta de jogar bola e, verdade seja dita, leva jeito pra coisa. Num momento da vida conseguiu chegar nas beiradas do mundo maravilhoso do futebol profissional. Mas, coitado, chegou meio tarde. Igual a ele tinha outros garotos jogando bola, embora menos encorpados, menos decisivos nas divididas, menos presentes na hora de se impor perante o adversário. Foi quando uma pessoa próxima a Carlos Alberto disse-lhe que o jeito era diminuir sua idade.

E assim foi feito. Carlos Alberto dormiu com 23 e acordou com 18 anos. Em algumas horas de sono perdeu nada menos que 5 anos de vida. Deve ter batido algum recorde. Lentamente, começou uma trajetória como jogador de futebol. Com sua força física e bom jogo, logo destacou-se. Foi convocado para uma seleção brasileira, a sub 20. Enquanto seus colegas, pelo menos em tese nessa altura do campeonato, tinham 18 ou 19 anos, ele tinha 25. Dominava, destacava-se, apareceu para o mundo.

Foi jogar em Santa Catarina, no bom time do Figueirense, na linda Floripa, ou Florianópolis para os não-íntimos. Aos 23 anos, a grande chance: acertou sua ida para o São Paulo. A vida parecia já bem traçada e sossegada. Era só esperar pelo final do campeonato e começar o ano de 2007 no novo clube.

Mas, no meio do caminho tinha uma pedra. Denunciado por um procurador ou agente que ficou fora da divisão do dinheiro ganho com a transferência, viu-se nas manchetes: “Gato!”

Uma noite, foi dormir com 23 anos e acordou com 28, já a caminho dos 29. deve ter sido outro recorde, agora no sentido inverso.

A ida para o São Paulo não aconteceu. Ficou num desvio no tempo e no espaço, condenado, duramente, a um ano de suspensão. Coisa excessiva para quem fraudou para ganhar a vida e manter a família, enorme e paupérrima, como toda família brasileira pobre que se preza.

Bom, mas Brasil é Brasil, e se assassinos safam-se com alguns dias de prisão apenas, por que o rapaz cumpriria tão longa pena? Cumpriu metade – bandidos cumprem,quando a sociedade tem sorte, apenas um terço ou um sexto – e a outra metade pagou hoje com 100 cestas básicas para uma instituição de caridade. Vale dizer que nosso personagem – para não chamar de herói – já está em São Paulo, mas em outro clube igualmente grande, o Corinthians. E, em paz com a sociedade, voltou aos jornais, rádios e tevês. Está a caminho de ser uma estrela como sempre sonhou e sua família precisa.

E vem entrevista pra cá, entrevista pra lá. Humilde, fala das dificuldades que a vida lhe apresentou. Conta que trabalhou como pedreiro e até numa fazenda.

Opa!

Como é que é?

Pois é, pobre garoto pobre do interior fluminense, trabalhou até numa fazenda, imagine você, estimada leitora, estimado leitor. A que ponto chegou o pobre garoto pobre para sobreviver e levar algum dinheiro para sua casa carente e cheia de irmãos e parentes pobres.

Até numa fazenda...

Como é triste ler ou ouvir isso.

E como é comum, rotineiro, ouvirmos e lermos coisas assim.

O trabalho no campo é visto como degradante ou como última possibilidade de sobrevivência para quem está ali mesmo, no campo.

Poucos querem ficar nas fazendas e sítios. É uma vida sem charme, sem glamour, sem os brilhos esfuziantes da vida nas cidades. Ficar no campo é um castigo, verdade seja dita.

Todo pai e mãe que se preza, trabalha e planeja o futuro dos filhos longe da roça, mesmo que sejam eles os donos da roça. Pois, ao contrário do que pensam e afirmam com serena certeza os “povos urbanos”, a vida na roça é dura e sem perspectiva.

Mas disso nada sabem os povos das cidades, dos condomínios, dos congestionamentos, da queima dos combustíveis fósseis batendo pernas atrás de nada, a troco de nada.

E quando sabem de alguém que mora e trabalha na roça já imaginam um felizardo, um potentado, um folgado indivíduo que passa suas horas na rede, olhando os bóias-frias se matarem nas roças propriamente ditas, embarcando depois em gloriosa pickup último tipo e indo para lugares de decoração brega, beber uísque e cativar as mocinhas boas de famílias más. Como se todo produtor rural fosse um nobre parlamentar da capital federal.

Carlos Alberto e, acredito eu, seus parentes paupérrimos de origem, já não moram e muito menos têm que trabalhar numa fazenda. O dinheiro farto para alguns do futebol encarregou-se de tirá-los dessa vida. São seres urbanos plenos. Não pisam na lama, não comem poeira, não tomam chuva ou sereno nas madrugadas geladas. E o calorão brabo dos trópicos é enfrentado no escritório com o ar condicionado no máximo, queimando energia adoidado, mas mantendo a vida doce e as cabeças frias.

Carlos Alberto e seus familiares subiram na vida. Parabéns.


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domingo, maio 27, 2007

Flores com macro, zoom e paranóia

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Começo de final de outono com cara e temperatura de alto inverno.

E ainda por cima úmido, com algumas chuvas bem satisfatórias.

Melhor que isso, só dois disso mesmo.










Sábado de manhã, sem poder ir pro sítio, pego a câmera nova e vou caminhar, aproveitar para testar a bichinha. Tarefa muito agradável, pois “descobri” como tirar o disparo do flash em toda foto no automático e, fundamental, descobri como acessar a lente macro. (Bom, não gosto de acessar, assim como abomino disponibilizar, mas às vezes, o jeito é usar.)


Caminho pelas ruas largas e bonitas da Fazendinha, como faço há anos. Paro e fotografo a toda hora.


0A lua já está alta no céu, quase cheia, e proporciona belas composições, como essa com as flores de uma espatódea.





Gosto das flores do “mato”, aquela montoeira de plantas pequenas que o povo chama indistintamente como mato.


No campo, são invasoras ou ervas daninhas, aliás, plantas daninhas, pois agrônomos e botânicos se aborreceram com o termo “ervas”.






Tá bom, tá bom, que sejam, então, plantas daninhas.






Mais uma bobagem semântica, mas deixa pra lá.

Bom, o mato brasileiro tem flores à bessa, muitas delas minúsculas, e fico me exercitando, mal, com a câmera na função macro.


Preciso de óculos para enxergar perto, mas não penso em mandar fazer um.


Bi-focal nem pensar.


Vira e mexe tenho que tirar meu óculos e olhar alguma coisa próxima só com o meu próprio par de olhos.



Coisa chata, mas, faz parte e, infelizmente, não me ajuda muito no foca, desfoca ao trabalhar com a câmera em situação de foto macro.






Apesar disso, algumas fotos até ficaram razoáveis, bem passáveis.











Esse ipê-roxo é mais um que vejo meio descontrolado, com flor antes do tempo, ainda com boa parte das folhas na árvore.


Creio que essa confusão deve-se às idas e vindas do frio e da seca.


No ano passado foi diferente: a seca muito prematura e uns arremedos de frio forçaram a florada dos ipês por toda parte no interior de São Paulo.




Provavelmente, essa arvore irá ter uma bela florada mais para a frente.



Não lembro o nome dessa flor, mas é bonita a danada!

















Em certo ponto da caminhada pára um carro da segurança ao meu lado.


- Oi, bom dia.


- Bom dia.

- O senhor tá fotografando, né? Nossa, um monte de gente já comentou comigo sobre o senhor;


- É mesmo? Curiosidade ou medo?



- Ah, com medo, né.



- Hahahahahahahaha...



- É, o pessoal fica pensando coisas...


- Pois é, mas não precisam pensar nada. Só estou fotografando flores e árvores.


- É, eu sei, eu já conheço o senhor. O senhor é morador, né?

- Sou vizinho, moro ali atrás do “Nicolau”, mas caminho por aqui há muitos anos.



- Eu sei, eu sei. Beleza, tem problema não.


- Poxa, muito obrigado.


Não consegui disfarçar a ironia, mas o segurança não tem culpa pela paranóia dos que lhe pagam o salário e a gasolina do carro.

Ao contrário das flores, a paranóia e o medo florescem o tempo todo por qualquer motivo.



Continuo caminhando e fotografando com minha nova câmera, minha mais nova paixão, com sua zoom poderosa. Agora, é só aprender a fotografar, aprender a usar direito a câmera e, claro, não vejo a hora de ir pro sítio.


Com essa zoom, ah, não vai ter passarinho que escape dela.


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quarta-feira, maio 23, 2007

O nada ao lugar nenhum... Ou...

Falta poesia... Concreta






Ah, como a poesia faz falta na vida e na visão das pessoas.

Sua falta empobrece nosso entendimento da vida e suas manifestações.

Todas as vidas, inclusive a política.

Não, não, nada da velha poesia revolucionária, nada disso. Refiro-me à visão poética, à visão que capta uma imagem e consegue traduzi-la de outra forma.

A visão que permite entender outros homens e suas manifestações que se tornam poesias.

Bom, muita enrolação, né?

E o que faz essa ponte no meio do nada?

Uma ponte ligando o nada ao lugar nenhum...

Poesia, é isso que essa ponte está fazendo.

Apenas poesia, o que já é muito, considerando o que certas pontes costumam ligar.

Há muita poesia nessa imagem.

Só quem já rodou muito por esses sertões afora consegue entender o impacto visual, semântico e poético de uma estrutura como essa.

Olhamos ao redor e nada mais vemos que não o cerrado infindável, suas pequenas árvores retorcidas, as folhas grossas embaixo do sol causticante, a areia que range ao caminhar e transmite aos pés protegidos a quentura que guarda o dia inteiro para só perder noite alta, quando fica fria, às vezes gelada. É um deserto de gentes e belezas, pois só quem não conhece ou é meio pancada acha beleza no retorcido agreste e sofrido das plantas.

E em meio a todo esse nada, a ponte.

Improvável, desprovida de sentido lógico, uma ponte impossível, pois não é possível que alguém se resolva a erguer uma ponte justamente ali. Por baixo dela, cruzando sua sombras, apenas as corridas dos calangos. De vez em quando o deslizar ziguezagueante de uma cobra. Ela lá, eu cá, não vou atrás para saber de sua vida, sua família, suas vontades. E tão logo a cobra deixa a sombra da improvável ponte, tudo volta ao torpor habitual, do sol alto no cerrado sertanejo em algum canto perdido da Terra de Vera Cruz.

Terra de improbabilidades concretas, terra que une o nada ao lugar nenhum, numa aparente nulidade que se anula e se faz concreta.

Bem-vindos à verdadeira poesia concreta brasileira.


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terça-feira, maio 22, 2007

Professeur Bové / Eu, rainmaker



Monsieur le Professeur Joseph Bové

Hoje foi um dia proveitoso em minha vida, ou melhor, mais proveitoso que a média, já que todo dia – por que não? – é proveitoso. Digo isso sobre hoje porque tive o prazer de conhecer o Prof. Bové, pesquisador, cientista na acepção da palavra, com muitos trabalhos e descobertas na área da sanidade vegetal, particularmente nas plantas cítricas.

O Prof. Bové é pai daquele desmiolado Bové – José Bové – que, levado por vagabu... ops, militantes do MST, invadiu a estação experimental da Monsanto em Não-Me-Toque, Rio Grande do Sul, totalmente destruída pelos bravos companheiros. José Bové foi candidato a presidente da França na recente eleição, embora sua candidatura tenha sido mais simbólica e geradora de propaganda do que propriamente para valer. Se Mme. Royal tivesse vencido, dava-se como certo que Bové seria seu Ministro da Agricultura. Vade retro...

Enquanto o filho destrói laboratórios, o pai pesquisa, estuda e contribui decisivamente para o progresso da ciência e, por extensão, do bem estar das pessoas. Coisas da vida, claro.

Bom, esquecendo o filho e falando do pai: ele vem regularmente ao Brasil há alguns anos, colaborando com o pessoal que trabalha na pesquisa de doenças que afetam as plantas cítricas, sua grande especialidade. Conversamos muito rapidamente, infelizmente, por conta das velhas coisas de sempre: sair correndo dum lado para o outro para gravar alguma coisa. Pena que nunca levei realmente a sério meu estudo de francês, pois teria sido muito interessante conversar com ele em sua língua nativa e não em inglês. Se bem que, para ser sincero, é ótimo conversar em inglês com outro não-nativo.

A gente se entende com perfeição.



Eu, rainmaker

Hoje me ofereceram emprego como chuveiro.

Isso mesmo, chuveiro, o cara que faz chuva, um fazedor de chuva.

Em língua corrente, um rainmaker, entenderam?

Pois é, basta ter gravação agendada, fazermos toda a produção, pega isso, pega aquilo, arruma aqui, ajeita acolá, trezentos, quatrocentos quilômetros de estrada, cansaço, quase nada de tempo para dormir e... Chuva! Logo cedo, abençoada e deliciosa chuva em pleno terço final de maio. Eu é que não vou reclamar, apesar dos atrasos no trabalho.

E dadas tantas coincidências – três vezes já – estão falando em meu nome como rainmaker, o fazedor de chuvas do pedaço. Se bobear, breve estarei recebendo convites para visitas estratégicas ao Nordeste. Com todo o prazer.


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sexta-feira, maio 18, 2007

Trabalhadores - procura-se


Uma colhedeira de cana necessita de 3 operadores qualificados, 6 tratoristas igualmente qualificados e 9 motoristas de caminhão pesado, também qualificados.

Ou seja, uma única máquina que, como dizem seus opositores, tira 80 empregos de bóias-frias sem nenhuma qualificação, exige nada menos que 18 profissionais bem treinados e qualificados para sua operação direta. Agora, falamos aqui de 1 colheitadeira (sinônimo gaúcho para colhedeira), 3 tratores de grande porte, com tração nas 4 rodas e 9 caminhões com suas carretas. Esse pequeno parque de máquinas demanda por si só toda uma estrutura de atendimento especializado, não só na usina como também nas cidades próximas. Vale dizer que esses profissionais são bem melhor remunerados que os cortadores de cana que, felizmente, hoje ganham muito mais que antigamente. A conseqüência direta da existência de trabalhadores com melhor remuneração é a criação ou a expansão de serviços diretos para eles nas cidades, indo muito além da categoria “donos de botecos de periferia”.

As usinas, porém, têm dificuldades em encontrar profissionais treinados. Um grupo delas, por sinal, organizou um esquema para formação e aperfeiçoamento da mão-de-obra que necessitam, ao largo de entidades que até funcionam no nível do chão, mas não conseguem funcionar nos andares superiores que o mercado de hoje exige.

Esse é apenas um entre muitos outros exemplos na área rural. Quem conhece e vive no interior, sabe que as pessoas têm verdadeira ojeriza ao trabalho na lavoura, principalmente os jovens. A preocupação mais imediata de todas as famílias é criar condições para que os filhos trabalhem “na cidade”. Já nas cidades, a vida no campo é idealizada, é enxergada como algo bucólico, romântico, bonito, suave...

Quanta ignorância! Nada mais distante do bucólico e suave que o trabalho na roça ou com o gado. Além de pesado, duríssimo – mesmo quando existem máquinas de monte – e extenuante, ele precisa ser realizado todos os dias do ano, com chuva, sol, neblina, garoa, frio, calor, poeira, lama, não importa. E, no campo, o frio é mais frio e o calor é muito mais calor.

Então, as famílias interioranas querem tudo para seus filhos, menos o trabalho no campo. Já nas cidades, os povos urbanos querem que as famílias dos povos rurais recebam pequenos lotes de terra para viverem felizes para sempre. Bom, isso não existe. Dessas famílias que recebem seus lotes e passam a ser chamadas de assentadas, uma parte delas, por enquanto, vende ou transfere seus lotes, mesmo sendo isso proibido, e voltam para as periferias das cidades, ao lado dos botecos, dos mercados, do tititi com os vizinhos, da agitação da cidade mesmo que minúscula. Outra parte, tendo sorte, arrenda seu lote para uma usina ou um vizinho maior, que passa a cultivá-lo da forma que a agricultura moderna e produtiva demanda. Outra parte, finalmente, permanece na terra, estagnada, reproduzindo no próprio lote o miserê urbano do qual saíram. Uma pequena parcela produz e prospera, mas é pequena e, pasmem, mal vista pelos vizinhos e, sobretudo, pelas direções dos diferentes movimentos de “companheiros” “sem terra”. E haja aspas...

Bom, e o que tem a ver a colhedeira de cana com esse quadro de “sem-terras” (já virou um substantivo, repararam?) e sem-futuro?

Eu diria que muito. E tem a ver, também, com a falta de padeiros e açougueiros, carpinteiros e encanadores, marceneiros e eletricistas. O mercado brasileiro é carente de profissionais de nível médio. De nível superior também, apesar da abundância de “formados”. As redes de supermercados reclamam a inexistência de açougueiros, padeiros, confeiteiros, peixeiros, estoquistas e outros. A saída é elas próprias formarem esses profissionais.

As indústrias também sofrem com a falta de profissionais nas áreas operacionais. A complexidade das máquinas e operações exige o grau médio, mas... Bom, indústrias, varejo e usinas e fazendas têm que se contentar com o grau fundamental e nada mais. Fica para elas a complementação da formação das pessoas, de forma que possam ler um manual simples e aprender a operar máquinas e equipamentos.

Paradoxalmente, quando uma vaga para nível superior é aberta, tudo muda. A mesma rede varejista que não encontra peixeiros e açougueiros, padeiros e confeiteiros, estoquistas e operadores de empilhadeiras, abre 20 vagas para trainees e aparecem nada menos que 38.000 candidatos.

Todos com nível “superior”.

Enquanto isso, prevalece a imagem do operador de colhedeira sozinho em sua máquina, num deserto de gente. Verdadeira na foto, falsa no significado.

E as usinas continuam esbarrando na falta de mão-de-obra qualificada para aumentarem suas operações.

O que acontece com o Brasil?


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terça-feira, maio 15, 2007

21 - Hung Up - Madonna - Confessions Tour DVD

Essa tournée mundial da Madonna foi espetacular. É o mínimo que posso falar. Depois de assistir ao vídeo sobre a excursão e ao DVD gravado ao vivo nas mais diferentes cidades ao redor do mundo, fiquei apaixonado.
Pois é...

:o)

E essa música/performance é a minha preferida.

Quase um vício.

Piorando, ao invés de...


Pois é, quem procura sinais de otimismo precisa procurar muito.

Lembro da lenda hindu do homem que passou toda sua vida procurando pelo seixo que transformava qualquer metal em ouro. Procurou-o por décadas, sem resultado. Um dia, parou para descansar à sombra de uma árvore e olhou para a velha fivela de metal barato de seu cinto, na qual batia os seixos, dia após dia. E ela brilhava, refulgia até na sombra do arvoredo. Primeiro, desanimou, mas logo recuperou seu ânimo e, mesmo alquebrado pelo peso dos anos, retomou sua caminhada, agora em sentido contrário.

É... Pensando bem, ainda não descobri porque cargas d’água meus neurônios ligaram a busca do otimismo com a busca do seixo mágico. Talvez porque de vez em quando a gente encontre um sinal otimista, mas, tomados por um desânimo que começa a parecer genético, não acreditamos no que vemos e seguimos em frente.

Nesse momento, os sinais negativos abundam. Apesar de todos os riscos, apesar da certeza dos terríveis problemas futuros, dos quais já vislumbramos algumas amostras grátis hoje, ninguém desiste de seu way of life e muda em prol do futuro. Parece que o viver bem aqui e agora é mais importante. E essa postura tem mesmo tudo a ver com o imediatismo de nosso tempo, que nos leva a viver em alta velocidade. Ou melhor, que nos leva a cruzar esse tempo em que vivemos de forma apressada, sem tempo para apreciar nada do muito que temos e poderíamos apreciar. Vivemos sob o signo da urgência e da pressa. É uma civilização que parece querer esgotar-se.

Voltando ao que deveria ter sido o começo, meio e fim dessa crônica, queria dizer que a Suprema Corte dos Estados Unidos, autora de decisões brilhantes em prol do homem, proferiu a que talvez venha a ser a sua mais desastrada e impensada decisão: autorizou a EPA – Environmental Protection Agency – a legislar sobre a emissão de gás carbônico. Não se pode legislar sobre algo que é fonte da vida como a conhecemos. Sem o CO2 tão mal-afamado e criticado, não há vida sobre a Terra. Porque é dele que as plantas precisam para se estruturarem e, ao lado da água e da luz solar, produzir a fotossíntese, liberar oxigênio e produzir a base da alimentação de todos os seres vivos sobre a face do planeta, inclusive as mocinhas desfilantes que parecem viver de brisa e nada mais.

O que provoca o aquecimento global não é o gás carbônico, nem mesmo o que se origina das queimadas. É o gás carbônico que sai do consumo desenfreado dos combustíveis fósseis para fins energéticos. O aquecimento global é filho único, praticamente, do petróleo e do carvão.

Mas a Suprema Corte não poderia legislar sobre o direito sagrado de cada cidadão americano ter sua própria SUV e com ela desfilar por toda parte, desde pegar as crianças na escola e ir ao supermercado até viajar no final de semana para longe da cidade poluída, em busca de um ar puro que começa a virar mito e lembrança remota.

A Suprema Corte não quis submeter os americanos ao risco de se sacrificarem por algo, por mais nobre que seja. É uma sociedade que já não aceita o sacrifício por nada, quase não o aceita nem mesmo por uma boa guerra. Tanto lá como cá, sacrifício é algo irrevogavelmente fora de moda e antiquado. Nada pode se interpor entre nosso prazer e nossa consciência. O último estágio dessa escalada parece estar sendo cumprido na China e na Índia. Também por lá a busca do prazer imediato, do conforto e da posse, está em alta.

O panorama é tão complicado que o próprio Papa Bento XVI incluiu a natureza, a Amazônia, os bosques brasilianos em seus discursos.

Sensação ruim passa tudo isso.


Mas a fivela do meu cinto continua sendo de metal barato.

Já é alguma coisa.

Eu acho.


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Genéricos em promoção



Visitas de impacto

O Papa veio, andou, falou e já se foi.

A cidade parou, parte para ver o Papa, parte por causa do Papa.

A primeira vez que um papa veio ao Brasil foi mais impactante.

Lembro razoavelmente da confusão, lembro, também, que foi período conturbado em minha vida pessoal.

Da primeira vez tínhamos, numa visão mais ampla, um país a recuperar e construir. Hoje, já tivemos um país e não tivemos a menor idéia do que fazer com ele. Deu no que está dando agora.

O Al Gore também veio e já se foi. Acho que já se foi, pois foi tudo meio discreto.

Cometerei uma blasfêmia se disser que hoje, e para o futuro, o Al é mais importante que o Bento?

Poderia e deveria ser diferente, mas, sei lá... A Igreja Católica anda meio presa a velharias em total desacordo com o presente e com o futuro. Nessas terras de LatinoAmerica, em particular, de um lado a rapaziada pinta e borda e os bons e velhos conceitos e preceitos de moral, civilidade, respeito e outros, perdem-se em meio à esbórnia geral. De outro, os pregadores se metem a líderes de movimentos vários, talvez para aplacar antigas culpas, talvez por acreditarem que o caminho da fé passa por atos concretos revolucionários.

Não gosto de ver a igreja, qualquer igreja, ou seja, qualquer religião, com as rédeas do poder nas mãos. Apavorante e perigoso. Tanto a história como o presente estão repletos de tristes exemplos.

Falei mais da igreja do que do ambiente. O Gore veio para falar sobre o ambiente, algo que nos afeta independentemente de nosso credo religioso, ou ausência de credo. Ainda não terminei a revisão do documentário sobre o escurecimento global. Parei na metade, em parte por estar meio assustado com as conseqüências que ele descortina. Passei parte dos últimos dias procurando sinais de otimismo verdadeiro no horizonte, todavia, os que encontrei estão cheios de ressalvas ou trazem consigo acusações de serem forjados para não assustarem demasiado as pessoas.

Ah... O frio, finalmente

De tanto ler, ouvir e falar sobre o aquecimento global, mais do que em anos anteriores eu estava saudoso do frio, desejoso de ver esses dias cinzentos e sentir sobre a cabeça descoberta os pingos minúsculos de garoas em diversas intensidades, desde um sereno mais grosso até um garoão.

Enquanto escrevo, um pezinho de brisa gelada entra pela janela e dá para sentir pequena amostra de uma garoinha ligeira. Um dia perfeito, do qual já tenho saudades por antecipação. Por aqui, antes do aquecimento global tivemos o aquecimento paulistano, que cometeu o crime de matar a garoa que foi nossa marca registrada como cidade. Uma cidade que já foi mais civilizada, com menos asfalto, menos concreto, menos gente e mais garoa, mais frio, mais prazeres que não os atuais e supostos prazeres, movidos a rios de dinheiro e falsos como notas de sete reais. O aquecimento paulistano, um fato, é uma boa amostra, ainda que em pequena escala, do que pode representar o aquecimento global.

E vou parando por aqui.

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quarta-feira, maio 02, 2007

Mudanças bem-vindas e nem tanto


- Nossa! Só tem isso de ovo, Ismael?

- É, agora as galinhas quase pararam de botar.

Escuto a conversa entre a Rosa e o Ismael enquanto descarrego o carro. As coisas no sítio estão diferentes, inegavelmente. O dia está gostoso, a temperatura amena, apesar do sol e céu azul. O pé de acerola perto da cozinha tem meia dúzia de frutinhas pequenas, enrugadas, que em quase nada lembram as frutas brilhantes, grandes e suculentas de semanas atrás. Quando terminamos de picar a cana para as vacas, uma invasão de abelhas chega a cobrir partes do monte de forragem encostado à parede do barracão. Cada lance do forcado para colocar a cana nos balaios é um risco. As abelhas ficam agitadas, nervosas, o zumbido cresce e os balaios cheios precisam ser pegos com cuidado, o que não impediu algumas ferroadas no Ismael. Pego alguns sacos vazios de farelo e cubro os balaios cheios com eles. Com essa medida simples as abelhas se afastam e o trabalho chato e pesado de erguer os balaios com cerca de 30 kg até o ombro fica um pouco menos complicado. Alguns bezerros já estão ficando com uma pelagem mais espessa. Os dias estão mais curtos, visivelmente, e de tardezinha uma blusa se faz necessária. E, à noite, a quantidade de insetos é minúscula, inclusive dos besouros rola-bosta que pousam nas varandas. As portas de tela ficam abertas por vários minutos e nem por isso a cozinha ou a sala são tomadas de assalto por hordas invasoras de bichos diversos com três pares de pernas.

É o outono, finalmente.

No caso das abelhas, a diminuição nas floradas reduz a oferta de alimento para elas, daí a invasão do barracão do curral e o passeio para pegar como alimento a própria cana. O mel dessa época não é dos melhores, é bom que se diga.

As galinhas começam a reduzir a postura por ocasião da Quaresma. Isso já está no folclore há séculos. Produzir ovos, nessa época, só com aves de raças industriais especializadas e às custas de super-alimentação e iluminação artificial nas granjas, iludindo os instintos e toda a memória genética das aves. Não temos nada disso aqui, muito pelo contrário. Portanto, as galinhas reduzem drasticamente a postura. Muitas já circulam por toda parte com 3 u 6 ou 8 pintinhos. Com a noite chegando, abrigam-se todos embaixo do corpo e das asas da mãe, um ou outro pondo bico e olhos para fora do cobertor de penas para uma espiada final ao dia que entardece e se prepara para a noite.

Algumas árvores também começam a perder suas folhas. Breve, delas restará somente o esqueleto em silhueta contra o horizonte. É o que ocorre com os ipês, por exemplo, que mais tarde explodirão em flores amarelas, brancas e roxas, num dos grandes espetáculos da natureza.

E um outono com dias chuvosos é o que há de melhor. Assim foram esses dias, embora a chuva tenha sido pouca. Não importa. Ainda teremos mais um pouco nos próximos dias. O tempo oscilou entre o céu azul e noites estreladas e céu encoberto por uma camada baixa de nuvens, com algum chuvisco rápido ocasional. Pela manhã, a preguiça para levantar de algumas vacas e, principalmente, bezerros, é nítida. Mas aqui, no Macaúbas, o ritmo é sossegado, pois as atividades humanas só começam às sete da manhã. Menos na cozinha, onde, de maneira geral, já estamos em volta do fogão a lenha desde cinco e meia da manhã. E esse primeiro café matinal é sempre especial, um momento gostoso, para ser apreciado.

Gosto do outono. E gostaria ainda mais do inverno se não fosse pela ausência de chuvas. Gosto das mudanças de primavera para verão e desse para o outono. E, apesar de perder o frio, gostarei muito da mudança do inverno para o verão, com suas chuvas e toda a promessa de vida que vem junto.

Mudanças são benéficas e bem-vindas.



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